O vinho novo representa a mensagem do evangelho, que o apóstolo Paulo descreveu como loucura para aqueles que estão perecendo, mas como poder de Deus para os que creem. Esse vinho novo não se harmoniza com as obras da lei, pois é um escândalo para aqueles que vivem de acordo com a lei. “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” ( 1Co 1:23 ).
Vinho novo em odres novos
É compatível com o ensinamento de Jesus a seguinte tese de Carl F. W. Walther?
“Em terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o evangelho é pregado antes da lei…” C. F. W. Walther, Lei e Evangelho, tradução de Vilson Scholz, 2º ed., Concórdia Editora, pág. 14, 8ª Tese.
Se bem compreendi a proposta do professor Walther (teólogo e mestre no Concórdia Seminary, St. Louis, que pelos idos de 1884 a 1885 ‘premiou’ os seus alunos com um conjunto de preleções denominadas “A Correta distinção entre Lei e Evangelho”), ele propôs que é necessário ao pregador do ‘evangelho’ expor a lei em todo o seu rigor e o evangelho em toda a sua doçura aos pecadores (6ª Tese).
É esta a forma correta de anunciar a palavra de Deus? Seria esta a correta distinção entre Lei e Evangelho?
Para compreendermos por que Jesus disse que não se coloca vinho novo em odres velhos, analisemos como Jesus anunciou o evangelho aos pecadores “Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam” ( Mt 9:17 ).
O mestre Nicodemos e a mulher samaritana foram evangelizados por Jesus, e através destes exemplos é possível determinar a maneira correta de anunciar aos ouvintes o tesouro da graça de Deus.
Nicodemos representava o melhor da sociedade à época de Jesus “E HAVIA entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus” ( Jo 3:1 ):
- Por ser homem, Nicodemos estava em condição social melhor que as mulheres;
- Era judeu e descendente de Abraão, o que lhe dava a confiança de se considerar melhor que os homens de outros povos;
- Era partidário do farisaísmo, uma das seitas mais severa do judaísmo, o que lhe concedia a condição de religioso exemplar;
- Como mestre, Nicodemos era exemplo para o povo;
- Exercia o cargo de juiz, e, portanto, precisava ter uma conduta ilibada em sociedade;
- Nicodemos possuía um nome entre os seus.
Por outro lado, a mulher samaritana representava o pior da sociedade à época de Jesus “Porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade” ( Jo 4:18 ):
- A samaritana era alvo de discriminação social por ser mulher;
- Ela era samaritana, condição inferior aos judeus no quesito religião;
- Ela teve cinco maridos, e o que ela ‘tinha’, não lhe pertencia;
- Nem mesmo foi nomeada, ou seja, o nome dela não era expressivo na sociedade.
Nicodemos era mestre do judaísmo, e, portanto, entendido da lei. Em momento algum Jesus fez referência à lei quando anunciou o evangelho ao distinto fariseu. De que adiantaria falar da lei a um mestre do judaísmo?
Jesus expôs única e exclusivamente a verdade do evangelho a Nicodemos sem qualquer referência à lei.
Isto demonstra que não é necessário a exposição da lei e dos seus elementos aos pecadores. Quando Jesus expôs o rigor da lei a Nicodemos? Observe que Jesus apresentou a Nicodemos uma necessidade que é pertinente a todos quantos ainda não conhecem a Cristo.
De igual modo, Jesus não apresentou a lei ou o seu rigor quando anunciou a graça do evangelho à samaritana. Onde está o rigor da lei na conversa de Jesus com a samaritana? Jesus condenou ou rejeitou a samaritana por ser promiscua?
O que se observa na abordagem de Cristo a Nicodemos e a samaritana?
Jesus anunciou a necessidade do novo nascimento a um dos melhores representante da moral e do comportamento humano, tornando sem valor as qualidades e méritos de Nicodemos para salvação.
Por outro lado, Jesus apresentou uma possibilidade à samaritana, uma representante do que era e continua sendo considerado o pior da moral e do comportamento humano. Jesus demonstra à samaritana que a falta de valores e méritos não obstrui a graça de Deus para a salvação.
Em Cristo está a única possibilidade de salvação tanto para o melhor e o pior dos homens, por que ambos são provenientes da mesma semente, a semente corruptível de Adão “O melhor deles é como um espinho; o mais reto é pior do que a sebe de espinhos” ( Mq 7:4 ).
Perceba que a mensagem do evangelho é única, porém, a maneira de exposição pode variar conforme o público alvo.
Quando Jesus disse a Nicodemos que é preciso nascer de novo (da água e do Espírito), ele fez referência à Regeneração.
Da mesma forma, foi demonstrado à mulher samaritana que todos que beberem da água que é concedida por Cristo, será criado em seu interior uma fonte que jorra para a vida eterna, ou seja, aos pecadores, a única possibilidade de salvação é proveniente da nova vida (Regeneração) através da palavra (água) de Deus (Espírito).
A mensagem do evangelho deve ser apresentada como necessidade aos homens moralista, uma vez que as qualidades e os méritos do homem não o torna aceitável diante de Deus. Isto demonstra que os méritos e qualidades (boas ações) não podem ser contado como elementos para a salvação.
Por sua vez, aos amorais, ou imorais, deve-se apresentar a graça do evangelho como possibilidade, porque em Cristo a salvação é possível. Deus não leva em conta a condição do homem e da mulher tais como a falta de méritos e qualidades morais.
Da mesma forma, quando anunciou a verdade do evangelho à multidão, Jesus demonstrou que há somente dois caminhos. Por que Ele não apresentou a necessidade de salvação como foi anunciado a Nicodemos, e nem a possibilidade de salvação como fez à samaritana?
Porque na multidão há um misto de pecadores com diferentes níveis de moral e comportamento (na multidão há vários ‘Nicodemos’ e ‘samaritanas’). Como a mensagem de Jesus precisava alcançar todos os tipos de pecadores (morais e amorais), ele apresentou a salvação através da parábola das duas portas, ou seja, através da parábola Ele demonstrou qual a condição dos seus ouvintes (entraram pela porta larga e trilhavam um caminho de perdição), e que eles precisavam decidir por entrar pela porta estreita que dá acesso ao caminho que conduz a vida eterna.
O que se percebe através das teses de Walther é que ele tenta unir lei e graça, ou seja, deitar remendo de pano novo em roupas velhas. Para Walther ‘a pregação da lei se dirige a pecadores impassíveis no pecado; a do evangelho, a pecadores atemorizados’ Walther, C. F. W, Lei e Evangelho, Ed. Concórdia, 2ª edição, 1998, pág. 12.
Observe que a lei jamais convence o homem do pecado, pois este é o papel do Espírito de Deus “E, quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo” ( Jo 16:8 ).
O erro de tentar unir a lei e o evangelho decorre da ideia de que o diabo é que prende o homem a certas práticas pecaminosas.
“Enquanto um indivíduo vive tranquilamente em pecado, enquanto se recusa a abandonar determinado pecado, deve-se lhe pregar somente a lei, que o amaldiçoa e condena (…)Porquanto, enquanto o diabo mantiver você seu prisioneiro, por um único pecado que seja, o evangelho ainda não poderá agir sobre você; o que você precisa ouvir é a lei” Walther, C. F. W, Lei e Evangelho, Ed. Concórdia, 2ª edição, 1998, pág. 12.
Percebe-se que o professor Walther entendia que a ‘pregação da lei’ é que ‘torna’ o homem livre de pecado, e não a palavra de Cristo “Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado” ( Jo 15:3 ). Para Walther, as práticas e as condutas é o que torna o homem pecador. Ele deixou de considerar que o pecado decorre da natureza pecaminosa herdada de Adão, o que fez com que todos nascessem em pecado e destituídos da gloria de Deus.
A verdade do evangelho demonstra que é por causa de Adão que todos pecaram ( Rm 5:12 ). Os nascidos da carne (Adão) são carnais e sujeitos ao pecado, sem qualquer referência as práticas pecaminosas. Tanto Nicodemos quanto a mulher samaritana eram pecadores por serem descendentes de Adão, o que demonstra que as suas práticas não os tornava melhores ou piores diante de Deus.
Jesus anunciou a verdade do evangelho para que os homens recebam poder para serem feitos (criados) filhos de Deus ( Jo 1:12 -13). É preciso ao homem nascer da semente incorruptível, que é a palavra de Deus I Pe 1: 23. Desta forma o homem torna-se membro da família de Deus, da qual Cristo é o Pai de família (último Adão) “Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor. Se chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos seus domésticos?” ( Mt 10:25 ).
Se o homem torna-se pecador por ter nascido de Adão, através do novo nascimento, o homem é declarado justo e santo por intermédio de Cristo por ter sido criado de novo uma nova criatura, segundo Cristo, o último Adão ( 1Co 15:45 e 47).
Desta forma, verifica-se que o vinho novo, ou o símbolo da nova aliança (evangelho) somente é comportado por um odre novo (nova criatura). Não há como o odre novo (nova criatura) armazenar o vinho velho (antiga aliança), visto que, ambos não se conservam.
O evangelho de Cristo não aceita remendo, pois de outra maneira deixará de ser evangelho. A lei (roupa velha) também não aceita remendos de uma roupa nova, ou seja, a mensagem do evangelho não se une às obras da lei ( Lc 5:37 ).
Só é possível ao homem abandonar o pecado quando morre para ele. Não é questão de vontade ou de comportamento humano. Não há como o homem deixar de servir ao pecado por decisão própria, visto que, somente a morte pode trazer liberdade aos nascidos de Adão.
Existem vários homens que procuram na religião a liberdade do pecado. Aplicam-se as boas ações, as orações, as meditação, oferendas, sacrifícios, etc., por considerarem que não estão servindo ao pecado. Porém, somente a morte concede a tão almejada alforria do pecado.
Quando o homem aceita a mensagem do evangelho, ele toma sobre si a sua cruz e conforma-se com Cristo na sua morte ( Mt 10:38 ). É sepultado e ressurge um novo homem, onde a aliança de Deus é indissolúvel. Ambos se conservam: a nova criatura (odre novo) e a mensagem do evangelho (vinho novo).
É impossível à nova criatura testemunhar que é possível alcançar o favor de Deus por intermédio da lei. A vestimenta da nova criatura é providenciada por Deus, sem qualquer referência aos trapos de imundície proveniente das obras da lei. A nova criatura é o odre novo que professa somente o nome de Cristo, o vinho novo.
O que o crente professa acerca de Cristo é o mesmo que o ‘vinho novo’, ou seja, o crente anuncia a nova aliança de Deus aos homens que foi estabelecida em Cristo.
O vinho novo equivale a mensagem do evangelho, que Paulo demonstrou ser loucura par aos que perecem, mas para os que creem, poder de Deus. O vinho novo não coaduna com as obras da lei, visto que o vinho novo é escândalo para os que vivem segundo a lei “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” ( 1Co 1:23 ).
Quando o pecador ouve a verdadeira mensagem do evangelho e não se escandaliza como muitos se escandalizavam da doutrina de Cristo, é porque compreendeu que, para seguir a Cristo é preciso tomar a sua cruz e seguir após Cristo crucificando o velho homem.
É preciso perceber a distinção que há entre fardo e cruz. Fardo diz das ordenanças que os homens sobrecarregam os seus semelhantes, mas que não tem valor diante de Deus ( Mt 23:4 ). Já a cruz diz de maldição, e cada um deve tomar a sua própria cruz (maldição) e seguir após Cristo até o calvário “E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo” ( Lc 14:27 ).
Todos os homens nascem debaixo de maldição, e deve levá-la até o calvário para que ela (maldição) seja desfeita na morte, quando o homem é sepultado e ressurge um novo homem para a glória de Deus pai ( Cl 2:12 ).
A mensagem do evangelho é para que o homem se arrependa, ou seja, que abandone os seus conceitos de como ser salvo, abraçando a Cristo.
Não há na Bíblia qualquer referência a se depositar a carga dos seus pecados ao pé de Cristo. Geralmente ilustram o pecado como sendo um fardo que deve ser depositado aos pés da cruz. Porém, a mensagem do evangelho demonstra que, o que precisa ter um encontro com a cruz de Cristo é o homem gerado em Adão.
O arrependimento diz do fardo que o homem carrega, e que deve abandonar, pois o fardo de Cristo é leve “Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” ( Mt 11:30 ), uma vez que os mandamentos de Cristo não são penosos.
Porém, a velha natureza deve ira ao calvário, pois somente na morte é que o homem torna-se livre do pecado, para ser de outro quando ressurgir uma nova criatura ( Rm 7:1 ).
Quando os discípulos de João Batista quiseram saber por que os discípulos de Jesus não jejuavam, uma vez que todos os seguidores da lei jejuavam muitas vezes, Jesus respondeu: “Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão” ( Mt 9:15 ).
O jejum conforme as regras do judaísmo não era conforme a determinação de Deus, visto que, o profeta Isaías já havia lhes protestado acerca do verdadeiro jejum “Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao SENHOR?” ( Is 58:5 ).
Sem demonstrar o que é o verdadeiro Jejum, Jesus apresenta uma regra que todos conheciam: “Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura. Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam” ( Mt 9:16 -17).
Jesus demonstrou por parábolas, aos discípulos de João Batista, que não se aplica elementos da lei de Moisés ao evangelho. Primeiro, porque não é o jejum ou o comer e beber que torna o homem agradável a Deus, e sim, o ser uma nova criatura ( Gl 6:15 ).
Jesus demonstra que os seus discípulos são convidados das bodas, sendo incompatível a ideia de contristar-se na presença do noivo ( Mt 9:15 ). Como estar triste diante daquele que é a força do Senhor? ( Am 6:13 ).
Jesus é a alegria do Senhor, pois resgatou os seus da maldição da lei. Assim, os discípulos não precisavam jejuar aos moldes dos fariseus. Porém, quando Jesus fosse tirado (morto), os discípulos ficariam verdadeiramente contristados, ou seja, ficariam em jejum ‘naqueles dias’ ( Mt 9:15 ). Observe que os discípulos ficariam contristados, ou seja, jejuariam durante os dias em que o noivo fosse tirado.
Da mesma maneira que ninguém costura vestido velho com pano novo, pois o remendo com pano novo acaba comprometendo toda a estrutura da roupa, também não é possível adicionar elementos do evangelho à lei.
De igual modo, também não se coloca vinho novo em odres velhos, pois os odres velhos não aguentam o vinho novo e rompem, entornando o vinho. O velho homem não subsiste diante do vinho novo do evangelho! Ele deve ser extinto, porque somente o novo homem é capaz de conte-lo.
Verifica-se então, que a lei serviu somente de ‘aio’ para conduzir os homens a Cristo, a essência do evangelho. Através da lei o homem percebe que não pode salvar-se a si mesmo através das obras que ela exige.
Diante da impossibilidade da lei, o homem precisa confiar na promessa do evangelho, de que Deus já fez para o homem todas as obras necessárias à salvação ( Is 26:12 ).
De qual lei o professor Walther fez referência? À lei de Moisés? À lei cerimonial? À lei que estabelece regras e estipula maldições para quem não a cumprir? Que lei deve ser anunciada adiante do evangelho?
Ninguém em sã consciência tira um pedaço de uma roupa nova para ‘coser’ remendo em uma roupa velha. Isto porque é preciso romper a roupa nova para tirar-lhe um pedaço, e o remendo com um pedaço da nova não combina com a roupa velha.
Tanto a roupa velha quanto a roupa nova não servirão para cobrir a nudez caso se danifique uma roupa nova para consertar a roupa velha “Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar” ( Hb 8:13 ).
De igual modo, somente os odres novos comportam o vinho novo, e ambos se conservam.
Mas, quem experimentou o vinho velho jamais dirá que o vinho novo é melhor “E ninguém, tendo bebido o vinho velho, prefere o novo, pois diz: O velho é melhor” ( Lc 5:39 ).
A persuasão de que a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando “o evangelho é transformado em pregação de arrependimento” (15ª Tese), ou quando “o evangelho é pregado antes da lei” é perniciosa, visto que, somente pela pregação da fé (evangelho) é que se recebe o Espírito ( Gl 3:2 ).
Fica o protesto: “Esta persuasão não vem daquele que vos chamou. Um pouco de fermento leveda toda a massa” ( Gl 5:8 -9).