Polêmicos

O arrependimento de Deus

Se o homem é fiel em obedecer a Deus, Deus será misericordioso, e se o homem for infiel em obedecer, Deus retribuirá em rosto. A base do arrependimento de Deus está na sua palavra imutável, e não na sua misericórdia.


O arrependimento de Deus

“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” (Números 23:19).

 

Introdução

Amados, sou abordado por vários cristãos que questionam qual a melhor tradução bíblica para estudar as Escrituras, qual faculdade teológica é a melhor, qual livro de teologia recomendo, se estudar o hebraico e o grego melhora a leitura da Bíblia, consequentemente, facilita a compreensão, etc.

Geralmente as pessoas não gostam da resposta. Percebo certo desapontamento quando digo para escolherem uma Bíblia sem notas de rodapé, ou que não comprem Bíblias de Estudos com notas de rodapé, notas marginais, enciclopédias, etc. Quando digo que não é necessário estudar o hebraico ou o grego para ler as Escrituras, ou que uma faculdade não trará o conhecimento necessário para conhecer as Escrituras, percebo que o apelo para ter um diploma ou uma certificação parece falar mais alto.

Amados! Erudição não é garantia de uma boa leitura bíblica quando se trata do conhecimento de Deus, e por isso, aos neófitos recomendo somente a leitura diária das Escrituras, comparando as passagens do Novo Testamento com os Salmos, Provérbios, Profetas e a Lei.

Para ilustrar o que digo acima, analisaremos um artigo acadêmico sobre o arrependimento de Deus com foco na análise semântica do termo hebraico [1]נָחַם.

 

O termo hebraico נָחַם

William Lacy Lane, pastor da Igreja Presbiteriana de Castro e mestre em Teologia no Antigo Testamento pelo Calvin Theological Seminary, no artigo ‘O arrependimento de Deus – Uma análise semântica de נָחַם’, na introdução[2] do artigo, ele afirma que há várias passagens bíblicas no Antigo Testamento que registram que Deus se arrependeu, e a explicação para tal expressão é que se trata de uma figura de linguagem para fazer referência a uma ação divina através da linguagem humana, e que, portanto, se trata de um antropomorfismo.

O Pr. Lane afirma que classificar as expressões acerca do arrependimento de Deus como uma figura de linguagem nada diz acerca do arrependimento de Deus, e por isso ele se propôs analisar semanticamente a expressão no qual Deus é sujeito do verbo נָחַם, e ele identificou ao menos seis sentidos da expressão.

A análise do termo pelo Pr. Lane é muito boa, porém, na conclusão[3] do artigo, afirma que o termo נָחַם é traduzido de diversas maneiras nas versões bíblicas por causa de seus vários significados, e que, se o termo for pensado na acepção ‘mudança de mente’, o que resta é entender a expressão como antropomorfismo, ou seja, uma figura de linguagem. Por fim, Lane afirma que Deus se arrepende porque Ele é misericordioso e compassivo, o que nada explica.

Ao dizer que Deus se arrepende porque é misericordioso e compassivo, Lane coloca em xeque a imutabilidade e a justiça de Deus, conforme expresso no versículo:

“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” (Números 23:19).

Observe que o título de pastor ou de mestre, ou ter dezenas de dicionários e livros de teologia não resolvem a problemática da aparente contradição que surge de textos bíblicos que afirmam que Deus não se arrepende e outros que afirmam que Deus se arrependeu.

O Pr. Lane faz algumas perguntas pertinentes e apresenta premissas interessantes no seu artigo, como quando afirma que explicar o uso da linguagem não dá significado ao termo em análise, ou quando demonstra que é necessário se socorrer da semântica ao verificar as várias ocorrências do termo considerando os seus contextos[4], e mesmo assim, ao final do artigo ele não apresenta uma conclusão satisfatória.

Mas, como resolver a questão?

 

Prosseguir em conhecer

Antes de se lançar em um estudo de temas complexos, primeiro é necessário compreender a natureza do Deus das Escrituras, levando-se em conta o que foi dito por Jó:

“Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido. Quem é este, que sem conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia. Escuta-me, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. Por isso me abomino e me arrependo no pó e na cinza.” (Jó 42:2-6).

Compreender a natureza de Deus não decorre de conjecturas e suposições, pois o conhecimento de Deus se dá por revelação, e a revelação está nas Escrituras.

Para entender textos que narram algumas ações de Deus que escapam a nossa compreensão, primeiro é imprescindível entender a natureza de Deus e as suas implicações.

O melhor é começar com textos bíblicos que abordam as ações de Deus, mas que não seja de difícil interpretação ou polêmicos. Não recomendo começar o estudo com a passagem bíblica de Gênesis 6, verso 6, que diz que Deus se arrependeu de criar o homem. Recomendo iniciar com textos não envolto em polêmicas, como é o caso de Nínive.

“E orou ao SENHOR, e disse: Ah! SENHOR! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânime e grande em benignidade, e que te arrependes do mal.” (Jonas 4:2).

 

Atributos de Deus

Quando a Bíblia fala que Deus é imutável certamente aborda a sua natureza e atributos. Deus existe por toda eternidade, portanto, é autoexistente e autossuficiente.

“Porque eu, o Senhor, não mudo.” (Malaquias 3:6).

Deus é onipotente, onipresente e onisciente! Ele detém todo poder, ou seja, o seu poder não tem decréscimo mesmo após operar uma obra como a criação do universo, e o seu poder não aumenta se nada fizer. Ele está presente em tudo e todos, de modo que nada escapa ao seu conhecimento, quer sejam eventos do passado, do presente e do futuro. Deus não pensa aos moldes das suas criaturas, de modo que tenha que raciocinar, intuir e concluir, pois tudo é patente aos seus olhos.

“E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar.” (Hebreus 4:13).

Tiago descreve o Criador com as seguintes palavras:

“O Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação”. (Tiago 1:17).

Os atributos da divindade são exclusivamente de Deus, e nenhuma criatura compartilha desses atributos:

  1. Asseidade – Deus é autoexistente e é a fonte de toda vida (Salmo 90:1-2);
  2. Eterno – Deus não foi criado e sempre existiu e existirá (Gênesis 21:33);
  3. Uno – embora se revele em 3 pessoas, essencialmente Ele é único (Efésios 4:6);
  4. Imutável – o Ser de Deus são inalteráveis (Tiago 1:17);
  5. Infinitude – Deus não tem qualquer tipo de limitação em Sua natureza (Atos 17:24-28)
  6. Onipresente – Deus está em qualquer lugar, sem nenhuma limitação de ação ou poder (Salmos 139);
  7. Onipotente – Deus possui todo poder, portanto, não há quem lhe seja igual o rivalize (Apocalipse 1:8);
  8. Onisciente – esse atributo de Deus nos diz que Ele possui todo o conhecimento de maneira plena (Salmo 147:4);
  9. Soberano – nada foge ao Seu controle, ou lhe causa surpresa (Filipenses 2:12-13).

Semelhantemente o que Deus se propõe fazer é imutável. Na Bíblia os intentos de Deus são denominados propósito, e o que Ele realiza é segundo o conselho da Sua vontade.

“Muitos propósitos há no coração do homem, mas o conselho de Deus permanecerá.” (Provérbios 19:21);

“Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;” (Efésios 1:11).

O propósito eterno de Deus na criação de todas as coisas é a preeminência de Cristo em tudo.

Além dos atributos incomunicáveis, há os atributos comunicáveis:

  1. Amor – por definição Deus é amor, luz, justo (1 João 4:8);
  2. Bom – Deus é Senhor de todas as coisas e, apesar da sua soberania, a ninguém oprime (Jó 37:26; Salmo 86:5; Salmo 130:4);
  3. Misericordioso – é um dos atributos de Deus que se manifesta com relação aos que se sujeitam a Ele (Êxodo 20:6; Efésios 2:4-5);
  4. Justo – Deus é completa e perfeitamente justo, portanto, nenhuma de suas decisões são injustas (Salmo 11:7);
  5. Santo – Deus jamais conheceu a impureza ou corrupção e não é tentado pelo mal (Apocalipse 4:8; Tiago 1:13);
  6. Verdadeiro – Deus é verdadeiro enquanto real, bom, distinto, e verdadeira é a sua palavra: firme, confiável, imutável e infalível (Romanos 3:4: João 17:3).

Geralmente os teólogos classificam como comunicáveis os atributos de Deus que Ele compartilha com o ser humano, porém, entendo os atributos como sendo comunicáveis os atributos que Deus se relaciona com as suas criaturas.

O homem ama do ponto de vista sentimental e preferencialista, diferentemente de Deus que o seu amor se traduz em cuidado para com todas as suas criaturas, sem qualquer nuance de cunho sentimental ou afeição. Isso significa que Deus ama e ao mesmo tempo é justo e faz justiça.

 

Grandeza e misericórdia

Quando Jonas ouviu a palavra do Senhor para ir à cidade de Nínive para pregar contra ela, se levantou para fugir e pegou um navio para Társis. Ele não queria cumprir a missão que Deus lhe incumbiu, e resolveu se distanciar de Nínive.

Durante a viagem para Társis, Jonas dormiu profundamente no porão do navio, quando sobreveio grande tempestade e o navio estava prestes a naufragar.

Interpelado pelos ocupantes do navio, Jonas declarou que era hebreu, e que servia ao Senhor, o Deus criador do céu e que fez o mar e a terra.

“E ele lhes disse: Eu sou hebreu, e temo ao SENHOR, o Deus do céu, que fez o mar e a terra seca.” (Jonas 1:9).

Essa descrição que Jonas faz tem relação com os atributos incomunicáveis de Deus, pois só Ele é criador e detém todo poder criativo. A descrição de Jonas remete a algo imutável, perene e eterno.

Jonas foi lançado ao mar e engolido por um grande peixe, e nas entranhas do animal, ele tinha consciência de que foi desobediente e que estava completamente perdido. Esse é o tratamento dispensado por Deus àqueles que são desobedientes à sua palavra: são lançados da sua presença, ou seja, não alcançam o Seu favor.

“E disse: Ó SENHOR Deus de Israel, não há Deus como tu, em cima nos céus nem em baixo na terra; que guardas a aliança e a beneficência a teus servos que andam com todo o seu coração diante de ti.” (1 Reis 8:23).

Como Jonas desobedeceu não andava mais com o coração diante de Deus, consequentemente, não estava ao abrigo da aliança feita com os pais e sem a beneficência de Deus.

Mas, como ainda não havia morrido, Jonas teve esperança e fez menção do templo do Senhor. Por que? Porque ao inaugurar o templo, Salomão o consagrou e rogou a Deus nos seguintes termos:

“Toda a oração, toda a súplica, que qualquer homem de todo o teu povo Israel fizer, conhecendo cada um a chaga do seu coração, e estendendo as suas mãos para esta casa, ouve tu então nos céus, assento da tua habitação, e perdoa, e age, e dá a cada um conforme a todos os seus caminhos, e segundo vires o seu coração, porque só tu conheces o coração de todos os filhos dos homens. Para que te temam todos os dias que viverem na terra que deste a nossos pais.” (1 Reis 8:38-40).

Jonas conhecia o seu erro (chaga no coração), pertencia ao povo de Israel (qualquer homem), e por isso fez uma oração fazendo menção do templo, já que não tinha como estender as suas mãos em direção ao templo, porque sabia que Deus o ouviria dos céus e lhe seria favorável, perdoando-o.

Ora, mas Deus não é imutável? Como Ele pode tratar Jonas de uma maneira enquanto fugia, e de outra, quando Jonas se arrepende? Aqui está o segredo!

“Com o puro te mostrarás puro; e com o perverso te mostrarás indomável.” (Salmos 18:26).

Deus tem um único modo de agir com o puro e um único modo de agir com o perverso, e nesse quesito está a base da sua justiça imutável. A mudança ocorre no homem, que se mostra puro ou perverso, mas Deus continua o mesmo, pois dispensa um tratamento específico para o puro e outro tratamento para o perverso.

Ao dar ordem a Jonas, Deus evidenciou um aspecto da sua justiça: com o perverso seria indomável, e por isso mesmo a palavra do Senhor veio no seguinte tom: – ‘Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.’ (Jonas 3:4).

Com os perversos ninivitas não haveria acordo, pois Deus se evidenciaria a eles indomável ao evidenciar a Sua ira. Com o perverso não há perdão, não há desculpa, e isso é algo imutável!

Mas, diante da mensagem de Deus, o povo de Nínive creu em Deus através da palavra do seu profeta e proclamaram um jejum, do mais nobre ao mais vil. Inclusive o rei de Nínive, diante da palavra do profeta, se desfez das suas vestes reais e se cobriu de saco (Jonas 3:5-7).

“E fez uma proclamação que se divulgou em Nínive, pelo decreto do rei e dos seus grandes, dizendo: Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem se lhes dê alimentos, nem bebam água; Mas os homens e os animais sejam cobertos de sacos, e clamem fortemente a Deus, e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos. Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?” (Jonas 3:7-9).

Deus indomável com o perverso, ao ver a conversão dos ninivitas diante da sua palavra, mudou o seu intento que era para mal: a destruição dos habitantes da cidade, e preservou a cidade. Em outros termos: Deus se arrependeu!

“E Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez.” (Jonas 3:10).

Quando Deus falou a Abraão que a sua descendência seria numerosa como as estrelas do céu, Abraão creu em Deus e isto lhe foi imputado como justiça. Ao ouvirem a palavra de Deus acerca da destruição de Nínive, os ninivitas creram em Deus, e igualmente a Abraão isto lhes foi imputado por justiça.

“E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor.” (Jonas 3:5);

Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão.” (Gálatas 3:6-9).

Deus não faz acepção de pessoas, e o mesmo tratamento dispensado a Abraão foi dispensado aos habitantes de Nínive. Deus trata os homens com justiça e equidade, portanto, aos puros Deus se mostra puro, e aos perversos, indomável.

Este é o princípio que rege a justiça e o juízo de Deus com relação aos povos:

“No momento em que falar contra uma nação, e contra um reino para arrancar, e para derrubar, e para destruir, se a tal nação, porém, contra a qual falar se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe. No momento em que falar de uma nação e de um reino, para edificar e para plantar, se fizer o mal diante dos meus olhos, não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem que tinha falado que lhe faria.” (Jeremias 18:7-10).

Os termos do ‘arrependimento’ de Deus são bem evidentes, e em nada se assemelha ao arrependimento do homem, que as vezes é decorrente de remorso, equívocos, mudança de entendimento, etc. Se Deus se arrepender do mal que pensava fazer ou do bem que tinha falado que faria, a variação ocorreu no homem, que se converteu da sua maldade ou que fez o mal diante de Deus.

Vemos no caso do sacerdote Eli outro arrependimento de Deus, pois Ele elegeu a casa de Arão como sacerdotes em Israel (1 Samuel 2:27), porém, Hofni e Finéias, que eram sacerdotes e filhos de Eli, desprezavam as ofertas do Senhor, e Eli vem o mal que os seus filhos promoviam em Israel, não tomou providências (1 Samuel 2:22-25).

Embora a palavra de Deus inicialmente fosse boa para a casa de Eli por causa da boa palavra dita a casa de Arão, diante do comportamento reprovável de Hofni e Finéias, Deus mudou o seu intento:

“Portanto, diz o SENHOR Deus de Israel: Na verdade tinha falado eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém agora diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados.” (1 Samuel 2:30).

Com base na análise acima, podemos determinar algumas coisas das quais Deus jamais se arrepende e outras da quais Ele pode se arrepender.

 

Coisas que Deus jamais se arrepende

Deus é imutável, tanto nos atributos incomunicáveis quanto nos atributos comunicáveis. Tudo quanto analisamos acerca de Deus deve ter a seguinte premissa: Ele não muda e nem é passível de variação! Qualquer leitura que leve a uma conclusão diferente deve ser revista e corrigida à luz das Escrituras.

“Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.” (Tiago 1:17).

Mas, para a nossa análise, tomaremos por base a declaração paulina, que diz:

“Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.” (Romanos 11:29).

Os dons de Deus estão relacionados a sua graça e misericórdia, e a vocação de Deus ao seu propósito. O que seria ‘dons’ e o que seria ‘vocação’? Na promessa que Deus fez a Abrão temos dons e vocação:

“ORA, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:1-3).

A promessa: ‘far-te-ei uma grande nação, abençoar-te-ei, engrandecerei o teu nome e serás uma benção’ é personalíssima e ela é uma vocação. Já a palavra evangelística: ‘em ti serão benditas todas as famílias da terra’ a promessa é universal e se evidencia como dons, mas em ambas, a palavra de Deus são sem arrependimento.

Por que Deus escolheu justamente Abraão para fazer dele uma grande nação, e não qualquer outro gentio? A resposta está no seguinte versículo:

“Porque eu o tenho conhecido, e sei que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que guardem o caminho do SENHOR, para agir com justiça e juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que acerca dele tem falado.” (Gênesis 18:19).

“Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis.” (Gênesis 26:5).

É por causa da vocação de Abraão que a proteção de Deus nunca se afastará da nação de Israel. Apesar da apostasia dos filhos de Israel e a inúmeras mortes que ocorreram no deserto, na diáspora, etc., contudo, a nação jamais deixará de existir. Sempre haverá um remanescente, de modo que a misericórdia do Senhor é patente e não terá fim, pois a fidelidade de Deus é a garantia do que foi estabelecido em Abraão.

“As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; Novas são cada manhã; grande é a tua fidelidade.” (Lamentações 3:22-23).

Observe que a fidelidade de Deus preserva a nação, de modo que sempre haverá remanescente, mas a fidelidade de Deus não protege aqueles que Ele não se agrada, e por isso mesmo são prostados no deserto.

“ORA, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar. E todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram de uma mesma comida espiritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto.” (1 Coríntios 10:1-5).

É por causa da vocação dos pais que foi dada a seguinte palavra a Balaão:

“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria? Eis que recebi mandado de abençoar; pois ele tem abençoado, e eu não o posso revogar.” (Números 23:19-20).

A promessa feita a Abraão tem por base o propósito de Deus e por isso são imutáveis o Seu conselho e vocação (Romanos 11:16), pois como Ele não pode mentir e não há quem lhe seja maior, se interpôs por juramento a Abraão, dizendo: Certamente, abençoando te abençoarei, e multiplicando te multiplicarei.’ (Romanos 11:14).

Daí decorre a explicação do apóstolo Paulo sobre a redenção futura de Israel:

“… mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.” (Romanos 11:28-29).

O amor de Deus pela nação é indissolúvel, tanto que os filhos de Israel adentraram a terra prometida por causa dos pais, e não porque eram justos.

“Porque povo santo és ao SENHOR teu Deus; o SENHOR teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo especial, de todos os povos que há sobre a terra. O SENHOR não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos; Mas, porque o SENHOR vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito.” (Deuteronômio 7:6-8).

Por causa da apostasia dos filhos de Israel a punição foi dura, e Deus não se arrependeu de cumprir tudo o que anunciou por intermédio de Moisés.

“Eu, o SENHOR, o disse: viva isso, e o farei, não me tornarei atrás, e não pouparei, nem me arrependerei; conforme os teus caminhos, e conforme os teus feitos, te julgarão, diz o Senhor DEUS.” (Ezequiel 24:14);

“Sim, todo o Israel transgrediu a tua lei, desviando-se para não obedecer à tua voz; por isso a maldição e o juramento, que estão escritos na lei de Moisés, servo de Deus, se derramaram sobre nós; porque pecamos contra ele.” (Daniel 9:11);

“Porque assim diz o SENHOR: Toda esta terra será assolada; de todo, porém, não a consumirei. Por isto lamentará a terra, e os céus em cima se enegrecerão; porquanto assim o disse, assim o propus, e não me arrependi nem me desviarei disso.” (Jeremias 4:27-28; Deuteronômio 28:45-46).

Mas, apesar dos males que cercaram o povo de Israel, o favor do Senhor por causa da eleição não se afastará, e sempre haverá um remanescente do povo.

“Porque assim diz o SENHOR dos Exércitos: Como pensei fazer-vos mal, quando vossos pais me provocaram à ira, diz o SENHOR dos Exércitos, e não me arrependi, assim tornei a pensar nestes dias fazer o bem a Jerusalém e à casa de Judá; não temais.” (Zacarias 8:14-15);

“Se o SENHOR dos Exércitos não nos tivesse deixado algum remanescente, já como Sodoma seríamos, e semelhantes a Gomorra.” (Isaías 1:9).

Assim como a eleição é ato irrevogável de Deus, os dons também o são, pois os dons de Deus são concedidos visando o propósito eterno que Deus estabeleceu em Cristo.

“Segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:11).

O eterno propósito de Deus é algo estabeleceu em Cristo na eternidade: que é a preeminência de Cristo em tudo! Para Cristo ser preeminente em tudo, Deus lhe concedeu o trono de Davi, seu pai segundo a carne, de modo que Ele será o mais elevado dos reis da terra, aglutinando os papéis de rei e sacerdote.

“Jurou o SENHOR, e não se arrependerá: tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque.” (Salmo 104:4);

“Também o farei meu primogênito mais elevado do que os reis da terra.” (Salmos 89:27).

Mas, como a proposta de Deus é convergir em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus quanto as que estão na terra, além da esperança terrena concedida aos filhos de Israel que se cumprirá no reino milenar de Cristo, há uma esperança celestial que se concretiza na igreja, que é o seu corpo.

“E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.” (Colossenses 1:18-20);

“Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:10-11);

“E da parte de Jesus Cristo, que é a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos e o príncipe dos reis da terra. Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados,” (Apocalipse 1:5).

Ao conceder a Cristo os reinos da terra por herança, são reconciliadas todas as coisas que estão na terra, e ao tornar conhecido dos principados e potestades celestiais a multiforme sabedoria de Deus pela igreja, são reconciliadas todas as coisas que estão nos céus.

Como o propósito de Deus em Cristo pela eternidade era torná-lo primogênito entre muitos irmãos, e esses irmãos tem que ser semelhantes a Ele em tudo, quando Cristo ressurgiu dentre os mortos tornou-se o primogênito de Deus (Efésios 4:8), e os que creem em Cristo são declarados filhos de Deus pelo poder que há no evangelho, consequentemente, são eleitos em Cristo e predestinados a esse propósito: serão conforme a expressa imagem de Cristo, pois só assim Ele é alçado a posição de primogênito entre muitos irmãos.

“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8:29);

“E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.” (Colossenses 1:18).

Os dons de Deus são irrevogáveis, pois os dons foram concedidos quando Deus deu o Seu Filho Unigênito, o que não depende dos homens. A vocação de Deus é irrevogável, pois Ele elegeu para o seu propósito terreno e celestial a descendência de Abraão: que é Cristo.

O modo como Deus concede individualmente misericórdia ou faz individualmente perecer os homens também é imutável, e está condicionado a obediência ou a desobediência do indivíduo.

“Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos. E retribui no rosto qualquer dos que o odeiam, fazendo-o perecer; não será tardio ao que o odeia; em seu rosto lho pagará.” (Deuteronômio 7:9-10).

Através de Moisés, Deus esclarece que é Deus, ou seja, soberano e fiel, de modo que Ele não desfaz a aliança que Ele fez e exerce misericórdia aos que O obedecem, ou seja, que O amam guardando os seus mandamentos. Observe que amar a Deus não é sentimento ou algo que se expressa somente através dos lábios, antes é algo que se traduz em ação: obediência aos seus mandamentos. Amar é servir, amar é submissão!

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama;” (João 14:21).

Semelhantemente, aqueles que não amam a Deus (odeiam) perecerão! Deus não pode exercer misericórdia sobre aqueles que não O amam, ou seja, que não obedecem ao seu mandamento, vez que no mandamento de Deus está a salvação, a misericórdia de Deus objetivamente evidenciada ao homem.

“Sê tu a minha habitação forte, à qual possa recorrer continuamente. Deste um mandamento que me salva, pois tu és a minha rocha e a minha fortaleza.” (Salmos 71:3).

É impossível Deus mudar a forma como Ele exerce misericórdia, e mesmo que alguém peça para Deus agir de outra forma, Ele não atenderá tal oração.

“Assim tornou-se Moisés ao SENHOR, e disse: Ora, este povo cometeu grande pecado fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado, se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito. Então disse o SENHOR a Moisés: Aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro. Vai, pois, agora, conduze este povo para onde te tenho dito; eis que o meu anjo irá adiante de ti; porém no dia da minha visitação visitarei neles o seu pecado. Assim feriu o SENHOR o povo, por ter sido feito o bezerro que Arão tinha formado.” (Êxodo 32:31-35).

O povo só não foi destruído de imediato por causa do amor de Deus, ou seja, porque Deus guardou a aliança que fez com os pais poupando um remanescente. Os pais guardaram a aliança e, por isso, a misericórdia de Deus se estende até mil gerações dos pais que O amaram, de modo que os remanescentes seriam salvos, mas os pecadores tiveram os seus nomes excluídos do livro da vida.

“Mas, porque o SENHOR vos amava, e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito.” (Deuteronômio 7:8);

“Lembrai-vos perpetuamente da sua aliança e da palavra que prescreveu para mil gerações; Da aliança que fez com Abraão, e do seu juramento a Isaque; O qual também a Jacó confirmou por estatuto, e a Israel por aliança eterna, dizendo: A ti te darei a terra de Canaã, quinhão da vossa herança.” (1 Crônicas 16:15-18);

“Não entrareis na terra, pela qual levantei a minha mão que vos faria habitar nela, salvo Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num.” (Números 14:30).

A proteção de Deus para com a nação de Israel é perpetua, e Deus não se arrependerá da aliança feita com os pais, mas a salvação dos membros da nação se dá individualmente e a misericórdia de Deus só é concedida através da obediência.

Setecentos mil homens saíram do Egito e, exceto dois, foram preservados, Josué e Calebe, os demais pereceram no deserto, o que demonstra que a proteção de Deus é perene sobre a nação, mas aqueles que Deus não se agrada não serão preservados.

“Porque desprezou o juramento, quebrando a aliança; eis que ele tinha dado a sua mão; contudo fez todas estas coisas; não escapará. Portanto, assim diz o Senhor DEUS: Vivo eu, que o meu juramento, que desprezou, e a minha aliança, que quebrou, isto farei recair sobre a sua cabeça. E estenderei sobre ele a minha rede, e ficará preso no meu laço; e o levarei a Babilônia, e ali entrarei em juízo com ele por causa da rebeldia que praticou contra mim. E todos os seus fugitivos, com todas as suas tropas, cairão à espada, e os que restarem serão espalhados a todo o vento; e sabereis que eu, o SENHOR, o disse. Assim diz o Senhor DEUS: Também eu tomarei um broto do topo do cedro, e o plantarei; do principal dos seus renovos cortarei o mais tenro, e o plantarei sobre um monte alto e sublime. No monte alto de Israel o plantarei, e produzirá ramos, e dará fruto, e se fará um cedro excelente; e habitarão debaixo dele aves de toda plumagem, à sombra dos seus ramos habitarão. Assim saberão todas as árvores do campo que eu, o SENHOR, abati a árvore alta, elevei a árvore baixa, sequei a árvore verde, e fiz reverdecer a árvore seca; eu, o SENHOR, o disse, e o fiz.” (Ezequiel 17:18-24).

 

Coisas que aparentemente Deus se arrependeu

Deus não se arrepende da salvação providencia em Cristo que concede esperança de vida eterna a humanidade:

“Em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos;” (Tito 1:2);

“Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta;” (Hebreus 6:18).

No entanto, algumas passagens bíblicas afirmam que Deus se arrependeu, e para muitos cristãos essas passagens bíblicas causam estranheza e suscita questionamentos tendo em vista a imutabilidade de Deus.

Para analisar passagens que constam que Deus se arrependeu, analisaremos a passagem bíblica que narra a coroação do rei Saul e a sua destituição:

“Então veio a palavra do SENHOR a Samuel, dizendo:  Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao SENHOR.” (1 Samuel 15:10-11).

“E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa.” (1 Samuel 15:29).

O povo de Israel pediu um rei, e Deus concedeu sob a seguinte condição:

“Agora, pois, vedes aí o rei que elegestes e que pedistes; e eis que o SENHOR tem posto sobre vós um rei. Se temerdes ao SENHOR, e o servirdes, e derdes ouvidos à sua voz, e não fordes rebeldes ao mandado do SENHOR, assim vós, como o rei que reina sobre vós, seguireis o SENHOR vosso Deus. Mas se não derdes ouvidos à voz do SENHOR, e antes fordes rebeldes ao mandado do SENHOR, a mão do SENHOR será contra vós, como o era contra vossos pais. (…) Tão-somente temei ao SENHOR, e servi-o fielmente com todo o vosso coração; porque vede quão grandiosas coisas vos fez. Porém, se perseverardes em fazer mal, perecereis, assim vós como o vosso rei.” (1 Samuel 12:13-15 e 24-25).

Saul foi ungido rei por Samuel, mas Deus deu alguns sinais que evidenciava a escolha de Saul:

  1. Junto do sepulcro de Raquel, Saul encontraria dois homens que dariam noticia acerca das jumentas que estava procurando;
  2. Quando chegasse em Tabor, Saul encontraria três adoradores a caminho de Betel, um com um cabrito, o outro com três bolos e o ouro com um odre de vinho, que perguntariam como Saul estava e lhe daria dois pães, e;
  3. Quando chegasse no monte de Deus, onde ficava a guarnição dos filisteus, Saul encontraria alguns profetas descendo do alto profetizando e com vários instrumentos musicais, quando Saul também profetizaria.

Após esses sinais, Saul poderia fazer o que viesse a mão, com plena certeza de que Deus haveria de apoiar as suas iniciativas como líder da nação (1 Samuel 10:7).

Além dos sinais que evidenciariam a escolha de Deus, foi dada uma ordem para Saul: aguardar Samuel por sete dias quando Saul estivesse em Gilgal para receber mais instruções, quando Samuel sacrificaria o holocausto e ofereceria as ofertas pacíficas.

“Tu, porém, descerás antes de mim a Gilgal, e eis que eu descerei a ti, para sacrificar holocaustos, e para oferecer ofertas pacíficas; ali sete dias esperarás, até que eu venha a ti, e te declare o que hás de fazer.” (1 Samuel 10:8).

O rei Saul em um só dia viu se cumprir vários sinais da parte de Deus, venceu os amonitas (1 Samuel 10:11), e reinou por um ano (1 Samuel 13:1), porém, ainda não havia sido declarado o que Saul devia fazer, portanto, deveria esperar Samuel para oferecer holocausto, conforme o Senhor determinará.

O rei Saul se viu em aperto diante dos filisteus, e em vez de confiar na palavra que o Senhor disse que tudo que Saul se propusesse fazer Deus seria com ele (1 Samuel 10:7), além de não esperar o profeta Samuel, ele se lançou ao sacrifício, de modo que procedeu nesciamente (Eclesiastes 5:1), não sendo obediente.

“Então disse Samuel a Saul: Procedeste nesciamente, e não guardaste o mandamento que o SENHOR teu Deus te ordenou; porque agora o SENHOR teria confirmado o teu reino sobre Israel para sempre; Porém agora não subsistirá o teu reino; já tem buscado o SENHOR para si um homem segundo o seu coração, e já lhe tem ordenado o SENHOR, que seja capitão sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou.” (1 Samuel 13:13-14).

Por não obedecer, o reino de Saul não foi confirmado para sempre, e a tribo de Benjamim deixou de ser engrandecida (1 Samuel 10:21). Mas, antes de Saul ser destituído, Deus enviou Samuel com uma nova missão a Saul: a destruição dos amalequitas, e se Saul desse cabo da missão, seria ungido rei sobre Israel (1 Samuel 15:1-2).

“ENTÃO disse Samuel a Saul: Enviou-me o SENHOR a ungir-te rei sobre o seu povo, sobre Israel; ouve, pois, agora a voz das palavras do SENHOR.” (1 Samuel 15:1).

Saul foi rebelde e não fez conforme a palavra do Senhor, pois poupou a vida de Agage, rei dos amalequitas, bem como o melhor das ovelhas e das vacas (1 Samuel 15:9). Por causa da rebelião de Saul, que é comparada ao pecado de feitiçaria, veio a palavra de Deus a Samuel, dizendo:

Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras.” (1 Samuel 15:11).

O termo נָחַם hebraico traduzido por ‘arrepender’ não se refere a uma mudança de pensamento por causa de um erro de cálculo, ou que ocorreu uma variação em Deus que depõe contra a sua imutabilidade, ou que Deus houvesse mentido a Saul e ao povo de Israel.

Em vista da desobediência de Saul à ordem divina de não aguardar Samuel por sete dias para receber mais instruções, que, em vez de confiar em Deus, se lançou ao sacrifício; diante da segunda ordem, não ter dado ouvido a determinação para exterminar completamente os amalequitas, condição para Saul ser ungido rei, temos a palavra de que Deus se arrependeu da boa palavra que havia sido dada a Saul.

A escolha de Saul para ser rei não era um dom ou uma vocação divina, e sim, uma proposta condicionada à obediência de Saul.

“Tão-somente temei ao SENHOR, e servi-o fielmente com todo o vosso coração; porque vede quão grandiosas coisas vos fez. Porém, se perseverardes em fazer mal, perecereis, assim vós como o vosso rei.” (1 Samuel 12:24-25).

A desobediência de Saul foi tratada de modo semelhante a desonra dos filhos de Eli:

“Portanto, diz o SENHOR Deus de Israel: Na verdade tinha falado eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém agora diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados.” (1 Samuel 2:30).

Os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento por causa do propósito firmado em Cristo, por amor do Seu nome, como foi o caso da eleição de Jacó e a rejeição de Esaú (Romanos 9:11). A boa palavra acerca de Jacó anunciada a Rebeca não dependia de Jacó, mas de Deus que o elegeu antes mesmo de nascer, diferente da proposta feita a Saul.

“Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.” (Romanos 11:29).

Ao retirar o reino de Saul não houve mudança em Deus e nem sombra de variação, antes Ele continuou sendo Deus fiel, pois a incredulidade ou a infidelidade do homem jamais aniquilará a fidelidade de Deus:

“Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?” (Romanos 3:3);

“Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará; Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2 Timóteo 2:12-13).

Deus é Deus fiel porque Ele é fiel à sua palavra, e não a indivíduos em particular. Ao tirar o reino de Saul, Deus estava sendo fiel a sua palavra anunciada aos filhos de Israel, que diz:

“Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos. E retribui no rosto qualquer dos que o odeiam, fazendo-o perecer; não será tardio ao que o odeia; em seu rosto lho pagará.” (Deuteronômio 7:9-10).

Saul não permaneceu fiel apesar de ver os sinais e a operação de Deus em sua vida, portanto, Deus permaneceu fiel a sua palavra e retirou o reino de Saul, de modo que, diante da desobediência de Saul, Deus se arrependeu da boa palavra de fazê-lo rei.

Ser rei em Israel não dependia de Saul oferecer sacrifícios (não depende de quem quer ou quem corre), e sim, em obedecer a palavra do Senhor (mas de Deus que se compadece). E de quem Deus se compadece? Como Deus é fiel a sua palavra, Deus se compadece dos que O amam guardando os seus mandamentos, e não de quem quer ou corre.

A palavra anunciada a Saul é semelhante a palavra anunciada a Abraão, com um grande diferencial: diante de uma palavra firme Abraão resolveu crer, e por isso, saiu do meio da sua parentela. Saul, por sua vez, não creu e achou que sacrificar evitaria a dispersão do povo e garantiria o seu prestígio.

A palavra de Deus é fiel, e se Saul tivesse obedecido, o seu reino seria firmado para sempre. Saul não foi fiel, e Deus permaneceu fiel, pois para levar a efeito o seu propósito de fazer o Cristo o mais sublime dos reis da terra, escolheu um homem segundo o seu coração: Davi.

Devemos lembrar que o povo de Israel pecou, e Moisés queria que Deus perdoasse o povo e correu para interceder pelo povo e até se interpôs diante de Deus pelo povo, ao que Deus lhe respondeu: “… e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer.” (Êxodo 33:19), de modo que a bondade e o nome de Deus não são suscetíveis ao que o homem quer ou ao quanto o homem corre para alcançar, e sim, o homem se resignar obedece-Lo.

Quando é dito que Deus não é o homem para que se arrependa, evidencia que Deus não mente, não volta atrás com sua palavra, e que, portanto, cumpre o que jurou. Quando é dito que Deus se arrependeu de ter constituído Saul rei, não estamos diante de uma figura de linguagem (antropomorfismo), pois o que foi dito por Deus ao fazer Saul rei não era mentira, de modo que Deus não voltou atras e nem deixou de cumpriu a sua palavra, pois Saul não O obedeceu.

A conclusão de Lane, de que o arrependimento de Deus está em sintonia com o fato de Deus ser compassivo e misericordioso é descabida, antes Ele se arrepende porque é Deus fiel a sua palavra.

Considerando a exposição inicial do Pr. Lane, verifica-se que não é a análise semântica do vocábulo que nos permite entender o tema do arrependimento de Deus, e sim, considerar o termo à luz do contexto sem perder de vista a inviolabilidade e imutabilidade da palavra de Deus.

Deus é compassivo e misericordioso com aqueles que O amam guardando os seus mandamentos, da mesma forma que Deus retribui em rosto aos que O odeiam, ou seja, que não se sujeitam ao seu mandamento. O arrependimento de Deus decorre exclusivamente da sua fidelidade, sem qualquer conexão com a Sua compaixão e misericórdia.

“Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2 Timóteo 2:13).

Se o homem é fiel em obedecer a Deus, Deus será misericordioso, e se o homem for infiel em obedecer, Deus retribuirá em rosto. A base do arrependimento de Deus está na sua palavra imutável:

“Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos. E retribui no rosto qualquer dos que o odeiam, fazendo-o perecer; não será tardio ao que o odeia; em seu rosto lho pagará.” (Deuteronômio 7:9-10).

Se a misericórdia de Deus fosse a base do arrependimento de Deus, não seria possível ler esse versículo, vez que Deus é misericordioso:

“Tu me deixaste, diz o SENHOR, e tornaste-te para trás; por isso estenderei a minha mão contra ti, e te destruirei; já estou cansado de me arrepender. E padejá-los-ei com a pá nas portas da terra; já desfilhei, e destruí o meu povo; não voltaram dos seus caminhos.” (Jeremias 15:6-7).

O fato de Deus padejar os filhos de Israel, desfilhar e destruir era um sinal e uma maravilha da parte de Deus de que eles haviam se desviado de Deus e que precisavam se arrepender dos seus maus caminhos, e por isso, o ‘cansaço’ de Deus em se arrepender: Ele cumpriria cabalmente a sua palavra.

“E todas estas maldições virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído; porquanto não ouviste à voz do SENHOR teu Deus, para guardares os seus mandamentos, e os seus estatutos, que te tem ordenado; E serão entre ti por sinal e por maravilha, como também entre a tua descendência para sempre.” (Deuteronômio 28:45-46).

Várias maldições sobrevieram sobre o povo de Israel, mas Deus inda não havia levado a punição as últimas consequências. Mas, como o povo de Israel não se arrependia com os ‘sinais’ e as ‘maravilhas’, Deus estava ‘cansado’ de se arrepender, de modo que a destruição anunciada estava por vir inexoravelmente.

 

A destruição do homem

A passagem mais emblemática acerca do verbo נָחַם (arrependeu) tendo Deus como sujeito se encontra no livro do Gênesis, quando Deus diz:

“Então arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o SENHOR: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.” (Gênesis 6:6-7).

Em primeiro lugar, o arrependimento não se refere a um erro da parte de Deus, com se Ele tivesse cometido um equívoco ao criar o homem. Vejamos!

A criação da humanidade não foi um erro da parte de Deus, antes a criação foi um ato decorrente do conselho da sua vontade visando estabelecer a preeminência de Cristo.

O maior problema da humanidade não foi a maldade do homem ter se multiplicado sobre a terra e toda a imaginação dos pensamentos dos seus corações serem má continuamente, e sim, a queda de Adão que trouxe a morte ao mundo, quando todos pecaram.

O mal maior que sobreveio a humanidade decorre da ofensa de Adão, e Deus não se arrependeu de ter criado Adão. Lembrando que Deus é onisciente e sabia da queda de Adão antes mesmo de criá-lo, mas mesmo assim, Adão foi criado e agraciado com liberdade e garantia plena para exercê-la, tanto que pecou.

Quando é sublinhada a onisciência de Deus é visando fugir do malogrado significado que se dá ao termo ‘presciência’. Em linhas gerais presciência seria um subproduto da onisciência, um reducionismo da onisciência. O termo grego πρόγνωσις (prognósis), traduzido por onisciência, foi utilizado no Novo Testamento para fazer referência ao conhecimento que Deus anunciou de antemão pelos seus profetas acerca dos eventos envolvendo o nascimento, morte e ressurreição de Cristo (Atos 2:23;1 Pedro 1:2).

Tudo o que o espírito de Cristo, que estava nos profetas, testificava de antemão os sofrimentos que viriam sobre Cristo e a gloria que sucederia é descrito como πρόγνωσις (prognósis). Presciência é o conhecimento acerca de eventos futuro que Deus antecipou aos homens por intermédio dos seus profetas.

“A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos;” (Atos 2:23);

“O qual antes prometeu pelos seus profetas nas santas escrituras,” (Romanos 1:2);

“Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.” (1 Pedro 1:10-11).

Um termo utilizado somente para fazer referência ao que foi anunciado de antemão pelos profetas, correntes teológicas recentes acabaram atribuindo ao termo significados distintos divorciado do escopo bíblico com a finalidade de enfatizarem os seus pensamentos, de modo que, os calvinistas utilizam o termo como pré-ordenação, e o arminianistas, como previsão, como se Aquele que é onisciente precisasse de uma ‘presciência’ para vislumbrar eventos futuros.

Quando Deus criou o homem, expressou o seu propósito: – ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança’ (Gênesis 1:26), e como é evidenciado na Bíblia, tal propósito cumpre-se no Cristo ressurreto, pois Ele é a expressa imagem do Deus invisível, e não Adão, que era debaixo e terreno.

O homem expresso no propósito que teria a imagem e semelhança do Altíssimo refere-se ao Senhor cujo nome é admirável em toda terra, e não Adão, que foi feito a figura do Cristo-homem que haveria de vir sobre a terra:

“Ó SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus! Tu ordenaste força da boca das crianças e dos que mamam, por causa dos teus inimigos, para fazer calar ao inimigo e ao vingador. Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo…” (Salmo 8:1-7);

“No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir.” (Romanos 5:14).

Portanto, não é um erro da parte de Deus Cristo ser conhecido antes da fundação do mundo (1 Pedro 1:10), ser o cordeiro de Deus morto desde a fundação do mundo (Apocalipse 13:8), e Ele ter sido feito menor que os anjos, porém, com domínio sobre a criação e superior a tudo e a todos.

Como todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades foram criadas pelo Verbo eterno e para ele, sendo Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (Colossenses 1:16-17), certo é que no Éden, Cristo criou o homem (a imagem de Deus criou o homem), segundo a figura que o Cristo haveria de vir ao mundo.

Ao modelar um boneco de barro no Éden, o Verbo eterno teofanicamente deu a figura que Ele teria quando introduzido no mundo na condição de o unigênito de Deus, para em tudo ser semelhante aos homens, pois ao ressurgir dentre os mortos conduzindo muitos filhos a Deus, esses filhos trarão a imagem do Cristo ressurreto, para que Ele seja primogênito entre muitos irmãos semelhantes a Ele.

“E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gênesis 1:27);

“Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles.” (Hebreus 2:10);

“O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o SENHOR, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15:47-49).

Deus não se equivocou ao criar o homem, tanto que estabeleceu inimizade entre a serpente e a mulher e entre a semente segundo a serpente e a semente segundo a mulher, estando a semente da mulher destinada a ferir a cabeça da serpente, e a serpente ferir o calcanhar da semente da mulher.

“E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gênesis 3:15);

“E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem.” (Apocalipse 12:13).

A criação do homem não foi um equívoco, pois Deus proveu um novo filho para Adão e Eva, Sete, em substituição a Abel. Sete gerou Enos, e desde então se começou a invocar o nome do Senhor (Gênesis 4:26). A linhagem de Sete foi escolhida por Deus para trazer Cristo ao mundo, tanto que, quando Lameque gerou Noé, vaticinou acerca do seu filho, dizendo:

“Este nos consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da terra que o SENHOR amaldiçoou.” (Gênesis 5:29).

Quando é dito que Deus se arrependeu (נָחַם) de ter criado o homem, a passagem bíblica evidencia, através de um contraste, o grau da maldade da humanidade sobre a terra em relação a justiça de Noé, que achou graça aos olhos de Deus (Gênesis 7:1).

A destruição da humanidade, com exceção de Noé e sua família, se assemelha a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, pois tais eventos ocorreram porque tanto a humanidade do período diluviano quanto os residentes de Sodoma e Gomorra colocavam em perigo a linhagem do Cristo.

Sodoma e Gomorra colocavam em risco a linhagem de Ló, o que comprometeria a linhagem de Cristo, que passou pelos descendentes que Ló gerou através das suas duas filhas.

Semelhantemente, pessoas que seriam um entrave para a linhagem de Cristo, ou foram mortas ou avisadas.

“Judá, pois, tomou uma mulher para Er, o seu primogênito, e o seu nome era Tamar. Er, porém, o primogênito de Judá, era mau aos olhos do SENHOR, por isso o SENHOR o matou. Então disse Judá a Onã: Toma a mulher do teu irmão, e casa-te com ela, e suscita descendência a teu irmão. Onã, porém, soube que esta descendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando possuía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não dar descendência a seu irmão. E o que fazia era mau aos olhos do SENHOR, pelo que também o matou.” (Gênesis 38:6-10).

Como Ezequias não procurou ter filhos, porém, era um homem justo, o aviso foi solene:

“NAQUELES dias Ezequias adoeceu de uma enfermidade mortal; e veio a ele o profeta Isaías, filho de Amós, e lhe disse: Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás, e não viverás.” (Isaías 38:1).

Considerando tudo o que foi analisado acerca da natureza imutável de Deus à luz do expresso no verso 6, de Gêneses 6, e o termo hebraico נחם (nacham) e sua raiz primitiva, que dependendo do contexto pode significar: estar arrependido; consolar-se; arrepender; sentir remorso; confortar; ser confortado; mudança de ideia; mudança de atitude; mudança de plano; entristecer; lamentar; e até mesmo confortar ou tranquilizar alguém em relação a um determinado acontecimento;’, é bem provável que o significado ‘arrependimento’ utilizado para traduzir o significado do termo נחם (nacham), no versículo em análise não seja o mais apropriado para descrever a ação divina ante a maldade da humanidade do período que antecedeu o dilúvio.

Considerando o contexto e a natureza da pessoa que executa a ação do verbo נחם (nacham), seria mais apropriado traduzir o termo como ‘se aliviar’ executando vingança, ou ‘se consolar’, ou ‘se satisfazer’, como se lê em passagens como:

“Assim se cumprirá a minha ira, e satisfarei neles o meu furor, e me consolarei; e saberão que eu, o SENHOR, tenho falado no meu zelo, quando eu cumprir neles o meu furor.” (Ezequiel 5:13);

“E foram denunciadas a Rebeca estas palavras de Esaú, seu filho mais velho; e ela mandou chamar a Jacó, seu filho menor, e disse-lhe: Eis que Esaú teu irmão se consola a teu respeito, propondo matar-te.” (Gênesis 27:42);

“Portanto diz o Senhor, o SENHOR dos Exércitos, o Forte de Israel: Ah! tomarei satisfações dos meus adversários, e vingar-me-ei dos meus inimigos.” (Isaías 1:24).

Vale destacar que o termo hebraico שוב (shuwb) é o que mais se aproxima da ideia do grego μετανοεω (metanoeo), e é utilizada para descrever o arrependimento do homem no Antigo Testamento.

Voltando ao livro de Jó, devemos analisar cuidadosamente o que é afirmado acerca de Deus, pois muitos falam bem de Deus, da sua misericórdia e bondade, mas possui o mesmo conhecimento raso que os amigos de Jó.

“Porventura por Deus falareis perversidade e por ele falareis mentiras?” (Jó 13:7).

 

 

[1] “נחם 05162 nacham uma raiz primitiva; DITAT – 1344; v 1) estar arrependido, consolar-se, arrepender, sentir remorso, confortar, ser confortado 1a) (Nifal) 1a1) estar sentido, ter pena, ter compaixão 1a2) estar sentido, lamentar, sofrer pesar, arrepender 1a3) confortar-se, ser confortado 1a4) confortar-se, aliviar-se 1b) (Piel) confortar, consolar 1c) (Pual) ser confortado, ser consolado 1d) (Hitpael) 1d1) estar sentido, ter compaixão 1d2) lamentar, arrepender-se de 1d3) confortar-se, ser confortado 1d4) aliviar-se” Dicionário bíblico Strong.

[2] “Há várias citações na Bíblia Hebraica de que Deus se arrependeu. Essa expressão é explicada como uma figura de linguagem para se referir a uma ação ou atitude divina em linguagem humana, ou simplesmente, um antropomorfismo. Porém, ao classificar essa linguagem, quase nada é dito sobre o significado do arrependimento de Deus. O presente artigo, através de uma análise semântica de expressões em que Deus é o sujeito do verbo נָחַם, identifica pelo menos seis sentidos da expressão.” William Lacy Lane, ‘O arrependimento de Deus – Uma análise semântica de נָחַם’ < (PDF) O ARREPENDIMENTO DE DEUS Uma análise semântica de | William L Lane – Academia.edu > Consulta realizada em 18/03/22.

[3] “O vocábulo נָחַם é traduzido de várias maneiras nas versões bíblicas devido aos vários sentidos. Mesmo aqueles textos em que נָחַם é traduzida por arrepender-se e descrevem uma ação de Deus, percebemos que o sentido do arrependimento de Deus tem conotações distintas. Se pensarmos em arrependimento como uma mudança de mente não somos capazes de entender o que significa essa ação divina a não ser como uma figura de linguagem (antropomorfismo). A análise semântica do vocábulo nos permite entender que o tema do arrependimento de Deus não contradiz o que a Bíblia revela à respeito de Deus, mas, pelo contrário, está em plena sintonia com as afirmações bíblicas sobre o Deus compassivo e misericordioso. Deus se arrepende porque é misericordioso e compassivo. A sua ira não é a palavra final ao seu povo escolhido.” Idem.

[4] “Ao identificar a ocorrência do termo como um antropomorfismo, explica-se o uso da linguagem, porém, não se explora o sentido do arrependimento divino. Para isso, é preciso recorrer a análise semântica, verificando as ocorrências do termo arrepender-se quando aplicado à Deus e buscar entender seu significado nos textos encontrados.” Idem.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

One thought on “O arrependimento de Deus

  • Boa noite.
    Otimo estudo, esclareceu muitas duvidas recorrentes ao assunto. grato pelo artigo.
    Que Deus abencoe o autor desse importante trabalho.

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