Que tipo de ‘culto aos anjos’ o apóstolo Paulo adverte estar rondando os cristãos de Colossos? Estaria alguém tentando introduzir nas igrejas primitivas um cerimonial dedicado aos seres celestiais?
Culto aos anjos
“Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão” (Colossense 2:18 )
São três palavras no grego que fomentam inúmeras especulações[1] acerca do ‘culto dos anjos’ ao qual o apóstolo dos gentios fez alusão na epístola aos Colossenses: θρησκείᾳ τῶν ἀγγέλων (culto dos anjos).
Que tipo de ‘culto aos anjos’ o apóstolo Paulo alerta estar rondando os cristãos de Colossos? Havia um cerimonial dedicado aos seres celestiais que alguém queria introduzir nas igrejas primitivas?
Para compreendermos o que o apóstolo Paulo procurou evidenciar aos cristãos de Colossos, devemos nos ater ao contexto, porque o termo grego ἀγγέλων[2] , transliterado como ‘aggelos’, dependendo do contexto, pode referir-se tanto a seres angelicais quanto a um mensageiro de Deus, um profeta.
Ao escrever aos cristãos de Colossos, o apóstolo Paulo enfatiza seu combate por eles (Cl 2:1) e exorta a não se deixarem enganar por palavras persuasivas (Cl 2:4). Ele adverte que nenhum cristão deve se deixar aprisionar por filosofias e vãs sutilezas decorrentes da tradição dos homens e dos princípios do mundo.
É acerca dos judaizantes que o apóstolo Paulo enfatiza a necessidade de não se deixarem dominar pela aparente humildade. Pelas muitas ordenanças decorrentes das tradições judaicas, às quais se submetiam voluntariamente, os judaizantes aparentavam ‘humildade’ (Cl 2:20 e 23). Eles se proibiam de tocar, provar e manusear certos objetos sob o pretexto de ‘submissão’ (humildade) às tradições e queriam enlaçar os cristãos com essas práticas.
Além de utilizar questões acerca de comida, dias de festa, lua nova e sábados para cativar os cristãos a retornar aos rudimentos fracos da lei, os judaizantes se utilizavam do ‘culto dos anjos’ (θρησκείᾳ τῶν ἀγγέλων). Mas, que culto é esse?
Antes de afirmar que os anjos mencionados nesta passagem da epístola aos Colossenses são seres celestiais, devemos lembrar o que foi dito por nosso Senhor Jesus Cristo:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos” (Mateus 23:29);
“Ai de vós que edificais os sepulcros dos profetas, e vossos pais os mataram” (Lucas 11:47);
“Bem testificais, pois, que consentis nas obras de vossos pais; porque eles os mataram, e vós edificais os seus sepulcros” (Lucas 11:48).
Os escribas e fariseus afirmavam honrar os profetas ao erguer sepulcros suntuosos e enfeitá-los com pompa. Eles argumentavam que, se vivessem nos dias dos profetas, jamais teriam se aliado aos seus antepassados para perpetrar seus assassinatos (Mateus 23:30).
Nessa censura proferida por Jesus, vislumbramos um aspecto do culto praticado pelos escribas e fariseus, que consistia em uma forma de reverência aos profetas. Isso nos leva a refletir sobre o significado do termo grego θρησκεία, transliterado como thréskeia[3].
O termo θρησκεία não se limita apenas ao sentido de ‘adoração’ ou ‘culto’, mas também pode indicar qualquer tipo de cerimônia realizada em reverência a uma pessoa ou objeto.
Considerando que o termo traduzido como ‘anjo’ no Novo Testamento é ἄγγελος (ággelos), o qual pode referir-se tanto a um mensageiro humano quanto a um ser celestial, sendo o contexto o elemento determinante para discernir se se trata de um mensageiro humano (como um profeta) ou um ser celestial, é crucial analisar o contexto de Colossenses 2:18. Parece improvável que o apóstolo Paulo esteja abordando um possível culto aos seres angelicais nesse versículo.
Na verdade, os judaizantes, sob pretexto de submeterem-se à lei (humildade), prestavam culto aos profetas (anjos), chegando até mesmo a construir e ornamentar seus túmulos.
A devoção aos profetas era tão profunda que o autor de Hebreus precisou demonstrar aos seus interlocutores que Cristo é superior a Moisés.
“Porque ele é tido por digno de tanto maior glória do que Moisés, quanto maior honra do que a casa tem aquele que a edificou” (Hebreus 3:3).
Entre os profetas, a figura de Moisés se destaca de forma proeminente, sendo reverenciado pelos líderes de Israel, que se autoproclamavam seguidores de Moisés.
“Então o injuriaram, e disseram: Discípulo dele sejas tu; nós, porém, somos discípulos de Moisés” (João 9:28).
É importante considerar que tanto os sacerdotes quanto os profetas da Antiga Aliança eram mensageiros[4] do Senhor. O termo hebraico utilizado podia ser empregado tanto para se referir aos seres angelicais quanto aos homens designados por Deus como mensageiros.
“Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensageiro do SENHOR dos Exércitos” (Malaquias 2:7);
“Então Ageu, o mensageiro do SENHOR, falou ao povo conforme a mensagem do SENHOR, dizendo: Eu sou convosco, diz o SENHOR” (Ageu 1:13).
Em resumo, o apóstolo Paulo estava alertando os cristãos para não permitirem que fossem julgados por aqueles que, sob a pretensão de submissão à lei, na verdade reverenciavam os profetas.
[1] “Havia o culto aos anjos. Como vimos, os judeus possuíam uma doutrina muito evoluída sobre os anjos e os gnósticos criam em todo tipo de intermediários. E os adoravam. Para o cristão, pelo contrário, só devia tributar-se culto a Deus e a Jesus Cristo. Paulo faz quatro críticas a tudo isto: (…) Diz que isto pode conduzir a um orgulho pecaminoso (vv. 18 e 23). O homem meticuloso na observância de dias especiais, e atento a todas as leis e prescrições sobre a comida, que pratica uma abstinência ascética, encontra-se no grave perigo de considerar-se particularmente bom e de olhar a outros com desprezo. E é uma verdade básica do cristianismo que ninguém que se considere bom é bom, muito menos aquele que se crê melhor que os outros” Comentário do Novo Testamento de William Barclay à epístola de Paulo aos Colossenses; “Adoração dos anjos (ton aggelon). Seja qual for a função mediadora que os anjos tiveram na velha dispensação (cons. Gl. 3:19), agora está obstada pela habitação de Cristo. Para Paulo, os anjos ainda podiam ter alguma função ministerial (I Co. 11:10; cons. Mt. 18:10; Hb. 1:14; lI Pe. 2:11; Judas 8, 9), mas a doutrina herética parecia ter ido além da reverência do V.T. e dos judeus para com os anjos – mais além até do que as extravagantes especulações rabínicas – dedicando-se a um culto que, tal como a devoção hodierna dos católicos romanos à Virgem Maria, deslocavam a centralidade de Cristo. Ernst Percy (Die hobleme der Kolosser und Epheserbdefe, pág. 168, 169), destacando a identidade virtual do culto dos anjos com humildade (cons. Cl. 2:23), vê Paulo a dizer: “Suas práticas legalistas chegam até à adoração de anjos”. Mas algo mais do que isto estava envolvido (cons. Bruce)” Comentário Bíblico Moody à epístola de Paulo aos Colossenses; “Os falsos mestres estavam reivindicando que Deus estava longe e que só era possível aproximar-se dEle através de vários níveis de anjos. Esses falsos mestres ensinavam que as pessoas tinham de adorar os anjos em ordem hierárquica, para no final chegarem a Deus. Esse ensino não consta nas Escrituras” Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal, Editora CPAD, pág. 1678.
[2] “32 αγγελος aggelos de aggello [provavelmente derivado de 71, cf 34] (trazer notícias); TDNT 1:74,12; n m 1) um mensageiro, embaixador, alguém que é enviado, um anjo, um mensageiro de Deus” Dicionário Bíblico Strong.
[3] “2356 θρησκεια threskeia de um derivado de 2357; TDNT – 3:155,337; n f 1) adoração religiosa 1a) esp. externo, aquilo que consiste de cerimônias 1a1) disciplina religiosa, religião” Dicionário Bíblico Strong.
[4] “(מלאך 04397 mal’ak procedente de uma raiz não utilizada significando despachar como um representante; DITAT – 1068a; n m 1) mensageiro, representante 1a) mensageiro 1b) anjo 1c) o anjo teofânico) de Deus” Dicionário Bíblico Strong
A Paz.
Porque João adorou um anjo em AP 19:10 se ele sabia que só a Deus deve adorar? Obrigado
Olá, Mendes..
Ele não adorou um anjo.. na verdade ele não sabia que era um anjo. Achou que era o próprio Deus pelo esplendor do ser celestial.
Att
Muito bom.
Obrigado
paz, apesar de conhecermos a Deus, podemos cometer erros como o de João, mas o anjo o repreende .