Os homens não tinham como ter acesso a Deus, de modo que Deus providenciou um mediador e sumo sacerdote, Jesus Cristo-homem.
Jesus Cristo-homem, o mediador entre Deus e os homens
Conteúdo do artigo
“Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim” (João 6:43 -45).
Introdução
Arthur W. Pink, no artigo ‘Obstáculos para Vir a Cristo’[1], segue as mesmas premissas de João Calvino, de que é impossível ao homem crer em Cristo se antes não receber uma graça especial.
Este artigo tem por objetivo esclarecer o papel do mediador, e esclarecer o ensinamento de Jesus que consta do evangelho de João, capítulo 6, versos 43 à 45.
O mediador
“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5)
Eliú foi a primeira pessoa na Bíblia que faz alusão a um mediador, e apresenta um protoevangelho.
Enquanto falava com Jó, Eliú demonstra que continuamente Deus procura falar ao homem (Jó 33:14), mas, como não atentam para o que Ele revela, definham a ponto de estarem no pó da morte.
“Se com ele, pois, houver um mensageiro, um intérprete, um entre milhares, para declarar ao homem a sua retidão” (Jó 33:23).
Mas, apesar da condição miserável do homem, se houvesse um mediador, ou seja, um mensageiro ou interprete, um escolhido entre milhares, que declarasse ao homem o que Deus exige (Jó 33:23), então Deus teria misericórdia e anunciaria a seguinte mensagem:
“Livra-o, para que não desça a cova; já achei resgate. Sua carne se reverdecerá mais do que era na mocidade, e tornará aos dias da sua juventude” (Jó 33:24).
A notícia de livramento da morte porque Deus já providenciou resgate, e de que Deus dará nova vida, fará com que o homem confie em Deus (orará, invocará), e Deus lhe será favorável, revelando a sua face, concedendo ao homem a justiça divina.
Após invocar ao Senhor, o homem se volta para os seus semelhantes, e confessará:
“Pequei, e perverti o direito, o que de nada me aproveitou. Porém Deus livrou a minha alma de ir para a cova, e a minha vida verá a luz. Eis que tudo isto é obra de Deus, duas e três vezes para com o homem, para desviar a sua alma da perdição, e o iluminar com a luz dos viventes” (Jó 33:27 -30).
Em poucas palavras Eliú apresentou a Jó a essência do evangelho: um mensageiro de Deus, que é mediador, declara ao homem o que Deus exige. O homem, por sua vez, ao ouvir de que há resgate para os pecadores, passa a confiar em Deus por intermédio da mensagem anunciado pelo mediador. Após invocar o Senhor, passa a anunciar a mensagem de salvação aos seus semelhantes.
Ora, Cristo é esse mediador! Cristo é o interprete, o mensageiro, que tornou conhecido aos homens um fato relevante: Deus providenciou o resgate! Qualquer que invoca-Lo, será salvo, e confessará Cristo aos demais homens, pois esse é o fruto de quem estiver ligado a Cristo (Hb 13:15; Jo 15:4).
Alienados de Deus
Por causa da ofensa de Adão, todos os seus descendentes passaram a condição de mortos para Deus e vivos para o pecado. A condição de todos os nascidos da semente corruptível de Adão é separado, destituído, alienado de Deus (Rm 3:23).
Ao abrir a madre, todos os descendentes de Adão acessaram uma porta larga e estão em um caminho largo que os conduz à perdição (Mt 7:13 -14). Sem a misericórdia de Deus em Cristo, toda a humanidade estava perdida, pois todos foram julgados e condenados à morte em Adão.
“Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” (Romanos 5:18)
Todos pecaram e destituídos foram da gloria de Deus, inclusive os judeus (Sl 53:3). Nem mesmo os judeus tinham entendimento que os permitisse buscar a Deus (Sl 53:2; Rm 10:2).
Mas, Deus na sua infinita misericórdia, enviou o seu Filho Unigênito ao mundo como mediador, para trazer o conhecimento que possibilita ao homem ter acesso a Deus.
“Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniquidades deles levará sobre si.” (Isaías 53:11).
Como era impossível ao homem ser agradável a Deus, Deus deu o seu Filho Unigênito para anunciar aos homens o que é justo. Por isso Jesus se apresenta aos homens como o caminho, a verdade e a vida, pois ninguém pode ir a Deus senão por Cristo Jesus.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” (João 14:6).
Para haver um caminho que desse acesso a Deus, se fez necessário o Cristo obedecer a Deus em tudo, contrapondo o primeiro Adão, que desobedeceu. Para estabelecer a justiça de Deus era necessário uma substituição de ato, obediência em lugar da desobediência, e por isso Jesus foi obediente ao Pai em tudo, até a morte e morte de cruz (Rm 5:19).
Só é possível ao homem se achegar a Deus entrando por Cristo, a porta estreita. Entrar por Cristo é o mesmo que nascer de novo, pois após o novo nascimento, o homem estará em um caminho estreito que o conduzirá a Deus: Jesus.
Todos os homens com ousadia podem entrar no santuário, pela doutrina de Jesus, pois Cristo é o novo e vivo caminho de acesso a Deus, consagrado pela sua carne!
“Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne. E tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa” (Hb 10:19 -22).
Jesus Cristo-homem
Os homens não tinham como ter acesso a Deus, de modo que Deus providenciou um mediador e sumo sacerdote, Jesus Cristo-homem, o Ungido (escolhido) do Senhor escolhido entre milhares, encarregado de anunciar aos homens que Deus providenciou um resgate.
Em tudo o Verbo eterno encarnado tornou-se semelhante aos homens, pois só assim poderia ser misericordioso para com os pecadores e fiel sumo sacerdote para administrar aos homens o conhecimento de Deus.
“Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo” (Hb 2:17).
Como fiel sumo sacerdote, Jesus anunciou aos homens especificamente o que o Pai lhe ensinou:
“Disse-lhes, pois, Jesus: Quando levantardes o Filho do homem, então conhecereis quem eu sou, e que nada faço por mim mesmo; mas falo como meu Pai me ensinou” (João 8:28);
“Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar. E sei que o seu mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai mo tem dito” (João 12:49 -50).
Como o homem não podia aproximar-se de Deus pela falta de entendimento, e Deus não podia aproximar-se do homem por causa da barreira de separação, o pecado, Deus providenciou resgate antes mesmo da fundação do mundo: Cristo, o cordeiro de Deus morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13:8). A própria vítima do sacrifício também e o mensageiro de Deus ungido para anunciar as boas novas aos homens (Isaías 61:1; Is 11:2 -4; Is 42:1 e 7).
O escritor aos Hebreus apresenta a vinda de Cristo como mensageiro nestes termos:
“HAVENDO Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hb 1:1).
E por isso Ele contou a parábola dos lavradores maus:
“E começou a dizer ao povo esta parábola: Certo homem plantou uma vinha, e arrendou-a a uns lavradores, e partiu para fora da terra por muito tempo; E no tempo próprio mandou um servo aos lavradores, para que lhe dessem dos frutos da vinha; mas os lavradores, espancando-o, mandaram-no vazio. E tornou ainda a mandar outro servo; mas eles, espancando também a este, e afrontando-o, mandaram-no vazio. E tornou ainda a mandar um terceiro; mas eles, ferindo também a este, o expulsaram. E disse o senhor da vinha: Que farei? Mandarei o meu filho amado; talvez, vendo-o, seja respeitado. Mas, vendo-o os lavradores, arrazoaram entre si, dizendo: Este é o herdeiro; vinde, matemo-lo, para que a herança seja nossa” (Lucas 20:9 -14).
O único método de Deus atrair o homem esta em sua palavra anunciada por intermédio dos seus santos profetas, e nesses últimos dias, enviou o Seu Filho.
Mas, considerando a doutrina calvinista, como é possível Deus providenciar um mediador inacessível aos homens? É um contrassenso a ideia de que Deus solucionou o problema do pecado enviando ao mundo um mediador a qual os homens não têm acesso.
A Bíblia demonstra que é impossível ao homem ter acesso a Deus, se não por Cristo, e não que é impossível ao homem achegar-se a Cristo. Jesus Cristo-homem é a destra de Deus estendida à humanidade, e por Cristo qualquer homem tem acesso a Deus.
É equivocada a asserção de Arthur W. Pink de que “O homem natural é incapaz de ‘vir a Cristo’”. A única impossibilidade do homem natural está em ir a Deus à parte de Cristo, pois Cristo é o único caminho de acesso a Deus.
“E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4:12).
Não há nenhuma barreira ou obstáculo entre os homens perdidos e Cristo, pois Ele mesmo veio em carne e sangue, em tudo semelhante aos homens, para buscar o que se havia perdido (Lc 19:10).
Quem pode ir a Cristo?
O primeiro equívoco de João Calvino é considerar que Deus não se limitou em acusar a humanidade de impiedade, antes que crer no evangelho anunciado é um dom peculiar de Deus[2].
Com exceção dos dons ministeriais, o dom de Deus concedido aos homens é Cristo, e não a faculdade de o homem crer no evangelho. O equívoco de se entender que crer é um dom de Deus se dá pela má leitura do verso 8 de Efésios 2:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8).
O apóstolo Paulo no verso em questão faz uso de uma metonímia, quando substitui o autor pela sua obra. Como Jesus é o autor e consumador da ‘fé’, em vez de escrever que o crente é salvo por meio de Cristo, ou do evangelho, o apóstolo Paulo utiliza o termo ‘fé’. Os homens são salvos pela graça de Deus, por meio do evangelho, a fé que foi dada aos santos, manifesta aos homens (Ef 1:13; Rm 1:16 -17; Jd 1:3; Gl 3:23).
A ‘fé’ por meio pela qual o homem é salvo diz do evangelho. Como o evangelho é a verdade, e o substantivo grego πίστις (pistis) traduzido por ‘fé’ significa fiel, fidelidade, lealdade, verdade, etc., em vez do apóstolo dizer que o homem é salvo por meio do evangelho, escreveu que o homem é salvo pela fé.
O que não vem do homem, e é dom de Deus? Cristo! A verdade do evangelho não vem de homem algum, a não ser de Deus. Os calvinistas no afã de dar sustentabilidade na sua doutrina, ignoram a essência do texto bíblico.
Cristo é a fé, o dom de Deus, por meio do qual os homens são salvos!
“Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (João 4:10)
O apostolo Paulo no capítulo 2 da carta aos Efésios em momento algum faz alusão a crença do homem, como faz equivocadamente João Calvino:
“Cristo declara que a doutrina do Evangelho, embora seja pregada a todos sem exceção, não pode ser abraçada por todos, pois uma nova compreensão e uma nova percepção são necessárias; e, por conseguinte, a fé não depende da vontade dos homens, porque é Deus quem a dá” João Calvino < http://www.onortao.com.br/noticias/para-ir-a-jesus-e-necessario-ser-atraido-a-ele-por-deus-pai,83684.php > Consulta em 20/12/2017.
A fé que não depende da vontade dos homens, e que foi concedida por Deus diz de Cristo, o firme fundamento, pela qual o homem torna agradável a Deus.
“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar. De maneira que a lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, para que pela fé fôssemos justificados. Mas, depois que veio a fé, já não estamos debaixo de aio” (Efésios 3:23 -25).
Ao interpretar o verso 43, do capítulo 6, do evangelho de João, que diz: “Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:43), especificamente com relação a ‘ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer, tem por objetivo contrapor aos judeus murmuravam entre eles pelo fato de Jesus ter dito ‘Eu sou o pão que desceu dos céus’.
“Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que desceu do céu. E diziam: Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz ele: Desci do céu?” (João 6:41 -42).
Embora tivessem ouvido a mensagem de Jesus, não creram por não considerarem o anunciado pelos profetas nas Escrituras, e sim, consideraram o fato de saberem quem eram os pais de Jesus. Ao não crer na doutrina de Cristo, aqueles judeus também não creram no testemunho que Deus deu acerca do seu Filho nas Escrituras.
Absolutamente Jesus não estava afirmando que o homem natural estava impossibilitado de crer em Cristo, ou que necessita de uma graça especial, ou que houvesse uma barreira entre Ele e os pecadores que veio resgatar, etc.
Ao dizer: ‘Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer’, Jesus tinha em vista o que foi predito pelo profeta Isaías:
“E todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR; e a paz de teus filhos será abundante” (Isaías 54:13).
“Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim” (João 6:45).
O que os judeus ouviram de Deus? O que está estabelecido nas Escrituras. Ora, se eles houvessem realmente ouvido as Escrituras e aprendido, iriam a Cristo. Ora, os judeus cuidavam que a vida eterna estava nas Escrituras, mas as Escrituras testificavam acerca de Cristo.
“Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” (João 5:39).
A base de tudo o que Jesus disse é o predito pelo profeta Isaías: ‘E todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR’, daí Ele faz a conclusão: ‘Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim’. Se quem ouviu e aprendeu do Pai são aqueles que vão até Cristo, conclui-se que estes são aqueles que o Pai trouxe a Cristo.
Por que aqueles judeus não foram conduzidos por Deus a Cristo? Porque após eles ouvirem o que Jesus anunciou: ‘Eu sou o pão que desceu do céu’, não examinaram as Escrituras para verificar se a doutrina de Jesus era de Deus.
“Jesus lhes respondeu, e disse: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo” (Jo 7:16 -17).
Em vez disto, questionavam uns aos outros, murmurando entre si, o motivo de Jesus ter dito que era o pão vivo que desceu dos céus, sendo que Ele era o filho de Maria e de José que conheciam (João 7:27). Tropeçaram por confiarem no testemunho do amigo, que Deus avisou para não confiarem, e não examinaram as Escrituras.
“Não creiais no amigo, nem confieis no vosso guia; daquela que repousa no teu seio, guarda as portas da tua boca. Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, os inimigos do homem são os da sua própria casa” (Miqueias 7:5 -6; Mateus 10:34 -36).
Por causa de Jesus havia uma grande celeuma entre os filhos de Israel, pois alguns achavam que Ele era de Deus, e outros não:
“E havia grande murmuração entre a multidão a respeito dele. Diziam alguns: Ele é bom. E outros diziam: Não, antes engana o povo. Todavia ninguém falava dele abertamente, por medo dos judeus” (João 7:12 -13);
“Então muitos da multidão, ouvindo esta palavra, diziam: Verdadeiramente este é o Profeta. Outros diziam: Este é o Cristo; mas diziam outros: Vem, pois, o Cristo da Galileia? Não diz a Escritura que o Cristo vem da descendência de Davi, e de Belém, da aldeia de onde era Davi? Assim entre o povo havia dissensão por causa dele” (João 7:40 -43)
Os judeus não iam a Cristo por não conhecerem as Escrituras, pois os judeus estavam como que vedados por ouvirem a palavra de Deus de mal grado, e assim rejeitaram o Cristo que trouxe o conhecimento de Deus que justifica a muitos “E Jesus, respondendo, disse-lhes: Porventura não errais vós em razão de não saberdes as Escrituras nem o poder de Deus?” (Marcos 12:24).
Alguns dos discípulos ao ouvirem o discurso de Jesus acabaram murmurando que o discurso de Jesus era duro, e muitos dos seus seguidores se retiraram (Jo 6:60). Se a doutrina de Jesus escandalizava, que diriam se vissem Jesus subindo de onde desceu? Mas, explicando o fato de ter dito que a sua carne era verdadeiramente comida, e o seu sangue verdadeiramente bebida, o que escandalizou muitos dos seus seguidores (Jo 6:55 -57), Jesus enfatiza que são as suas palavras que concedem vida, e não o seu corpo mortal constituído de carne (Jo 6:63).
Bastava os seus ouvintes ouvirem e crerem nas palavras de Cristo para serem participantes da sua carne e sangue, mas como havia aqueles que não creram, em função desta questão em particular foi que Ele disse que ninguém pode ir a Ele, se o Pai não conceder.
“Mas há alguns de vós que não creem. Porque bem sabia Jesus, desde o princípio, quem eram os que não criam, e quem era o que o havia de entregar. E dizia: Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6:64 -65).
O motivo pelo qual Jesus disse que ninguém vai a Ele, se pelo Pai não for concedido é específico: havia alguns dos seus discípulos que não criam! Inventar outros motivos é heresia!
Jesus disse o que disse por um único motivo: alguns não creram, já João Calvino afirma que as pessoas que vão a Cristo refere-se àqueles, ‘cujos corações ele inclina e transforma para a obediência a Cristo’.
“’Se o Pai não o trouxer’. ‘Vir a Cristo’, que está sendo usado aqui metaforicamente como ‘crer’ – o Evangelista diz que as pessoas que são atraídas são aquelas cujos entendimentos Deus ilumina, e cujos corações ele inclina e transforma para a obediência a Cristo. A declaração equivale a isto: que não devemos perguntar se muitos se recusam a abraçar o Evangelho; porque nenhum homem, de si mesmo, jamais será capaz de vir a Cristo, mas Deus deve primeiro abordá-lo pelo seu Espírito; e, portanto, segue-se que nem todos são inclinados, a menos que Deus conceda esta graça àqueles a quem ele elegeu” João Calvino.
Ao explicar Isaías 54, verso 13, Calvino infere que a forma de ensino de Deus não consiste ‘simplesmente’ no alerta dos profetas, como se a mensagem de Deus anunciada fosse algo ‘simples’, ‘comum’. Ora, a palavra de Deus é comparável ao fogo e a um martelo, que esmiúça a penha, portanto, a palavra não consiste simplesmente em uma voz exterior “Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o SENHOR, e como um martelo que esmiúça a pedra?” (Jeremias 23:29).
A palavra de Deus é tão efetiva, que o apóstolo Paulo ensina que a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus. Sem a palavra de Deus anunciada por Cristo não há como o Consolador desempenhar o seu papel: convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16:8).
“A forma de ensino, da qual o profeta fala, não consiste simplesmente na voz exterior, mas igualmente na operação secreta do Espírito Santo. Em suma, este ensinamento de Deus é a iluminação interior do coração” João Calvino.
A palavra de Deus é sobremodo eficaz, e faz o que lhe apraz:
“Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura. Inclinai os vossos ouvidos, e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, dando-vos as firmes beneficências de Davi” (Is 55:2 -3).
Causa estranheza Calvino aplicar Isaías 54, verso 13 à Igreja de Cristo, sendo que esta palavra foi dita aos judeus. Como considerar o contexto de Isaías 54 como se referindo a Igreja, se o texto faz alusão a alguém que foi abandonado por Deus? A Igreja de Cristo em algum momento será abandonado por Deus? A Igreja foi desposada com Deus, ou a Igreja é noiva de Cristo?
“Por um breve momento te deixei, mas com grandes misericórdias te recolherei; Com um pouco de ira escondi a minha face de ti por um momento; mas com benignidade eterna me compadecerei de ti, diz o SENHOR, o teu Redentor. Porque isto será para mim como as águas de Noé; pois jurei que as águas de Noé não passariam mais sobre a terra; assim jurei que não me irarei mais contra ti, nem te repreenderei. Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão abalados; porém a minha benignidade não se apartará de ti, e a aliança da minha paz não mudará, diz o SENHOR que se compadece de ti. Tu, oprimida, arrojada com a tormenta e desconsolada, eis que eu assentarei as tuas pedras com todo o ornamento, e te fundarei sobre as safiras. E farei os teus vitrais de rubis, e as tuas portas de carbúnculos, e todos os teus termos de pedras aprazíveis. E todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR; e a paz de teus filhos será abundante” (Isaías 54:7 -13).
Ora, a Igreja é edificada com pedras vivas (1Pe 2:5), e a profecia de Isaías diz de uma cidade edificada com pedras preciosas, e de um povo que foi deixado, e que Deus escondeu o seu rosto (Is 54:8; Dt 32:17). Claramente Deus fala de Israel, e Calvino aplica o texto à Igreja. Comparando Deuteronômio 32 e Isaías 54, verifica-se que que o povo da qual Deus escondeu o seu rosto trata-se de Israel, e não da Igreja.
“’E serão todos ensinados por Deus’. A palavra todos deve ser limitada aos eleitos, os únicos que são os verdadeiros filhos da Igreja. Agora, não é difícil ver de que maneira Cristo aplica esta predição ao presente assunto. Isaías mostra então que a Igreja é somente verdadeiramente edificada, quando ela tem seus filhos ensinados por Deus em Cristo, portanto, conclui que os homens não têm olhos para contemplar a luz da vida, até que Deus lhos abra” João Calvino.
Longe de qualquer cristão afirmar que há poder no livre-arbítrio para salvação, pois o poder para salvação está no evangelho (Rm 1:16-17). As colocações de Calvino são dúbias, pois não é possível saber o que ele entende por ‘fé’. Observe:
“Estas duas cláusulas absolutamente derrubam todo o poder do livre-arbítrio para a salvação, porque se é apenas quando o Pai nos atraiu que começamos a vir a Cristo, não há em nós qualquer início de fé, ou qualquer preparação para isso. Por outro lado, se todo o que vem é porque o Pai lhe ensinou, Ele dá a eles não somente a escolha de crer, mas a própria fé. Quando, portanto, voluntariamente nos rendemos à orientação do Espírito, isto é uma parte, e, por assim dizer, um selo da graça; porque Deus não iria nos chamar, se Ele fosse apenas estender a sua mão, e deixar a nossa vontade, em um estado de suspense. Mas em estrita propriedade de linguagem Ele diz que nos atrai, quando Ele estende o poder do seu Espírito para o efeito pleno da fé” João Calvino (grifo nosso).
Na Bíblia há nítida diferença entre ‘fé’ e ‘crer’, pois este é tradução do verbo πιστός (pistos) e aquele tradução de πίστις (pistis). ‘Pistis’ diz de crença, doutrina, fidelidade, verdade, etc., com um significado secundário como ‘convicção’, ‘acreditar’, etc., com respeito a Deus e à Sua Palavra. ‘Pistos’ significa no sentido ativo, ‘acreditar’, ‘confiar’, e no sentido passivo, “leal, fiel, confiável”.
Hora, Deus dá não somente a escolha de o homem crer na sua palavra, o que denominamos livre-arbítrio, mas também a fé no sentido de crença, doutrina. Primeiro é necessário a palavra da fé, ou a pregação da fé, ou pregação do evangelho (Gálatas 3:2 e 5), pois sem essa ‘fé’ que vem pelo ouvir, é impossível ao homem crer, pois como invocar aquele em quem não crê, e como crerão se não ouviram, e como ouvirão se não há quem pregue, e como pregarão se não forem enviados?
“Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: SENHOR, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Romanos 10:14 -17).
Segundo Calvino, Deus não iria chamar o homem, se tão somente ele apenas estendesse a mão e deixasse o homem responder, mas o apóstolo Paulo deixa claro que é impossível crer naquele de que não ouviram, demonstrando efetivamente que não é bíblica a ideia primeiro o homem precisa ser abordado pelo Seu Espírito através de um poderoso impulso.
“É verdade que, de fato, quanto ao tipo de inclinação, esta não é violenta, de modo a obrigar os homens por força externa; mas ainda é um poderoso impulso do Espírito Santo” João Calvino.
Pink repete a essência das palavras de João Calvino:
“Devido à queda de Adão, e por causa do nosso próprio pecado, a nossa natureza se tornou tão corrompida e depravada que é impossível para qualquer homem “vir a Cristo”, amá-lO e serví-lO, estimá-lO mais que tudo neste mundo e submeter-se a Ele, até que o Espírito de Deus o regenere e implante nele uma nova natureza” Arthur W. Pink.
Se João Calvino e Arthur W. Pink estivessem corretos, os termos apresentados pelo apóstolo Paulo deveriam ter outra redação que não essa:
“Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?”
Em lugar de diz: ‘e como crerão naquele de quem não ouviram’, teríamos que ter: “e como crerão ‘até que o Espírito de Deus o regenere e implante nele uma nova natureza’”?
Como o homem crerá? Basta ouvir acerca d’Aquele que Deus enviou, pois não há nenhuma barreira entre Cristo e os pecadores, o mediador entre Deus e os homens!
Ora, os homens sem Deus procuram por salvação, e essa é a pergunta que fazem:
“E, tirando-os para fora, disse: Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” (Atos 16:30).
A resposta do apóstolo Paulo e Silas, segundo calvinismo, para o carcereiro, deveria ser:
“Nós afirmamos que nenhum homem deseja vir a Cristo por sua própria vontade; não, não somos nós que o dizemos, mas Cristo mesmo declara: “Contudo não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo. 5:40); e enquanto esse “não quereis vir” estiver registrado nas Escrituras nós não podemos ser levados a crer em nenhuma doutrina do livre arbítrio” Arthur W. Pink.
Ao perguntar o que fazer para ser salvo, o carcereiro queria um caminho de acesso a Deus, momento em que o apóstolo Paulo e Silas recomendou: crê no Senhor Jesus e serás salvo.
“E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa. E lhe pregavam a palavra do Senhor, e a todos os que estavam em sua casa” (Atos 16:31 -32).
Um calvinista diria ao carcereiro: – ‘Você deve esperar o Espírito Santo te regenerar e dar uma nova natureza, pois só assim você poderá ir a Cristo’; – ‘Você não pode expressar a sua vontade, pois nem mesmo você tem livre-arbítrio, se não for regenerado’.
O apóstolo Paulo passou a pregar a palavra do Senhor porque a ‘fé’ vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.
[1] < http://www.monergismo.com/textos/depravacao_total/obstaculos_pink.htm > Consulta realizada em 20/12/2017.
[2] “Ele não se limita a acusá-los de impiedade, mas também lembra-lhes, que é um dom peculiar de Deus abraçar a doutrina que é exibida por ele (…)Cristo declara que a doutrina do Evangelho, embora seja pregada a todos sem exceção, não pode ser abraçada por todos, pois uma nova compreensão e uma nova percepção são necessárias; e, por conseguinte, a fé não depende da vontade dos homens, porque é Deus quem a dá.” João Calvino.
Crispim, nobre oficial.
Vc está equivocado quanto ao calvinismo.
Se desejar poderemos conversar a respeito.
De Aguiar
Asp 96
Olá, amado..
estou sempre aberto a um bom diálogo.
Att.