A palavra que procede da boca de Deus é o que concede vida ao homem, portanto, a vida proveniente de Deus é concedida através da palavra d’Ele. É a palavra de Deus que possui o poder criativo (bara) e é por intermédio da palavra que o novo homem é gerado em verdadeira justiça e santidade com um novo coração e um novo espírito ( Ef 4:24 ; Is 51:10 ; Ez 36:26 e27 ; 1Pe 1:23 ).
Como obter vida?
Conteúdo do artigo
“Inclinai os vossos ouvidos, e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, dando-vos as firmes beneficências de Davi” ( Is 55:3 )
Convite para viver
Através do convite: “Inclinai os vossos ouvidos e vinde a mim…” ( Is 55:3 ), Deus prometeu vida aos homens, visto que todos estavam mortos em delitos e pecados “… ouvi, e a vossa alma viverá” ( Is 55:3 ).
A Bíblia demonstra que todos os homens pecaram e que foram destituídos da glória de Deus ( Rm 3:23 ; Sl 53:3 ), ou seja, o termo ‘morte’ é empregado para fazer alusão à condição pertinente à natureza dos homens herdada de Adão, ou seja, refere-se à separação de Deus.
Por intermédio do profeta Isaías é anunciado que basta dar ouvidos à palavra de Deus que o homem se aproximará d’Ele, ou seja, ‘inclinar’ os ouvidos é o mesmo que dar crédito (ouvir), e então, o homem passa da morte para a vida.
Esta mesma mensagem foi anunciada pelo profeta Moisés quando disse: “E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná (…) para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem” ( Dt 8:3 ).
A análise destes dois versículos demonstra que a palavra que procede da boca de Deus é o que concede vida ao homem, portanto, a vida proveniente de Deus é concedida através da palavra d’Ele. É a palavra de Deus que possui o poder criativo (bara) e é por intermédio da palavra que o novo homem é gerado em verdadeira justiça e santidade com um novo coração e um novo espírito ( Ef 4:24 ; Is 51:10 ; Ez 36:26 e27 ; 1Pe 1:23 ).
A fidelidade de Deus
Enquanto Moisés descreveu a justiça da lei ( Rm 10:5 ), a justiça da fé falou por si mesma ensinando ao povo de Israel as seguintes questões: quem subirá ao céu? Ou, quem descerá ao Abismo “Mas a justiça decorrente da fé assim diz:…” ( Rm 10:5 ), pois o espírito de Cristo estava sobre Moisés alertando que os mandamentos segundo a promessa não são penosos ( Ap 19:10 ; 2Pe 1:21 ; 1Jo 5:3 e Dt 30:11 -14 ).
A mesma palavra que foi anunciada que estava perto dos ouvintes da lei, na boca e no coração, é a palavra da fé que o apóstolo Paulo pregou ( Rm 10:8 ), pois todo o que crê, ou antes, invoca a Deus, será salvo ( Rm 10:11 e 12). Basta aos ouvintes da lei darem crédito à palavra de Deus que cumpririam o ordenado por Deus “De novo darás ouvidos à voz do Senhor, e cumprirás todos os seus mandamentos que hoje te ordeno” ( Dt 30:8 ; Is 55:3 ).
O apóstolo Paulo resume esta verdade quando conclui: “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” ( Rm 10:17 ), pois para invocar é necessário crer, e para crer é necessário ouvir a mensagem daquele que é enviado de Deus ( Rm 10:14 ). O apóstolo evidencia que a mensagem da fé, cujo tema é Cristo, é essencial para que o homem creia, pois exclusivamente através do Verbo encarnado viverá o homem.
O que os profetas Moisés, Habacuque e Isaías, bem como o apóstolo Paulo evidenciaram? Que o querigma, a palavra, a mensagem, as boas novas do evangelho é a ‘fé’ pela qual o homem viverá. O que faz o homem ter vida perante Deus é o poder que há em sua palavra ( Jo 1:12 ), que é Cristo, o Verbo encarnado, tema central do evangelho e poder de Deus para salvação dos que creem ( Rm 1:16 ).
O apóstolo Paulo assim descreve a ‘fé’ pela qual o homem obtém vida: “Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar“ ( Gl 3:23 ). A ‘fé’ que havia de vir e que havia de ser manifesta não contempla outra interpretação: a fé é Cristo.
A ‘fé’ que havia de se manifestar é Cristo, pois todos os que jazem mortos em delitos e pecados, ao ouvirem a voz do Filho viverão por Ele.
Regeneração e fé
Esta verdade contraria muitos eruditos que dizem que a regeneração precede a fé sob o argumento de que os homens estão mortos espiritualmente e incapazes de ouvir e atender a voz de Deus “A menos que a regeneração ocorra primeiro, não há possibilidade de fé” Sproul, R. C., O Mistério do Espírito Santo, Tyndale House, 1990 – Disponível na Web sob o título ‘A regeneração precede a fé’ – Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto.
Jesus deixa claro que os mortos podem ouvir a sua voz, e muito mais, ainda que estejam mortos, se crerem, viverão “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” ( Jo 11:25 ); “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão“ ( Jo 5:25 ).
Como aquiescer a declaração de Sproul, uma vez que a ‘fé’ que foi revelada na plenitude dos tempos, que é Cristo, é pré-existente.
Interpretar alguns textos bíblicos, em que o termo ‘fé’ é empregado como ‘querigma’, como se fizesse referencia à disposição interna do indivíduo em crer, trás distorções e um prejuízo incomensurável a compreensão do evangelho.
Quando lemos: “E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé” ( Gl 3:11 ), o apóstolo contrapôs a matéria do antigo testamento com a do novo:
a) o da lei, que resume-se em maldição para aqueles que não a cumprirem, e remete às obras “Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá” ( Gl 3:12 ; Dt 27:26 ), e;
b) o da fé, que resume-se na bênção proveniente do evangelho, e o homem descansa na esperança proposta ( Gn 12:3 ; Gl 3:8 -9).
O capítulo 3 de Gálatas consiste em uma análise quanto às implicações da lei e do evangelho. Embora o apóstolo aborde no verso 6 a crença de Abraão, contudo o capítulo foi redigido de modo a contrastar a lei e a ‘fé’ como querigma, e não como crença particular.
De igual modo, o escritor aos Hebreus cita a passagem de Habacuque enfatizando que os cristãos pertencem à fé para a conservação da alma (O termo conservação é utilizado como manutenção, contrastando com destruição) “Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos entretanto, da fé, para a conservação da alma” ( Hb 10:39 ) ARA – Texto equivalente ao do novo Testamento Interlinear Grego – Português.
Outras versões rezam: “Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que creem para a conservação da alma” ( Hb 10:39 ), enfatizando a crença do homem em lugar de destacar a mensagem que os apóstolos anunciaram, como acertadamente faz a versão ARA.
Se o leitor não for criterioso, fará uma má leitura dos versículos e cometerá um equivoco na interpretação, pois em um mesmo contexto o termo ‘fé’ pode assumir conotações distintas, como verificaremos nas passagens bíblicas a seguir: “Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas” ( Rm 3:21 ).
É necessário fazer as seguintes indagações ao texto: O que se manifestou sem a lei? O que têm o testemunho da lei e dos profetas? A resposta decorre do expresso por Paulo aos Gálatas: “Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” ( Gl 3:23 ).
Cristo foi manifesto e, somente Ele tem o testemunho da lei e dos profetas, sendo Ele a ‘fé’ que foi manifesta e, somente Ele é o possuidor do testemunho da lei e dos profetas. Cristo é a justiça de Deus manifesta aos homens e, exclusivamente no evangelho o homem descobre Cristo como a justiça de Deus ( Rm 1:16 -17).
A justiça de Deus
Por causa da complexidade do que expôs no verso 21, do capítulo 3 de Romanos, o apóstolo faz um adendo explicativo no verso seguinte e, novamente expõe esta verdade: “Isto é, a justiça de Deus…” ( v. 22).
O Novo Testamento Interlinear Grego – Português, no verso 22 reza da seguinte maneira: “… justiça[2] e[1] de Deus mediante (a) fé de Jesus Cristo para todos os que creem” (v. 22). Observe que a ‘fé’ que o apóstolo faz referência é de Cristo, ou seja, pertence a Ele, pois Ele é o autor e consumador dela. Logo a seguir, tem-se o verbo ‘crer’, que se refere à disposição interna do homem em confiar.
A frase fica sem sentido quando se atribui ao termo ‘fé’ o mesmo sentido do verbo ‘crer’, como se lê a seguir: “… justiça[2] e[1] de Deus mediante (a) crença de Jesus Cristo para todos os que creem” (v. 22). Parafraseando o apóstolo Paulo, teríamos: “… a justiça de Deus mediante o evangelho (fé) de Jesus Cristo para todos os que creem”.
A justiça de Deus é mediante o evangelho, a ‘fé’ pela qual os cristãos são exortados a batalharem e que foi manifesta aos homens ( Jd 1:3 ; Gl 3:2 e Gl 3:23 ). Esta mesma ‘fé’ assegura justificação àqueles que creem, sejam eles judeus ou não.
Qual o objetivo desta análise? Buscar uma interpretação correta do verso 26, do capítulo 3 de Romanos:
“… para a demonstração da justiça dele em o presente tempo, para ser ele justo e o que justifica o (que é) de (a) fé de Jesus” ( Rm 3:26 ) – Novo Testamento Interlinear Grego – Português.
O verso destaca que Deus justifica os que são (pertencem a) da fé, o que contrasta com a condição daqueles que são da lei. Enquanto os que são da fé são justificados porque creem (descansam) na justiça que se manifestou, os que são da lei tropeçam porque se propuseram a trabalhar.
O apóstolo Paulo não tinha do que se envergonhar do evangelho, pois ele é anterior e superior a lei: “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” ( Rm 1:17 ).
A ênfase da fala do apóstolo consiste em demonstrar que o cristão obtém vida através do evangelho, ou seja, através da palavra de Deus, que é a ‘fé’ enquanto querigma, posicionamento que contraria a ideia de que a justificação é proveniente da disposição interna do indivíduo em crer “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé” ( Rm 16:25 -26).
Boas novas de salvação
A ‘fé’ que foi entregue aos santos ( Jd 1:3 ), é descrita pelo apóstolo dos gentios como: a) Meu evangelho; b) A pregação de Jesus; c) A revelação do mistério que esteve oculto desde tempos eternos; d) Manifestou-se agora; e) Foi notificado pelas escrituras dos profetas; f) É segundo o mandamento de Deus, e; g) Foi revelado a todas as nações para obediência.
O apóstolo dos gentios demonstra que a pregação de Jesus não difere da mensagem contida no ‘seu’ evangelho, ou seja, a pregação de Jesus e o ‘evangelho’ do apóstolo diz do mesmo mistério que esteve oculto desde os tempos eternos. O que foi ‘notificado’ pelas escrituras (lei, salmos e profetas) e, que agora se manifestou, é o mesmo que: a) o mistério revelado; b) a pregação de Cristo, e; c) o evangelho de Paulo.
Cristo é a palavra encarnada manifesta aos homens na plenitude dos tempos, sendo ele mesmo o tema da pregação que foi confiada aos apóstolos. A pregação do apóstolo Paulo é conforme o mandamento de Deus, uma vez que somente é possível obedecer ao mandamento de Deus através da ‘fé’ (querigma), ou seja, através do evangelho de Cristo. Deus estabeleceu o único modo de o homem cumprir o exigido por Ele: obediência da fé “De novo darás ouvidos à voz do Senhor, e cumprirás todos os seus mandamentos que hoje te ordeno” ( Dt 3:8 ).
Qual o mandamento de Deus? Que os homens creiam naquele que Ele enviou ( 1Jo 3:23 ). É por isso que Cristo se manifestou, pois ao crer n’Ele, o homem também crê no Pai que o enviou “E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou” ( Jo 12:44 ). Cristo é a ‘fé’ que havia de se manifestar, o Verbo manifesto em carne, do qual o profeta Moisés disse que, de tudo o que procede da boca de Deus viverá o homem “Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador” ( Tt 1:3 ).
Portanto, faz-se necessário observar que, na Bíblia, como em outras literaturas, há o emprego de figuras de linguagem, sendo o termo ‘fé’ empregado muitas vezes para fazer referência ao conteúdo da mensagem do evangelho. Tal figura de linguagem consiste em substituir um nome (evangelho) por outro (fé), em virtude de haver entre os termos forte associação de significado (fé e evangelho).
A figura de linguagem que ocorre com o terno ‘fé’ e ‘evangelho’ denomina-se metonímia e, refere-se ao recurso de substituir a causa (evangelho, fé, Cristo) pelo seu efeito (crer, salvação, redenção), ou vice-versa.
Quando o apóstolo dos gentios diz: ‘a fé que havia de se manifestar’, temos a substituição do nome do autor da obra pela obra do autor, pois sabemos que Cristo é o autor e consumador da fé.
A metonímia como recurso linguístico faz com que um mesmo termo passe a amalgamar significados distintos. Por exemplo, a palavra ‘fé’, dependendo do contexto, pode significar ‘acreditar’, ‘confiar’, ‘crer’, ou significar ‘evangelho’, ‘mensagem’, ‘pregação’, ‘boas novas’, etc.
É por isso que o apóstolo Paulo diz que a justiça de Deus se descobre no evangelho, que é de fé (evangelho) em fé (crença), ou seja: primeiro o querigma, depois a crença. Sem as garantias contidas e reveladas na mensagem do evangelho é impossível que o homem venha a confiar em Deus para salvação.
A mensagem do evangelho expressa a fidelidade de Deus e, sem Deus não há nada firme em que o homem possa crer para salvação. A crença do homem surte efeito para salvação somente quando repousa nas garantias estabelecidas na mensagem do evangelho ( Rm 10:14 ). Deus prometeu e, Ele é o garantidor da promessa. A promessa, por sua vez é firme, porque Deus é fiel e poderoso para cumpri-la.
O evangelho é a fé que havia de se manifestar. A fé consiste nas boas novas do reino, sendo Cristo o tema central, a palavra de Deus encarnada. Sem a fé manifesta é impossível ao homem ter fé (crer), pois o que torna a crença do homem viável para a salvação é a obra redentora de Cristo.
Neste sentido temos que Cristo, a fé manifesta, precede a regeneração, pois é o tema da mensagem que provoca a mudança de compreensão (metanóia) no homem. Sem a pregação da mensagem que diz que Cristo morreu e ressurgiu dentre os mortos, não há como crer para justiça e nem como confessar para salvação ( Rm 10:10 ), pois o homem só admite (confissão) que é pecador quando ouve a mensagem do evangelho e, só admite (confissão) que Cristo é o Filho do Deus vivo quando crê na mensagem do evangelho.
Equívocos acerca da fé
Não saber diferenciar quando o termo ‘fé’ refere-se ao querigma e quando o mesmo termo refere-se à confiança produzida no cristão, produz um entendimento distorcido da verdade do evangelho, como se verifica na colocação do Dr. Louis Berkhof :
“… Quer dizer que a fé nunca é apresentada como a base da nossa justificação. Se fosse, a fé teria que ser considerada como uma obra meritória do homem. E isto seria a introdução da doutrina da justificação pelas obras, à qual o apostolo coerente e consistentemente se opõe…” Berkhof, Louis, Teologia Sistemática, pág. 514-528, Editora Cultura Cristã – Grifo nosso.
O apóstolo Paulo afirma categórica e taxativamente que, Deus justifica a circuncisão e a incircuncisão mediante a fé “Visto que Deus é um só, que justifica pela fé a circuncisão, e por meio da fé a incircuncisão” ( Rm 3:30 ), como o eminente doutor pode dizer que a ‘fé’ nunca é apresentada como a base da nossa justificação?
Quando o termo ‘fé’ significa querigma, certamente a fé é a base da justificação, pois Deus demonstrou a sua justiça no tempo presente, para que Ele seja justo e o que justifica os que pertencem à fé ( Rm 3:26 -27).
Cristo é a base da justificação, pois Ele é a fé pela qual viverá o homem. A não compreensão da natureza da fé como querigma e da fé como crença leva à afirmação descabida de que a fé nunca é a base da justificação e, o erro soma-se a outros, sendo um deles a ideia de que a fé como ‘confiança’, ‘crença’ teria que ser considerada como uma obra meritória.
Que mérito tem uma pessoa que acredita em alguém que é fidedigno? Que mérito há em clamar a Deus por salvação? “Digna-te, SENHOR, livrar-me: SENHOR, apressa-te em meu auxílio” ( Sl 40:13 ).
Se existe uma obra realizada, esta pertence a quem prometeu, portanto, merecedor da confiança daquele que crê. Com relação ao evangelho de Cristo não há o que se falar em jactância por parte de quem crê “Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé” ( Rm 3:27 ). Só por estar no evangelho qualquer jactância é excluida, pois só na carne há jactância, pois no Espírito não sequer sombra de altivez.
Entender que a crença do cristão, que decorre da ‘fé’ (evangelho) teria a possibilidade de ser meritória, uma obra ou um modo de colaborar na salvação por parte de quem é alcançado pelo evangelho é transtornar a mensagem da fé, pois não há que se falar em mérito por parte de quem invoca a Deus segundo o evangelho do seu Filho, antes o mérito está n’Ele que é fiel e propôs salvar todos os que O invocam “Porque todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo” ( Rm 10:13 ; Jl 2:32 ).
Aquele que confia no evangelho não executa, não auxilia e nem concede nada a Deus que fez a promessa, visto que, quem prometeu é fiel e digno de toda confiança. Quando alguém crê em Deus, o mérito é d’Ele, por ser fiel e imutável, e não daquele que confia. Se alguém confia em Deus é porque Deus é digno desta confiança por sua própria virtude, poder “Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo” ( 1Pe 1:5 ).
Ou seja, mediante o querigma os cristãos estão seguros na virtude de Deus, que é fiel e imutável, portanto, não há mérito algum em quem deposita em Deus a sua confiança. Que virtude ou poder possui quem crê na salvação proposta em Cristo, a fé manifesta aos homens?
Quando temos o termo ‘fé’ associado à ideia de evangelho, ‘palavra da fé’, certo é que tal ‘fé’ á a base da justificação, pois somente após ouvi-la o homem crê ( Rm 10:10 ), porém, se o termo ‘fé’ fizer referência ao ‘ato’ de descansar, crer, tal disposição não é a base da justificação. Por outro lado, quando o homem crê, ouve, invoca ao Senhor, não há nem sombra de obra ou méritos por parte do homem.
Por não levar em conta o exposto acima, Berkhof diz:
“Na verdade se nos diz que a fé que Abraão tinha lhe foi imputada para justiça, Rm 4.3, 9, 22; Gl. 3.6, mas, em vista da argumentação completa, isto certamente não pode significar que, no caso dele, a fé propriamente dita, como obra, tomou o lugar da justiça de Deus em Cristo” Idem – grifo nosso.
Jamais podemos considerar a disposição de Abraão em crer como obra, pois a obra vincula-se à carne, e a certeza que Abraão possuía decorria da promessa e do poder de Deus ( Rm 4:20 -21), o que excluiu completamente a carne e as suas obras ( Rm 4:1 -2). Segundo a carne Sara era estéril e Abraão, mesmo podendo ter filhos, com relação a Isaque teve que recobrá-lo dentre os mortos, logo a jactância pertinente a carne foi excluída “Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar” ( Hb 11:18 ).
Não há distinção entre aqueles que pertencem à fé, pois são benditos como o crente Abraão ( Gl 3:9 ), pois vivem segundo a palavra de Deus e não confiam da carne ( Rm 8:4 ).
O evangelho que lhe foi anunciado primeiramente a Abraão: ‘Em ti serão benditas todas as nações’ ( Rm 3:8 ), é o mesmo evangelho, a pregação da fé, que tem como tema central o Descendente, que é Cristo, é a fé da qual todos os que creem são participantes ( Gl 3:2 e 4).
Abraão foi justificado porque creu na promessa que Deus lhe fez e ao seu Descendente, sendo que, mesmo que Abraão não permanecesse fiel, o seu Descendente, que é Cristo, em tudo foi fiel e digno da bem-aventurança prometida ( Gl 3:16 ). Abraão foi justificado quando creu porque ao crer tornou-se participante da promessa. O evangelho diz de Cristo e Ele é a base da justificação e o homem, por sua vez, torna-se participante de Cristo quando confia “Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” ( Hb 3:14 ).
A obediência de Cristo foi a base da justificação de Abraão, pois ao crer na palavra de Deus acerca do seu Descendente, que é Cristo, Abraão tornou-se participante da bem-aventurança conquistada pelo seu Descendente. O Descendente de Abraão foi fiel em toda a sua casa como Filho e, quando o homem crê n’Ele, torna-se participante da sua vida e justiça ( Cl 2:9 -10).
Deus dá do seu Espírito e obra maravilhosamente para com o homem através da pregação da ‘fé’ ( Gl 3:5 ), e Abraão creu em Deus. Por crer em Deus segundo o evangelho que lhe foi anunciado, Abraão passou a viver para Deus, sendo declarado justo, segundo a palavra que diz: o justo viverá da fé ( Gl 3:11 ), pois a justificação é de vida “… por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” ( Rm 5:18 ).
Portanto, o justo vive em decorrência da ‘fé’ que se revelou, e não em função da sua crença, como alguns pensam. Embora o cristão receba o testemunho de que é justo por crer ( Hb 11:4 ), contudo só é possível agradar a Deus através de Cristo ( Hb 11:6 ).
As palavras pisteuo (crer) e pistis (fé) denotam originalmente o relacionamento de confiança entre duas partes num acordo, porém, elas são intercambiáveis dependendo do contexto. A ‘fé’ que Jesus faz referencia em Lucas 18, verso 8 aponta para a mensagem de Cristo “Quando vier o Filho do homem, achará fé na terra” ( Lc 18:8 ), assim como em Romanos 1, verso 5 e, em Gálatas 1, verso 23.
Quando o escritor aos Hebreus define a fé, por certo que não fala da disposição interna do homem, antes da palavra de Deus, visto que só em Deus as coisas esperadas são certas, mesmo quando não são visíveis e, é por intermédio desta fé que os antigos receberam testemunho.
Crer precede a regeneração
Portanto, a crença do homem é anterior à regeneração e decorre da mudança de concepção do homem quando alcançado pelo evangelho (metanóia), tendo em vista que o homem só crê para salvação após ouvir a mensagem da fé, que promove a mudança de concepção e a regeneração do homem “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre (…) Mas a palavra do SENHOR permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada” ( 1Pe 1:23 -25).
A palavra que é evangelizada tem por alvo aqueles que jazem nas trevas em delitos pecados e, após crer, aquele que estava vivo (unido) para o pecado e morto (separado) para Deus é crucificado com Cristo, sepultado e ressurge juntamente com Cristo, instante em que este novo homem é declarado justo, contrastando com o velho homem que foi crucificado, pois aquele jamais seria justificado por Deus “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” ( Jo 11:25 ).
Não há qualquer mérito por parte do justificado, pois o que Deus declara acerca do novo homem não tem em vista ações, obras, comportamento ou moral, e sim a nova vida da qual é participante por Cristo. Deste modo não há contradição nenhuma em Deus ser justo e justificador, pois Deus não justifica o ímpio, antes abate-o juntamente com Cristo, cria um novo homem e declara justo o novo homem, pois a justificação é de vida ( Rm 5:18 ).
Portanto, o homem viverá da fé, que é Cristo, conforme os escritores do novo testamento interpretaram Habacuque: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé” ( Rm 1:17 ); “Mas o justo viverá da fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele” ( Hb 10:38 ); “E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé” ( Gl 3:11 ).
Quando o profeta Habacuque disse que, pela sua fé o justo viverá, a ênfase está na condição do homem que é justo, portanto, vive pela fé que lhe foi dada, logo lhe pertence, e não por causa da sua própria confiança “Eis que a sua alma está orgulhosa, não é reta nele; mas o justo pela sua fé viverá” ( Hb 2:4 ); “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim” ( Jo 6:57 ).
Enquanto os apóstolos destacaram a pessoa de Cristo, o profeta Habacuque destaca a condição do justo por estar unido a fé que havia de se manifestar “E isto digo, conhecendo o tempo, que já é hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé” ( Rm 13:11 ); “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um” ( Jo 17:22 ; Hb 3:14 ).
Após anunciar Cristo, o eunuco manifestou o desejo de ser batizado, e disse Felipe “É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus” ( At 8:37 ). Sem a pregação da ‘fé’ segundo o que profetizou Isaías e foi explicado por Felipe ( At 8:35 ), jamais o eunuco responderia por si mesmo: “Creio que Jesus é o Filho de Deus”.