Salmos II

Salmo 55 – Desejo de voar como as pombas

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O desejo de Cristo se assemelha à vontade do profeta Jeremias que, ao prever a destruição dos filhos de Israel, desejou uma estalagem de caminhantes no deserto, do que estar entre os seus patrícios, que seriam destruídos pela guerra (Jr 9:2).


Salmo 55 – Desejo de voar como as pombas

Este Salmo é mais uma profecia de Davi, em forma de cântico (1 Cr 25:1-3) ou, um cântico profético. O rei Davi era profeta (At 2:29-30) e neste Salmo, pelo espírito (Mt 22:43), ele descreve o estado emocional do Cristo, quando perseguido pelos seus irmãos, segundo a carne.

Este Salmo não é fruto do estado emocional do salmista. É equivocada a leitura de que os Salmos descrevem a angústia, a alegria, as frustrações, as conquistas, etc., de Davi. Os Salmos não são um cântico dramático, que falam dos temores de Davi, antes, é um cântico que nos apresenta como o Verbo de Deus, que se faria homem, quando na forma de homem, se humilharia em obediência ao Pai (Fl 2:8).

 

A angustia

1 INCLINA, ó Deus, os teus ouvidos à minha oração e não te escondas da minha súplica. 2  Atende-me e ouve-me; lamento na minha queixa e faço ruído, 3  Pelo clamor do inimigo e por causa da opressão do ímpio; pois lançam sobre mim a iniquidade e com furor me odeiam. 4  O meu coração está dolorido dentro de mim e terrores da morte caíram sobre mim. 5 Temor e tremor vieram sobre mim e o horror me cobriu.

O cântico profético de Davi é construído com paralelismo e dessa estrutura poética, é possível compreendermos melhor os seus versos (que não são estruturados em métricas, rimas ou ritmos), mas, através de ideias que se complementam ou que são antagônicas.

O primeiro verso é construído através de um paralelismo sinônimo, pois a segunda linha do verso reforça a ideia apresentada na primeira:

“INCLINA, ó Deus, os teus ouvidos à minha oração …

… e não te escondas da minha súplica.”

‘Inclinar’ os ouvidos é o mesmo que atender (Is 37:17), ser favorável, dar ouvidos. Não esconder da súplica é pedir pelo favor de Deus, que se revela no ‘resplendor’ da Sua face. Quando Deus se revela, indica que Ele é favorável a quem O invoca (Nm 6:25; Sl 31:16; Sl 80:3).

O Salmo constitui uma oração de Cristo, que roga ao Pai que lhe seja favorável e atenda os seus rogos.

Esse mesmo pedido está expresso no Salmo 102:

“Não escondas de mim o teu rosto no dia da minha angústia, inclina para mim os teus ouvidos; no dia em que eu clamar, ouve-me depressa.” (Sl 102:2)

O Cristo roga por auxilio, por uma resposta, pois, na sua angústia, sente-se perturbado e perplexo por causa da oposição dos seus inimigos, que são os da sua própria família (Mt 10:36). A opressão dos seus inimigos consiste em ofendê-lo, hostilizando e atribuindo maldades (v. 4).

A perseguição que os filhos de Israel imporiam ao Cristo, que o Salmo denomina de ‘ímpios’, causaria uma reação física, pois o coração do Messias ficaria acelerado, palpitante, pelo terror que a perspectiva da morte impõe. O medo causa a reação física de tremores e a reação psíquica é o horror (v. 5).

O Salmo 38 fala do abandono do Cristo pelos seus amigos e familiares e de como os seus irmãos, segundo a carne, O perseguiriam:

“Os meus amigos e os meus companheiros estão ao longe da minha chaga; e os meus parentes se põem à distância. Também, os que buscam a minha vida, me armam laços e os que procuram o meu mal, falam coisas que danificam e imaginam astúcias, todo o dia. Mas eu, como surdo, não ouvia, e era como mudo que não abre a boca. Assim, eu sou como homem que não ouve e, em cuja boca, não há reprovação.” (Sl 38:11-14)

 

Asas como de pomba

6  Assim, eu disse: Oh! quem me dera asas como de pomba! Então, voaria e estaria em descanso. 7  Eis que fugiria para longe e pernoitaria no deserto. (Selá.) 8  Apressar-me-ia a escapar da fúria do vento e da tempestade. 9  Despedaça, Senhor, e divide as suas línguas, pois tenho visto violência e contenda na cidade. 10 De dia e de noite a cercam, sobre os seus muros; iniquidade e malícia estão no meio dela. 11 Maldade há dentro dela; astúcia e engano não se apartam das suas ruas.

Na angústia, um desejo do Cristo: asas como de pomba, que possibilitasse alçar voo! O desejo de fugir e de estar num lugar deserto e inóspito soa como descanso, o que, para muitos, representa um lugar de infortúnios. O deserto, comparado à fúria e à tempestade causada pela oposição dos seus inimigos, é lugar de descanso!

O desejo de Cristo se assemelha à vontade do profeta Jeremias que, ao prever a destruição dos filhos de Israel, desejou uma estalagem de caminhantes no deserto, do que estar entre os seus patrícios, que seriam destruídos pela guerra (Jr 9:2).

Apesar do anseio de fugir, o Cristo se volta para o Pai e roga para que os conselhos dos seus inimigos sejam dissipados (confundidos), pois o que Ele contempla e vê na cidade em que eles habitam é só violência e contenda (v. 9). A cidade é descrita como se houvesse atalaias sobre os muros, em guarda para protegê-la, porém, não é isso o que ocorre, pois a cidade está tomada de iniquidade e malícia e não passaria impune por Deus. Ninguém, posto por atalaia, dá o alarde de que a maldade, a astúcia e o engano dominam as ruas.

Que cidade é esta descrita pelo profeta Davi?

O profeta Habacuque, na condição de atalaia de Israel, estava cansado de ver iniquidade e opressão  (Hb 1:3). Em função da calamidade que via em meio aos filhos de Israel, pois a justiça era torcida e o ímpio cercava o justo, Habacuque estava cansado de gritar ao Senhor para ser atendido (Hb 1:1).

Essa mesma cidade, cheia de violência e de contenda, é retratada no Livro dos Provérbios como a mulher adultera, que deixou o companheiro da sua mocidade e se esqueceu da aliança com o seu Deus (Pv 2:16-17). A mulher adúltera é figura que retrata as cidades habitadas pelos filhos de Israel, cheias de violência e de maldade.

“Oh! se tivesse no deserto uma estalagem de caminhantes! Então, deixaria o meu povo e me apartaria dele, porque todos eles são adúlteros, um bando de aleivosos” (Jr 9:2);

“Quando vês o ladrão, consentes com ele e tens a tua parte com adúlteros. Soltas a tua boca para o mal e a tua língua compõe o engano. Assentas-te a falar contra teu irmão; falas mal contra o filho de tua mãe” (Sl 50:18-20).

 

Irmão contra irmão

12 Pois não era um inimigo que me afrontava; então, eu o teria suportado; nem era o que me odiava que se engrandecia contra mim, porque dele me teria escondido. 13 Mas eras tu, homem meu igual, meu guia e meu íntimo amigo. 14 Consultávamos juntos, suavemente, e andávamos em companhia na casa de Deus. 15 A morte os assalte e, vivos, desçam ao inferno; porque há maldade nas suas habitações e no meio deles.

As pessoas que se levantariam contra o Cristo, não seriam de alguma nação inimiga, o que seria suportável. Era impossível ao Cristo se esconder dos seus adversários, pois os que se levantariam contra Ele, seriam os seus concidadãos, irmãos de sangue (Mq 7:6).

Ao encarnar, Cristo se fez homem. Como Cristo veio da casa de Davi, segundo a carne, os seus concidadãos eram seu ‘guia’ e ‘amigo intimo’, pois tinham a mesma afinidade: iam juntos ao templo. Esse verso tem conexão com o vaticinado por Moisés, que Deus levantaria um profeta dentre os seus irmãos e Ele seria como eles, em tudo.

“Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar.” (Dt 18:18)

Apesar do alerta do profeta Moisés, de que o mensageiro do Senhor seria um dos seus irmãos, não tiveram cuidado em falar mal contra o irmão (sangue), o filho da tua mãe (nação). (Sl 50:20)

Mas, pelo mal que fariam contra o Cristo, os ímpios seriam tomados de assalto pela morte e, apesar de possuírem o fôlego de vida, estariam a caminho do inferno (v. 23), na mesma condição que os rebeldes das casas de Coré, Datã e Abirão (Sl 55:23; Sl 140:10).

 

16 Eu, porém, invocarei a Deus e o SENHOR me salvará. 17 De tarde, de manhã e ao meio dia, orarei e clamarei e Ele ouvirá a minha voz. 18 Livrou, em paz, a minha alma da peleja que havia contra mim, pois havia muitos comigo. 19 Deus ouvirá e os afligirá. Aquele que preside desde a antiguidade (Selá), porque não há neles nenhuma mudança e, portanto, não temem a Deus.

O verso 16 demonstra a confiança que o Cristo depositaria no Pai, que O invocaria e seria salvo. Outros Salmos apresentam a resposta do Pai, ao clamor do Filho:

“Porque não desprezou, nem abominou a aflição do aflito, nem escondeu dele o seu rosto; antes, quando ele clamou, o ouviu.” (Sl 22:24)

“Ele me invocará e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia, dela o retirarei e o glorificarei.” (Sl 91:15)

Quando é dito que, de manhã, ao meio dia e à tarde, orará ao Pai, significa que o Filho confiaria, constantemente, em Deus. A oração é expressão de confiança em Deus, assim como  o esperar (Sl 40:1).

Deus, ao livrá-lo dos seus opositores, o Cristo alcançaria paz. Os opositores de Cristo seriam numerosos e temos uma ideia de quantos seriam: uma cidade, uma nação.

O Cristo confia que Deus o ouvirá e abaterá os seus opositores, pois Deus é soberano. Serão abatidos porque não se arrependem e nem temem (obedecem) a Deus (Jr 23:14). Arrepender-se, ou temer é esperar em Deus, na sua misericórdia (Sl 33:18). Para ‘aguardar’ a misericórdia de Deus, o homem tem que obedecê-Lo, pois Deus só tem misericórdia dos que O amam.

 

Os desprezadores

20 Tal homem pôs as suas mãos naqueles que têm paz com ele; quebrou a sua aliança. 21 As palavras da sua boca eram mais macias do que a manteiga, mas havia guerra no seu coração: as suas palavras eram mais brandas do que o azeite; contudo, eram espadas desembainhadas.

Profeticamente, o Salmista descreve os filhos de Israel como aqueles que levantam a mão contra os seus amigos, vez que todos violam a aliança. Como cada qual levanta a mão contra o seu amigo, vem o alerta nos Profetas: “Não creiais no amigo, nem confieis no vosso guia; daquela que repousa no teu seio, guarda as portas da tua boca.” (Mq 7:5; Zc 7:10).

A denúncia contra os filhos de Israel é gravíssima, pois, todos se desviaram da aliança:

“Guardai-vos cada um do seu próximo e de irmão nenhum vos fieis; porque todo o irmão não faz mais do que enganar e todo o próximo anda caluniando. E zombará cada um do seu próximo, porque não falam a verdade; ensinam a sua língua a falar a mentira, andam-se cansando em proceder perversamente.” (Jr  9:4-5)

Como rejeitaram a lei de Deus e não cumpriram as suas palavras, Deus traria o mal sobre os filhos de Israel. De nada adiantava cuidarem dos pobres, órfãos e viúvas do povo, se quebraram a aliança, no final tudo seria destruído, por causa dos seus maus pensamentos.

“Ouve tu, ó terra! Eis que eu trarei mal sobre este povo, o próprio fruto dos seus pensamentos; porque não estão atentos às minhas palavras e rejeitam a minha lei.” (Jr 6:19)

“Para que, pois, me vem o incenso de Sabá e a melhor cana aromática, de terras remotas? Vossos holocaustos não me agradam, nem me são suaves os vossos sacrifícios. Portanto, assim diz o SENHOR: Eis que armarei tropeços a este povo; e tropeçarão neles pais e filhos, juntamente; o vizinho e o seu companheiro perecerão.” (Jr 6:19-21).

Embora cada um se apresente ao seu companheiro com semblante ‘angelical’, contudo, o que há no coração é inimizade. As palavras que os filhos de Israel proferem são dóceis, pois falam de paz, cada um com o seu companheiro, mas não em retidão e nem em justiça, de modo que as suas doces palavras religiosas são comparáveis a espadas afiadíssimas pelo veneno mortífero que contém.

“Que afiaram as suas línguas como espadas; e armaram por suas flechas palavras amargas.” (Sl 64:3)

“Aguçaram as línguas como a serpente; o veneno das víboras está debaixo dos seus lábios. (Selá.)” (Sl 140:3)

 

22 Lança o teu cuidado sobre o SENHOR e ele te susterá; não permitirá jamais que o justo seja abalado. 23 Mas tu, ó Deus, os farás descer ao poço da perdição; homens de sangue e de fraude não viverão metade dos seus dias; mas eu em ti confiarei.

O Cristo é instruído a depositar os seus anseios ou, fardo, em Deus, pois Deus é quem susterá o Cristo. Deus jamais permite que o justo, que é o Cristo, venha a vacilar, cair, tropeçar (Sl 26:1), pois o Cristo, por sua vez, lança o seu cuidado sobre o Senhor (Sl 15:5).

“Porque nunca será abalado; o justo estará em memória eterna. Não temerá maus rumores; o seu coração está firme, confiando no SENHOR. O seu coração está bem confirmado, ele não temerá, até que veja o seu desejo sobre os seus inimigos. Ele espalhou, deu aos necessitados; a sua justiça permanece para sempre e a sua força se exaltará em glória” (Sl 112:6-9);

“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor.” (Jo 15:10).

Os opositores de Cristo, por sua vez, serão desarraigados e o que os aguarda é a sepultura. Enquanto o Cristo põe em Deus a sua esperança, os seus opositores, os filhos do seu povo, são descritos como ardilosos e sanguinários.

Ao caracterizar os filhos de Israel como homens de sangue e fraude, o Salmista, por ser profeta, faz uso de figuras, símiles e parábolas, para denunciar a apostasia e o tropeço dos filhos de Israel.

Os homens de ‘sangue’ são aqueles que se lançam aos sacrifícios de bois, cordeiros, oblações, etc., mas que não obedecem a Deus (Is 66:3). Os homens de ‘fraude’ são aqueles que torcem a palavra de Deus, como descrito por Isaías:

“Como o prevaricar e mentir contra o SENHOR e o desviarmo-nos do nosso Deus, o falar de opressão e rebelião, o conceber e proferir do coração palavras de falsidade.” (Is 59:13).

Como a boca fala do que o coração está cheio, certo é que quem profere palavras de falsidade é porque o coração é enganoso. O coração é enganoso por ter sido herdado de Adão, o que faz com que o homem fale mentiras, desde que nasce. (Sl 58:3; Rm 3:4)

 

Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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