Ao morrer com Cristo, o homem é libertado (justificado) do pecado, e ao ressurgir com Ele, o novo homem é declarado justo (justificação). Sem esse processo de morte da velha criatura e a regeneração que traz à existência a nova criatura, Deus não poderia ser simultaneamente justo e justificador.
Romanos 3 – Deus é justo e justificador daquele que tem fé em Jesus
Conteúdo do artigo
“De palavras de falsidade te afastarás, e não matarás o inocente e o justo; porque não justificarei o ímpio.” (Êxodo 23:7).
Romanos 3 – A justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo
Os judeus não são melhores que os gentios
9 Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado;
O apóstolo Paulo retoma a linha de argumentação iniciada no início do capítulo três de Romanos, onde questiona: “Há vantagem em ser judeu? Somos (os judeus) mais excelentes que os gentios?”
Para os judeus que acreditavam possuir uma vantagem ao serem descendentes de Abraão e praticarem a circuncisão, Paulo confronta essa suposição ao perguntar se, em termos de salvação, os judeus realmente seriam superiores aos gentios.
Ao negar qualquer vantagem dos judeus na conquista da salvação, Paulo enfatiza que os gentios não foram, de modo algum, excluídos da graça de Deus. Pelo contrário, o apóstolo dos gentios sublinha que essa verdade já havia sido claramente demonstrada.
“… pois já demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado” (Romanos 2:9); compare com:
” Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” (Romanos 1:12-13).
Quando o apóstolo Paulo utiliza o verbo “somos” na terceira pessoa do plural, ele deliberadamente se inclui na discussão, identificando-se como um judeu autêntico, “hebreu de hebreus” e circuncidado ao oitavo dia, conforme ele próprio descreve em outras passagens (Filipenses 3:5). Essa inclusão não é meramente retórica, mas reforça sua autoridade e conhecimento sobre a condição judaica, permitindo-lhe confrontar com ainda mais eficácia a suposição de que os judeus teriam alguma vantagem intrínseca sobre os gentios em relação à salvação.
10 Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer.
Caso houvesse qualquer dúvida quanto às suas declarações, o apóstolo Paulo recorre à autoridade suprema das Escrituras. Ao afirmar que “não há um justo, nem um sequer”, Paulo deixa claro que essa expressão não admite exceções, seja por sangue, seja por nacionalidade. Como os judeus também são homens, essa verdade se aplica igualmente a eles: não há um justo, e as Escrituras reforçam isso de maneira enfática: “NEM UM SEQUER!”
Mas de onde, exatamente, Paulo tira essa afirmação categórica? Ele se apoia em passagens como:
“Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo; todos armam ciladas para derramar sangue; cada um caça a seu irmão com a rede…” (Miqueias 7:2);
“E não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não se achará justo nenhum vivente” (Salmo 143:2).
A combinação dessas proposições em Miqueias e nos Salmos conduz à conclusão inevitável de que “não há entre os homens um que seja justo”, pois diante de Deus “não se achará justo nenhum”.
Sem exceção, todos se extraviaram
11 Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. 12 Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só.
O apóstolo Paulo, ao sustentar sua argumentação, cita explicitamente os Salmos 14 e 53, os quais reforçam a ideia de que não há exceção quanto à condição dos judeus. Ambos os salmos afirmam de maneira categórica que “não há ninguém que faça o bem, não há um sequer” (Salmo 14:3; 53:3), deixando claro que essa condenação se aplica a toda a humanidade, incluindo os judeus.
Esses salmos servem para corroborar a posição de Paulo de que, diante de Deus, todos os homens, independentemente de sua origem ou tradição religiosa, estão igualmente afastados da justiça divina. Não há lugar para presunção ou sentimento de superioridade baseado em herança étnica ou observância externa da lei, pois, segundo as Escrituras, “todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis” (Salmo 14:3; 53:3).
“O SENHOR olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos: não há quem faça o bem, não há sequer um.” (Salmo 14:2-3);
“Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um.” (Salmo 53:2-3).
Todas as citações feitas por Paulo estão diretamente vinculadas à declaração central: “Não há um justo, nem um sequer.” O versículo 10 de Romanos 3 é uma conclusão que Paulo apresenta, resumindo a ideia central das Escrituras. Ao contrário dos versículos subsequentes, que são citações literais das Escrituras, essa conclusão sintetiza o que as Escrituras ensinam.
As Escrituras são categóricas: apesar da existência de inúmeras religiões, incluindo o judaísmo, “não há quem busque a Deus.” Entre os homens, não há quem compreenda como buscar a Deus. Todos se extraviaram, ou seja, estão perdidos, e se tornaram inúteis.
Para compreendermos plenamente este versículo, devemos recordar que o único evento na história da humanidade relatado pela Bíblia em que alguém se perdeu foi no Éden, com Adão. Através da queda de Adão, todos os homens, por meio desse único evento, tornaram-se inúteis.
Desde a queda, não há entre os filhos dos homens quem faça o bem, sem qualquer exceção. Isso revela que os judeus, assim como todos os outros, também se tornaram inúteis diante de Deus por meio de Adão.
Não podemos confundir “fazer o bem” com realizar “boas ações”. Boas ações são possíveis para todos os homens, mesmo para aqueles que são maus, pois dependem unicamente da vontade humana. No entanto, fazer o bem, conforme Paulo argumenta, está intrinsicamente ligado à natureza do homem em Deus. Fazer o bem é uma expressão de uma vida que está em comunhão com Deus, ou seja, só é possível quando a natureza do homem foi transformada em Deus, tornando-o bom.
“Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lucas 11:13).
Um comentário que consta da Bíblia Vida Nova aos versículos 10 a 18, na nota de rodapé, diz que:
“É uma prova da universalidade do pecado. 1) O pecado no caráter humano (vv 10- 12. 2) O pecado na conduta humana (vv 13- 17): a) em palavra (vv 13, 14); b) em ação (vv 15- 17). A Fonte do Pecado (v 18)”. Bíblia Vida Nova.
A prova da universalidade do pecado não reside no caráter ou na conduta dos homens, mas sim na condição inescapável decorrente da condenação em Adão: a morte. A morte, como “aguilhão do pecado,” é a evidência mais clara de que todos os homens estão sujeitos ao pecado.
“Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.” (Romanos 5:12).
13 A sua garganta é um sepulcro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; 14 Cuja boca está cheia de maldição e amargura.
Para continuar demonstrando que os judeus não são melhores que os gentios, o apóstolo cita os Salmos 5, 10 e 140:
“Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto; lisonjeiam com a sua língua.” (Salmo 5:9);
“Aguçaram as línguas como a serpente; o veneno das víboras está debaixo dos seus lábios. (Selá.)” (Salmo 140:3);
“A sua boca está cheia de imprecações, de enganos e de astúcia; debaixo da sua língua há malícia e maldade.” (Salmo 10:7).
O apóstolo cita os Salmos por eles serem profecias que descrevem os inimigos de Cristo. As citações parecem fazer referência à pior espécie de gente, porém, cada versículo remete aos religiosos judeus. São eles que lisonjeiam a Deus com os lábios, mas o coração está longe. O veneno deles é oriundo das uvas de Sodoma, e por isso Jesus chamava os fariseus de “raça de víboras”. Embora façam imprecações, da boca deles somente procede o mal.
“E eles vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra; pois lisonjeiam com a sua boca, mas o seu coração segue a sua avareza.” (Ezequiel 33:31);
“O seu vinho é ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras.” (Deuteronômio 32:33);
“Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.” (Mateus 12:34; Salmo 58:3).
Paulo não está tratando de questões morais ou comportamentais, como faltar com a verdade ou ludibriar o outro em um negócio. Romanos 3, versos 12 a 14, fazem referência à natureza perniciosa do homem, herdada de Adão. Os versos se referem aos seguidores do judaísmo, que, embora fossem religiosos, a garganta expressa o que procede do coração corrupto.
15 Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. 16 Em seus caminhos há destruição e miséria; 17 E não conheceram o caminho da paz. 18 Não há temor de Deus diante de seus olhos.
Para enfatizar que judeus e gentios são idênticos diante de Deus, o apóstolo Paulo cita o profeta Isaías:
“Os seus pés correm para o mal, e se apressam para derramar sangue inocente; os seus pensamentos são pensamentos de iniquidade; destruição e quebrantamento há nas suas estradas. Não conhecem o caminho da paz, nem há justiça nos seus passos; fizeram para si veredas tortuosas; todo aquele que anda por elas não conhece a paz.” (Isaías 59:7-8);
“A transgressão do ímpio diz no íntimo do meu coração: Não há temor de Deus perante os seus olhos.” (Salmo 36:1).
Isaías não estava protestando apenas contra crimes de sangue, como homicídios, embora sejam reprováveis diante de Deus.
O texto de Isaías fala sobre a natureza decaída do homem e o que ela pode produzir. Os homens maus, por causa da sujeição ao pecado, apesar de poderem fazer boas ações aos seus semelhantes, só podem falar engano e mentira, e suas ações são igualmente más. Só é possível entender o texto de Isaías quando se compreende a figura da árvore:
“Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má e o seu fruto mau, pois pelo fruto se conhece a árvore” (Mateus 12:33).
Como todos os homens estão debaixo do pecado (Romanos 3:9), ao citar Isaías, Paulo demonstra que todos os homens, inclusive os judeus, estão em igual condição quando não estão em Cristo. Entretanto, no caso dos religiosos judeus, eles são descritos como possuidores de pés ligeiros para derramar sangue inocente. Por terem entrado no mundo por Adão, pela porta larga, o caminho de todos eles os conduz à destruição e à miséria (Mateus 7:13-14).
Justo e Justificador
O texto de Êxodo nos ensina que Deus jamais justificaria o ímpio, pois isso comprometeria Sua justiça, retidão e imutabilidade:
“De palavras de falsidade te afastarás, e não matarás o inocente e o justo; porque não justificarei o ímpio.” (Êxodo 23:7).
No entanto, o apóstolo Paulo afirma que Deus justifica o ímpio que crê:
“Aquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.” (Romanos 4:5).
Mas como um Deus justo poderia justificar o ímpio, conforme declarado pelo apóstolo Paulo, sem contrariar a sua própria natureza?
A Bíblia é clara ao dizer que Deus não tem o culpado por inocente:
“Que perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente…” (Êxodo 34:7).
Isso levanta uma questão importante: como pode Deus, sendo justo, justificar o culpado sem contradizer Sua própria palavra? É pertinente a colocação de Bancroft?
“O método é divino e não humano. O homem só pode justificar o inocente; Deus justifica o culpado; o homem justifica à base do mérito; Deus justifica à base da misericórdia (…) Se o homem tivesse de ser justificado nesta base, seu caráter moral teria de ser perfeito; mas ninguém é perfeito. ‘Não há homem que não peque.’ ‘Não há salvação por meio do caráter. O que os homens necessitam é ser salvos de seu caráter.’ “ Emery H. Bancroft, Teologia Elementar, Ed. EBR, ed. 2001, p. 256, III. (grifo nosso).
Para resolver a aparente contradição de um Deus justo que justifica o homem pecador, alguns pensadores entendem a justificação como um ato de clemência divina, onde Deus absolve o culpado (pecador). Outros veem a justificação como um ato judicial, onde Deus trata o pecador injusto como se fosse justo, embora a pessoa não seja realmente justa. Nesse sentido, Scofield afirma:
“O pecador crente é justificado, isto é, tratado como justo por causa de Cristo (…) A justificação é um ato de reconhecimento divino e não significa tornar uma pessoa justa” (C. I. Scofield, A Bíblia de Scofield com referências, nota a Rm 3:28).
Outros apresentam o amor de Deus como a base para a justificação, ou a consideram um ato paternal, onde Deus não leva em conta os erros dos filhos. Há também quem veja a justificação como um ato de anistia, ou como decorrente da soberania divina.
Afinal, qual é a base para a justificação que resolve a tensão entre Deus ser Justo e, ao mesmo tempo, o Justificador daqueles que creem em Cristo?
Antes de prosseguir, é importante destacar que a justificação não é um ato judicial, paternal ou meramente judicial; trata-se de um ato criativo de Deus.
Deus jamais declarará o ímpio inocente (Êxodo 23:7). O pecador nunca será tido como inocente (Números 14:18), pois “a alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18:4). A pena não pode ser transferida a outra pessoa (Deuteronômio 25:1; Ezequiel 18:4).
Os princípios da lei são totalmente considerados na justificação, sem qualquer contradição. Ao justificar o homem que crê em Cristo, Deus permanece justo, e Sua declaração de justiça não é dirigida a um ímpio considerado inocente, mas sim a alguém que é uma nova criatura pela fé em Cristo.
Como Deus jamais justificaria o ímpio (Êxodo 23:7), a única solução para os escravos do pecado é a morte. Somente aquele que está morto se torna livre (justificado) do pecado:
“… aquele que está morto está justificado do pecado.” (Romanos 6:7).
A ideia de que a justiça de Deus é satisfeita porque o pecado do ímpio foi punido em Cristo é frágil, pois, para que a justiça seja feita, a penalidade não pode ser transferida para outra pessoa (Ezequiel 18:4).
Para satisfazer a justiça divina, era necessário primeiro uma substituição de atos: obediência pela desobediência. Adão desobedeceu e morreu para Deus, enquanto Cristo foi obediente até a morte, e morte de cruz (Romanos 5:18). Essa “transação penal” não se refere ao pecado da humanidade sendo punido em Cristo, mas sim à obediência de Cristo substituindo a desobediência de Adão. Sem essa obediência de Cristo, não haveria justiça diante de Deus.
Como Cristo obedeceu e morreu uma morte física, Deus, pelo Seu poder, o ressuscitou dentre os mortos, pois a morte não podia retê-lo (Atos 2:24). Da mesma forma, os que creem em Cristo obedecem a Deus e se conformam com Cristo em Sua morte (Romanos 6:5; Filipenses 3:10-11). Assim como Deus justificou o crente Abraão, Ele também justifica todos os que creem, sem acepção de pessoas. E assim como Cristo foi recompensado com a ressurreição por Sua obediência, todos os que obedecem ao evangelho morrem com Cristo, mas ressurgem como um novo homem.
Ao morrer com Cristo, o homem é libertado (justificado) do pecado, e ao ressurgir com Ele, o novo homem é declarado justo (justificação). Veja a diferença nos seguintes versos:
“… aquele que está morto está justificado do pecado.” (Romanos 6:7);
“O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação.” (Romanos 4:25).
Esses versos destacam o processo de justificação: primeiro, a libertação do pecado ocorre através da morte com Cristo, quando o velho homem é crucificado, morto e sepultado. Em seguida, vem a declaração de justiça na ressurreição com Cristo, quando uma nova criatura é trazida à existência pelo poder de Deus.
Os homens necessitam ser salvos de seu caráter?
Considerando a afirmação de Bancroft de que “O que os homens necessitam é ser salvos de seu caráter,” é importante notar que, quando Jesus disse que é necessário nascer de novo, Ele não se referiu a elementos como caráter, moral ou comportamento. O homem é salvo (resgatado) do pecado (escravidão ao pecado) ou de seu caráter? Seria a transformação do caráter a base da justificação em Cristo? Não!
A humanidade foi julgada e condenada em Adão (Romanos 5:19). Por causa da ofensa de Adão, o pecado entrou no mundo, e a morte, como consequência, passou a todos os homens, tornando todos pecadores e destituídos da glória de Deus (Romanos 3:23). A salvação de Deus, por intermédio de Cristo, visa resgatar o homem da condenação estabelecida em Adão (Romanos 5:18), conduzindo-o ao reino do Filho do Seu amor (Colossenses 1:13).
Quando Jesus falou a Nicodemos sobre a salvação, Ele disse:
“Em verdade, em verdade te digo que quem não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3:3).
Este versículo demonstra que o verdadeiro obstáculo à entrada do homem no reino dos céus é o seu nascimento natural, e não seu caráter ou moral. Se é necessário um novo nascimento, é porque o nascimento anterior é a causa da impossibilidade do homem de ter acesso a Deus. Todos os homens se tornaram filhos da ira e da desobediência por serem descendentes de Adão.
A parábola das duas portas e dos dois caminhos (Mateus 7:13-14) e a figura dos vasos para honra e desonra (Romanos 9:21) ilustram claramente essa realidade. O acesso à porta larga e ao caminho que conduz à perdição resulta do nascimento em Adão, enquanto o acesso à porta estreita e ao caminho que conduz à vida é garantido pelo novo nascimento em Cristo. Da mesma forma, os vasos para desonra são moldados em Adão (Romanos 9:22), e os vasos para honra são criados em Cristo (Romanos 9:23).
Para reverter a condenação herdada em Adão, Jesus, por meio do evangelho, demonstra a necessidade do novo nascimento, onde aqueles que creem em Cristo são regenerados por uma semente incorruptível, que é a Palavra de Deus (1 Pedro 1:3, 23).
A condenação foi decretada em Adão, mas a salvação é concedida em Cristo, por meio do lavar regenerador do evangelho, a água pura. Aqueles que creem são gerados de novo para uma viva esperança pela ressurreição de Cristo.
Os nascidos de Adão foram declarados culpados e carregam a condenação de Adão: a morte. Os nascidos de novo são justificados, ou seja, após serem criados em verdadeira justiça e santidade, a nova criatura, ou o novo homem, pela sua nova condição em Cristo, é declarado justo por Deus.
Sem Cristo, o ser humano está morto em delitos e pecados (Efésios 2:1). Essa condição decorre da queda em Adão, onde aqueles que estão mortos para Deus vivem para o mundo. Para viver para Deus, é necessário primeiro morrer para o mundo.
Cristo, enviado ao mundo, é o único caminho para acessar Deus, sendo o novo e vivo caminho consagrado por Sua carne (Hebreus 10:20). Sua morte foi em favor dos injustos, permitindo que todos os que creem em Seu sacrifício participem de Sua morte (Romanos 6:6-7), passando a viver para Deus (Efésios 2:5).
A crucificação do velho homem com Cristo cumpre a exigência da lei: o pecador não será tido por inocente; a alma que pecar morrerá; e a pena não passa do transgressor. Ao unir-se a Cristo em Sua morte, o ser humano deixa de viver para o mundo, é justificado do pecado (Romanos 6:6) e é declarado justo por Deus quando é criado de novo (Romanos 5:1).
O velho homem, a natureza herdada de Adão, foi crucificado com Cristo (Romanos 6:6), e o corpo do pecado foi destruído por meio dessa união com a morte de Cristo, eliminando o domínio do pecado (Romanos 6:18). Através da comunhão com Cristo, os participantes de Sua morte de fato morrem com Ele (Colossenses 3:3), recebendo a circuncisão de Cristo, que é o despojar do corpo da carne herdada de Adão (Colossenses 2:11).
Ao aceitar Cristo, há um convite para tomar a cruz e seguir Seus passos (Mateus 16:24). Seguir Cristo estabelece a lei de Deus, onde o ímpio, ou pecador, recebe a pena de morte, despojando-se do corpo da carne e sepultando a natureza condenada de Adão juntamente com o corpo que servia ao pecado.
Só a nova criatura é declarada justa
Após a união com Cristo em Sua morte, ocorre o milagre da regeneração e justificação. A regeneração precede a justificação, que é consequência da primeira. Como isso acontece?
Ao participar do corpo e sangue de Cristo (João 6:54-56), o velho homem é sepultado à semelhança de Cristo (o batismo simboliza essa verdade) e ressuscita como um novo homem, criado segundo Deus em verdadeira justiça e santidade (Efésios 4:24).
Esse novo homem surge por meio de Cristo, sendo uma nova criatura. Quando o ser regenerado ressuscita dos mortos (Efésios 2:1), é declarado justo, pois essa é sua nova condição perante Deus.
Deus é luz e verdade, e jamais declararia justo alguém que não fosse verdadeiramente justo. Ele não participaria de uma farsa ao tratar os injustos como justos sem que sejam realmente justos.
A declaração divina é enfática:
“Eis que faço novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5).
Como Cristo morreu por todos, todos os que aceitam Seu sacrifício morreram (2 Coríntios 5:14). Assim, deixam de viver para o mundo e passam a viver para Deus (2 Coríntios 5:15). A nova vida em Cristo confere ao ser humano uma nova condição diante de Deus e dos homens: a de nova criatura. São criados à imagem daquele que os chamou das trevas para Sua maravilhosa luz. Deixam a condição de filhos das trevas e tornam-se filhos de Deus.
As características do velho homem, como a condenação, ira, carne e pecado, já passaram, e em Cristo tudo se fez novo. Cristo se fez pecado para que se tornassem justiça de Deus:
“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21).
A justificação tem sua base em um ato criativo de Deus, que faz surgir um novo homem, declarado justo por ser verdadeiramente justo.
Os termos traduzidos como “justificar” e “justificação” significam, segundo a ideia bíblica, “declarar justo”, “declarar reto” ou “isento de culpa ou castigo”, condição possível após o novo nascimento por intermédio de semente incorruptível (1 Pedro 1:3, 23).
Deus declara justo somente aquele que é verdadeiramente justo, condição obtida por meio da filiação divina (João 1:12). Todos os que creem em Cristo recebem poder para serem feitos filhos de Deus. São recriados, não segundo a semente de Adão, mas através da Palavra e do Espírito (João 3:5), conforme prometido nas Escrituras:
“Então espargirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis.” (Ezequiel 36:25-27).
A justificação ocorre por meio da Palavra de Deus, que purifica o ser humano. Através da Palavra, o ser humano é limpo e purificado. Como isso acontece?
É concedido um coração novo e um espírito novo (regeneração), conforme Jesus ensinou a Nicodemos: “necessário vos é nascer da água e do Espírito”. Após nascer de Deus (Espírito) e de Sua Palavra, o ser humano é declarado justo, como previsto pelo salmista Davi:
“Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto.” (Salmo 51:10).
Como apagar as transgressões? Como tornar o ser humano puro e limpo? Como resgatá-lo da condenação de Adão? (Salmo 51:5, 7, 10). Somente após a morte da velha natureza e por intermédio de uma nova criação. Essa condição só é possível após a circuncisão do coração.
Qualquer incisão no coração resulta em morte. Após a circuncisão não realizada por mãos humanas, o ser humano é agraciado com um novo coração e um espírito reto.
Após entender o processo de justificação em Cristo, percebe-se que não há contradição em Deus ser justo e justificador. A justificação não é um ato judicial ou forense, e Deus não considera o culpado como inocente. Há alegria em saber que Deus cria o ser humano justo e o declara justo. O crente é declarado justo porque é justo em Cristo Jesus.
É necessário ser salvo da condenação do pecado para receber a declaração de justiça de Deus. Deus exerce misericórdia, mas isso não significa que Ele considere o culpado como inocente. Deus justifica apenas o inocente, aquele que é regenerado, sem considerar méritos, caráter, moral, conduta, etc.
A lei foi dada aos judeus
19 Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus.
O apóstolo Paulo demonstra que tanto ele quanto alguns de seus destinatários compartilhavam um conhecimento comum: “Ora, nós sabemos que…”. Eles entendiam que tudo o que estava na lei se referia exclusivamente àqueles que estavam sob a lei, ou seja, os judeus. Tudo que a lei expressava foi dirigido aos judeus, e alguns dos destinatários de Paulo tinham esse entendimento. No entanto, a continuação da declaração de Paulo provavelmente não era conhecida por todos, pois o apóstolo revela a verdadeira finalidade da lei: fechar a boca dos judeus e evidenciar que eles também eram condenáveis.
A lei cala a boca dos judeus por ser impossível justificar-se através das obras da lei, por dois motivos:
a) a lei é espiritual, enquanto o homem é carnal; e
b) se alguém guarda a lei, mas tropeça em um único ponto, torna-se culpável de toda a lei.
A lei, que muitos judeus acreditavam elevá-los a uma condição superior, na verdade, tinha o propósito de deixar todos os homens, judeus e gentios, em igual condição: condenáveis diante de Deus. Como a função da lei era silenciar os judeus, não há como eles se gloriarem com a boca fechada.
20 Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado.
Se a lei deixa todos os homens condenáveis diante de Deus, fica claro que as obras da lei não podem justificar ninguém. Paulo enfatiza que todos, judeus ou gentios, são carne, e nenhuma carne será justificada pelas obras da lei.
Ao confrontar a lei, o homem reconhece sua condição de pecador, algo que desconhecia antes. Portanto, não há distinção; todos estão sob o pecado. A lei não oferece justificação, mas sim revela a verdadeira condição do ser humano: pecador. Assim, Paulo afirma que, mesmo em sua condição de judeu, era considerado mentiroso (Romanos 3:4).
“… dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado” (Romanos 3:9).
A justiça revelada no evangelho
21 Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas;
A exposição do apóstolo Paulo em Romanos retoma a ideia apresentada nos versículos 16 e 17 do capítulo um.
“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.” (Romanos 1:16-17).
Ele destaca que a justiça de Deus se manifesta independentemente da lei, enfatizando que essa revelação ocorreu “agora”, ou seja, no tempo presente. A autenticidade dessa manifestação é confirmada pela lei, que os judeus não conseguiram cumprir, e pelos profetas, que eles perseguiram (Atos 7:52). A justiça de Deus, portanto, é revelada de forma distinta dos elementos relacionados à lei.
22 Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença.
A justiça que os judeus reputavam ter alcançado por intermédio da lei, o apóstolo Paulo demonstra que ela é obtida pela fé em Cristo. A justiça de Deus é destinada a todos que creem, independentemente de sangue, linhagem ou língua. Todos que creem já foram agraciados com a justiça, visto que ela recai sobre quem crê em Deus através de Cristo Jesus.
“Que diremos pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim, mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da lei; tropeçaram na pedra de tropeço;” (Romanos 9:30).
Como a justiça de Deus é para todos e sobre todos os que creem, isso demonstra que ela é efetiva na vida do cristão agora. Ou seja, Deus não trata os ímpios como se fossem justos, como equivocadamente afirma Scofield em sua Bíblia com notas de rodapé.
Quando Paulo reitera que “não há diferença”, ele esclarece que a palavra “todos” inclui tanto judeus quanto gentios, justificando-os pela fé. O termo “todos” remete à promessa feita a Abraão, de que em Cristo todas as famílias da terra seriam abençoadas (Gênesis 12:3). Refere-se também à ordem de ir por todo o mundo, sem fazer acepção de pessoas. Quando se diz: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tito 2:11), isso não significa que Deus concedeu salvação indiscriminadamente (universalismo), mas que Sua graça não faz acepção de pessoas.
23 Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;
Como todos pecaram, a justificação em Cristo é destinada a todos os homens, judeus e gentios. Já que a morte passou a todos os homens (Romanos 5:12), isso significa que o pecado não decorre de caráter ou moral, mas sim do nascimento natural. Este versículo reforça a ideia de que a justificação por meio da fé abrange todos os homens, “porque não há diferença”, uma vez que todos pecaram. Deus não poderia tratar os judeus de maneira diferente dos gentios, pois todos pecaram igualmente.
Ao explicar por que a graça de Deus se destina a todos os que creem, Paulo faz um alerta implícito: todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.
Quando, onde, como e por que todos os homens pecaram? Paulo não menciona um caráter ou uma moral que tenha tornado os homens pecadores. Esta declaração (todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus) é crucial para definir o que é pecado e como ocorre a justificação. O pecado decorre da ofensa de Adão ao comer do fruto do conhecimento do bem e do mal, e não do conhecimento adquirido posteriormente. A própria lei que determinava não comer do fruto deu força ao pecado, ao declarar: “certamente morrerás.”
“Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram.” (Romanos 5:12).
24 Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus.
Todos os homens que pecaram e foram destituídos da glória de Deus devido à ofensa de Adão são justificados (declarados justos) pela graça de Deus, por meio da redenção que há em Cristo, sem qualquer custo para eles, desde que creiam em Cristo.
Ao serem justificados pela graça de Deus através da redenção em Cristo, a condição descrita em Romanos 3:23 é completamente renovada.
Todos os homens foram declarados culpados por nascerem de Adão (“o que é nascido da carne, é carne…” João 3:6), ou seja, todos são pecadores e estão destituídos da glória de Deus (Romanos 3:23).
No entanto, quando aqueles culpados em Adão creem em Cristo, eles nascem de novo, e essa nova criatura, criada por Deus, é declarada justa diante Dele. Esse novo homem torna-se participante da glória de Deus (por ser participante da natureza divina decorrente da filiação) e deixa a condição de pecado (condenação) (2 Pedro 1:4; 1 João 3:9).
Em termos gerais, redenção é a libertação decorrente de um valor pago que concede uma nova condição ao homem agraciado. A redenção ocorreu por meio da substituição de atos: a obediência de Jesus em lugar da desobediência de Adão.
Somente Cristo, na condição de último Adão, poderia substituir a desobediência de Adão ao obedecer perfeitamente. Como o último Adão, Cristo reverteu as consequências do pecado de Adão, oferecendo obediência plena a Deus e, assim, proporcionando redenção e justificação a todos que creem. Sua obediência contrasta diretamente com a desobediência de Adão, restaurando o relacionamento entre Deus e a humanidade e permitindo que aqueles que estão em Cristo (novas criaturas) sejam declarados justos diante de Deus.
“Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram.” (2 Coríntios 5:14);
” Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo.” (1 Coríntios 1:20-21).
A justificação é uma declaração que se aplica à nova criatura, e não ao velho homem gerado da semente corruptível de Adão. A justificação, portanto, é destinada àqueles que, através da fé em Cristo, se tornam novas criaturas, nascidas de Deus e transformadas pela redenção em Cristo. O velho homem, marcado pelo pecado e pela condenação, não é o objeto da justificação; ao contrário, é a nova criação, gerada da semente incorruptível, que é declarada justa diante de Deus.
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo. E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação; Isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. Rogamo-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus. Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Coríntios 5:17-21).
25 Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus;
Em Cristo, há redenção porque Sua obediência é o “valor pago” para satisfazer plenamente as exigências de um Deus justo e santo (Romanos 3:24). Deus propôs a redenção em Cristo, mas a propiciação é alcançada ao crer no evangelho. A redenção é universal, disponível a todos, enquanto a propiciação se refere à apropriação pessoal da salvação pela fé. Assim como o cordeiro morto representava a redenção do povo de Israel, o sangue espargido nos umbrais da porta simbolizava a propiciação, o ato pelo qual cada membro da nação demonstrava sua fé no livramento prometido por Deus (Êxodo 12:21-23).
Redenção e propiciação estão, portanto, intimamente ligadas: a redenção representa o preço pago para a libertação, enquanto a propiciação é a aplicação pessoal dessa redenção pela fé em Cristo. A redenção providencia a base para a salvação, e a propiciação é a resposta de fé que torna essa salvação eficaz na vida do crente.
Deus demonstra Sua justiça ao remitir os pecados cometidos, ou seja, Sua justiça se manifesta ao não punir os pecados diretamente. Como isso ocorre? Pela redenção que há em Cristo e pela propiciação oferecida aos que creem em Seu sangue.
“Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé;” (Romanos 16:26);
“Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome,” (Romanos 1:5).
Ao obedecer o evangelho, o homem se conforma com Cristo em Sua morte, e por meio dessa obediência, é gerado um novo homem pela semente incorruptível do evangelho, evidenciando que Deus é justo ao declarar justos os que creem em Cristo.
Com a regeneração, a justiça de Deus liberta o homem tanto da condenação em Adão, que trouxe a morte a todos, quanto do julgamento das obras no tribunal do Trono Branco, garantindo o livramento dos pecados. É por isso que Paulo afirma que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo” (Romanos 8:1), indicando que, sem Cristo, pesava mais de uma condenação sobre os homens.
26 Para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.
Cristo é a evidência da justiça de Deus no “tempo presente” (Romanos 8:1). A justiça de Deus se manifesta através do evangelho, onde Cristo, como a justiça de Deus, é revelado.
“Minha justiça está perto, minha salvação está chegando” (Isaías 51:5).
No evangelho, fica claro que o velho homem deve morrer com Cristo para que Deus seja justo. É também através do evangelho que a graça de Deus traz à vida um novo homem, utilizando a mesma massa para criar vasos para honra. A justiça de Deus, evidenciada em Cristo ao libertar o homem do pecado, confirma que Deus é justo e justificador dos que creem em Cristo.
Justificado pela fé
27 Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé. 28 Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei.
A atitude presunçosa dos judeus, que se consideravam superiores aos gentios, é descartada diante da regra da fé, pois todos os homens são justificados unicamente pela fé em Cristo. Todos são pecadores e culpáveis, mas a justiça que vem pela fé está disponível a todos, sem exceção.
A conclusão de Paulo para os cristãos em Roma é clara: o homem, independentemente de quem ele seja, é justificado pela fé, sem depender das obras da lei.
Observe que há duas leis mencionadas: a lei das obras e a lei da fé (Romanos 1:5; 16:26). A lei das obras foi dada sob maldição, enquanto a lei da fé foi dada sob promessa. A lei da fé se refere ao mandamento do evangelho, que é crer em Cristo como o enviado de Deus. Essa distinção ressalta que a justificação não vem pelas obras da lei, que trazem condenação, mas pela fé em Cristo, que traz a promessa de vida eterna.
Assim como a lei de Moisés exigia obediência, a lei da fé também requer obediência. É pela obediência à ordem divina que Abraão, o pai da fé, demonstrou que acreditava em Deus. A obediência de Abraão à promessa de Deus foi uma evidência de sua fé, mostrando que a verdadeira fé sempre se manifesta em ações que estão em conformidade com a vontade de Deus. Assim, a fé em Cristo também exige obediência ao evangelho, que é acreditar plenamente n’Ele como o enviado de Deus.
“E disse: Por mim mesmo jurei, diz o SENHOR: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; e em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.” (Gênesis 22:16-18).
Aqui cabe um esclarecimento importante sobre o uso do substantivo grego πίστις (pistis), que é comumente traduzido como “fé”. Nos versos 22, 25 e 26 de Romanos 3, o termo πίστις é empregado no sentido de crer, confiar e descansar, e Cristo é apresentado como a verdade de Deus digna de plena confiança:
“… a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo…” (v. 22);
“… pela fé no seu sangue…” (v. 25);
“… justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.” (v. 26).
Aqui, a “fé” como crer ou acreditar, enquanto um ato humano, deriva diretamente de Cristo, que é o firme fundamento das coisas que não se veem (Hebreus 11:1). Como a palavra da verdade, Cristo é digno de toda confiança, e aqueles que são alcançados pela mensagem do evangelho depositam sua confiança n’Ele como Salvador.
No entanto, seria essa fé — o ato de crer do indivíduo — a causa da salvação? A resposta é clara: não. A conclusão do apóstolo Paulo em Romanos 3 nos revela que “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé”, ou seja, o homem é justificado pela palavra de Deus, que é verdade e fidelidade. Essencialmente, πίστις é mais do que apenas crer; trata-se da própria fidelidade e imutabilidade de Deus, que constitui o fundamento da justificação.
Sem a palavra de Deus, que é firme e imutável, não há justificação. Por isso, Paulo também afirma aos cristãos de Éfeso que a salvação é “por meio da fé”, ou seja, por meio de Cristo, que é a manifestação plena da fé (Efésios 2:8). Essa fé é distinta do simples ato humano de crer, sendo, na verdade, a confiança absoluta na obra de Cristo, que foi revelada na plenitude dos tempos.
Portanto, enquanto o homem crê para ser salvo, o poder real para a salvação não reside no ato humano de crer, mas na πίστις — a fé como verdade e fidelidade divina — que foi dada aos santos, como mencionado em Judas 1:3 e Filipenses 1:27. Essa πίστις é a fé que justifica o homem, pois está baseada na obra perfeita de Cristo e na promessa imutável de Deus, e não na ação humana.
Ser “justificado pela fé” é, em essência, o mesmo que ser justificado por Cristo, pelo evangelho, a palavra de Deus. A fé, nesse contexto, não é apenas o ato humano de crer, mas a fidelidade de Deus manifestada em Cristo. Quando Paulo fala sobre justificação pela fé, ele está se referindo à obra de Cristo e à verdade do evangelho, que exigem a resposta de obediência por parte do homem — ou seja, crer em Cristo.
“Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé;” (Romanos 16:26);
“Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome,” (Romanos 1:5).
Ao observar cinco versos do capítulo 3 de Gálatas, podemos perceber que o substantivo πίστις (pistis) é utilizado de maneira rica e multifacetada, refletindo diferentes nuances do conceito de “fé” no contexto teológico de Paulo.
“Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio. Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.” (Gálatas 3:22-26).
Aqui está uma breve análise das ocorrências e dos seus diferentes sentidos:
- Fé como crer (πιστεύω/pisteuó) — O termo é usado no sentido de “crer” ou “acreditar” duas vezes, referindo-se à fé que os cristãos têm em Cristo Jesus. Esse é o sentido mais comum da palavra no contexto da confiança pessoal do crente em Cristo. Exemplo: “pela fé em Cristo Jesus” (Gálatas 3:22).
- Fé como Cristo — O termo πίστις aparece três vezes com o significado que pode ser entendido como uma referência a Cristo em si, sendo Ele a personificação da fé ou a plena realização da promessa de Deus. Isso aparece em expressões como “a fé viesse”, referindo-se ao momento da manifestação de Cristo e ao cumprimento da promessa. Exemplo: “antes que a fé viesse” (Gálatas 3:23).
- Fé como fidelidade de Deus — Em outra ocorrência, πίστις é usada no sentido da fidelidade da promessa de Deus, ou seja, o termo remete à firmeza e imutabilidade da palavra divina. Nesse caso, a justificação é apresentada como algo que vem pela fidelidade da promessa de Deus, realizada em Cristo. Exemplo: “pela fé fôssemos justificados” (Gálatas 3:24).
Essa diversidade de usos de πίστις no mesmo trecho de Gálatas demonstra a profundidade teológica quanto ao uso do termo no pensamento de Paulo. Ele não apenas destaca a fé como um ato de crer (do indivíduo), mas também como a personificação da promessa divina em Cristo, e como a fidelidade de Deus em cumprir Suas promessas. Essa riqueza semântica ressalta a centralidade da fé, não apenas como crença, mas como a obra de Cristo e a certeza da fidelidade divina.
Não há mérito algum no ato de crer por parte do ser humano. O mérito está inteiramente na palavra de Deus, que é firme, imutável, portanto, digna de toda aceitação. A salvação não é alcançada pelo esforço ou mérito humano em acreditar, mas sim pela graça de Deus revelada em Sua palavra — a πίστις (fé), que se manifestou em Cristo.
A fé, conforme Paulo explica, não é um simples exercício da vontade humana, mas algo fundamentado na verdade da palavra de Deus, que é o próprio Cristo. É a revelação de Cristo e a promessa fiel de Deus que proporcionam a base para a crença do indivíduo. Assim, o ato de crer é uma resposta à revelação divina, mas a salvação reside no poder da própria palavra de Deus, que contém a promessa e o poder para salvar. Como Paulo declara em Romanos 1:16:
“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê…”
Portanto, a salvação está fundamentada no evangelho, que é a palavra de Deus, e é por meio dessa palavra — a fé manifestada em Cristo — que o homem é justificado. A crença do indivíduo é apenas a resposta a essa palavra, e o poder para a salvação reside completamente em Cristo, não em qualquer mérito humano. A fé, portanto, é um dom de Deus, e a salvação é recebida por meio da confiança nessa verdade divina, que é digna de plena aceitação.
“Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.” (1 Timóteo 1:15).
Essa fé que justifica é, na verdade, a revelação da verdade do evangelho, que é a palavra de Deus e o mandamento que demanda obediência. Como o apóstolo Paulo explica em Romanos 1:5, ele recebeu a graça e o apostolado “para a obediência da fé” entre todas as nações. Ou seja, o chamado à fé em Cristo é um mandamento de Deus, e a resposta a esse mandamento — crer em Cristo — é o caminho para a justificação.
Portanto, quando se diz que somos justificados pela fé, significa que somos justificados pela obra de Cristo e pela palavra de Deus, que exige a obediência à fé. Crer em Cristo é a resposta de obediência que Deus espera, e é essa fé (πιστεύω/pisteuó), é ação humana, um ato de submissão à verdade de Deus, que resulta na justificação.
“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29).
29 É porventura Deus somente dos judeus? E não o é também dos gentios? Também dos gentios, certamente,
Sem esquecer da pergunta: “Qual é, pois, a vantagem do judeu?” (Romanos 3:1), o apóstolo Paulo reitera: “É porventura Deus somente dos judeus?” (v. 29). Embora a palavra de Deus tenha sido confiada aos judeus, quanto à questão da salvação, eles não obtiveram vantagem alguma. Primeiro, porque Deus não faz acepção de pessoas, e segundo, porque a salvação sempre foi por meio da fé na palavra de Deus em todos os tempos.
Mesmo após a entrega da lei, Moisés anunciava: “Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração…” (Deuteronômio 10:16), circuncisão esta que somente é obtida por meio da fé em Deus.
Qualquer presunção de superioridade é desfeita ao analisar a pergunta: “É porventura Deus somente dos judeus?” Qualquer resposta em contrário seria o mesmo que desmentir a lei e os profetas:
“DO SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Salmo 24:1).
30 Visto que Deus é um só, que justifica pela fé a circuncisão, e por meio da fé a incircuncisão.
Quando Deus estabeleceu a fé como o único meio de acesso à Sua justiça, a lei foi cumprida. Deus é único e justifica todos (judeus e gentios) que creem em Cristo.
É nesse sentido que Cristo afirmou:
“Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir” (Mateus 5:17).
O que Deus disse?
“…em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:3).
O que os profetas anunciaram?
“Assim diz o Senhor DEUS: Eis que levantarei a minha mão para os gentios, e ante os povos arvorarei a minha bandeira…” (Isaías 49:22).
O que a lei instituiu?
“Regozijai-vos, ó gentios, com o seu povo…” (Deuteronômio 32:43).
Por meio da fé, cumpre-se o que foi dito pela lei e pelos profetas. É Deus quem justifica tanto gregos quanto judeus pela fé em Cristo!
Os líderes religiosos e muitos do povo na época de Cristo entendiam a lei e os profetas como “regras sobre regras,” e muitos ainda hoje pensam que, ao dizer que veio cumprir a lei e os profetas, Cristo estava se referindo aos ritos e cerimoniais da lei mosaica. Embora Cristo, como judeu, tenha cumprido os cerimoniais da lei, é importante ressaltar que Ele não revogou a lei ou os profetas; em vez disso, Ele é o cumprimento da lei e veio destruir a parede de separação, a barreira de inimizade, ao reconciliar ambos (judeus e gentios) em um só corpo (Efésios 2:13-18).
Cristo cumpriu a lei e os profetas ao evangelizar a paz “a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto,” e, por meio de Cristo, tanto judeus quanto gentios obtiveram acesso ao Pai em um mesmo Espírito, pela fé.
“Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar.” (Atos 2:39).
31 Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei.
O evangelho de Cristo confirma a lei ao cumprir seus princípios fundamentais, como a não acepção de pessoas. A fé, central no evangelho, é o meio pelo qual tanto gregos quanto judeus podem acessar a justiça de Deus, evidenciando a imparcialidade de Deus.
A lei não é anulada pelo evangelho, pois ela é uma sombra dos bens futuros, com Cristo sendo a realidade plena. Além disso, a lei serve para conduzir os judeus a Cristo, apontando para a necessidade de um Salvador.
“PORQUE tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam.” (Hebreus 10:1);
“Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê.” (Romanos 10:4).
Deus em Cristo o abençoe, por disponibilizar gratuitamente, estudos tão edificantes para a igreja.
Que estudo profundo e edificante sobre Romanos 3! Fico impressionado pela clareza com que você aborda o tema da justiça de Deus e a justificação pela fé. A explicação de como a fé em Jesus transforma completamente nossa condição diante de Deus é uma verdadeira bênção. Obrigado por compartilhar esse conteúdo tão rico em detalhes e reflexões bíblicas. Deus continue te abençoando para trazer mais insights poderosos como esse!