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A estória da cruz serrada foi tão difundida que, se fosse possível, enxertariam a narrativa no Canon sagrado. Muitos consideram a estória da cruz serrada uma ilustração do convite registrado nos evangelhos: – “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” ( Mt 16:24 ).


A cruz serrada

“Em seguida, Jesus disse a seus discípulos: Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á” ( Mt 16:24 -25)

Era uma vez…

A estória da cruz serrada foi tão difundida que, se fosse possível, enxertariam a narrativa no Canon sagrado. Muitos consideram a estória da cruz serrada uma ilustração do convite registrado nos evangelhos: – “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” ( Mt 16:24 ).

Apesar do grande número de variantes, resumidamente a estória da cruz serrada apresenta os seguintes pontos:

Certo moço foi convidado a fazer uma jornada até o paraíso. Para chegar ao paraíso era necessário carregar uma cruz que foi posta em seu ombro e seguir a seguinte recomendação: a) seguir por um caminho reto ascendente, e; b) nunca deixar a cruz à beira do caminho.

O moço iniciou a jornada e, após certo tempo, a cruz começou a incomodar e a ficar cada vez mais pesada. O jovem trocou a cruz de obro por diversas vezes e, por fim, resolveu cortar um pedaço da cruz. O moço prosseguiu na jornada e, como a cruz continuou a incomodar, repetiu a ação anterior por várias vezes: cortou pedaços da cruz. Por estar com a cruz mais leve, o jovem notou que começou a ultrapassar outros caminhantes que carregavam as suas cruzes intactas. Porém, em certo momento o jovem se deparou com um rio e o caminho continuava do outro lado e não havia como atravessar.

Quando os retardatários chegaram, cada indivíduo utilizava a cruz como ponte, e atravessaram o precipício. O moço, tardiamente percebeu que a cruz era o único meio de atravessar o rio, porém, ele havia reduzido em muito o seu tamanho. Ele buscou um lugar no qual a sua cruz alcançasse o outro lado, e após apoiá-la na beirada do precipício, tentou atravessar e caiu, sendo levado pela correnteza < http://www.dnadedeus.com.br/2014/03/a-cruz-cortada-medite-sua-vida-nunca.html > 07/04/14 ou < http://recife.blog.arautos.org/2013/09/a-cruz-serrada > Consulta realizada em 07/04/2014 ou < http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7911&cod_canal=67 > Consulta realizada em 17/04/14.

Após narrar a estória, os pregadores concitam os seus ouvintes com os seguintes argumentos:

  • a ilustração corresponde perfeitamente com o que o Senhor Jesus disse, e cita Mateus 16, verso 24: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”;
  • que existe uma cruz a ser carregada, a mesma que Jesus carregou;
  • que Jesus não cortou a sua cruz, antes carregou uma cruz que não era feita de madeira, mas de pecados;
  • a cruz é a chave que abrirá as portas do maravilhoso reino prometido, e;
  • no final, se você conduziu a cruz, fará a grande travessia que te conduzirá a vida eterna.

A estória é narrada pausadamente, acompanhada de um fundo musical e busca um clímax. A música envolve o ouvinte que, em vez de analisar o narrado, se emociona e fica extasiado, deixando de considerar o que realmente é necessário para que o homem seja salvo.

Será que esta estória da cruz serrada realmente representa a ordem de Cristo estampada em Mateus 16, verso 24: – “… tome sua cruz e siga-me”? Será que há algum abismo a ser atravessado antes do salvo herdar a vida eterna?

 

O que é necessário para ser salvo?

O apóstolo Paulo fez uma breve exposição acerca do que é necessário:

“Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos, A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo” ( Rm 10:8 -13).

Ora, para ser salvo basta reconhecer que é pecador, admitir (confessar) que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus crendo que Deus o ressuscitou dentre os mortos. A confissão é necessária para salvação e o crer para a justiça, pois está estabelecido nas Escrituras que ao invocar o nome do Senhor o homem é salvo da ira vindoura.

É necessário que fique bem claro que, para ser salvo basta a qualquer pessoa crer e confessar Cristo conforme o apóstolo Pedro: “E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” ( Mt 16:16 ).

Esta mesma confissão foi feita por Marta, irmã de Lazaro: “Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” ( Jo 11:27 ).

Antes de ser batizado, o eunuco etíope, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, professou: “E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus” ( At 8:37 ).

Jesus se apresentou ao povo como o caminho, a verdade e a vida “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” ( Jo 14:6 ), e é Ele que conduz os homens a Deus “E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem” ( Mt 7:14 ).

Não é ao final da existência que o homem será provado se é digno ou não de estar com Deus. O homem precisa compreender que está perdido, alienado de Deus, e que é necessário crer no evangelho para entrar pelo caminho que conduz o homem a Deus.

A Bíblia é clara dizendo que pela carne de Cristo foi consagrado um novo e vivo caminho que dá acesso a Deus, portanto, não há outro caminho “Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” ( Hb 10:20 ).

A crença de que a cruz do indivíduo é o ‘passaporte’ para o paraíso não é conforme o evangelho de Cristo, pois o que conduz à vida é Cristo, que a si mesmo se entregou para salvar a humanidade.

Jesus censurou muitos de seus ouvintes, pois acreditavam que Cristo era um dos profetas pelos sinais miraculosos que operava, pois para ser salvo é necessário crer e confessar Cristo conforme as Escrituras, de que o Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, o Filho de Davi, que veio ao mundo sem pecado, foi morto e ressuscitou e que tira o pecado do mundo “Então muitos da multidão, ouvindo esta palavra, diziam: Verdadeiramente este é o Profeta” ( Jo 7:40 ); “E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: Uns, João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas” ( Mt 16:13 -14).

Havia muitos que diziam crer em Cristo, porém, não queriam admitir que eram escravos do pecado e que necessitavam ser libertos por Cristo “Dizendo ele estas coisas, muitos creram nele. Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?” ( Jo 8:30 -33).

Para ser salvo basta crer que Jesus é o Eu Sou “Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou” ( Jo 8:58 ), o descendente prometido a Davi “Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, o qual sairá das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e confirmarei o trono do seu reino para sempre. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; e, se vier a transgredir, castigá-lo-ei com vara de homens, e com açoites de filhos de homens” ( 2Sm 7:12 -14).

 

No que consiste a renúncia de si mesmo e o tomar a cruz?

A renúncia de si mesmo e o tomar a cruz é uma mensagem para os seguidores de Cristo, ou seja, para aqueles que creram na mensagem de salvação, e que, portanto, já deixaram o caminho de perdição.

É uma mensagem de aviso solene e alento para que os discípulos não desanimem quando chegar a angustia e a perseguição por causa da palavra. Sofrer por causa da mensagem do evangelho não é dado a quem ainda não entrou pela porta estreita, ou seja, renunciou a si mesmo “Mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende” ( Mt 13:21 ).

Aquele que ‘nega a si mesmo’ e ‘toma a sua cruz’ é bem-aventurado, pois compreende que com relação ao evangelho não somente é concedido crer em Cristo, mas também padecer pela mensagem da cruz “Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele” ( Fl 1:29 ); “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” ( Mt 5:10 ).

A mensagem sobre a necessidade de tomar a cruz visa estabelecer paz no coração dos verdadeiros cristãos que sofrem perseguição no mundo “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” ( Jo 16:33 ).

 

A renuncia de tudo

Jesus deixa claro que, para ser um seguidor d’Ele é necessário ‘renunciar a si mesmo’. Mas, como se dá a ‘renuncia de si mesmo’?

“Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:33 ).

Esta é uma exigência de Cristo que permeia o Novo Testamento:

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me” ( Mt 19:21 );

“E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me” ( Mc 10:21 );

“E, encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a” ( Mt 13:46 );

Jesus estava falando de doação de bens materiais? Não!

Primeiro temos que observar qual é o público alvo do ensinamento de Jesus: a multidão “Ora, ia com ele uma grande multidão; e, voltando-se, disse-lhe:” ( Lc 14:25 ).

Jesus estava falando a multidão, e devemos lembrar que Ele só fala à multidão por parábolas: “E sem parábolas nunca lhes falava; porém, tudo declarava em particular aos seus discípulos” ( Mc 4:34 ); “E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado” ( Mt 13:10 -11).

Como Jesus só falava por parábolas à multidão, ao ler o convite: – “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” ( Mt 16:24 ), é necessário questionarmos se Jesus falou abertamente à multidão ou se utilizou de uma parábola, conforme Deus sempre fez com a casa de Israel “Filho do homem, propõe um enigma, e profere uma parábola para com a casa de Israel” ( Ez 17:2 ; Sl 78:2 ).

A parábola é a forma que Deus utilizou para falar com a casa rebelde de Israel, homens que rejeitaram a aliança com Deus ( Sl 78:10 ; Ez 17:19 ).

A repreensão de Deus através do profeta Oséias nos auxilia compreender as parábolas de Jesus acerca de vender tudo que possuem:

“Tu, pois, converte-te a teu Deus; guarda a benevolência e o juízo, e em teu Deus espera sempre. É um mercador; tem nas mãos uma balança enganosa; ama a opressão. E diz Efraim: Contudo me tenho enriquecido, e tenho adquirido para mim grandes bens; em todo o meu trabalho não acharão em mim iniquidade alguma que seja pecado” ( Os 12:6 -8).

Há muito Deus requer de Israel conversão, ou seja, que guardasse a misericórdia e o juízo confiando em Deus sempre. Israel, por sua vez, é comparável a um negociante que traz uma balança enganosa na mão que rouba os seus clientes. Apesar de ser comparável a um negociante fraudulento, Israel se sente abastado, possuidor de grandes bens e sem pecado.

Esta era a condição do homem que possuía uma herdade que produziu muito:

“E propôs-lhe uma parábola, dizendo: A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância; E ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus” ( Lc 12:16 ).

A acusação dos profetas era contra o povo de Israel, que confiavam nos bens que possuíam: “Na verdade, todo homem anda numa vã aparência; na verdade, em vão se inquietam; amontoam riquezas, e não sabem quem as levará” ( Sl 39:6); “Como a perdiz, que choca ovos que não pôs, assim é aquele que ajunta riquezas, mas não retamente; no meio de seus dias as deixará, e no seu fim será um insensato” ( Jr 17:11 ); “Aqueles que confiam na sua fazenda, e se gloriam na multidão das suas riquezas” ( Sl 49:6 ); “Eis aqui o homem que não pôs em Deus a sua fortaleza, antes confiou na abundância das suas riquezas, e se fortaleceu na sua maldade” ( Sl 52:7 ); “Não confieis na opressão, nem vos ensoberbeçais na rapina; se as vossas riquezas aumentam, não ponhais nelas o coração” ( Sl 62:10 ); “Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas” ( Jr 9:23 ).

A mensagem de Mateus 10, verso 37 é diferente da mensagem em Lucas 14, verso 26 em função do público alvo. Em Mateus 10, o público alvo da mensagem são os doze discípulos, pessoas que Jesus dava o sentido das parábolas, apesar de muitas das vezes não compreenderem “E sem parábolas nunca lhes falava; porém, tudo declarava em particular aos seus discípulos” ( Mc 4:34 ); “Disseram-lhe os seus discípulos: Eis que agora falas abertamente, e não dizes parábola alguma” ( Jo 16:29 ).

Em Lucas, o público alvo é a multidão, portanto, Jesus lhes falou por parábola.

Considerando que a mensagem registada por Lucas tinha por alvo a multidão, quais eram os ‘bens’, ou ‘tudo o que tinham’ que a multidão foi concitada a dispor?

 

Ódio ao pai e a mãe

Jesus apresenta os familiares ou a própria vida dos seus ouvintes como um obstáculo a ser transposto para que pudessem ser os seus discípulos:

“Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:26 ).

Jesus não disse que há um abismo entre o homem e o paraíso, antes que havia a necessidade de odiar pai e mãe para ser um seguidor d’Ele.

No que consiste odiar pai, mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs?

Primeiramente é necessário deixar bem claro que Jesus não estava incitando o povo a desrespeitarem o primeiro mandamento com promessa “Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa” ( Ef 6:2 ; Lc 18:20 ; Mc 7:10 ; Ex 20:12 ; Dt 5:16 ). Se observarmos o contexto, percebemos que não é esta a ideia decorrente da mensagem: hostilizar entes queridos.

O termo grego traduzido por aborrecer é μισεω (miseo), e significa odiar, detestar, perseguir com ódio, ser odiado, detestado. O termo traz em seu bojo a ideia de perseguição, hostilidade permanente, como se os seguidores de Cristo devessem perseguir e permanentemente hostilizar os seus entes queridos.

“miseõ (a etimologia é incerta) é atestado de Homero em diante, e significa “odiar”, “aborrecer”, “rejeitar”. O vb. conota não somente a antipatia para com certas ações, como também uma hostilidade permanente e arraigada para com outros homens ou até para com Deus” Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordón Chown]. — 2. ed. — São Paulo ; Vida Nova, 2000, pág. 1027.

Para interpretar o verso, precisamos de outro texto, onde o termo ‘odiar’ é empregado: “Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom” ( Lc 16:13 ).

O termo ‘odiar’ aparece contrapondo o termo ‘amar’ ao fazer referencia a dois senhores. Os termos ‘amor’ e ‘ódio’ são empregados para descrever a relação senhor e escravo, de modo que ‘amar’ é obedecer e ‘odiar’ é desobedecer. O elemento ‘afeição’ como sentimento é ausente nos dois termos.

Ora, quando Jesus utilizou o termo grego agapé (amor) em Lucas 16, verso 13, a essência do termo é ‘honrar’ “O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome?” ( Ml 1:6 ).

Veja a definição original do termo agapé (amor):

“agapaõ, que originalmente significava “honrar” ou “dar boas-vindas”, é, no Gr. clássico, a palavra que tem menos definição específica; frequentemente se emprega como sinônimo de phileõ, sem haver qualquer distinção necessariamente nítida quanto ao significado” Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordón Chown]. — 2. ed. — São Pauio ; Vida Nova, 2000, pág. 113.

Ora, Jesus não esta reclamando aos seus ouvintes ‘entranháveis afetos’, o sentimento de afeto denominado amor. Ele está reivindicando a ‘honra’ devida, o agapaõ, que originalmente no grego clássico significava “honrar”.

Qual a extensão deste amor (agapaõ)?

Para compreender este ‘amor’, basta lembrarmos que uma mulher pecadora soube que Jesus estava à mesa com um fariseu, e ela levou um vaso de alabastro com unguento e, chorando aproximou-se dos seus pés por detrás, e regava os pés de Cristo com lágrimas e enxugava com os cabelos de sua cabeça e beijava os pés e ungia com o unguento ( Lc 7:37 -38).

O fariseu censurou o seu convidado ao pensar: “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora” ( Lc 7:39 ).

Em seguida Jesus dirigiu a palavra ao fariseu e contou-lhe uma parábola dizendo: “Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cinquenta. E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois, qual deles o amará mais?” ( Lc 7:41 -42).

O amor dos devedores é de cunho sentimental, ou conforme a raiz do termo grego ‘agapaõ’?

A descrição que Jesus faz logo após o fariseu responder que o devedor que mais devia é o que ‘amaria’ mais nos esclarece a questão: “E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas, e mos enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com unguento” ( Lc 7:44 -46).

Jesus demonstra que o fariseu o convidou para jantar em sua casa, porém, não o ‘honrava’ como Mestre.

Em seguida Jesus anuncia à mulher que a fé que ela tinha a salvou, e perdoou os seus pecados: “Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama. E disse-lhe a ela: Os teus pecados te são perdoados. E os que estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este, que até perdoa pecados? E disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz” ( Lc 7:47 -48).

A ‘honra’ é que cobre multidão de pecados: “Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros; porque o amor cobrirá a multidão de pecados” ( 1Pe 4:8 ); “Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados” ( Tg 5:20 ); “O ódio excita contendas, mas o amor cobre todos os pecados” ( Pv 10:12 ).

Quem recebe (dá as boas vindas) a Cristo o ama, ou seja, honra. Quem recebe um discípulo de Cristo, recebe a Cristo e recebe aquele que o enviou, de modo que honrou tanto o Pai quanto o Filho “Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta em qualidade de profeta, receberá galardão de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá galardão de justo. E qualquer que tiver dado só que seja um copo de água fria a um destes pequenos, em nome de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” ( Mt 10:40 -42); “Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” ( Jo 5:23 ).

O ‘renunciar-se a si mesmo’ em Mateus 16, verso 24 é o descrito no verso 37 de Mateus 10: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim”.

O ‘renunciar a si mesmo’ para seguir a Cristo é o mesmo que entregar o velho homem para ser crucificado com Cristo, de modo que o corpo que estava sob o domínio do pecado seja desfeito ( Rm 6:6 ). É na renuncia que se dá a morte com Cristo. É na renuncia que o crente é batizado na morte de Cristo ( Rm 6:3 ).

Ao ‘renunciar a si mesmo’ ocorre o arrependimento, a mudança completa de concepção acerca de como salvar-se. Antes de ouvir a mensagem do evangelho o homem possui uma concepção própria acerca de como ser salvo. Após ouvir o evangelho, o homem abandona a concepção que tinha e adota o posicionamento revelado no evangelho (metanoia).

A mudança completa de concepção (arrependimento) de um Judeu se dá quando ele deixa de confiar que sua herança genética lhe confere salvação e crê no coração que o Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, o descendente prometido a Abraão em quem seriam benditas todas as famílias da terra e professa que Jesus é o Filho de Davi.

E qual é a mudança de concepção de um cristão convertido dentre os gentios que demonstra a ‘renuncia de si mesmo’? Abandonar dogmas que entendia ser o que proporcionava salvação.

O argumento: – “Nasci nesta religião e morro nela”, ou a concepção: – “Todas as religiões levam a Deus”, ou a filosofia: – “Basta ser uma pessoa boa”, etc., deve ser substituída pelo seguinte argumento:

“Seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel, que em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, aquele a quem vós crucificastes e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, em nome desse é que este está são diante de vós. Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” ( At 4:10 -12).

Certa feita Jesus estava ensinando a multidão e os seus parentes segundo a carne (mãe e irmãos) estavam do lado de fora querendo falar com Jesus. Alguém trouxe um recado e disse: – “Eis que estão ali fora tua mãe e teus irmãos, que querem falar-te” ( Mt 12:47 ). Foi quando Jesus respondeu: – “Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos? E, estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe” ( Mt 12:48 -50).

Quem Jesus ‘honrou’ (agapé) quando estendeu sua mão para os discípulos? Os seus familiares segundo a carne ou os que fizeram a vontade de Deus?

Ora, Jesus não abandonou a sua mãe, visto que até na cruz dispensou um cuidado para com ela “Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa” ( Jo 19:27 ). Ninguém deve abandonar os seus parentes ( 1Tm 5:4 à 8).

‘Odiar’ pai, mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs, segundo a perspectiva do ensinamento de Jesus só se compreende quando se descobre que a família de Cristo é QUALQUER que faz a vontade de Deus, ou seja, QUALQUER um que crer em Cristo ( 1Jo 3:23 ). Em segundo lugar é necessário entender que ter vínculo de sangue com Abraão não torna ninguém filho de Deus.

A multidão a quem o Senhor Jesus dirigia a palavra era formada por judeus, homens que se orgulhavam de possuir o sangue de Abraão. A multidão era uma grande família que consideravam a descendência segundo a carne de Abraão lhes conferia filiação divina, ou seja, salvação, o seu maior tesouro.

Qualquer um que fizer a vontade de Deus pertence à família de Cristo, no entanto, para pertencer à família de Israel era necessário ser descendente da carne de Abraão e circuncidado ao oitavo dia.

Para honrar a Deus era necessário a multidão crer em Cristo como o Filho de Deus ( Jo 5:23 ), e isto significa que deviam abrir mão do que lhes era mais caro: confiar que eram filhos de Deus por serem descendente de Abraão “Responderam, e disseram-lhe: Nosso pai é Abraão (…) Nós não somos nascidos de prostituição; temos um Pai, que é Deus” ( Jo 8:39 e 41).

Ser descendência de Abraão era o obstáculo que os judeus precisavam transpor para serem discípulos de Cristo e verdadeiramente livres. No entanto, honravam mais o vínculo familiar com Abraão do que a mensagem de Cristo. Isto significa que aquele que ‘honra’ o seu vínculo de sangue com Abraão em detrimento da vontade de Deus, não é digno de Cristo.

Não basta presumir e dizer: – “Temos por pai Abraão” ( Mt 3:9 ; Jo 8:39 ), é necessário crer em Cristo para fazer parte da família de Deus.

Quando Jesus diz para ‘odiar’, ‘hostilizar permanentemente’, etc., os membros da família, utilizou uma parábola para expor a necessidade de ‘odiarem’, ‘rejeitarem’ a doutrina dos escribas e fariseus que era segundo a tradição dos anciões. Era doutrina de homens que tinha por base a carne e a circuncisão de Abraão “Bem sei que sois descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a minha palavra não entra em vós” ( Jo 8:37 ).

Quando é dito: “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:26 ), Jesus está demonstrando a impossibilidade de a multidão servir a dois senhores, pois se quisessem servi-Lo, deveriam ‘obedecer’, ‘amar’, ou ‘honrar’ somente a Ele.

Não há como obedecer a Cristo e ao mesmo tempo considerar que se alcança a salvação pela carne e o sangue de Abraão, pois não há outro nome pela qual o homem é salvo. Quem serve a Deus, odeia a Mamom, e quem ama a Deus, não serve a Mamom, porém, aqueles que se gloriam na carne serve as ‘riquezas’ herdadas de seus pais.

Cristo foi desamparado por seus familiares segundo a carne, como se lê: “E, quando os seus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si” ( Mc 3:21 ); “Porque, quando meu pai e minha mãe me desampararem, o SENHOR me recolherá” ( Sl 27:10 ), pois Ele veio para os que eram seus, mas os seus não O receberam ( Jo 1:11 ).

Por que não obedecer (odiar) os familiares? A resposta é esta: “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” ( Mt 6:21 ). Ser descendente da carne de Abraão era uma ‘riqueza’ que os filhos de Israel não abriam mão.

Quando Jesus interpelou algumas pessoas que criam n’Ele dizendo ser necessário permanecerem na doutrina de Cristo para serem livres, de pronto responderam que eram descendentes de Abraão, e que, portanto, nunca foram escravos de ninguém “Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?” ( Jo 8:33 ).

O apóstolo Pedro estava se enveredando pelo caminho de honrar ‘pai’ e ‘mãe’ quando foi repreendido pelo apóstolo Paulo:

“Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” ( Gl 2:12 -14).

A dissimulação do apóstolo Pedro fez com que outros judeus convertidos e até Barnabé se deixasse levar, se comportando de maneira que não era segundo a verdade do evangelho. Ao temer os da circuncisão (judeus), o apóstolo Pedro estava honrando os seus familiares em detrimento de Cristo e do seu corpo, que é a igreja.

 

Deixar tudo quanto tem

Como os judeus poderiam seguir a Cristo se continuavam apegados aos preceitos instituídos pelos anciões? Estes preceitos tornaram-se uma riqueza cultural que cegou o povo de Israel quando o reino de Deus se manifestou “Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas” ( Mc 7:8 ).

A tradição é uma espécie de ‘riqueza’ que os antepassados judeus legaram aos filhos. Ora, Deus deu uma lei aos pais para que transmitissem aos seus filhos, porém, em lugar de ensinarem os preceitos de Deus, substituíram por mandamentos de homens “Porquanto se rebelaram contra as palavras de Deus, e desprezaram o conselho do Altíssimo” ( Sl 107:11 ).

Quando o povo de Israel estava para entrar na terra da promessa, Deus os avisou por intermédio de Moisés dizendo para não confiarem que entraram na terra por serem justos, mas que foi dada aquela benesse porque os povos daquela terra eram ímpios “Sabe, pois, que não é por causa da tua justiça que o SENHOR teu Deus te dá esta boa terra para possuí-la, pois tu és povo obstinado” ( Dt 9:6 ).

Ora, Deus deu o alerta para que os filhos de Israel não considerassem que eram melhores que os outros povos, ou que possuíam a melhor religião, visto que eles não eram justos. No entanto, os filhos de Israel desprezaram a palavra do Senhor, pois em lugar de serem ensinados que foram introduzidos na terra por causa da promessa que Deus fez aos pais ( Dt 9:5 ), os anciões do povo prevaricaram na sua atribuição e assenhoram dos filhos de Israel ensinando mandamentos de homens.

Ao entrar na terra Deus deu a ordem: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz” ( Dt 10:16 ). Era para os filhos de Jacó gravarem estas palavras e ensinar aos seus filhos ( Dt 11:18 -19), porém, enfatizavam a circuncisão do prepúcio da carne e não enfatizavam a circuncisão do coração. Enfatizavam os sacrifícios e negligenciavam a obediência à palavra de Deus. Estabeleceram ritos, mas não guardaram a palavra de Deus no coração.

Os ensinamentos dos anciões tornaram-se tradição, e a tradição uma riqueza aos filhos de Israel. Dai a repreensão dos profetas contra os filhos de Israel, homens que se gloriavam em suas fazendas, na multidão de suas riquezas, uma gloria que não os tornava ricos para com Deus “Aqueles que confiam na sua fazenda, e se gloriam na multidão das suas riquezas (…) O seu pensamento interior é que as suas casas serão perpétuas e as suas habitações de geração em geração; dão às suas terras os seus próprios nomes (…) Não temas, quando alguém se enriquece, quando a glória da sua casa se engrandece. Porque, quando morrer, nada levará consigo, nem a sua glória o acompanhará” ( Sl 49:6 , 11 e 16-17).

A exigência de Cristo à multidão é específica: “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:26 ), porque Ele sabia que abrir mão de conceitos como a filiação de Abraão, a circuncisão, as linhagens, as tribos, as festas, as luas, os sábados, etc., eram algo muito caro ao povo de Israel.

O apóstolo Paulo ciente de que não dava para seguir a Deus e as ‘tradições’ dos seus pais dá uma lição de como um judeu deixa pai, mãe e riquezas para ganhar a Cristo:

“Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu: Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo” ( Fl 3:4 -8).

É necessário aborrecer, até mesmo, a sua própria vida, ou seja, era necessário considerar que a maneira de viver que herdaram por tradição dos pais não os salvava. Precisavam deixar as suas próprias concepções e tradições para servir a Deus.

“Se alguém vier a mim, e não aborrecer (…) ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:26 );

“Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” ( Jo 8:31 -32)

Aborrecer os familiares ou ainda a própria vida é abandonar a vã maneira de viver que por tradição o crente judeu recebeu dos seus pais “Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais” ( 1Pd 1:18 ).

Mas, apesar de dizerem que criam, muitos ouvintes de Jesus não permaneceram no seu ensino, pois continuavam fiados que a condição de descendentes de Abraão os salvaria.

 

A cruz de Cristo

Ao crer em Cristo o homem é transportado do domínio das trevas para o reino do Filho do seu amor, onde permanece assentado nas regiões celestiais em Cristo Jesus “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor” ( Cl 1:13 ); “E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” ( Ef 2:6 ).

Se o crente está assentado, não há abismo a ser transposto. Ao ser transportado do domínio das trevas para o reino de Cristo, resta ao crente levar a sua cruz , mas a cruz do cristão não possui relação com a cruz da estória da cruz serrada.

A cruz que o crente tem que levar refere-se a ignominia, ao desprezo, a oposição, a perseguição por causa do evangelho “Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor. Se chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos seus domésticos?” ( Mt 10:25 ). O ódio do mundo é contra os discípulos de Jesus ( Mt 10:22 ; Mc 13:13 ; Lc 21:17 ; Jo 15:18 ; 1 Jo 3:13 ).

Os discípulos estarão expostos diariamente aos vitupérios da cruz “E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:27 ).

É neste sentido que o apóstolo Pedro disse: “Se pelo nome de Cristo sois vituperados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus; quanto a eles, é ele, sim, blasfemado, mas quanto a vós, é glorificado” ( 1Pd 4:14 ); “Em parte fostes feitos espetáculo com vitupérios e tribulações, e em parte fostes participantes com os que assim foram tratados” ( Hb 10:33 ); “Tendo por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa” ( Hb 11:26 ); “Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério” ( Hb 13:13 ).

Sobre tomar sobre si a cruz de Cristo disse o apóstolo Paulo: “Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo” ( Gl 6:12 ).

O apóstolo Paulo preferiu ser perseguido a deixar de professar a mensagem da cruz, pois pela mensagem da cruz é que o apóstolo foi crucificado para o mundo, e o mundo para ele “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” ( Gl 6:14 ).

Ora, o apóstolo se dispôs das suas riquezas para estar ‘em Cristo’, o que o torna justo diante de Deus ( Fl 3:9 ). Após se achar em Cristo (nova criatura), o apóstolo passou a ser um com Cristo (conhece-lo), sendo ressuscitado com Ele ( Cl 3:1 ); “Para conhecê-lo, e à virtude da sua ressurreição, e à comunicação de suas aflições, sendo feito conforme à sua morte” ( Fl 3:10 ).

Só após conhecer a Cristo e a virtude da sua ressurreição, é que se dá a comunicação das aflições de Cristo, conformando-se em tudo com a morte de Cristo “E a nossa esperança acerca de vós é firme, sabendo que, como sois participantes das aflições, assim o sereis também da consolação” ( 2Co 1:7 ).

Sabendo que a perseguição por causa da palavra viria sobre os seus discípulos ( Mt 13:21 ; Mc 4:17 ), Jesus anuncia, à multidão que o seguia, a necessidade de calcularem bem o quanto estavam dispostos a ‘perder’ para seguir a Cristo. Além de abrirem mão de tudo (pai, mãe e riquezas), deveriam atentar que haveria perseguições e aflições por causa da palavra.

Após enfatizar que os seus seguidores sofrem perseguições e muitas aflições, Cristo conta à multidão duas parábolas: a do construtor, e a do rei em prenuncio de guerra.

“Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, Dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar” ( Lc 14:28- 30).

“Ou qual é o rei que, indo à guerra a pelejar contra outro rei, não se assenta primeiro a tomar conselho sobre se com dez mil pode sair ao encontro do que vem contra ele com vinte mil? De outra maneira, estando o outro ainda longe, manda embaixadores, e pede condições de paz” ( Lc 14:31 -32).

As duas parábolas envolve consideração e previsibilidade.

Jesus questiona a multidão sobre qual deles ali presente, ao desejar edificar uma torre, primeiro não se assentaria para verificar os gastos da obra e o montante que dispõe. Ora, é necessária a análise para que, após iniciada a obra, não falte o subsidio necessário para termina-la, e o construtor não seja alvo de escarnio.

Semelhantemente, qualquer rei que vai à peleja, primeiro analisa que tem condições de vencer a guerra com o número de homens que dispõe, comparando com o número de homens que o outro rei dispõe para a guerra. Por que é necessária esta atitude por parte do rei? Se estiver em desvantagem, melhor é verificar quais são as condições de paz imposta pelo outro rei.

Jesus contou estas duas parábolas para enfatizar que: “Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:33 ).

É essencial ao discípulo estar consciente da sua nova condição em Cristo e conhecer as riquezas da graça. É este conhecimento (saber) que torna o cristão apto a levar os vitupérios (tomar a sua cruz) e seguir após o Mestre. Quando o cristão descobre a extensão da gloria que há de ser revelada em nós, suportará as aflições do tempo presente: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” ( Rm 8:18 ).

Esta mesma mensagem foi registrada por Lucas no capitulo 9, e ela foi anunciada por Cristo a todos os seus ouvintes: “E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará. Porque, que aproveita ao homem granjear o mundo todo, perdendo-se ou prejudicando-se a si mesmo? Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos” ( Lc 9:23 -26).

O evangelista Marcos registrou a mesma mensagem: “E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz, e siga-me. Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas, qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará. Pois, que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma? Ou, que daria o homem pelo resgate da sua alma? Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos” ( Mc 8:34 -38).

O evangelista também deixou consignado: “Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me; Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? Porque o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras” ( Mt 16:24 -27).

Os evangelhos deixam estampado um convite amplo a todos os homens de todos os povos, línguas e nações: ‘Se alguém quiser vir após mim’. O verbo grego traduzido por querer é θελω, e significa querer, ter em mente, pretender. Ou seja, Jesus não obriga ninguém segui-Lo, antes o indivíduo de livre e espontânea vontade precisa ter o desejo de segui-Lo.

 

Eu vim trazer espada

“Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” ( Mt 10:34 )

Durante o discurso de preparação dos doze, Jesus anunciou que não veio trazer paz ao mundo, mas espada ( Mt 10:34 ). Como é possível o ‘príncipe da paz’ trazer espada?

Há muito o profeta Jeremias havia predito que não era para ninguém dentre os filhos de Israel confiar em seus entes queridos nas questões concernentes as coisas de Deus, pois ninguém em Israel falava a verdade ( Jr 9:3 -8; Sl 58:3 ), e há muito haviam deixado de ouvir a voz de Deus ( Jr 9:13 -14).

Os filhos de Israel se gloriavam em seus príncipes, gloriavam na força que a lei e Abraão representavam, de modo que se consideravam salvos, ou seja, abastados, ricos perante Deus ( Jr 9:23 ), e quando o Cristo veio trazendo salvação a todos os povos, ou seja, fazendo misericórdia, juízo e justiça na terra ( Jr 9:24 ), era inevitável a dissensão que haveria entre os filhos de Israel “Tornou, pois, a haver divisão entre os judeus por causa destas palavras. E muitos deles diziam: Tem demônio, e está fora de si; por que o ouvis? Diziam outros: Estas palavras não são de endemoninhado. Pode, porventura, um demônio abrir os olhos aos cegos?” ( Jo 10:19 -21).

O profeta Miquéias quando profetizou acerca da vinda de Cristo disse: – “Veio do dia dos seus vigias”, ou seja, o dia daqueles que esperavam a visitação de Deus! Mas, o dia da visitação do Messias, também é descrito como dia de confusão!

Na visitação seria semeada a desconfiança ( Mq 7:5 ), e a confusão seria enorme, pois o filho despreza o pai, a filha é contra a mãe e a nora e a sogra não entram em acordo, pois: “Os inimigos do homem são os da sua própria casa”.

Quando diz que veio trazer espada, significa que Ele é o valente que luta pela causa da verdade, da mansidão e da justiça ( Sl 45:3 -4). A espada que empunha é a sua doutrina “E fez a minha boca como uma espada aguda, com a sombra da sua mão me cobriu; e me pôs como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava” ( Is 49:2 ), que traria confusão entre os filhos de Israel.

O texto de Miquéias é claro: O Messias não haveria de trazer paz, mas confusão e dissensão ( Mq 7:5 -6).

Como crer em atalaias e pastores nesta condição funesta: “Todos os seus atalaias são cegos, nada sabem; todos são cães mudos, não podem ladrar; andam adormecidos, estão deitados, e gostam do sono. E estes cães são gulosos, não se podem fartar; e eles são pastores que nada compreendem; todos eles se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, cada um por sua parte” ( Is 56:10 -11).

Ora, o Cristo inteirado de que os líderes do seu povo eram atalaias que nada viam e que eram gananciosos, prevê que eles perseguiriam os seus próprios irmãos de sangue caso se convertessem ao Senhor: “E o irmão entregará à morte o irmão, e o pai o filho; e os filhos se levantarão contra os pais, e os matarão. E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até ao fim será salvo” ( Mt 10:21 -22).

A perseguição aos profetas sempre foi uma constante em Israel “E ele disse: Eu tenho sido em extremo zeloso pelo SENHOR Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derrubaram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada, e só eu fiquei; e buscam a minha vida para ma tirarem” ( 1Re 19:14 ).

Ao dizer: – “Não vim trazer paz, mas espada”, Cristo estava anunciando que a profecia de Miqueias estava se cumprindo: “Não creiais no amigo, nem confieis no vosso guia; daquela que repousa no teu seio, guarda as portas da tua boca. Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, os inimigos do homem são os da sua própria casa” ( Mq 7:5 -6).

 

Salvo em Cristo e discípulo

Por não compreender o significado da cruz de Cristo, muitos elegem para si uma cruz a ser levada. Muitos cristãos estabelecem que os problemas diários sejam a cruz.

Se o marido é um homem difícil de lidar, a mulher considera que aquela é a sua cruz. Se os filhos são desobedientes, assumem a condição de cruz. Se a mulher é rixosa, a cruz do homem é a mulher, etc.

As vicissitudes da vida não é a cruz que Cristo convocou os homens a carregarem. É imprescindível o cristão entender que a prosperidade e a adversidade foram estabelecidas por Deus, para que o homem não saiba o que há de ser do dia de amanhã, e que tudo ocorre igualmente ao justo e ao injusto “No dia da prosperidade goza do bem, mas no dia da adversidade considera; porque também Deus fez a este em oposição àquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele” ( Ec 7:14 ); “Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento” ( Ec 9:2 ).

O que ocorre igualmente ao justo e ao injusto? O estabelecido na lei da semeadura: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” ( Gl 6:7 ); “Mas quem fizer agravo receberá o agravo que fizer; pois não há acepção de pessoas” ( Cl 3:25 ).

A cruz que Cristo mandou carregar refere-se à mensagem do evangelho. Não diz dos problemas e conflitos diários “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” ( 1Co 1:18 ).

Quando o homem ouve a mensagem de que o Verbo eterno despiu-se da sua glória, se fez carne, revelou o Pai aos homens, foi crucificado, morto, sepultado e ressurgiu ao terceiro dia e está assentado à destra da majestade nas alturas e crê, é salvo.

Embora esta mensagem que anuncia que Cristo morreu pela humanidade seja o poder de Deus para salvação dos que creem, para muitos esta mensagem é loucura e escândalo “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” ( 1Co 1:23 ).

Quando o homem crê, renuncia-se a si mesmo e é crucificado e morto com Cristo “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” ( Rm 6:6 ); “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” ( Gl 2:20 ); “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” ( Gl 5:24 ).

Quando o crente passa a anunciar o evangelho de Cristo que é segundo as Escrituras será perseguido. A exemplo do apóstolo Paulo que pregava evangelho e era perseguido, mas se pregasse a circuncisão, não haveria perseguição, pois não estaria anunciando o escândalo da cruz “Eu, porém, irmãos, se prego ainda a circuncisão, por que sou, pois, perseguido? Logo o escândalo da cruz está aniquilado” ( Gl 5:11 ).

Havia aqueles que se diziam cristãos e ainda não haviam ‘odiado’ pai e mãe. Queriam participar do convívio dos cristãos e permanecerem sendo louvados na comunidade judaica por anunciarem a circuncisão. Estes não queriam levar a cruz de Cristo, ou seja, não queriam ser perseguidos por causa da mensagem do evangelho “Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses os obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo” ( Gl 6:12 ).

Enquanto muitos se gloriavam por serem descendente da carne e do sangue de Abraão, da circuncisão, dos sábados, etc., o apóstolo Paulo gloriava-se na mensagem do evangelho. Considerou todas as coisas pertinentes ao judaísmo como escória para ganhar a Cristo “Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” ( Gl 6:14 ; Fl 3:8 ).

É dada a missão, aos que creem, de evangelizar, e quem evangeliza deve ter o cuidado de não apresentar um conhecimento próprio, desprezando a mensagem da cruz “Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã” ( 1Co 1:17 ); “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” ( 1Co 2:2 ).

O apóstolo Pedro enfatizou que não anunciou a virtude daquele que nos tirou das trevas para a sua maravilhosa luz através de fábulas artificialmente compostas, antes anunciaram o que realmente viram “Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade” ( 2Pd 1:16 ).

Mas, nos que não vimos pessoalmente a majestade de Cristo, devemos pautar a nossa pregação na mensagem dos profetas e no que foi anunciado pelos santos apóstolos ( 2Pd 1:19 ).

Quando nos deparamos com estórias como a da cruz serrada, de que certo moço foi convidado para fazer uma jornada até o paraíso, encontramos diversas incongruências com a mensagem do evangelho, pois Cristo não convida ao paraíso, antes convida a Ele “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” ( Mt 11:28 ).

Por que é necessário ao homem ‘vir’ a Cristo? Porque Ele é o caminho, a verdade e a vida que conduz o homem a Deus “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” ( Jo 14:6 ).

Como Cristo é o caminho que conduz o homem a Deus, certo é que n’Ele não há um abismo que seja necessário o homem transpor, ou que seja necessária uma cruz para transpor um obstáculo entre os homens e o paraíso.

A estória da cruz serrada diz que as pessoas faziam muito esforço para conduzir as suas cruzes e que tal cruz é chave que abre as portas do maravilhoso reino prometido. O evangelista João, por sua vez, orienta dizendo que os mandamentos de Deus não são pesados “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados” ( 1Jo 5:3 ).

Enquanto a mensagem da cruz é revelação de Deus por intermédio de Cristo, o mediador, a estória da cruz serrada reflete a elucubração do coração do homem, pois entender que o sofrimento desta vida concede a vida eterna é negar a eficácia da cruz de Cristo.

Não vemos na Bíblia Jesus carregado todos os dias uma cruz até ser crucificado. Nem mesmo a cruz de madeira na qual foi crucificado foi carregada por Cristo até o Calvário “E, quando saíam, encontraram um homem cireneu, chamado Simão, a quem constrangeram a levar a sua cruz” ( Mt 27:32 ).

A cruz que Cristo foi crucificado não era feita de pecados, pois quem carregou a cruz foi o cirineu, de nome Simão. O pecado da humanidade foi levado por Cristo em seu corpo, e não na cruz de madeira confeccionada pelos Romanos.

Somos informados pela Bíblia que Cristo levou sobre si as nossas enfermidades e dores, ou seja, o pecado de muitos “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido (…) Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores” ( Is 53:4 e 12); “Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados” ( 1Pd 2:24 ).

A cruz de madeira na qual Jesus foi morto representa a ignominia de ter sido contado entre os transgressores, apesar de nunca haver engano em sua boca “Quando também em alguém houver pecado, digno do juízo de morte, e for morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não permanecerá no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto o pendurado é maldito de Deus; assim não contaminarás a tua terra, que o SENHOR teu Deus te dá em herança” ( Dt 21:22 -23); “O qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano” ( 1Pd 2:22 ).

A essência da ordem de Cristo para tomar a cruz refere-se às perseguições daqueles que querem viver segundo o evangelho de Cristo, o que demonstra que a cruz é dada para quem já passou da morte para a vida, ao contrário da estória cruz serrada que apresenta uma cruz para conduzir à vida “E também todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições” ( 2Tm 3:12 ).

O apóstolo Paulo ao escrever aos Tessalonicenses faz esta abordagem demonstrando que da mesma forma que mataram a Cristo e os profetas, os judaizantes perseguiam os que creram em Cristo “Os quais também mataram o SENHOR Jesus e os seus próprios profetas, e nos têm perseguido; e não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens” ( 1Ts 2:15 ).

O apóstolo se gloriava por causa da perseverança (paciência) dos cristãos no evangelho (fé) e por tudo que suportavam “De maneira que nós mesmos nos gloriamos de vós nas igrejas de Deus por causa da vossa paciência e fé, e em todas as vossas perseguições e aflições que suportais” ( 2Ts 1:4 ), pois esta foi a abordagem de Cristo ao ordenar que cada um tome a sua cruz e siga-O “Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor. Se chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos seus domésticos?” ( Mt 10:25 ).

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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