Considerando o que é ensinado no Sermão da Montanha na oração do Pai nosso, de que quem roga a Deus pelo perdão das ofensas espera que Deus o faça graciosamente (como perdoamos os nossos devedores), não se pode aquiescer de uma ideia prescritiva de comportamento, de que Jesus estava ensinando que Deus só perdoa aqueles que perdoam aos seus semelhantes.
O Sermão da montanha e a abordagem de Jesus, acerca da esmola, da oração e do jejum
Conteúdo do artigo
Introdução
O capítulo 6 do evangelho, segundo Mateus, é continuação do Sermão da Montanha, portanto, para interpretá-lo e compreendê-lo, se faz necessário considerar os princípios que norteiam o discurso de Jesus.
Em primeiro lugar, é necessário considerar o público alvo do discurso, pois Jesus só falou, por parábolas, à multidão: “E sem parábolas nunca lhes falava.” (Mc 4:34; Mt 13:13)
Em segundo lugar, é necessário considerar que a justiça dos seus ouvintes deveria ser superior à de seus mestres (Mt 5:20), portanto, as práticas dos ouvintes de Jesus não deveriam ser as mesmas práticas dos escribas e fariseus, vez que elas não concedem a justiça, que dá direito ao reino dos céus.
Em terceiro lugar, é necessário considerar as suas ações, sob o prisma da pergunta: ‘Que fazeis de mais?’, ou ‘Não fazem os publicanos e pecadores, também, o mesmo?’, visto que praticavam ações semelhantes àqueles que condenavam e achavam que tinham direito ao reino dos céus. (Mt 5:46-47)
Após redarguir a multidão, com base em questões da lei, o Senhor Jesus passa a questionar as práticas religiosas (esmola, oração e jejum) dos seus ouvintes. (Mt 5:21-48)
Esmolas
“GUARDAI-VOS de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita; Para que a tua esmola seja dada em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, ele mesmo te recompensará publicamente.” (Mateus 6:1-4)
Após demonstrar a impossibilidade de seus interlocutores alcançarem justiça superior à dos seus líderes religiosos, através da lei, Jesus passa a abordar algumas práticas religiosas do judaísmo. A forma como a prática das esmolas era realizada é a primeira questão religiosa a ser analisada.
É importante notar que, logo após orientar os seus ouvintes a serem perfeitos, como o Pai celestial, Jesus instrui a multidão a não esmolar, com o fito de serem notados pelos religiosos, alertando que, quem dá esmola diante dos homens, não será recompensado por Deus. (Mt 5:48)
Jesus salienta que os hipócritas (líderes religiosos), tanto nas sinagogas, quanto nas ruas, procuravam dar esmolas diante de uma plateia, como quem toca uma trombeta, chamando a atenção para si, no momento que iam esmolar, somente para serem reverenciados pelos seus pares, pela prática. A atenção destes, já era recompensa bastante para os hipócritas.
Jesus não proibiu a prática religiosa de esmolar, mas orientou a multidão que, se fosse dar esmolas, que o fizesse em oculto, ou seja, sem chamar a atenção (não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita), pois, Deus é conhecedor de todas as coisas e é Ele que recompensará publicamente o doador.
Dar esmolas é uma prática humanitária adotada pelas religiões e por seus seguidores. Jesus não condena quem dá donativos aos seus semelhantes, porém, qualquer que pensa que alcançará a salvação por meio dessa prática, precisa mudar a concepção (metanoia), pois o único caminho que conduz o homem a Deus é Cristo.
Segundo São Roberto Belarmino (1542-1621), teólogo católico e cardeal inquisidor, há cinco vantagens em se dar esmola:
- É reparação por pecados cometidos;
- Acumula-se méritos para a vida eterna;
- Permite o perdão dos pecados;
- Aumentam a confiança em Deus;
- Inspira os pobres a rezarem por seus benfeitores.
Observe essa reprimenda feita a um fariseu:
“E, estando ele, ainda, falando, rogou-lhe um fariseu que fosse jantar com ele; e, entrando, assentou-se à mesa. Mas, o fariseu admirou-se, vendo que não se lavara antes de jantar. E o Senhor lhe disse: Agora vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e maldade. Loucos! Quem fez o exterior não fez, também, o interior? Antes, dai esmola do que tiverdes e eis que tudo vos será limpo. Mas, ai de vós, fariseus, que dizimais a hortelã, a arruda e toda a sorte de hortaliças e desprezais o juízo e o amor de Deus. Importava fazer estas coisas e não deixar as outras.” (Lc 11:37-42).
Ao dizer:
“Antes daí esmola do que tiverdes e eis que tudo vos será limpo.” (Lc 11:41), ou;
“Vendei o que tendes e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam; tesouro nos céus que nunca acabe, onde não chega ladrão e a traça não rói”, Jesus não estava orientando os fariseus a adotarem a pratica de esmolarem, pois, isso, já faziam. (Lc 12:33)
A determinação de Jesus aos fariseus é a mesma dada ao jovem rico, para que eles fossem peefeitos, como, perfeito, é o Pai Celeste:
“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me.” (Mt 19:21; Mt 5:48);
“Outrossim, o reino dos céus é semelhante ao homem, negociante, que busca boas pérolas; E, encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a.” ( Mt 13:4 -46).
O apóstolo Paulo considerou tudo o que possuía como esterco, para ganhar a Cristo, ou seja, ele se desfez de tudo:
“E, na verdade, tenho, também, por perda, todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo.” (Fl 3:8)
Ora, a multidão precisava ser perfeita, como o Pai é perfeito (Mt 5:48) e aí, a necessidade de aprender, acerca da prática das ‘esmolas’.
Para os ouvintes de Jesus serem perfeitos como o Pai celeste, precisavam ser misericordiosos como o Pai celeste: “Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6:26). O termo grego traduzido por esmola é ελεημοσυνη[1] (eleemosune) que, também, significa misericórdia, piedade.
A esmola exigida por Deus, não tinha em vista os pobres, pois Ele mesmo enfatizou:
“Porquanto, sempre tendes convosco os pobres, mas a mim não me haveis de ter sempre.” (Mt 26:11)
Por parábola, Jesus estava ensinando os ouvintes do Sermão do Monte, como se purificarem: entregando a alma a Cristo, seguindo-O como mestre, pois essa é a justiça de Deus, a misericórdia (esmola), que deviam aprender e exercer.
“Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício. Porque eu não vim chamar os justos, mas, os pecadores ao arrependimento.” ( Mt 9:13);
“Bem-aventurados os que sofrem perseguição, por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós, por minha causa.” (Mt 5:10-11);
“Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.” (Rm 10:3-4; Rm 3:22 ; Fl 3:9; Is 42:21).
Cristo é a justiça, pela qual os seus discípulos seriam perseguidos, a justiça que excedia à justiça dos escribas e fariseus:
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e dos fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt 5:20);
“Mas, buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” (Mt 6:33)
Os escribas e fariseus deviam por em prática o mais importante da lei: o juízo, a misericórdia e a fé e não deixarem de fazer doações aos pobres, pois o conceito de ‘justiça’ estabelecido por Deus é a obediência à sua palavra, o que, também, se designa por ‘misericórdia’!
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, mas desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas e não omitir aquelas.” (Mt 23:23)
O que Deus estabeleceu na lei? O que era justiça para Israel? O cuidado em cumprir todos os mandamentos, como Deus ordenou.
“E o SENHOR nos ordenou que cumpríssemos todos estes estatutos, que temêssemos ao SENHOR, nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como no dia de hoje. E será para nós justiça, quando tivermos cuidado de cumprir todos estes mandamentos perante o SENHOR, nosso Deus, como nos tem ordenado.” (Dt 6:24-25)
Mas, passou-se o tempo e o profeta Isaías protestou contra Israel, dizendo:
“CLAMA em alta voz, não te detenhas, levanta a tua voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó os seus pecados. Todavia me procuram cada dia, tomam prazer em saber os meus caminhos, como um povo que pratica justiça e não deixa o direito do seu Deus; perguntam-me pelos direitos da justiça e têm prazer em se chegarem a Deus…” (Is 58:1-2)
Se a justiça para Israel era cumprir o que Deus ordenou, por que perguntavam, a cada dia, pelos direitos da justiça? Respondo: Porque os filhos de Israel confundiam práticas religiosas, como distribuir dinheiro aos pobres (esmola), com o serem ‘misericordiosos’ de fato, ou seja, em Israel não havia quem entendesse: – ‘Misericórdia quero e não sacrifício’.
O registro da parábola do Sermão da Montanha pelo evangelista Lucas, assemelha-se, em muito, ao que Mateus registrou, com relação à ‘misericórdia’, o que nos fornece elementos para melhor compreensão da parábola do Sermão da Montanha, no que concerne às esmolas:
“E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também, os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também, os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também, os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno, até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6:32-36)
Os versos 32 a 35, do capítulo 6, de Lucas, contém a mesma temática de Mateus 5, versos 46 a 48, exceto pela invocação do que os ouvintes ouviram, acerca da lei:
“Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos, também, o mesmo? E se saudardes, unicamente, os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos, também, assim?” (Mt 5:46-48)
Como já vimos, anteriormente, Jesus não estava instituindo novas praticas ou, novos princípios morais, antes, destacando o fato de que tudo o que faziam, a pretexto da lei, os pecadores faziam o mesmo: amam aos que os amam, fazem o bem aos que lhes querem bem, emprestam para receber com juros, etc.
Daí a necessidade de práticas superiores às dos escribas e fariseus, para serem perfeitos: serem misericordiosos, ou seja, deveriam vender tudo o que possuíam e dar aos pobres, ou seja, dar esmola de tudo o que tivessem! (Lc 11:41 e 12:33; Mt 19:21; Mt 5:48)
A oração
“E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem em orar, em pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade, vos digo, que já receberam o seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que, por muito falarem, serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.” (Mt 6:5-8)
Assim como a prática de dar esmolas, a oração é prática comum aos diversos segmentos religiosos existentes no mundo e até à algumas correntes filosóficas, que adotam tal prática, a pretexto de meditação.
No judaísmo, cristianismo, islamismo, budismo, espiritismo, etc., a oração é tida por uma ação religioso que faz contato com o divino, através de uma ligação, conversa, pedido, agradecimento, reconhecimento, louvor, adoração ou, reverência, podendo ser individual ou, coletiva.
Daí a pergunta: o que diferencia a oração do cristão, da oração das outras religiões? Qual era o mote da oração dos judeus, que se fez necessário Jesus instrui-los, acerca da oração?
Não podemos esquecer que estamos analisando o Sermão da Montanha, uma grande parábola, pois tem, por público alvo, os judeus, povo religioso, mas que as Escrituras protestavam contra eles como sem compreensão: “Porque são gente com falta de conselhos e neles não há entendimento.” (Dt 32:28)
Considerando a necessidade premente dos ouvintes de Jesus obterem justiça superior à dos escribas e fariseus, para terem direito ao reino dos céus (Mt 5:20), Jesus destaca o comportamento dos lideres da religião judaica, que, continuamente, frequentavam as sinagogas, tinham prazer em fazer suas orações, em pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, com o objetivo de serem notados pelos seus pares.
No mínimo, o comportamento dos ouvintes de Jesus deveria ser diferente dos seus líderes, caso quisessem justiça superior. Se os líderes judaicos já receberam a sua recompensa, ao se fazerem notar quando oram nas praças e nos templos, os ouvintes de Jesus deveriam entrar em seu local de repouso e fechar a porta para orar, sem que os outros percebam, pois é Deus quem ouve as petições e recompensa publicamente.
Semelhantemente, de nada adianta fechar a porta do quarto para orar, mas, quando for testemunhar, anunciar na tribuna, diante de todos, que é um homem ou, mulher de oração ou, exibir joelhos calejados, a pretexto de orar bastante. Muitos pregadores dão testemunho de si mesmos, de que são homens de oração, com o fito de serem reverenciados por seus expectadores!
Além de não se exibirem como os hipócritas, os ouvintes de Jesus são instruídos a não se utilizarem de vãs repetições, como os gentios, que acham que, por muito orar, de algum modo serão atendidos. Através desse verso, torna-se evidente que o público alvo da mensagem do Sermão do Monte era composto por judeus.
Jesus deixa claro que, para Deus atender a uma oração, Ele não leva em conta o quanto a pessoa ora, como se o tempo em que a pessoa permanece em oração o sensibilizasse. Deus não se assemelha ao juiz iniquo da parábola sobre o dever de orar sempre, sem se desfalecer. (Lc 18:1-8)
Deus não é favorável a qualquer que acredita que será atendido por muito rogar, antes, Deus atende aquele que confia que Ele é misericordioso e galardoador daqueles que O obedecem.
Jesus enfatiza que Deus conhece aquilo que o homem há de pedir, antes, mesmo, de formular o pedido. O crente, quando ora a Deus, assim, o faz, porque confia na misericórdia divina, não porque Deus desconhece os seus problemas ou, o que vai pedir.
Observe que Jesus só analisa a maneira que os escribas e fariseus oravam e recomenda a seus ouvintes que mudem a forma de fazê-lo. Ao apontar o jeito que os escribas e fariseus oravam e a maneira que os seus ouvintes deveriam orar, Jesus não estava estabelecendo que a condição para serem ouvidos por Deus era fechar a porta do aposento ou, que o quarto é um lugar especial para Deus.
A proposta de Jesus à multidão é para que, ao menos, a forma e o lugar onde orarem fosse alterada, caso buscassem alcançar justiça superior à dos escribas e fariseus.
A resposta que um jovem, cego de nascença, deu aos escribas e fariseus, após ser curado por Jesus, é a melhor definição de quem Deus ouve a oração e de quem Deus não ouve:
“Ora, nós sabemos que Deus não ouve a pecadores; mas, se alguém é temente a Deus e faz a sua vontade, a esse ouve.” (Jo 9:31).
Isaías já havia profetizado, explicando o motivo pelo qual Deus não ouvia os filhos de Israel:
“Por isso, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e, ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue.” (Is 1:15).
Enquanto Deus exigia do povo obediência (1Sm 15:22; Os 6:6), os filhos de Jacó apresentavam-se no templo com sacrifícios, ou seja, com a mão manchada de sangue, pois, quem oferece um boi é como quem mata um homem. (Is 66:3).
A oração do ‘Pai nosso’
“Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia nos dá hoje; E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, o poder e a glória, para sempre. Amém.” (Mateus 6:9-13).
Conhecendo os seus interlocutores, pois não sabiam o que pedir e nem como pedir, Jesus ensina a oração do Pai Nosso.
Esse problema, a respeito do que pedir e de como convém pedir, não é afeita à Igreja de Cristo, pois o Espírito Santo intercede pelos que estão em Cristo e Jesus mesmo orou ao Pai, pelos que haveriam de crer n’Ele.
“E da mesma maneira, também, o Espírito ajuda nas nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir, como convém, mas, o mesmo Espírito, intercede por nós, com gemidos inexprimíveis.” (Rm 8:26; Jo 17:20).
A oração do Pai nosso, ao longo dos tempos, tornou-se uma reza e muitos a utilizam de modo repetitivo, como se fosse uma fórmula mágica. Diante de situações mil, as pessoas recitam o Pai nosso, como em velórios, perigos, tristezas, decepções, etc. Em nossos dias, as pessoas continuam se utilizando de vãs repetições em suas orações e, simplesmente, agregam as suas imprecações ao Pai Nosso.
A oração ‘modelo’, ensinada por Jesus, contém princípios que norteariam os judeus a saberem a quem pedir, o que pedir e como pedir. Os ouvintes de Jesus, ao pé do monte, não precisam iniciar as suas orações, dizendo: ‘Pai nosso que estais nos céus…’, como se nessas palavras houvesse um conteúdo mágico, uma fórmula, mas, antes, compreenderem que, quando orarem, devem confiar, inteiramente, em Deus, como Pai.
Aquele que roga: “Pai nosso que estás nos céus…”, é conduzido a considerar se, efetivamente, é um dos filhos de Deus, pois, se for uma mancha, geração perversa e distorcida, de nada adianta orar, pois não será atendido. (Dt 32:5)
“O filho honra o pai e o servo a seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o meu temor?” (Ml 1:6)
A oração é fruto da confiança que o filho deposita na misericórdia e na fidelidade de Deus (Hb 11:6) e não o contrário, confiar que a oração é o elemento que concede o favor divino.
Quando orassem ‘… santificado seja o teu nome’, os ouvintes de Jesus deveriam considerar se santificam (separam) o nome de Deus, quando se obedecem à Sua palavra. Rogos, orações e imprecações, não diferenciam Deus de outros deuses, mas, sim, por honrá-lo como Pai e Senhor.
“Ao SENHOR dos Exércitos, a Ele santificai; seja Ele o vosso temor e seja Ele o vosso assombro.” (Is 8:13)
Deixar de pronunciar o nome de Deus ou, pronunciar o nome de Deus somente em aramaico ou hebraico, não é santificar o nome de Deus. Se a doutrina (temor) de quem ora é proveniente de Deus e, se o individuo, efetivamente, obedece (assombro, tremor), Deus é santificado (separado). Como santificar o nome do Senhor? Obedecendo-O! Ao dizer: santificado seja o teu nome, quem faz a oração deve ter a Deus como seu temor (regra de fé) e obediência.
Na Antiga Aliança, o homem santificava o nome do Senhor, quando obedecia aos seus mandamentos e, na Nova Aliança, com o advento de Cristo, santificar ao Senhor é crer que Jesus de Nazaré é o Cristo.
“Antes, santificai ao SENHOR Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. (1 Pe 3:15)
Santificar o nome de Deus não é algo visível, mensurável aos olhos do próximo, antes, é próprio ao indivíduo que obedece a Deus em espírito e em verdade. Por isso, dar esmola para que todos vejam ou, orar nas praças, não significa que se está ‘santificando’ o nome de Deus.
Quando o homem santifica a Deus obedecendo, Deus também santifica o seu nome, realizando a sua maravilhosa obra redentora. Deus santificou o seu nome, ao levantar salvação poderosa na casa de Davi, seu servo, pois Ele havia prometido que o Cristo nasceria na casa de Davi. Deus santifica o seu nome, como fiel e verdadeiro, ao lembrar-se da sua santa aliança e juramento a Abraão. (Lc 1:69-73)
Jesus sabia que Deus era o seu Pai e que, verdadeiramente, ele era o Filho e que Deus sempre haveria de atendê-Lo. Mas, quando diante da multidão, Jesus rogava ao Pai para que soubessem que Ele é o enviado de Deus, como salvador do mundo.
“Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste”. (Jo 11:42)
Percebe-se, através da oração de Cristo, que a oração, também, possui um viés didático para aqueles que ouvem a oração.
O que os judeus deveriam pedir a Deus em oração? O reino de Deus! Por que o reino de Deus? Ora, o reino de Deus se estabelece pela presença do Cristo, o grande Rei, e só é inaugurado com a vinda do Cristo, o Filho de Davi.
Ao orar pela vinda do Messias, estariam orando segundo a vontade de Deus, e assim, não haveria como não serem atendidos.
“E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve.” (1 Jo 5:14)
Com a vinda do Cristo, a vontade de Deus se estabelece, tanto nos céus, quanto na terra:
- nos céus, a vontade de Deus é estabelecida, porque Cristo é constituído a cabeça do corpo, que é a Igreja, constituída de todas as famílias da terra (judeus e gentios);
- na terra, Deus faz a sua vontade, cumprindo a sua palavra a Abraão e a Davi, fazendo os filhos de Israel herdarem a terra prometida e assentando Cristo sobre o trono de Davi, seu pai.
Em Cristo, o Filho de Davi, o templo prometido a Davi está sendo erguido com pedras vivas: que é a igreja, portanto, a promessa feita a Davi está sendo cumprida, e Cristo é constituído o primogênito de Deus entre muitos irmãos (Rm 8:29).
Por meio de Cristo, Deus restaurará a nação de Israel, unificando as duas casas de Israel, e Ele se assentará sobre o trono de Davi, na condição de o mais elevado dos reis da terra (Sl 89:27) e exercerá o sacerdócio, segundo a ordem de Melquisedeque. (Sl 110:4)
Quando orassem, os Judeus tinham que se preocupar com o que comer?
“Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou, pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento e o corpo, mais do que o vestuário? (…) (Por todas estas coisas, os gentios procuram). De certo, vosso Pai celestial, bem sabe que necessitais de todas estas coisas.” (Mt 6:25)
Em outra ocasião, Jesus ensinou aos judeus, que deviam trabalhar pela comida que permanece:
“Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou.” (Jo 6:27)
Devemos lembrar que o homem não vive de pão, mas, da palavra de Deus (Dt 8:3), e que Deus estabeleceu o trabalho, como meio de subsistência (Gn 3:19). A oração que Jesus ensinou, tinha o viés de fazer os seus interlocutores pensarem o que é conveniente pedirem a Deus, pois Deus não contraria a sua palavra, dando pão a comer, se é necessário trabalhar.
Ao pedirem pão, os ouvintes de Jesus deveriam repensar os seus conceitos, acerca do que estava estabelecido por Deus e, assim, ocorreria o arrependimento, pois, Cristo é o verdadeiro pão que dá vida:
“Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu” (Jo 6:32)
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” (Jo 6:51).
Quando Deus concedeu aos filhos de Israel pão no deserto, por mão de Moisés, era fornecida a matéria prima, todos os dias, para o consumo daquele dia. Assim, não deviam se preocupar com o que haveriam de comer amanhã, mas, sim, em preparar o que foi concedido por Deus, apenas, no dia de hoje.
Os ouvintes de Jesus deveriam pedir a Deus o perdão de suas ofensas, confiados na misericórdia de Deus e não se apresentarem diante d’Ele, confiando que eram justos. O favor divino só é concedido aos necessitados de espírito.
Somente o Cristo pode levantar as mãos aos céus e orar ao Pai, apresentando a sua retidão e justiça:
“O SENHOR julgará os povos; julga-me, SENHOR, conforme a minha justiça, e conforme a integridade que há em mim.” (Sl 7:8)
Quando alguém perdoa a dívida do seu próximo, assim, o faz, graciosamente (sem pedir nada em troca), portanto, os ouvintes de Jesus deveriam pedir a Deus que fossem perdoados, graciosamente.
O ensino de Jesus não estabelece uma barganha entre o homem e Deus: ‘Ó, Senhor, perdoa a minha dívida, pois eu perdoo aquele que me ofende’. Interpretar como imprescindível perdoar o outro, para ser perdoado por Deus, é pernicioso e torce a ideia do texto. Deus não é devedor de ninguém, mesmo quando esse alguém perdoa o seu semelhante.
“Se fores justo, que lhe darás ou, que receberá ele da tua mão? A tua impiedade faria mal a outro, tal como tu e a tua justiça aproveitaria ao filho do homem.” (Jó 35:7-8)
O ‘assim como’ da frase: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”, é um comparativo que introduz a ideia de gratuidade, ou seja, que Deus os perdoaria, sem nada exigir.
O ensino de Jesus tinha o fito de orientar a multidão a não adotar o posicionamento descrito na parábola do fariseu e do publicano, em que o fariseu, confiado em si mesmo, na sinagoga, dá graças a Deus, por não ser como os demais homens.
“O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.” (Lc 18:11)
Os ouvintes de Jesus deviam orar a Deus para livrá-los da tentação, livrando-os do mal. No que consiste a tentação? Tudo o que faz o homem desviar-se de cumprir os mandamentos de Deus! O mal se abate sobre todos os que se desviam de obedecer a Deus, portanto, qualquer que permanece obediente a Deus está livre do mal.
“Assim, sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos e reservar os injustos para o dia do juízo, para serem castigados.” (2 Pe 2:9).
Ao final da oração, reconheça que a Deus pertence o reino, o poder e a glória para sempre, ou seja, que é plenamente possível a Deus conceder tudo o que foi pedido, anteriormente, pois essa é a vontade de Deus!
O crente em Cristo faz a oração do Pai nosso? Lembre-se que, quando ensinou o Pai nosso, Jesus estava ensinando judeus a orarem, não a convertidos ao evangelho!
Quem está em Cristo, não precisa orar pedindo ao Pai que santifique o seu nome, pois já santificou a Cristo como Senhor em seu coração, quando creu que Jesus é o Cristo. Já não é necessário pedir que venha o reino de Deus, pois crê que Cristo é o reino dos céus entre os homens, que trouxe salvação a todos os povos. Não precisa pedir pão, pois é participante de Cristo, ou seja, comeu do pão e bebeu da água concedida por Deus, de modo que não terá mais fome e nem sede. Já não precisa pedir perdão das ofensas, pois já não resta nenhuma condenação por estar em Cristo.
Perdão
“Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas.” (Mt 6:14 -15)
Para interpretar esses dois versos, devemos considerar:
a) denotação: sentido real, literal da frase, ou o estado de coisas que a frase afirma ser o caso;
b) conotação: a associação subjetiva, cultural e/ou emocional, que está para além do significado estrito ou, literal de uma palavra, frase ou, conceito ou, seja, diz dos sentimentos, ideias ou emoções provocadas pela frase no auditor, e;
c) ênfase: refere-se ao grau de importância que o autor atribui aos diferentes elementos constitutivos da frase.
Portanto, a instrução de Jesus, com relação ao perdão às ofensas dos outros, deve ser analisado, segundo os princípios estampados nos versos 43 à 48, do capítulo 5, de Mateus ou, segundo os princípios de Lucas 6, versos 32 à 36. Observe:
“E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também, os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos e fazei bem e emprestai, sem nada esperardes e será grande o vosso galardão e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno, até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6:32-36)
Analisando os versos acima, do ponto de vista denotativo, o que é ensinado? Que o perdão de Deus só é concedido àqueles que perdoam? Que o perdão de Deus está condicionado ao perdão que os homens dispensam aos seus semelhantes? Que os ouvintes de Jesus tinham que primeiramente perdoar as ofensas dos seus semelhantes para só, então, alcançarem o direito de serem perdoados por Deus?
Sabemos que o perdão que Deus dispensa aos homens tem por base a sua misericórdia e graça, manifesta em Cristo (Rm 4:7; Ef 4:32), o dom de Deus, portanto, é contrário interpretar os versos 14 e 15 de Mateus 6, como se o perdão de Deus estivesse atrelado ao perdão que o homem primeiro dispensa aos seus semelhantes.
Sendo assim, analisemos o seguinte verso bíblico, na língua grega:
“Ἐὰνγὰρἀφῆτετοῖςἀνθρώποις τὰ παραπτώματα αὐτῶν, ἀφήσει καὶ ὑμῖν ὁ πατὴρὑμῶν ὁ οὐράνιος·” Mt 6:14 [TextusReceptus (Elzevir) (1624)]
“se [2] Pois [1] perdoardes às pessoas as ofensas delas, perdoará também a vós o Pai [2] vosso [1] o celeste” (Mateus 6:14).
O mesmo verso, sem ponto e vírgula:
“Εαν γαρ αφηται τοις ανθρωποις τα παραπτωματα αυτων αφησει και ϋμιν ο ΠHΡ ϋμων ο ουρανιος” Mt 6:14 [Codex Washingtonianus (W or 032) (5th century)]
Nas nossas Bíblias, a oração do Pai nosso termina com um ‘amém’, porém, em muitos manuscritos do Novo Testamento não há o ‘assim seja’ encerrando o ensinamento acerca de como orar. Há que se considerar que os antigos manuscritos do Novo Testamento não possuíam sinais de pontuação como: vírgula, ponto final, interrogação, exclamação, etc., e, que esses sinais foram introduzidos muito mais tarde.
Considerando o que é ensinado na oração do Pai nosso, de que quem roga a Deus pelo perdão das ofensas, espera que Deus o faça graciosamente (como perdoamos os nossos devedores), não se pode aquiescer de uma ideia prescritiva de comportamento, de que Jesus estava ensinando que Deus só perdoa àqueles que perdoam aos seus semelhantes.
Já explicamos que, o ‘assim como’, estampado na oração do ‘Pai nosso’, com relação ao perdão (perdoamos os nossos devedores), introduz a ideia de gratuidade, não de dívida, pois se o homem perdoar ou não quem o ofende, Deus nada deve ao homem. (Jó 35:7-8)
“Ora, àquele que faz qualquer obra, não lhe é imputado o galardão, segundo a graça, mas, segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.” (Rm 4:4-5)
O ‘assim como perdoamos os nossos devedores’ não é elemento que torna o homem merecedor do perdão divino e nem estabelece uma dívida de Deus para com os homens, antes, indica a base do perdão divino: benevolência, gratuidade.
Antes de abordar as questões relacionadas à religiosidade dos judeus, como esmolas e orações, a ordem expressa de Cristo para os seus ouvintes era para que fossem ‘perfeitos’, ou seja, ‘misericordiosos’ como o Pai celeste, portanto, após questionar as práticas religiosas (esmolas e oração) dos líderes judaicos e ensinar o ‘Pai nosso’, o que se segue são perguntas que exigem dos ouvintes de Jesus respostas, segundo a perfeição divina (que faz que o sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos), e não uma ordem que estabeleça uma barganha pelo perdão divino.
O núcleo da indagação dos versos 14 e 15 de Mateus 6, ou seja, a ênfase, retoma a ideia abordada anteriormente: ‘Se vocês amam somente os que vos amam e cumprimentam somente os que vos cumprimentam, não fazem os publicanos e os gentios o mesmo?’, pois, se os ouvintes de Jesus desejavam entrar nos céus, não podiam se contentar com práticas semelhantes às dos escribas e fariseus; além do mais, não estavam fazendo nada de mais, se comparada as práticas dos ouvintes às práticas dos seus líderes, os publicanos e gentios!
A partícula ‘se’, no verso 14, de Mateus 6, introduz uma argumentação conclusiva, com base no que já foi exposto, não um mandamento a ser observado, que represente uma espécie de barganha com Deus, para alcançar o Seu perdão.
A ideia expressa é: Se os ouvintes de Jesus (homens falhos) perdoavam as ofensas dos seus semelhantes, o Pai celeste também haveria de perdoá-los!
“se [2] Pois [1] perdoardes às pessoas as ofensas delas, perdoará também a vós o Pai [2] vosso [1] o celeste”.
Esse argumento será repetido no capítulo 7, do seguinte modo:
“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?” (Mt 7:11)
Se os ouvintes de Jesus, sendo maus, perdoavam as ofensas dos seus semelhantes, o Pai celeste, também, haveria de perdoá-los!
Como interpretar o verso 15?
“ἐὰνδὲμὴἀφῆτετοῖςἀνθρώποις, [τὰ παραπτώματα αὐτῶν] οὐδὲ ὁ πατὴρὑμῶνἀφήσειτὰ παραπτώματα ὑμῶν” Westcott/Hortwith Diacritics.
“se[2] mas[1] não perdoardes às pessoas, nem o Pai[2] vosso[1] perdoará as ofensas[2] vossa[1]” (Mateus 6:15).
Com base no verso 45, do capítulo 5 de Mateus: “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos”, se os ouvintes de Jesus não perdoassem as pessoas, considerando que Deus é perfeito, seria o caso de ‘nem mesmo’ (οὐδὲ) Deus perdoá-los?
Vale destacar que o ensinamento do apóstolo Paulo às igrejas, no quesito perdão, difere da temática do ensinamento de Jesus à multidão, visto que os públicos alvos das mensagens são diferentes: Cristo falava por parábolas ao povo, enquanto que o apóstolo Paulo falava abertamente aos cristãos.
O apóstolo Paulo exorta os cristãos a perdoarem uns aos outros, sendo benignos e misericordiosos. Entretanto, já estavam perdoados por Deus, através de Cristo e precisavam tomar Cristo como exemplo, perdoando os irmãos. Em momento algum é posta a condição de ser necessário perdoar o outro para ser perdoado.
“Suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.” (Cl 3:13)
“Antes, sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como, também, Deus vos perdoou em Cristo.” (Ef 4:32).
Os cristãos, também, são exortados a terem paz, uns com os outros, e com relação aos não cristãos, se depender do cristão, que tenham paz com todos os homens:
“Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens” (Rm12:18);
“Tende paz entre vós.” (1 Ts 5:13)
Diferentemente, Jesus demonstra aos seus interlocutores que, se queriam ser perfeitos, ou seja, obterem justiça superior à dos escribas e fariseus, deveriam imitar a Deus como filhos, que faz vir chuva sobre bons e maus.
O jejum
“E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados, como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade, vos digo que já receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará, publicamente” (Mt 6:16-18).
A questão do jejum é a última prática religiosa dos judeus que Jesus aborda e deve ser analisado, através das mesmas premissas que analisamos a esmola e a oração.
Devemos considerar a ordem para serem perfeitos e misericordiosos:
“Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:48), ou;
“Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6:36).
Em que os judeus eram diferentes dos gentios e publicanos, quando davam donativos, se os gentios e os publicanos faziam o mesmo? Em que os judeus eram diferentes dos gentios e publicanos, se os judeus, semelhantemente, aos gentios e publicamos, oravam se utilizando de vãs repetições? Como os jejuns dos judeus se diferenciavam dos jejuns dos publicanos, que eles consideravam pecadores?
Após informar aos seus ouvintes, que era impossível entrarem no reino dos céus se não alcançassem justiça superior à dos escribas e fariseus, e abordar a questão da esmola e da oração, Jesus faz uma observação, acerca do jejum praticado pelos escribas e fariseus.
Quando jejuavam, os escribas e fariseus, simplesmente, se ocupavam em desfigurar os seus rostos (fazer cara fechada), para que os outros percebessem que eles estavam em jejum; os escribas e fariseus, nem mesmo lavavam e ungiam a cabeça, segundo o costume, para demonstrarem a sua devoção e religiosidade.
Nesse sentido, Jesus alerta os seus ouvintes a não jejuarem para serem notados pelos homens, mas que não se mostrassem contristados, quando jejuassem, pois Deus tudo vê. Os ouvintes de Jesus deveriam se portar, naturalmente, quando jejuassem: lavar o rosto, ungir a cabeça, alegrar o semblante, etc.
O jejum era uma prática religiosa muito utilizada pelos escribas e fariseus, tanto que questionaram Jesus sobre o motivo dos seus discípulos não jejuarem, e inclusive, compararm os discípulos de Cristo, com os discípulos de João Batista.
“Disseram-lhe, então, eles: Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes e fazem orações, como, também, os dos fariseus, mas os teus comem e bebem?” (Lc 5:33).
A resposta de Jesus foi surpreendente:
“Podeis vós fazer jejuar os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles?” (Lc 5:34).
O que é o jejum? O jejum é contristar-se diante de Deus e foi instituído por Deus, atrelado ao dia de descanso, ou seja, um sábado (dia aprazível ao Senhor Deus).
“É um sábado de descanso para vós e afligireis as vossas almas; isto é estatuto perpétuo.” (Lv16:31).
O ‘afligir’ da alma, ou seja, o jejum, não é uma prática que infligisse ao corpo a algum tipo de sofrimento, como flagelo, abstenção, ascetismo, etc. Por outro lado, as ervas amargas já tinham o viés de lembrá-los do sofrimento do Egito e que Deus, com mão forte, os resgatou da servidão.
Os filhos de Israel deveriam afligir a alma, não o corpo. O que seria afligir a alma? Reconhecer a sua real condição, diante de Deus, a partir do exposto em sua palavra, não a partir de convicções próprias.
Não encontramos no Pentateuco uma ordem expressa de Deus para que o povo jejuasse, antes, deveriam afligir a alma.
Um filho de Jacó afligiria a alma no momento que reconhecesse que não foi por causa de suas justiças que Deus resgatou os filhos de Israel do Egito, mas, sim, porque Deus cumpriu o prometido a Abraão (Dt 9:4-6). Reconhecer a sua real condição, diante do que Deus revela e passar a agir conforme a palavra de Deus, é afligir a alma.
Mas, com o passar do tempo, o que deveriam considerar segundo a palavra Deus, tornou-se um elemento de culto e, em vez de afligirem a alma, passaram a não comer, não lavar o rosto e nem a utilizar perfume, o que designaram por jejum.
Jejuar, ou melhor, afligir a alma não consiste em ficar cabisbaixo, moribundo, melancólico, etc., ou, sem lavar o rosto, sem ungir a cabeça ou, sem se alimentar.
“Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao SENHOR?” (Is 58:5)
Observe a repreensão de Deus, por intermédio do profeta Isaías, de que o verdadeiro jejum não consistia em ficar cabisbaixo, antes seria deixar de ser altivo, de dura cerviz. Jejuar, também, não consistia em deitar-se sobre pano de saco ou sobre cinzas, antes é humilhar-se a si mesmo, fazendo-se servo de Deus.
Deus nunca chamou o ato de andar cabisbaixo ou, de deitar-se sobre saco e cinza, como jejuar ou, como afligir a alma. O verdadeiro jejum se dá quando o homem considera a sua condição de dura servis e abaixa a cabeça, sujeitando-se ao jugo de Deus, ou seja, reconhecendo a sua condição e se fazendo servo, obedecendo à palavra de Deus.
Os filhos de Israel confundiam o ato de jejuar com o afligir a alma (Is 58:3). Reclamavam que jejuavam e Deus não atendia, porém, Deus nunca requereu que jejuassem, ficando sem comer, cabisbaixos, vestindo pano de saco ou, assentando-se em cinzas. (Is 58:5)
O verdadeiro Sábado (dia) de jejum, não visava chamar a atenção de Deus para as desventuras diárias daqueles que jejuassem,antes, o jejum demandava obediência a Deus, cuidando em soltar os cativos do pecado, as ataduras que prendem o homem ao jugo da servidão, que é a morte.
Deus ordena a quem jejua que distribua pão ao faminto. Jejuar é distribuir pão gratuitamente? Deus não estava falando de pão cotidiano, quando apontou o jejum verdadeiro. O pão dos verdadeiros israelitas diz da salvação, que há em Deus, que dá liberalmente aos pobres de espírito pão e vestes de justiça aos nus.
“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos e despedaces todo o jugo? Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras e não te escondas da tua carne?” (Is 58:6-7);
“Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; A sua justiça permanece para sempre” (2 Co 9:9; Sl 102:9);
“Dizendo: Por que jejuamos nós e tu não atentas para isso? Por que afligimos as nossas almas e tu não o sabes? Eis que no dia em que jejuais, achais o vosso próprio contentamento e requereis todo o vosso trabalho” (Is 58:3).
O verdadeiro jejum não era ficar com fome, mas abrir a alma ao faminto. Faminto de que? Ao faminto de justiça! O faminto se farta do pão providenciado do Deus que é dado a qualquer que tenha fome e sede de justiça.
“E se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita; então, a tua luz nascerá nas trevas e a tua escuridão será como o meio-dia.” (Is 58:10; Is 55:1-3).
Como se abre a alma ao faminto? Anunciando as palavras de Deus: que Ele fez uma aliança perpétua, ao prometer o Cristo a Davi. (Is 55:3)
O jejum, como o afligir da alma, assim, como todos os elementos instituídos pela lei, era sombra de uma realidade, que remete a Cristo. Cristo é Senhor do Sábado, a alegria do Senhor, portanto, em Cristo o homem já entrou no repouso (descanso) de Deus, que o sábado na Antiga Aliança representava.
“Porque aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras, como Deus das suas” (Hb 4:10);
“PORQUE tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem, cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam.” (Hb 10:1)
A festa anual de expiação, no dia dez do sétimo mês, era uma festa de jejum (Lv 16:29). Era um dia de descanso, ou seja, um sábado, que poderia ser qualquer dia da semana, pois era o décimo dia do sétimo mês (Lv 16:31). Como Deus ouve o aflito que clamar (Lv 22:23), quando foi dito para afligir a alma, Deus estava conclamando os filhos de Israel a clamarem ao Senhor, confiando em sua misericórdia (Jl 2:32), não para ficarem sem comer, pois era um dia de festa ao Senhor e nesses dias havia muita comida e bebida.
Ao instruir aos seus ouvintes para não se mostrarem contristados, quando jejuassem, Jesus estava dando elementos para que questionassem as práticas dos seus líderes religiosos e, concomitantemente, fazer uma releitura do que é o jejum exigido por Deus. (Mt 6:16)
Quando os ouvintes de Jesus jejuassem, deveriam lavar o rosto e ungir a cabeça com óleo, ou seja, manterem-se de semblante alegre. Se não parecia aos homens que jejuavam (Mt 6:18), mas a Deus, certo é que haveriam de compreender o exposto pelo profeta Isaías.
“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?” (Is 58:6-7)
Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto
[1]“1654 ελεημοσυνη eleemosune de 1656; TDNT – 2:485, 222; n f 1) misericórdia, piedade 1a) esp. como exibido no dar esmola, caridade 2) o benefício em si mesmo, doação ao pobre, esmola”. Dicionário Bíblico Strong.
ESMOLA – “eleémosuné (ἐλεημοσύνη), relacionado com eleemon, “misericordioso”, significa: (a) “misericórdia, piedade, particularmente em dar esmolas” (Mt 6.1,2,4; At 10.2; 24.17); (b) o próprio ato de caridade, as “esmolas” — o efeito pela causa (Lc 11.41; 12.33; At 3.2,3,10; 9.36; 10.2,4,31-‘H Nota: Em Mt 6.1, traduzindo dikaiosune, de acordo com os textos mais autênticos, temos “justiça” (ARA)” Dicionário VINE, pág. 613.
“A palavra “justiça”, também, engloba tudo o que Deus espera do Seu povo. Os verbos associados com “justiça” indicam a praticabilidade desse conceito. A pessoa julga, trata, sacrifica e fala com justiça: e a pessoa aprende, ensina e busca a justiça, fundamentado num relacionamento especial com Deus. O santo do Antigo Testamento pedia a Deus que o tratasse com justiça: “O Deus, dá ao rei os teus juízos e a tua justiça, ao filho do rei” (SI 72.1). A Septuaginta dá às seguintes traduções: dikaios (“aqueles que são retos, justos, íntegros, que se conformam com as leis de Deus”): dikaiosune (“justiça, retidão” ): e eleemosune (“escritura de terra, esmola, doação de caridade”). Dicionário VINE, pág. 163.
A paz irmão.
Eu posso orar diretamente a jesus?
Ou tenho que orar ao Pai em nome de jesus?
Obrigado.
Ola, Naelma..
Claro. Pode sim!
“E tudo quanto pedirdes em meu nome eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” João 14:13-14
Att