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Para estabelecer Jesus Cristo acima de todo principado e potestade, Deus constituiu Cristo como cabeça da igreja, a geração eleita, um corpo de homens glorificados feitos à imagem e semelhança de Cristo.


Igreja, a geração eleita

“Como também nos elegeu nele, antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele, em amor, e nos predestinou para filhos de adoção, por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.4,5).

 

Introdução

Da má leitura das Escrituras surgem inúmeros equívocos doutrinários e um desses erros é considerar que, com relação à salvação, Deus previu quem haveria de crer e perseverar, por meio de uma suposta ‘presciência’[1], e predestinou essas pessoas à salvação.

As discrepâncias do pensamento doutrinário arminiano atrapalham a exposição dos seus vários seguidores que, para mitigarem as discrepâncias com a Bíblia, acabam adaptando a leitura de determinados versículos e tentam transmitir o pensamento de Armínio, de modo a não causar muita estranheza.

No afã de fugirem dos erros da doutrina calvinista, que coloca a soberania divina como base da eleição e predestinação, os arminianistas introduziram o conceito da presciência, como supedâneo da eleição e da predestinação.

A Bíblia é clara, ao dizer que todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos de Deus (Hebreus 4.13) e que os olhos de Deus estão em todos os lugares (Provérbios 15.3) ou, seja, Deus é onisciente e onipresente, o que significa que Ele tem conhecimento pleno de tudo o que existe, tanto no plano espiritual, quanto no terreno, e todos os eventos e possibilidades do passado, presente e futuro, não escapam ao conhecimento divino.

Daí a pergunta: se Deus vê todas as coisas e eventos, em todos os tempos (onisciência), porque é necessário dizer que Deus anteviu algo?

Ao homem é possível apresentar um conhecimento de antemão ou, seja, antecipar um evento futuro ou, revelar um segredo, mas, como é possível antecipar um conhecimento a quem é onisciente?  O que seria a presciência[2] para o Deus onisciente?

Através deste artigo, demonstraremos qual é a ‘presciência’, pela qual os cristãos são eleitos, e no que consistem a eleição e a predestinação divina.

 

Eleitos segundo a presciência

O apóstolo Pedro informa que os cristãos são eleitos segundo a presciência de Deus Pai:

Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” (1 Pedro 1:2).

Antes de analisar a eleição, se faz necessário compreender qual o significado do termo grego πρόγνωσιν (prógnōsis), traduzido por ‘presciência’, no contexto utilizado pelo apóstolo Pedro.

Na sua grande maioria, os teólogos leem o termo ‘presciência’, no versículo, como sendo ‘saber de antemão’,  ‘conhecer com antecedência um evento futuro’, porém, fazendo um paralelo entre 1 Pedro 1, verso 2 e Atos 2, verso 23, depreende-se que o termo grego traduzido por ‘presciência’, no Livro de Atos, diz do anunciado pelos profetas aos pais, através das Escrituras:

“A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;” (Atos 2:23).

Da mesma forma que Cristo foi entregue aos injustos para ser preso, crucificado e morto, segundo a vontade de Deus, que é apresentado como ‘conselho’[3],  os cristãos foram eleitos, através dos eventos previstos nas Escrituras, acerca do Cristo ou, seja, da ‘presciência’.

“Para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham, anteriormente, determinado que se havia de fazer” (Atos 4:28);

“Mas, os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de Deus, contra si mesmos, não tendo sido batizados por ele” (Lucas 7:30);

“Porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (Atos 20:27).

A ‘presciência’ (conselho) diz do conhecimento anunciado de antemão pelos profetas, que anteviram e anunciaram eventos futuros. A lei, os profetas e os salmos previam que o Cristo seria preso, crucificado e morto, e essas predições acerca do nascimento, sofrimentos, crucificação, morte e ressurreição de Cristo dá-se o nome ‘presciência’, um conhecimento anunciado, de antemão, aos homens, pelos profetas.

Jesus foi entregue, segundo o conselho da vontade de Deus, para que se cumprisse o predito nas Escrituras, isto é, para que se cumprisse o anunciado, previamente, pelos profetas.

“Mas, Deus, assim, cumpriu o que já, dantes, pela boca de todos os seus profetas, havia anunciado: que o Cristo havia de padecer” (Atos 3.18).

Deus cumpriu o que foi predito pelos profetas ou, seja, o termo grego πρόγνωσιν, traduzido por ‘presciência’, refere-se aos sofrimentos de Cristo, anunciados, antes, pelos profetas.

Quando se lê: “… κατὰ πρόγνωσιν θεοῦ…” (1 Pedro 1.2), entende-se pelo contexto que o apóstolo Pedro estava consolando os cristãos convertidos, dentre os judeus, que estavam dispersos como forasteiros, evidenciando que eles eram eleitos, segundo (κατὰ) o ‘conhecimento’ (γνωσις) de Deus (θεοῦ) anunciado, anteriormente (πρό), pelos seus profetas.

O termo ‘πρόγνωσιν’ está relacionado ao testemunho dos profetas que, de antemão, tornou conhecido aos homens os sofrimentos de Cristo e não, como entendem alguns, que Deus anteviu o futuro, para predeterminar eventos futuros.

“… buscando saber para qual ou, que tipo de tempo apontava o em [3] eles[4] Espírito[1] de Cristo[2], testemunhando (ele) de antemão (προμαρτυρόμενον) os para[2] (o) Cristo[3] sofrimento[1] e as depois de[2] estas coisas[3] glórias[1]” (1Pe 1:11)

“… para vos lembrardes das, previamente, faladas[2] palavras[1] por os santos profetas e do (dado por) os[6] apóstolos[8] vossos[7] mandamento[1] do[2] Senhor[3] e[4] Salvador[5]” (2 Pe 3:2), cf. Novo Testamento Interlinear – Grego – Português – SBB.

“μνησθῆναι τῶν προειρημένων ῥημάτων ὑπὸ τῶν ἁγίων προφητῶν καὶ τῆς τῶν ἀποστόλων ὑμῶν ἐντολῆς τοῦ κυρίου καὶ σωτῆρος”, cf. Westcott/Hort with Diacritics.

Os cristãos da dispersão foram eleitos segundo o que Deus anunciou, de antemão, pelos seus santos profetas ou, seja, que convinha que o Cristo padecesse, segundo as Escrituras.

“E disse-lhes: Assim está escrito e assim convinha que o Cristo padecesse e, ao terceiro dia, ressuscitasse, dentre os mortos,” (Lucas 24:46).

A verdade prática da lição da revista da Escola Dominical da CPAD é equivocada, assim, como a fonte na qual bebeu: o comentarista Douglas Baptista:

“Verdade Prática: Segundo a sua presciência, Deus elegeu e predestinou para a salvação os que creriam e perseverariam na fé em Cristo Jesus.” Idem

Considerando que Deus é onisciente, conhecedor de todas as coisas, em todos os tempos, que chama à existência as coisas que não são, como se já fossem, é absurdo estabelecer a ideia de Deus antever eventos futuros, como se a presciência fosse um atributo à parte da onisciência.

Como o atributo da divindade é a onisciência: conhecer todos os eventos, em todos os tempos, é descabido Deus antever um evento, que é de pleno conhecimento dEle. Portanto, Deus não precisa antever eventos futuros para eleger, pois, a eleição é firme por causa d’Ele. A eleição é firme porque é Deus que convoca o indivíduo, não porque Ele antevê o futuro.

“Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama),” (Romanos 9:11).

O propósito de Deus, segundo a eleição, é firme porque é Ele quem chama, não porque Ele antevê as ações boas ou, más, dos indivíduos, para depois elegê-los. É falho o argumento arminianista de que Deus, na eternidade, anteviu aqueles que creriam em Cristo, de modo que os elegeu e os predestinou para a salvação.

A força da eleição está em Deus, que chama, o mesmo Deus que amou a Jacó e aborreceu a Esaú, e a ‘presciência’ diz do conhecimento anunciado de, antemão, à Rebeca: “O maior servirá o menor. Como está escrito: Amei a Jacó e odiei a Esaú.” (Romanos 9:12-13).

Deus elegeu Jacó, segundo o que foi dito a Rebeca, isto é,, um conhecimento dado, de antemão, para que o seu propósito estabelecido em Abraão permanecesse firme, não porque anteviu as ações de Esaú e de Jacó.

Convenhamos: Deus precisava antever que Esaú serviria a Jacó, para ser possível Deus eleger a Jacó? Não! Era Rebeca que precisava saber que o maior serviria ao menor! Rebeca precisava saber, previamente, eventos futuros, acerca dos seus filhos, pois, era necessário que ela agisse segundo a palavra da promessa, ao orientar a Jacó e, assim, o propósito de Deus estabelecido em Abraão permaneceu firme.

“E disse-lhe sua mãe: Meu filho, sobre mim seja a tua maldição; somente obedece à minha voz, vai e traze-mos.” (Gênesis 27.13).

Nós, hoje, pela consolação das Escrituras, entendemos que a promessa feita a Abraão, em Isaque, demonstra que não basta ser filho da carne de Abraão, para ser filho de Abraão, pois, após o nascimento de Isaque, veio nova palavra, com promessa, para Rebeca: ‘o maior servirá ao menor’, evidenciando que, em Isaque, ainda, seria chamada a descendência e não que o descendente prometido seria Isaque.

“Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne, que são filhos de Deus, mas, os filhos da promessa são contados como descendência. Porque a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei e Sara terá um filho. E não somente esta, mas, também, Rebeca, quando concebeu de um, de Isaque, nosso pai;” (Romanos 9:7-10).

 

Eleitos n’Ele

Os filhos de Israel, na sua grande maioria, ao lerem a promessa: ‘em Isaque será chamada a sua descendência’, entendem que, por descenderem da carne e do sangue de Abraão, são contados como filhos de Deus, porém, a promessa tinha em vista o Descendente prometido, que é Cristo, em quem todas as famílias da terra são benditas.

Mas, para não deixar dúvidas de que a promessa, em Isaque, tinha por alvo o Messias, não a descendência da carne de Abraão, foi anunciada nova promessa à esposa de Isaque: ‘o maior servirá ao menor’, o que demonstra que a linhagem escolhida, segundo o propósito de Deus, não era a de Abraão, mas, sim, a linhagem do Descendente.

“Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.” (Gálatas 3.16).

Se a linhagem de Abraão era a escolhida para ser bem-aventurada, a bem-aventurança recairia, igualmente, sobre Esaú e Jacó, pois, ambos, eram descendentes de Isaque. Mas, ao eleger Jacó, preterindo Esaú, mesmo, antes, de ambos nascerem e não terem feito nem bem ou mal, Deus evidencia que a eleição tem em vista o seu propósito: trazer o seu Descendente ao mundo, bem como os seus descendentes.

Enquanto que, para ser filho de Abraão bastava ter a mesma fé que Abraão (Gálatas 3.7), os descendentes da carne de Abraão passaram a reputar que tinham alcançado a bem-aventurança prometida a Abraão por, simplesmente, descenderem de Isaque. Mas, não consideram que Esaú foi rejeitado, mesmo sendo descendente de Isaque.

Observe:

“Assim como Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé, são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou, primeiro, o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.  De sorte que os que são da fé, são benditos com o crente Abraão.” (Gálatas 3.6-9).

Para ser bem-aventurado, como o crente Abraão, basta crer na palavra de Deus, assim, como fez o patriarca. Ao anunciar, de antemão (presciência), a Abraão, que iria salvar os gentios, Deus disse a Abraão: – Todas as nações serão benditas em ti. Bastava aos descendentes da carne de Abraão crerem nessa boa nova dada a Abraão, para serem filhos de Abraão, mas, não quiseram, antes quiseram repousar (confiar) na carne.

Da mesma forma que Deus escolheu Jacó, de antemão, para trazer o Cristo ao mundo, o que demonstra que o seu propósito é firme, pois, está firmado em quem chama e não nos homens, na eternidade, Deus elegeu a descendência de Cristo, para que fosse santa e irrepreensível diante d’Ele.

“Como, também, nos elegeu nele, antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis, diante dele, em amor;” (Efésios 1.4).

Isso implica em dizer que, na eternidade, Deus não escolheu indivíduos para serem salvos, como fulano, beltrano ou, cicrano, pela soberania ou, pela presciência, como alegam os reformados. Deus elegeu a descendência de Cristo e, por isso, a igreja é denominada de geração eleita:

“Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (1 Pedro 2.9).

Uma escolha entre indivíduos, como pensa a doutrina reformada, tem como premissa a acepção de pessoas, preferência entre ‘a’ e ‘b’, uma injustiça, mas, a escolha de uma geração, antes mesmo da fundação do mundo, demonstra que o propósito de Deus não está atrelado a indivíduos ou, ao bem ou ao mal, que os homens venham a praticar, mas, sim, ao beneplácito da sua vontade.

Na eleição em Cristo, o último Adão, fica claro que nenhum descendente de Adão tem condições de ser santo e irrepreensível diante de Deus, e que nenhum deles jamais poderiam ser elegidos. Na verdade, todos os descendentes de Adão são mentirosos, imundos, culpáveis, condenáveis, perdidos e tem a morte como salário.

Cristo, o eleito de Deus, o último Adão, é a cabeça de uma nova geração constituída de homens espirituais. Por meio do evangelho, que é semente incorruptível, todos os que creem em Cristo, são de novo gerados, e passam a fazer parte de uma nova geração, a geração eleita, que, diante de Deus, é santa e irrepreensível.

“Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo;” (Filipenses 2.15);

“No corpo da sua carne, pela morte, para, perante ele, vos apresentar santos, irrepreensíveis e inculpáveis,” (Colossenses 1.22).

A semente incorruptível é o testemunho de nosso Senhor, poder de Deus para salvação de todo que crê, pois, o homem é salvo por meio do evangelho, que significa a morte com Cristo do velho homem, gerado em Adão (Colossenses 1.22) e o nascimento do novo homem, gerado em Cristo (Colossenses 3.1).

Os salvos, por meio do evangelho, são chamados com uma santa vocação, que não é segundo as obras, pois foi estabelecida por Deus, através de Cristo, antes da fundação do mundo: ser santo e irrepreensível!

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso SENHOR, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes, participa das aflições do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas, segundo o seu próprio propósito e graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos dos séculos;” (2 Timóteo 1.8-9).

O cristão é participante do evangelho, o ‘espírito’ que vivifica e santifica (2 Coríntios 3.6) e, por isso, é salvo, segundo o poder de Deus. Na condição de salvo, segundo o evangelho, que é poder de Deus, é chamado com santa vocação, segundo o propósito e graça concedido em Cristo: a preeminência de Cristo, em todas as coisas.

 

Diferença entre eleição e predestinação

Tanto a eleição, quanto a predestinação, ocorre em Cristo e se deram, antes da fundação do mundo. As duas doutrinas fazem referência às bênçãos concedidas ao salvos, em Cristo Jesus, por meio do evangelho, entretanto, a natureza dessas bênçãos é diferente.

O novo homem, gerado em Cristo, é santo e irrepreensível, de modo que é dito:

“PORTANTO, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas, segundo o Espírito.” (Romanos 8.1).

Como não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, certo é que a eleição tem relação com a condição do novo homem, diante de Deus: sem condenação! Por que a eleição diz do novo homem? Porque ela é pertinente àqueles que estão em Cristo ou, seja, àqueles que são novas criaturas:

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.” (2 Coríntios 5.17).

O velho homem, gerado em Adão, jamais poderia ser eleito. Só quando o homem crê em Cristo e o velho homem é crucificado e morto, é que surge uma nova criatura, na condição de eleita, pois o novo homem é santo e livre de culpa.

A predestinação diz da imagem que terão aqueles que estão em Cristo e a eleição à condição diante de Deus, daqueles que estão em Cristo.

“Porque os que dantes conheceu, também, os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito, entre muitos irmãos.” (Romanos 8.29).

É fato que os salvos, por intermédio do evangelho, serão semelhantes ao Cristo glorificado. A doutrina da predestinação tem relação com a semelhança que herdarão aqueles que estão em Cristo.

“Amados, agora, somos filhos de Deus e, ainda, não é manifestado o que havemos de ser. Mas, sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele; porque assim como é o veremos.” (1 João 3.2).

Se é certo que os cristãos terão a semelhança do Cristo ressurreto, certo é que todos os salvos em Cristo estão predestinados, antes da fundação do mundo, a serem semelhantes a Ele.

A bênção da predestinação diz da imagem que receberão os salvos em Cristo e a má leitura, tanto dos calvinistas, quanto dos arminianistas, diz que a predestinação se refere à salvação.

Os reformadores não compreendem que, assim, como os descendentes de Adão estão destinados a terem a imagem e a semelhança de Adão, os descendentes de Cristo, o último Adão, estão destinados a serem conforme a imagem do homem espiritual.

“Assim, está, também, escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante.” (1 Coríntios 15.45);

“E, assim, como trouxemos a imagem do terreno, assim, traremos, também, a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15.49).

A leitura reformada resta equivocada, por não considerar que, assim, como hoje temos a imagem do homem terreno, na manifestação de Cristo, em glória, também, traremos a imagem do celestial: seremos semelhantes a Ele.

Quando se analisa o capítulo 15, de 1 Coríntios, que fala da ressurreição dentre os mortos, a temática discorrida do verso 43 a 59, é a essência da doutrina da predestinação. Assim, como não se pode considerar a ressurreição, dentre os mortos, como o modo pelo qual se dá a salvação (a salvação é pelo evangelho), também, não se deve considerar a bênção da predestinação, como o modo que Deus opera a salvação.

“Porque os que dantes conheceu, também, os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.”  (Romanos 8.29).

Observe, atentamente, o verso 29 de Romanos 8, que trata, especificamente, da imagem que os salvos terão, a imagem de Cristo, para se ver que a mentira calvinista e arminianista não resiste às Escrituras.

 

Voltemos ao evangelho

Observe a Declaração de Fé da Igreja Evangélica Assembleias de Deus:

“A predestinação genuinamente bíblica diz respeito apenas à salvação, sendo condicionada à fé em Cristo Jesus, estando relacionada à presciência de Deus. Portanto, a predestinação dos salvos é precedida pelo conhecimento prévio de Deus daqueles que, diante do chamamento do Evangelho, recebem a Cristo como o seu Salvador Pessoal e perseveram até o fim. A predestinação do crente leva-o a ser conforme a imagem de Cristo; assim sendo, todos somos exortados a perseverar até o fim: ‘aquele que perseverar até ao fim será salvo’ (Mt 24.13). A graça divina tanto salva quanto nos preserva a alma neste mundo corrupto e corruptor.” (SOARES, Ezequias (Org.). Declaração de Fé das Assembleias de Deus. 1ª Edição, RJ, CPAD, 2017, ps.110,111).

Por que analisar a confissão de fé das Assembleias de Deus? Primeiro, por estar registrada e sistematizada em um livro. Em segundo lugar, por ser uma adaptação da doutrina arminianista.

Na primeira frase é dito que a predestinação genuinamente bíblica diz respeito APENAS à salvação, porém, logo em seguida, o posicionamento doutrinário destaca que ‘a predestinação do crente leva-o a ser conforme a imagem de Cristo’Contradição lógica, visto que, se a predestinação que se diz bíblica, diz respeito apenas à salvação, já não pode estar relacionada à questão da imagem de Cristo.

Enquanto a Bíblia é clara ao dizer que a salvação se dá por meio do evangelho, a fé que foi dada aos santos e pela qual os crentes devem batalhar (Judas 1.3), a declaração de fé das Assembleias de Deus tenta combinar três elementos para compor a salvação: predestinação, fé e presciência[4].

Para ser salvo, é necessário ouvir a palavra da verdade ou, seja, o evangelho da salvação (Efésios 1.13). O evangelho é poder de Deus para salvar tanto judeus, quanto gregos, bastando, para isso, crer que Jesus é o enviado de Deus (Romanos 1.16). Aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação, visto que, para os que perecem, o evangelho é loucura, mas, para os que são salvos, o poder de Deus.

“Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus, pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes, pela loucura da pregação.” (1 Coríntios 1.21);

“Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos.” (1 Coríntios 1.23).

Essa é a premissa arminianista:

“… a predestinação dos salvos é precedida pelo conhecimento prévio de Deus daqueles que, diante do chamamento do Evangelho, recebem a Cristo como o seu Salvador Pessoal e perseveram até o fim.” Idem.

 Diferente é a proposta da Bíblia: a humanidade está destinada à perdição e hoje, dia sobremodo oportuno, o conhecimento de Deus é anunciado a todos os homens e Deus roga pelos seus embaixadores, que os homens se reconciliem com Ele, crendo no evangelho.

“Que quer que todos os homens se salvem e venham ao conhecimento da verdade.” (1 Timóteo 2.4);

“De sorte que, somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus, por nós rogasse. Rogamo-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus.”  (2 Coríntios 5.20);

“(Porque diz: Ouvi-te em tempo aceitável e socorri-te no dia da salvação; Eis aqui, agora, o tempo aceitável, eis aqui, agora, o dia da salvação).” (2 Coríntios 6.2).

Esses três versos demonstram que Deus deseja que todos os homens se salvem e, para isso, é necessário o conhecimento da verdade, do que se conclui que Deus não predestinou e nem anteviu os que creriam, para serem salvos. A salvação é oferecida, hoje; portanto, a salvação não se deu por predestinação, antes da criação do mundo.

Deus não socorreu alguns perdidos, antes mesmo de criá-los (lembrando que o único pré-existente é Cristo), pois, Ele socorre os perdidos, hoje. Seria um contrassenso salvar, pela eleição, quem ainda não havia se perdido.

Na declaração de fé das Assembleias de Deus, tem-se a mesma má leitura dos calvinistas, com relação à fé, em Efésios 2, verso 8:

“A fé antecede a regeneração: ‘Porque, pela graça, sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus’ (Ef 2.8); ‘Quem crer e for batizado será salvo; mas, quem não crer será condenado’ (Mc 16.16); ‘Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo’” Idem.

Os calvinistas dizem que a regeneração antecede a fé e os arminianistas, que a fé antecede a regeneração. Nesse quesito, os arminianistas estão mais corretos que os calvinistas, porém, qual fé antecede a regeneração? A fé (pistis) que veio e se manifestou aos homens ou, a fé (pistoo) que é acreditar em Cristo?

Os termos gregos πίστις (pistis) e πιστόω (pistoo) são, respectivamente, substantivo e verbo. O substantivo pistis é traduzido por fé e o verbo pistoo é traduzido por crer, isso porque o radical do vocábulo latino ‘fé’ não flexiona para compor um verbo e, em função dessa limitação da língua latina, os lexicógrafos lançaram mão do radical do verbo latino credere e verteram o verbo πιστόω (pistoo), para ‘crer’.

“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar.” (Gálatas 3.23).

Quando se diz: ‘Declaração de fé das Assembleias de Deus’, qual o significado do termo ‘fé’? Ora, estamos falando de doutrina, mensagem, kerigma ou, seja, de algo objetivo e que pode ser anunciado. Já o crer é subjetivo e cada indivíduo, após ouvir uma mensagem, pode acreditar ou, não.

Através das três citações bíblicas da Declaração de Fé das Assembleias de Deus, percebe-se a má leitura de Efésios 2, verso 8, na Declaração de fé, registrada pelo Pr. Ezequias Soares, pois, o apóstolo Paulo está falando de Cristo, o autor e consumador da fé ou, seja, a fé manifesta, que é dom de Deus e firme fundamento, mas, a Declaração do Pr. Ezequias tem a fé como se fosse crer, acreditar, algo que é próprio ao indivíduo.

A fé (pistis) e o crer (pistoo), igualmente, antecedem a regeneração. A fé (pistis) que é firme fundamento e dom de Deus, vem primeiro; em seguida, por meio da fé (pistis), surge a confiança, o o crer (pistoo), o acreditar em Deus, que ressuscitou a Cristo.

A palavra da verdade, também, é denominada fé (pistis), o evangelho da salvação e, após crer no evangelho, o crente passa a estar em Cristo, quando ocorre a regeneração.

“Em quem, também, vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele, também, crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” (Efésios 1.13).

 

Propósito eterno

Ao discorrer sobre a eleição no item 1, sob o título ‘Eleitos para uma vida santa e irrepreensível’, o comentarista Douglas Baptista diz o seguinte:

“A dádiva da eleição precede a nossa existência. Antes da fundação do mundo, Deus planejou salvar e capacitar para uma vida de santidade os que Ele elegeu de antemão.”[5]

A ideia de que, antes da fundação do mundo, Deus teria planejado salvar os que escolheu, através da presciência, é equivocada, pois, antes da fundação do mundo, o propósito de Deus era congregar em Cristo todas as coisas, para que, em tudo, Cristo tivesse a preeminência.

“Descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus, como as que estão na terra;” (Efésios 1.9-10).

“Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.” (Colossenses 1.16-18).

A eleição divina tem por alvo a preeminência de Cristo, em todas as coisas, de modo que, cada membro do corpo de Cristo, é chamado com uma santa vocação, ao propósito estabelecido em Cristo.

Neste sentido, a eleição é Cristocêntrica, pois, foi estabelecida “antes da fundação do mundo”, com a finalidade de prover uma noiva para Cristo, livre de mancha ou, ruga. Assim, como Adão, que prefigura o Cristo, obteve uma esposa, após dormir, o último Adão, também, recebeu uma noiva, após ressurgir dentre os mortos: a igreja, que é o seu corpo.

Todos os que estão em Cristo compõem o Seu corpo (1 Coríntios 12.27), que é a igreja, portanto, na condição de eleitos, os cristãos são santos e irrepreensíveis, pois, a noiva do cordeiro é livre de mancha e rugas.

“Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo, igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas, santa e irrepreensível.” (Efésios 5:26 -27).

Contrariando a nota de rodapé da Bíblia de Estudo Pentecostal, vale destacar que a eleição não é para a salvação. A salvação em Cristo é oferecida a todos, por intermédio do evangelho, e torna-se uma realidade para os que creem. Sem realizar a obra exigida por Deus, é impossível ser salvo ou, seja, sem crer em Cristo, é impossível se salvar.

“Jesus respondeu e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6.29).

Sem executar a obra de Deus, é impossível ser salvo. Quem executa a obra de Deus, se faz servo ou, seja, humilha-se a si mesmo e se faz servo da justiça. Quem crê em Cristo obedece ao mandamento de Deus, que é crer em Cristo! Sem tomar sobre si o fardo e o julgo de Jesus, é impossível se salvar.

Adeptos da reforma demonizaram o termo ‘obra’ e se esquecem de que a obra, pela qual ninguém será salvo, diz das obras da lei.

“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas, pela fé em Jesus Cristo, temos, também, crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei; porquanto, pelas obras da lei nenhuma carne será justificada.” (Gálatas 2.16).

Há uma obra a ser realizada para ser salvo! Há um mandamento a ser obedecido para ser salvo! E o que o homem deve fazer para ser salvo? Olhar para Cristo! Que mandamento suave, que fardo leve! Basta olhar!

“Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus e não há outro.” (Isaías 45.22).

Quem olha para Cristo é porque crê que Ele é o Salvador. Quem crê em Jesus, como Salvador, é obediente, portanto, será salvo.

“Mas, nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: SENHOR, quem creu na nossa pregação?” (Romanos 10.16).

Após ouvir e crer, o homem se torna membro do corpo de Cristo ou, seja, se torna santo e irrepreensível, portanto, é chamado com santa vocação.

O vocábulo grego hagios (santo) significa “separado” (1 Pedro 1.15-16) e o adjetivo grego amõmos (irrepreensível) aponta para algo “sem defeito” ou “inculpável” (Filipenses 2.15), demonstrando que o eleito é participante da natureza divina (1 Pedro 1.4). Santidade e irrepreensibilidade aqui, não têm relação com os padrões éticos e moral estabelecidos na sociedade, mas, sim, com a nova natureza e a condição de quem foi gerado de novo.

 

Predestinados a serem conforme a imagem do Filho e não predestinados a ser Filhos por adoção

Já vimos que a doutrina da predestinação se refere a como será o corpo dos salvos ou, qual será a imagem dos salvos: semelhantes a Cristo (1 João 3.2). Observe a exposição do apóstolo Paulo sobre o corpo dos salvos, na ressurreição:

“Mas, alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas, o simples grão, como de trigo ou, de outra qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer e a cada semente o seu próprio corpo. Nem toda a carne é uma mesma carne, mas, uma é a carne dos homens e outra a carne dos animais, outra a dos peixes e outra a das aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, mas, uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. Uma é a glória do sol, outra a glória da lua e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere, em glória, de outra estrela. Assim, também, a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor. Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.” (1 Coríntios 15.35-44).

O apóstolo Paulo, nos versos acima, não discorre sobre como se dá a salvação, mas, em como será o corpo dos salvos, sendo certo que, se há corpo natural, também há corpo espiritual.

A doutrina da predestinação trata especificamente da imagem que terão os salvos em Cristo Jesus e apesar de não fazer uso do termo predestinação, nessa exposição aos Coríntios, o apóstolo Paulo aborda a essência da doutrina da predestinação:

“Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. Mas, não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o SENHOR, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim, como trouxemos a imagem do terreno, assim, traremos, também, a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15.45-49).

Se os homens terrenos são semelhantes a Adão, certo é que os homens celestiais serão semelhantes ao último Adão e estão predestinados a terem a mesma imagem de Cristo, para cumprir o propósito: Cristo primogênito, entre muitos irmãos.

Novamente, vale destacar que a predestinação tem em vista o propósito eterno de Deus em Cristo, de fazê-lo preeminente em todas as coisas, por isso, foi estabelecida a posição de primogênito, entre muitos irmãos, e para isso todos os seus irmãos devem ser, conforme a Sua imagem e semelhança.

“Porque, se fomos plantados juntamente, com ele na semelhança da sua morte, também, o seremos na da sua ressurreição;” (Romanos 6.5);

Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestarentão, também, vós vos manifestareis com ele, em glória.” (Colossenses 3.4);

“Amados, agora somos filhos de Deus e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas, sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque, assim, como é o veremos.” (1 João 3.2).

Observe que Cristo, para ser semelhante aos homens, teve de ser participante de carne e sangue e os crentes, para serem irmãos do Cristo glorificado, serão manifestos em glória, semelhantes a Ele, pois, só assim, Cristo será primogênito, entre muitos irmãos.

“E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também, ele participou das mesmas coisas, para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo;” (Hebreus 2.14).

Quando se enfatiza que os cristãos foram predestinados a serem conforme a imagem de Cristo, temos uma verdade insofismável, porém, quando é dito que os salvos foram predestinados para filhos de adoção, se estabelece um erro doutrinário absurdo.

A abordagem paulina acerca da ‘adoção’ aponta quais são as implicações de ser salvo em Cristo, diferentemente, da ideia reformada de que Deus escolheu e predestinou, na eternidade, aqueles que seriam adotados como filhos.

A ideia de adoção foi apresentada pelo apóstolo dos gentios, somente para contrastar a posição da igreja, em relação à condição de Israel. Precisamos divisar bem a questão de como se alcança a imagem e a semelhança de Cristo (predestinação), da oposição Igreja versus Israel, livre e escravo (adoção). Observe:

“Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas, recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai. O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros, também; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que, também, com ele sejamos glorificados” (Romanos 8.15-17).

Após destacar que, não há nenhuma condenação para aqueles que estão no evangelho de Cristo (espírito), diferentemente, daqueles que seguem as ordenanças da lei (carne) (Romanos 8.1 e 9), o apóstolo dos gentios enfatiza que os cristãos receberam a mensagem que garante a condição de filhos, não uma mensagem que os relega à condição de escravos, como o é estar debaixo da lei.

A nação de Israel, sim, andava em temor, pois, assim, como Agar era escrava com seu filho, Jerusalém é escrava, juntamente, com os seus filhos:

“Dizei-me, os que quereis estar debaixo da lei, não ouvis vós a lei? Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava e outro da livre. Todavia, o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém, que agora existe, pois, é escrava com seus filhos.” (Gálatas 4.21-25).

O erro surge quando se analisa um texto que contrapõe a posição da Igreja e a condição de Israel, como se o texto tratasse de como se dá a salvação em Cristo e, pior, confunde a questão da imagem e semelhança que os salvos em Cristo terão na redenção do corpo (adoção), com a questão de como se alcança a salvação.

Com relação à salvação, sabemos que quem crê em Cristo, conforme diz as Escrituras, é de novo gerado (1 Pedro 1.3). Na regeneração, ocorre um novo nascimento, proveniente da vontade de Deus, segundo a semente incorruptível, que é a palavra de Deus (1 Pedro 1.23-25). Se a semente é divina e o homem é de novo gerado, resultando em uma nova criatura, segue-se que efetivamente, o crente em Cristo é filho de Deus e participante da natureza divina (2 Pedro 1.4), portanto, não é um adotado.

Ora, se o crente é gerado de novo, da vontade de Deus, é filho (João 1.12-13). Com relação àquele que recebe a Cristo, não há o que se falar em ‘adoção para ser filho’, pois, quem está em Cristo, é nova criatura.

Considerando o uso que se faz do termo adoção em nossos dias, que é o ato de receber um estranho na família, reconhecendo-o do ponto de vista legal como filho, o termo não se adequa à condição de quem é de novo gerado.

Entretanto, o termo grego υἱοθεσία (huiothesia), traduzido por ‘adoção’, tem no seu bojo outros aspectos pertinentes às relações familiares da antiguidade: maioridade, garantias e direitos.

“Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo, já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros, conforme a promessa. DIGO, pois, que todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo; Mas está debaixo de tutores e curadores, até ao tempo determinado pelo pai. Assim, também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão, debaixo dos primeiros rudimentos do mundo. Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai. Assim, que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus, por Cristo.” (Gálatas 3.26-29 e 4.1-7).

Observe que os cristãos são declarados filhos pela verdade (fé, fidelidade) que há em Cristo Jesus, sendo certo que todos que creem foram mortos e sepultados (batizados) com Cristo e, ao ressurgirem, se revestiram de Cristo.

Considerando a lei, o apóstolo demonstra que não havia diferença alguma entre um escravo e o filho, mas, com a vinda de Cristo, houve remissão, para os que estavam debaixo da lei, de modo que recebessem a ‘adoção’ ou, seja, ficassem livres dos primeiros rudimentos do mundo.

Através de Cristo, o homem se torna filho (salvo) e, com relação aos judeus que viviam debaixo da lei, através de Cristo, deixam de ser meninos, pois, recebem a adoção: herdeiro de Deus, por Cristo.

Através da exposição do apóstolo Paulo, fica evidenciado que o termo grego traduzido por ‘adoção’ não tem no seu escopo a ideia de como ser salvo (se tornar filho de Abraão, se tornar filho de Deus), antes, destaca que, agora, está de posse dos direitos pertinentes a quem é filho de Deus.

“E não só ela, mas, nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também, gememos, em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” (Romanos 8.23).

O termo ‘adoção’, quando utilizado pelo apóstolo Paulo, vincula-se à ideia de idoneidade, de nova condição, que livra o indivíduo de questões impostas pela lei. Nesse aspecto, o termo não traz em seu bojo a ideia de tomar alguém como filho, quando não é.

“Dando graças ao Pai, que nos fez idôneos para participarmos da herança dos santos na luz;” (Colossenses 1.12).

Se o cristão é feito competente, capaz e idôneo, está apto à herança, restando, somente, a adoção: a redenção do corpo.

Nas cinco vezes que o apóstolo Paulo faz uso do termo υἱοθεσία (huiothesia), em nenhuma delas é utilizado o termo, da mesma forma que alguns autores seculares à época:

Romanos 8.15: “οὐ γὰρ ἐλάβετε πνεῦμα δουλείας πάλιν εἰς φόβον, ἀλλὰ ἐλάβετε πνεῦμα υἱοθεσίας, ἐν ᾧ κράζομεν Ἀββᾶ Πατήρ”;

Romanos 8.23: “οὐ μόνον δέ, ἀλλὰ καὶ αὐτοὶ τὴν ἀπαρχὴν τοῦ Πνεύματος ἔχοντες ἡμεῖς καὶ αὐτοὶ ἐν ἑαυτοῖς στενάζομεν, υἱοθεσίαν ἀπεκδεχόμενοι, τὴν ἀπολύτρωσιν τοῦ σώματος ἡμῶν”;

Romanos 9.4: “οἵτινές εἰσιν Ἰσραηλεῖται, ὧν r υἱοθεσία καὶ r δόξα καὶ αἱ διαθῆκαι καὶ r νομοθεσία καὶ r λατρεία καὶ αἱ ἐπαγγελίαι,”;

Gálatas 4.5: “ἵνα τοὺς ὑπὸ νόμον ἐξαγοράσῃ, ἵνα τὴν υἱοθεσίαν ἀπολάβωμεν”;

Efésios 1.5: “προορίσας ἡμᾶς εἰς υἱοθεσίαν διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ εἰς αὐτόν, κατὰ τὴν εὐδοκίαν τοῦ θελήμτας, ατος”. Stephanus Textus Receptus (1550, com acentos)

O Dicionário Strong deixa registrado que, em autores seculares, como Píndaro e Heródoto, os termos θετός υἱός ou θετός παῖς são utilizados para fazer alusão a filhos adotivos, adoção e adoção de filhos. Já, com relação ao termo υἱοθεσία (huiothesia), utilizado pelo apóstolo Paulo, Strong destaca que o termo é ‘um suposto composto de υἱός e um derivado de θεσία’.

Os autores seculares utilizam dois termos para falar de adoção de filhos (θετός υἱός ou θετός παῖς), e os lexicógrafos leem o termo υἱοθεσία como um suposto composto, que remete a ‘adoção de filhos’, sendo que a ideia é somente ‘adoção’, e não ‘adoção de filhos’.

Esse mesmo erro ocorre com o termo grego εκκλησια ekklesia, que alegam ser um termo composto de εκ (ek) ou εξ (ex) e καλεω (kaleo), significando ‘chamados para fora’, sendo que o termo traz a ideia de uma assembleia constituída de membros iguais entre si, pois é assim que se descreve a igreja, uma assembleia composta de judeus, gregos, servos, livres, etc., mas que, pela fé em Cristo, são igualmente filhos de Abraão.

Mas, se utilizarmos o texto de Romanos 8, verso 23, temos um lampejo de qual é a definição do termo grego υἱοθεσία:

“E não só ela, mas, nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também, gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” (Romanos 8.23);

“οὐ μόνον δέ, ἀλλὰ καὶ αὐτοὶ τὴν ἀπαρχὴν τοῦ Πνεύματος ἔχοντες ἡμεῖς καὶ αὐτοὶ ἐν ἑαυτοῖς στενάζομεν, υἱοθεσίαν ἀπεκδεχόμενοι, τὴν ἀπολύτρωσιν τοῦ σώματος ἡμῶν.” (Romanos 8.23) Stephanus Textus Receptus (1550, com acentos).

Considerando que o termo adoção está relacionado com a ‘redenção do corpo’, certo é que os cristãos foram predestinados para a ‘redenção do corpo’, por Jesus Cristo, para si mesmo, e segundo o que consentiu a sua vontade. Observe que o termo υἱοθεσίαν em Romanos 8, verso 23, não é traduzido por ‘adoção de filhos’, somente adoção, diferentemente dos outros textos.

“E nos predestinou para filhos de adoção, por Jesus Cristo” (Efésios 1.5).

προορίσας ἡμᾶς εἰς υἱοθεσίαν διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ” Stephanus Textus Receptus (1550, com acentos).

Ora, na redenção do corpo se adquire a imagem e semelhança do Cristo glorificado, de modo que, na adoção, Cristo se estabelece na posição de primogênito entre muitos irmãos. O correto é que Deus nos predestinou para adoção, a saber, a redenção do corpo, não que Deus nos predestinou para filhos de adoção.

“Porque, os que dantes conheceu, também, os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filhoa fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8.29).

O beneplácito da vontade de Deus é estabelecer Cristo como o primogênito, entre muitos irmãos. Visando a posição do Seu Filho, acima de todo principado e potestade, Deus o constituiu como cabeça da igreja, um corpo composto de homens glorificados, feitos à imagem do homem celestial.

O termo ‘adoção’, também, é utilizado para os israelitas, mesmo após Deus ter dito que eles não eram seus filhos, mas uma mancha:

“Que são israelitas, dos quais é a adoção (de filhos), a glória, as alianças, a lei, o culto e as promessas;” (Romanos 9.4);

“Corromperam-se contra ele; não são seus filhos, mas a sua mancha; geração perversa e distorcida é.” (Deuteronômio 32.5).

Como poderiam ter alcançado a tal ‘adoção de filhos’, se o próprio Deus os classifica como geração vil e mentirosa? Isto significa que o termo no contexto não enfatiza que os israelitas foram adotados como filhos, mas, que, aos judeus, pertencem as promessas feitas aos pais, o culto estabelecido por Deus, a lei dada por Deus, por intermédio de Moisés, o pacto da aliança feito por Deus, o renome que possuíam como povo de Deus e a condição de um povo, como propriedade peculiar, dentre todos os povos.

 

Correção ortográfica: Pr Carlos Gasparotto

 

[1] “Objetivo Geral: Informar que Deus soube de antemão, por meio de sua presciência, quais pessoas creriam e que, em Cristo, seriam predestinadas a receber bênçãos espirituais.” Douglas Baptista, Eleição e Predestinação, Lições Bíblicas, CPAD, lição 3, 19/04/20.

[2] “Deus decretou salvar e condenar certas pessoas em particular. Este decreto tem o seu embasamento na presciência de Deus, pela qual Ele sabe, desde toda a eternidade, que tais indivíduos, por meio de sua graça preventiva, creriam, e por sua graça subsequente perseverariam (…) e, do mesmo modo, pela sua presciência, Ele conhecia aqueles que não creriam, nem perseverariam” João Calvino. Institutas da Religião Cristã, vol. 3, cap. 11, pág. 227. (Grifo nosso)

[3] O ‘conselho’ diz da vontade de Deus, que faz todas as coisas, segundo o conselho (βουλῇ) da sua vontade (Efésios 1:11).

[4] “A Predestinação é um conceito bíblico; o Arminianismo clássico a interpreta de maneira diferente dos calvinistas, mas, sem negá-la. É o decreto soberano de Deus em eleger os crentes em Jesus Cristo e inclui a presciência de Deus, da fé destes crentes” Roger Olson. Teologia Arminiana – mitos e realidades, Reflexão, p. 233.

[5] Douglas Baptista, Eleição e Predestinação, Lições Bíblicas, CPAD, lição 3, 19/04/20.

 

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

3 thoughts on “Igreja, a geração eleita

  • Parabéns por mais um belíssimo texto, edificante e esclarecedor. Que Deus continue te abençoando.

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  • Penso que esta postagem não respondeu às nossas dúvidas.
    Não é verdadeiro dizer que Deus não anteviu os eleitos. Ora, todas as coisas, presentes, passadas e futuras, estão eternamente em Deus.
    Deus não precisa antever algo futuro nem relembrar algo passado. Deus não é vítima do tempo. Tudo É (ser/estar) Deus.
    Deus não precisa predestinar algo num momento de tempo para que esse algo aconteça, pois tudo já está eternamente predestinado segundo o Seu beneplácito. Eternamente, referente a Deus, significa sem começo nem fim. Colocar Deus dentro do tempo é reduzi-lo a algo dimensionável.
    Tudo isso nos faz perguntar: Por que, então, Deus requereu o cumprimento de todo esse protocolo da existência?
    Resposta: Não sabemos.

    Resposta
    • Olá, J. Alencar

      Quando o artigo foi elaborado, analisamos passagens bíblicas, e não as perguntas que vc tinha.

      Considerando o que vc afirma de Deus, que Ele conhece presente, passado e futuro, pois todos os eventos estão eternamente em Deus, ou antes, a eternidade decorre d’Ele, segue-se que a negativa dupla que vc fez é descabida. Se ‘Não é verdadeiro dizer que Deus não anteviu os eleitos.’, e se passado, presente e futuro são iguais para Ele, dizer que ele antevê o futuro é absurdo assim como dizer que Ele antevê o passado, ou o presente. Vc mesmo afirma: Deus não precisa antever algo futuro nem relembrar algo passado. Se essa última asserção é verdadeira, vc contraria o que disse: ‘Não é verdadeiro dizer que Deus não anteviu os eleitos.’

      Em momento algum disse no texto que Deus predestina algo no tempo para que isso aconteça. Na verdade Deus cria ou estabelece o que a sua boa vontade aprova, sem ter que predestinar eventos futuros. Contraditório, pois se tudo já está predestinado segundo o seu beneplácito, como Ele não precisa predestinar algo no tempo?

      Vc está certíssimo ao afirmar que Deus não se limita a bolha de tempo que o homem vive, pois Deus não é sujeito as leis da física que regem o espaço/tempo.

      Agora, preciso destacar que as inúmeras questões que vc não consegue responder não decorre das Escrituras, e sim do platonismo que se imiscuiu nas doutrinas das igrejas desde o primeiro século.

      A Bíblia não é fatalista nem mecanicista. Não há na Bíblia fado, destino, carma, moira, etc., que envolva a existência do homem. Essas questões são gregas e decorre do pensamento grego, como vc pode depreender das tragédias gregas.

      A Bíblia não diz que os homens tem um destino estabelecido, e sim, que os caminhos que o homem está é que possuem destino, e que, portanto, cabe ao homem diante da oferta de salvação em Cristo querer mudar de caminho. São dois caminhos com destinos diferentes! Vc não encontrará na Bíblia uma passagem se quer que diga que um homem está predestinado a perdição ou a salvação.

      O que demonstro no artigo é que, caso o homem creia em Cristo, fará parte de uma geração escolhida, e que, ao mesmo tempo estará destinado/predestinado a ter uma imagem semelhante a de Cristo. Não há como o homem que crê em Cristo escolher que imagem quer ter, e por isso é predestinado a ser tal qual Ele é.

      Att.

      Resposta

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