Quando Deus disse a Moisés, que tem misericórdia de quem Ele tiver, Moisés estava querendo e correndo atrás do perdão de Israel. Ora, Moisés não alcançou a misericórdia de Deus para o povo de Israel, pois todos que saíram do Egito, exceto dois, morreram no deserto. Não dependia de Moisés querer ou correr, mas de Deus, que tem misericórdia dos que O amam.
Cristo – O dom de Deus para salvação
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O Dr. Arthur W. Pink ao argumentar em defesa da doutrina calvinista, especificamente com relação à soberania divina na reprovação, reitera o seu posicionamento defendido em seu livro, dizendo:
“Novamente; fé é um dom de Deus e o propósito de dá-la somente a alguns, envolve o propósito de não dá-la a outros. Sem fé não há salvação — “Quem crê nele não é condenado” — portanto, se há alguns descendentes de Adão aos quais Ele propôs não dar fé, deve ser porque Ele ordenou que eles deveriam ser condenados” – Arthur W. Pink, A Soberania de Deus na Reprovação[1].
O dom inefável
O Dr. Pink argumenta que a ‘fé é um dom de Deus’. Sem problema algum, pois neste ponto ele cita o apóstolo Paulo aos Efésios, quando diz: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8).
O erro surge quando ele diz que Deus dá a fé somente a alguns[2], e que, por conseguinte, Deus se resignou a não dar a fé a outros. Está correto o argumento do Dr. Pink?
O problema do Dr. Pink é de interpretação de texto, pois no verso 5, o apóstolo Paulo afirma que, quando os agora cristãos estavam mortos em ofensas, foram vivificados por Cristo. Neste ponto o apóstolo argumenta: “Pela graça sois salvos”.
Ora, o ato de dar vida ao homem é ação graciosa de Deus, pois quando morto em ofensas, o velho homem foi crucificado com Cristo e sepultado. Neste quesito a justiça de Deus é estabelecida, pois a pena não passa do transgressor, visto que a alma que pecar, essa mesma morrerá.
Quando o homem no pecado morre com Cristo, Deus é justo e não tinha nenhuma obrigação para com os que são crucificados com Cristo, mortos no batismo com Cristo e sepultados. Mas, graciosamente, Deus faz ressurgir da sepultura um novo homem, criado, segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade, portanto, na nova criação, Deus é justificador, pois declara o novo homem em Cristo, justo e santo.
Na ressurreição com Cristo, está a graça de Deus, visto que, na morte com Cristo, se opera a justiça de Deus:
“Ou não sabeis que, todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também, em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição; sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos” (Rm 6:3 -8).
Foi cravado na cruz o escrito de dívida que era contra os incircuncisos de coração, sendo que, na cruz, a circuncisão de Cristo foi feita, pois, nela, o corpo do pecado da carne foi desfeito. Após ser sepultado com Cristo, no batismo de sua morte, os que creem foram ressuscitados, de modo que todas as ofensas foram perdoadas.
“No qual também estais circuncidados com a circuncisão, não feita por mão, no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé, no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos. E, quando vós estáveis mortos nos pecados e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas, havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual, de alguma maneira, nos era contrária e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz” (Cl 2:11-14).
Além dos cristãos terem sido ressuscitados com Cristo, Deus os fez assentar nas regiões celestiais em Cristo, ou seja, agora entram no descanso. Ora, este evento de vivificar os que creram e fazê-los assentar-se nas regiões celestiais, será notificado nos séculos vindouros, o quão abundantes são as riquezas da graça, por intermédio de Cristo (Ef 2:7).
Após apontar a benignidade de Deus, em Cristo, o apóstolo Paulo enfatiza, novamente, que, pela graça, os cristãos são salvos. Ora, os cristãos são salvos pela graça, pois a benignidade de Deus em Cristo, nada exige do homem para ser salvo, vez que é impossível ao homem salvar-se a si mesmo.
Mas, apesar de o homem ser salvo pela graça, a salvação é operada por meio da fé, ou seja, algo definido como não proveniente dos homens (não vem de vós), antes diz do dom de Deus.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8).
O Dr. Pink confunde o ‘dom de Deus’ com a ‘crença’ do homem pela má leitura que faz do texto.
O dom de Deus é Cristo e não a crença do homem, conforme se lê:
“Jesus respondeu e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias e ele te daria água viva” (Jo 4:10).
Se a mulher samaritana conhecesse o dom de Deus e soubesse quem lhe pediu água, reconheceria, de pronto, que aquele homem à beira do poço de Jacó era o Cristo, o dom inefável de Deus dado aos homens. Cristo é o dom de Deus dado a todos os homens: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16).
Sem Cristo não há salvação, pois não há entre os homens nenhum outro nome dado pelo qual devamos ser salvos: “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4:12); “Sempre dou graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi dada em Jesus Cristo” (1Co 1:4).
Isso significa que, pela graça de Deus o homem é salvo, por meio de Cristo, ou como vem expresso no verso: por meio da fé. Ora, quando é dito que o homem é salvo por meio da fé, fé não tem o significado de crença, mas, sim, o significado de O enviado de Deus, pois Cristo é a fé que havia de se manifestar:
“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” (Gl 3:23).
Quando lemos: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8), temos que ter a perspicácia de substituir a frase: ‘por meio da fé’, pela frase: ‘por meio daquela fé que se havia de manifestar’, que é Cristo, o dom de Deus.
No afã de enfatizar o seu credo, o Dr. Pink não teve o cuidado de observar que o termo traduzido por fé, não se trata de um verbo, mas do substantivo grego πίστις, transliterado pistis. Sem πίστις (fé) não há salvação, mas com πιστεύω (pisteúo=fé, crer, acreditar) ou sem πιστεύω há salvação, pois Deus é fiel e não pode negar a si mesmo: “Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?” (Rm 3:3; 2Tm 2:13).
Quando o apóstolo Paulo faz referência à fé, que por meio dela o homem é salvo, faz menção da fé, que a incredulidade do homem jamais pode aniquilar.
O termo fé foi empregado pelo apóstolo Paulo, no verso 8, do capítulo 2, de Efésios, como figura de linguagem, a metonímia[3] onde, no caso, temos a substituição do autor pela obra: Cristo é o autor e consumador da fé: “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus” (Hb 12:2).
Quando Cristo, o dom de Deus, foi concedido, Deus não fez distinção entre homens. Deus amou o mundo, ou seja, todos os povos, nações, tribos e de todas as línguas, pois, sobre isso, vaticinou o profeta:
“Disse mais: Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os preservados de Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até a extremidade da terra” (Is 49:6);
“E toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3:6);
“Porque o Senhor assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação, até os confins da terra” (At 13:47);
“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tt 2:11).
Segundo o profeta Isaías, Deus se propôs a conceder salvação a todos os descendentes de Adão, ou seja, Deus se propôs a dar fé a todos os homens, do que se conclui que a assertiva do Dr. Pink é equivocada.
A fé foi dada, primeiramente, aos judeus (Jo 1:11), mas, como eles a rejeitaram, ela foi transferida aos gentios:
“Seja-vos, pois, notório que esta salvação de Deus é enviada aos gentios e eles a ouvirão” (At 28:28).
Além de ‘fé’, Cristo também é nomeado de ‘poder de Deus’, ‘sabedoria de Deus’, etc. Sem Cristo não há salvação, o que nos leva a considerar que, sem o poder de Deus, ou sem a sabedoria de Deus, não há como ser salvo.
Daí a máxima:
“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu e, também, do grego” (Rm 1:16).
Ora, o apóstolo Paulo não se envergonhava do evangelho de Cristo, ou seja, da palavra da cruz (1 Co 1:18), da pregação da fé (Gl 3:2), da loucura da pregação (1Co 1:21), pois é poder de Deus para salvação de todo aquele que crer.
A pregação está intimamente ligada à fé, ou seja, a Cristo, de modo que, se a mensagem apregoada não é segundo Cristo, tanto a pregação, quanto aquele que é anunciado, se faz vão. Sabemos que Cristo ressuscitou dentre os mortos, mas se alguém apregoa que Jesus não ressuscitou, a pregação é inútil, bem como o próprio Cristo, se Ele não houvesse ressuscitado: “E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação e também é vã a vossa fé” (1 Co 15:14 e 17).
Quando lemos: “Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo” (1 Pd 1:5), temos que entender que é mediante o evangelho (fé) que os cristãos são guardados para a salvação.
Observe que, pregar com base em sabedoria de palavras e não com base na mensagem da cruz, torna inócua a cruz de Cristo, para quem é anunciado somente em sabedoria de palavras: “Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã” (1 Co 1:17).
Embora Deus tenha enviado o seu Filho ao mundo para salvação, aprouve a Deus salvar aqueles que dão crédito à pregação, ou seja, Deus só salva os crentes, não os ouvintes da pregação: “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Co 1:21).
Crer no dom de Deus
Daí a pergunta: “Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do SENHOR?” (Is 53:1). Embora os filhos de Israel não dessem crédito à pregação, contudo, o braço do Senhor – Cristo – foi manifesto a todos os povos: “O SENHOR desnudou o seu santo braço perante os olhos de todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus” (Is 52:10).
A πιστεύω (pisteúo=crença) jamais precede a πίστις (pistis=fé). A πιστεύω (crença) decorre da πίστις (fé), pois a πίστις remete à verdade, à fidelidade, à lealdade e à imutabilidade de Deus. Tanto que o termo grego πίστις, decorre da raiz de um termo, que significa fidelidade. Segundo o Dicionário Bíblico Strong, o termo fé (πιστις, pistis), entre outras coisas, significa fidelidade, lealdade.
Quando deparamos com a definição: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem” (Hb 11:1), a fé é objetiva, ou seja, é o firme fundamento, algo imutável. O que se espera, diz respeito à crença do homem, que é algo subjetivo, de foro íntimo. A fé é prova, ou seja, algo objetivo, mesmo quando não conseguimos contemplar, ver.
Ora, as Escrituras deixam claro que o firme fundamento é Cristo, pois Ele é a pedra de esquina, no qual aquele que crê não é confundido: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual Jesus Cristo é a principal pedra da esquina” (Ef 2:20); “Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3:11).
Sem Cristo (fé) é impossível agradar a Deus: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam” (Hb 11:6).
Mas, para que alguém creia, primeiro é necessário pregar, pois crer decorre da palavra da fé: “Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos” (Rm 10:8); “Então, ou seja eu, ou sejam eles, assim pregamos e assim haveis crido” (1 Co 15:11).
Só é possível ‘estar em Cristo’, ou seja, ‘ser uma nova criatura’, após ouvir a palavra da verdade, o evangelho da salvação e crer: “Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef 1:13).
Daí a exposição paulina aos cristãos em Roma:
“Mas, a justiça que é pela fé, diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo) Ou: Quem descerá ao abismo? (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo.)” (Rm 10:6-7).
A justiça de Deus não é pela crença do homem, mas pela palavra de Deus, que é firme e fiel: a FÉ. Ou seja, a justiça, que é pela palavra de Deus, protesta contra os homens para não dizerem em seus corações: quem subirá ao céu? Quem descerá ao abismo?
Esta é a palavra firme e fiel, digna de toda aceitação:
“Porque este mandamento, que hoje te ordeno, não te é encoberto e tampouco está longe de ti. Não está nos céus, para dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Nem, tampouco, está além do mar, para dizeres: Quem passará por nós, além do mar, para que no-lo traga e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos? Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a cumprires” (Dt 30:11-14).
Não crer nesta palavra é injustiça!
A palavra da fé, ou seja, a palavra de Deus é esta:
“Esta é uma palavra fiel e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1 Tm 1:15).
Sobre a palavra da fé, orientou o apóstolo Paulo a Timóteo:
“Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Jesus Cristo, criado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido. Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas e exercita-te a ti mesmo em piedade; porque o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há de vir. Esta palavra é fiel e digna de toda a aceitação” (1 Tm 4:6-9).
Por que foi dada esta orientação? Porque muitos apostatariam da fé, ou seja, da verdade, da palavra digna de total aceitação! Deixariam a Cristo e seguiriam fábulas de homens corruptos de entendimento.
O termo grego πιστεύω (pisteúo), traduzido por crença, quando empregado nas Escrituras, tem o sentido de obediência. A palavra da fé é que Cristo é o enviado de Deus, que foi morto e ressurgiu ao terceiro dia. Crer nesta mensagem é o mandamento de Deus para que o homem não pereça. A obediência da fé (evangelho) é crer que Jesus é o Senhor e que Deus o ressuscitou entre os mortos.
“Mas, que se manifestou agora e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações, para obediência da fé” (Rm 16:26).
“A saber: se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que, com o coração se crê para a justiça e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto, não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam” (Rm 10:9-12).
Quem crê em Cristo não perece, antes alcança a vida eterna: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê, já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3:18). Por que? Porque, quem crê em Jesus, crê no testemunho que Deus deu acerca do seu Filho nas Escrituras: “Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê, mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu. E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e essa vida está em seu Filho” (1 Jo 5:10 -11).
A mensagem apregoada pelos profetas apontava para o Cristo, mas, quando Jesus veio, os homens O rejeitaram; por conseguinte, rejeitaram as Escrituras, pois elas testificam de Cristo: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna e são elas que de mim testificam” (Jo 5:39).
Crer em Cristo é obedecer ao mandamento de Deus, ou, segundo uma linguagem própria aos judeus, realizar a obra de Deus: “E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento” (1 Jo 3:23); “Jesus respondeu e disse-lhes: a obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou” (Jo 6:29).
Deus só é favorável a quem obedece, ou seja, a quem O ama, a quem realiza a obra, a quem cumpre o mandamento, pois assim está escrito:
“Eu amo aos que me amam e os que cedo me buscarem, me acharão” (Pv 8:17).
A benevolência de Deus está em Cristo, porém, para alcançá-la, o homem tem que obedecer a Deus, como está escrito:
“Portanto, diz o SENHOR Deus de Israel: Na verdade tinha falado eu que a tua casa e a casa de teu pai andariam diante de mim perpetuamente; porém agora diz o SENHOR: Longe de mim tal coisa, porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam, serão desprezados” (1 Sm 2:30);
“Com o benigno te mostrarás benigno e com o homem sincero te mostrarás sincero; Com o puro te mostrarás puro e com o perverso te mostrarás indomável” (Sl 18:25-26).
A mensagem da salvação é direcionada a todos os homens, porém, a salvação é só para os que obedecem, ou seja, para os que creem em Cristo: “E, sendo ele consumado, veio a ser a causa da eterna salvação para todos os que lhe obedecem” (Hb 5:9).
O Dr. Pink apregoa que Deus salva e reprova os homens segundo a sua Soberania, porém, as Escrituras não dizem assim. Observe:
“Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos. E retribui no rosto qualquer dos que o odeiam, fazendo-o perecer; não será tardio ao que o odeia; em seu rosto lho pagará. Guarda, pois, os mandamentos e os estatutos e os juízos que hoje te mando cumprir” (Dt 7:7-11).
Embora Deus seja Deus, ou seja, exerça soberania, contudo, a relação dele com suas criaturas se dá através do amor e do ódio. Quando a Bíblia fala de amor e ódio, não fala de sentimentos, mas, de obediência e desobediência, como se lê:
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Mt 6:24).
Desde sempre, Deus se propôs a exercer misericórdia aos que O amam, ou seja, aos que guardam os seus mandamentos e faz perecerem os que O odeiam, ou seja, aos que não guardam os seus mandamentos. Daí a ordem: Guarda, pois os mandamentos!
Deus é fiel à Sua palavra: Ele guarda a aliança e concede a sua misericórdia aos que O amam. Esta lição é incontestável! Mas, quando o povo de Israel não guardou a aliança e desobedeceu a Deus, fazendo um bezerro de ouro, Moisés se interpôs diante de Deus e fez a seguinte oração:
“Agora, pois, perdoa o seu pecado, se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito” (Êx 32:32).
Ora, Deus só risca do livro aquele que pecar, portanto, a oração de Moisés foi descabida e atentatória à justiça de Deus, pelo que Deus respondeu:
“Então, disse o SENHOR a Moisés: Aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro” (Ex 32:33).
Em outras palavras, a alma que pecar essa mesma morrerá, ou seja, Moisés não podia perecer no lugar do povo que pecou: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18:20).
Deus concedeu a Moisés que continuasse conduzindo aquele povo, porém, o mal já estava estabelecido: visitarei neles o seu pecado! “Vai, pois, agora, conduze este povo para onde te tenho dito; eis que o meu anjo irá adiante de ti; porém, no dia da minha visitação, visitarei neles o seu pecado” (Ex 18:34).
Mas, ao dar prosseguimento em sua missão, Moisés roga pela presença de Deus e que considere o povo de Israel, que havia pecado, como o Seu povo (Ex 33:12-13). Deus concede o desejo de Moisés, de mostrar a sua glória, fazendo passar a bondade de Deus e anunciar o nome de Deus perante Moisés (Ex 33:19).
Mas, apesar de Deus conceder o desejo de Moisés, reitera a sua palavra: “… e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer” (Ex 33:19). Onde os calvinistas veem soberania, na verdade é a reiteração de um mandamento: “Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos” (Ex 7:7).
De quem Deus tem misericórdia? Deus tem misericórdia dos que O amam, ou seja, dos que guardam o seu mandamento. Quando é dito: ‘terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia’, ocorre uma figura de linguagem conhecida por ‘elipse’, que consiste na supressão de parte da frase, geralmente utilizada por bons escritores, pois intensifica e valoriza a porção restante do discurso.
Deus não utiliza dois pesos e duas medidas: “E orei ao SENHOR meu Deus, confessei e disse: Ah! Senhor! Deus grande e tremendo, que guardas a aliança e a misericórdia para com os que te amam e guardam os teus mandamentos” (Dn 9:4).
Jesus mesmo disse que aquele que ama é o que guarda os seus mandamentos: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai e eu o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14:21). Ora, se tudo concorre para o bem dos que amam a Deus, certo é que tudo concorre para o bem dos que obedecem a Deus (Rm 8:28).
Aquele que não obedece (ama), não conhece a Deus: “Aquele que não ama, não conhece a Deus; porque Deus é amor” (1 Jo 4:8); “Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso e nele não está a verdade” (1 Jo 2:4); “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis e desobedientes e reprovados para toda a boa obra” (Tt 1:16).
De nada adianta o homem dizer que crê em Deus, mas não crê em Cristo, pois a boa obra, segundo o mandamento de Deus, é crer naquele que Ele enviou e, concomitantemente, está crendo em Deus: “E Jesus clamou e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas nAquele que me enviou” (Jo 12:44); “E a sua palavra não permanece em vós, porque naquele que Ele enviou não credes vós” (Jo 5:38).
Conhecendo a Deus
Observe o seguinte verso:
“Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele” (1Co 8:3).
Como o homem se torna ‘conhecido’ de Deus? Obedecendo-o! Amando-o!
Essa abordagem se faz necessária em função dos equívocos apresentado pelo Dr. Pink no seguinte parágrafo:
“E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mateus 7:23). No capítulo anterior foi demonstrado que as palavras “conhecer” e “pré-conhecimento”, quando aplicadas a Deus nas Escrituras, têm referência não, simplesmente, à Sua presciência (isto é, a Seu conhecimento desnudo, de antemão), mas, ao Seu conhecimento de aprovação. Quando Deus disse a Israel: “De todas as famílias da terra, somente a vós (Israel) vos tenho conhecido” (Amós 3:2), é evidente que Ele quis dizer: “Somente vocês têm o meu favor”. Quando lemos em Romanos 11:2: “Deus não rejeitou o seu povo (Israel), o qual de antemão conheceu”, é óbvio que o significado é: “Deus não rejeitou, finalmente, aquele povo que Ele escolheu como objeto de Seu amor — conforme Deuteronômio 7:7,8. Da mesma forma (e é a única forma possível) devemos entender Mateus 7:23. No Dia do Julgamento o Senhor dirá a muitos: “Eu nunca vos conheci”. Observe, é mais do que simplesmente “Eu não vos conheço”. Sua declaração solene será: “Eu nunca vos conheci” — vocês nunca foram os objetos da Minha aprovação. Contraste isto com o “Eu conheço (amo) as Minhas ovelhas e das Minhas sou conhecido (amado)” (João 10:14). As “ovelhas”, Seus eleitos, os “poucos”, Ele “conhece”; mas os réprobos, os não-eleitos, os muitos, Ele não conhece — não, nem mesmo antes da fundação do mundo Ele os conheceu — Ele “NUNCA” os conheceu!” Arthur W. Pink, A Soberania de Deus na Reprovação.
Para o Dr. Pink, ‘conhecer’ é o mesmo que ‘aprovação’, porém, o termo não possui este significado. Na verdade, o termo ‘conhecer’ aplica-se aos que obedecem, aos que amam, no sentido de que se tornaram um com Ele: “Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 1:8); “E nisto sabemos que o conhecemos: se guardarmos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu conheço-o, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2:3 -4).
Deus tomará vingança dos que não obedecem ao evangelho de Cristo, ou seja, em sentido contrário, os que obedecem ao evangelho se tornam um com o Pai e o Filho, isto é, conheceram a Deus, ou antes, foram conhecidos d’Ele: “Mas, agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir?” (Gl 4:9); “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um” (Jo 17:22).
‘Conhecer’ a Deus é se tornar membro do corpo de Cristo, é pertencer à Sua Igreja. ‘Conhecer’ a Deus, ou antes, Deus ‘conhecer’ ao homem, não possui relação com “pré-conhecimento”, “presciência”, “conhecimento desnudo, de antemão”, e nem com “conhecimento de aprovação”, definições utilizadas pelo Dr. Pink para explicar o que não compreende.
Assim, como Adão ‘conheceu’ à sua mulher e se fez uma só carne, um só corpo com ela, aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus, se faz uma só carne, um só corpo com Cristo. “Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos. Por isso, deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa carne. Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja” (Ef 5:30-32).
Quando é dito: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5:21), significa que Cristo nunca foi participante do pecado, ou seja, que nunca esteve unido ao pecado.
A doutrina calvinista da reprovação, ou como alguns dizem, preterição, surge da má leitura de alguns termos bíblicos. Na sua grande maioria, os estudiosos leem os termos com a mente do nosso tempo e se esquecem de que os termos têm que ser compreendidos com a mente do homem da época em que o termo foi empregado.
O absurdo de tentar embasar a preterição em passagens bíblicas como Romanos 9, verso 13: “Como está escrito: amei Jacó e aborreci a Esaú”, decorre da má leitura de termos como ‘amar’ e ‘aborrecer’ e de não observar o contexto.
O apóstolo Paulo estava demonstrando que a palavra de Deus não falhou, embora nem todos os pertencentes à comunidade de Israel fossem israelitas, ou seja, não é porque os filhos de Jacó descendiam de Abraão que eram, de fato, filhos de Abraão (Rm 9:6-7).
Como foi dito a Abraão que, em Isaque seria chamada a descendência de Abraão, isso significava que não eram os filhos da carne, que eram filhos de Abraão, mas, sim, os filhos da promessa (Rm 9:8). Em seguida, o apóstolo cita a palavra da promessa que não falhou: “Pois a palavra da promessa é esta: Por este tempo virei e Sara terá um filho” (Rm 9:9).
Seguindo o raciocínio de que a palavra de Deus não falhou (Rm 9:6), o apóstolo Paulo cita outra promessa, a palavra que foi dita a Rebeca quando concebeu de um só, Isaque (Rm 9:10). Mas, antes de Esaú e Jacó terem nascido, ou feito bem ou mal, Deus disse a Rebeca: “O maior servirá o menor” (Rm 9:12).
Por que foi dita esta palavra a Rebeca? Deus tinha preferência entre os filhos de Rebeca e de Isaque? Não! Foi dito que o ‘maior serviria o menor’ para evidenciar que o propósito de Deus, segundo a eleição, é firme, não por obra, mas pelo que chama.
O propósito de Deus, segundo a eleição, era abençoar o primogênito. Mas, como Esaú desprezou o direito de primogenitura por um prato de lentilhas, Jacó adquiriu esse direito. Deus deu o que era de direito a Jacó, ou seja, amou a Jacó. Jacó buscou o direito de primogenitura, ou seja, a bênção de Deus e Deus lhe concedeu, enquanto que negou o mesmo direito a Esaú, pois este o desprezara e o vendera a seu irmão mais novo.
A primogenitura era o parametro para a eleição de Deus, e não a sua soberania. Soberanamente, antes de Esaú e Jacó terem nascido, Deus já havia estabelecido abençoar o primogênito.
A escolha do povo de Israel não se deu porque Deus tinha preferência por Israel, em detrimento dos outros povos, pois, em nada Israel era diferente dos outros povos (Dt 9:6), antes, a escolha se deu para que Deus guardasse o juramento feito a Abraão (Dt 9:5).
Quando Deus disse, por intermédio de Malaquias: “Amei a Jacó, mas odiei a Esaú” (v. 13), foi uma resposta ao povo, que questionava de que forma foram amados (Ml 1:2). Deus ‘amou’ Israel, porque guardou o juramento que fizera aos pais, o que significa que a palavra de Deus não falhou (Sl 44:3).
“O SENHOR não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos; Mas, porque o SENHOR vos amava e para guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou, com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito” (Dt 7:7-8).
“Será, pois, que, se ouvindo estes juízos, os guardardes e os cumprirdes, o SENHOR teu Deus te guardará a aliança e a misericórdia que jurou a teus pais; E amar-te-á, abençoar-te-á e te fará multiplicar; abençoará o fruto do teu ventre e o fruto da tua terra, o teu grão e o teu mosto, o teu azeite, a criação das tuas vacas e o rebanho do teu gado miúdo, na terra que jurou a teus pais te dar” (Dt 7:12-13).
Por causa da promessa feita aos pais, Israel foi preservado e Edom, por não ter direito segundo a promessa, tornou-se uma desolação, morada de chacais. A citação de Malaquias evidencia que a palavra de Deus não falhou e não que Deus escolhe alguns para serem salvos e outros destinou à danação.
Há injustiça da parte de Deus, por ter dado a sua palavra aos pais? Não! Pois Deus mesmo disse a Moisés: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia” (Rm 9:15).
Deus teve misericórdia da humanidade, quando anunciou o evangelho, primeiramente, a Abraão: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gl 3:8). Alguém assim quis, ou correu atrás desta promessa? Não! Conclui-se que a promessa não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus, que se compadeceu da humanidade (Rm 9:16).
Quando Deus disse a Moisés, que tem misericórdia de quem Ele tiver, Moisés estava querendo e correndo atrás do perdão de Israel. Ora, Moisés não alcançou a misericórdia de Deus para o povo de Israel, pois todos que saíram do Egito, exceto dois, morreram no deserto. Não dependia de Moisés querer ou correr, mas de Deus, que tem misericórdia dos que O amam.
O capítulo 9, de Romanos, foi escrito para demonstrar que a palavra de Deus não falha, mas por má leitura, utilizam-no para endossar doutrinas que não tem por base a fé, que foi dada aos santos.
De cinco termos bíblicos que analisamos: fé, crença, misericórdia, amor e conhecimento, percebe-se que a doutrina anunciada pelo Dr. Pink é resultado de má leitura e de má compreensão de algums termos, ou, de algumas figuras de linguagem, quando empregadas nas Escrituras.
[1] O livro “A Soberania de Deus”, de Arthur Pink foi traduzido para o português e publicado pela Editora Fiel, com o título “Deus é Soberano”, contudo, não consta na versão brasileira o capítulo sobre “A Soberania de Deus na Reprovação”.
[2] “Ele concede o dom da fé para que as pessoas possam crer. Deus dá esta fé só àqueles que Ele tem escolhido e sem dúvidas tem o direito de atuar como e quando quer neste assunto” Pink A. W. Deus é Soberano, Tradução do espanhol para o português realizada por Daniela Raffo, 2007. Arquivo disponível na Web < http://cristaoreformado.com.br/2018/05/10/por-quem-morreu-cristo/?print=print > Consulta realizada em 17/10/15.
[3] “Metonímia ou transnominação é uma figura de linguagem que consiste no emprego de um termo por outro, dada a relação de semelhança entre o segundo e o termo entre as orações, ou a possibilidade de associação entre cinco ou mais figuras de linguagem destes. Por exemplo: “Palácio do Planalto” é usado como um metônimo (uma instância de metonímia) para representar a presidência do Brasil, por ser esse o nome do edifício do governo federal” (Wikipédia).