Polêmicos

Paradoxo da onipotência, onisciência e benevolência

O paradoxo de Epicuro tem por base três atributos da divindade, os quais são: onipotência, onisciência e onibenevolência (benevolência ilimitada). Apesar do aviso paulino, já no primeiro século do cristianismo, vê-se influencias helenística nos escritos encontrados, e dentre eles destacamos a ‘Didaquê’, chamado de ‘A doutrina dos doze apóstolos’, uma espécie de catecismo redigido entre os anos 90 e 100, na Síria, na Palestina ou em Antioquia.


Paradoxo da onipotência, onisciência e benevolência

“Cheia parti, porém vazia o SENHOR me fez tornar; por que pois me chamareis Noemi? O SENHOR testifica contra mim, e o Todo-Poderoso me tem feito mal” ( Rute 1:21 )

 

Filosofias

O apóstolo Paulo orientou os cristãos a terem cuidado com a filosofia (gregos) e as tradições dos homens (judeus) para que não fossem enlaçados e presos ( Cl 2:8 ), pois para estes o evangelho é escândalo e para aqueles loucura.

Apesar disso, escolas teológicas como a de David Friedrich Strauss cogitaram a ideia de que o apóstolo Paulo foi influenciado pela filosofia grega, e a escola de teologia de Tubinga presumia que o apóstolo dos gentios foi influenciado por Sêneca[1], pensador Romano.

Considerando que o apóstolo Paulo ordenou aos cristãos que não entrassem pelo caminho da filosofia, e os próprios filósofos que estava no Areópago, em Atenas, entenderam como uma nova doutrina a mensagem da ressurreição dentre os mortos ( At 17:32 ), não é muito difícil concluir que é incoerente afirmar que há uma correspondência de pensamento entre o apóstolo Paulo e o intelectual estoico Romano Sêneca ou que o estoicismo tenha relação com o evangelho de Cristo como argumentam alguns críticos do evangelho.

O evangelista Lucas registrou o questionamento dos filósofos epicureus e estoicos que queriam saber que nova doutrina era aquela anunciada pelo apóstolo Paulo ( At 17:18 -19), o que leva à pergunta: Por que os atenienses classificariam a exposição do apóstolo Paulo de nova doutrina?

O mesmo não se pode afirmar com relação ao pensamento de Tertuliano, Orígenes[2], Jerônimo, Clemente de Alexandria[3], Tomás de Aquino, Agostinho, João Calvino, etc., pois há sim influencias helenística e correspondência de ideias com o estoicismo e outras correntes de pensamentos filosóficos como o platonismo e o aristotelismo.

Apesar do aviso paulino, já no primeiro século do cristianismo, vê-se influencias helenística nos escritos encontrados, e dentre eles destacamos a ‘Didaquê’, chamado de ‘A doutrina dos doze apóstolos’, uma espécie de catecismo redigido entre os anos 90 e 100, na Síria, na Palestina ou em Antioquia.

O Didaquê anuncia a existência de ‘dois caminhos’, e um leitor desavisado pode entender que o conteúdo filosófico desse catecismo equivale a parábola dos ‘Dois Caminhos’ anunciado por Jesus.

Jesus Cristo deixou claro que Ele é a porta estreita e o caminho estreito que conduz o homem a Deus, enquanto, a Didaquê não apresenta dois caminhos, mas um caminho com uma bifurcação[4]. Uma bifurcação remete a ideia de que o homem está em um caminho neutro e, dependendo de suas ações (se boas ou más) será salvo ou se perderá.

A parábola dos dois caminhos apresenta um caminho estreito e um caminho largo, ambos não se cruzam e conduzem a destinos distintos: perdição e salvação. Entrar ou estar no caminho largo não é resultado das ações do indivíduo. A entrada pelo caminho largo se dá através do nascimento natural, de modo que, para entrar no caminho estreito é necessário decidir-se por Cristo, nascendo de novo.

Para o homem ser salvo deve mudar a sua concepção (arrependimento) acerca de como se adquire a salvação. À saber, abandonar todo e qualquer concepção que seja diferente de: a) anunciar (confessar) que Jesus é o Filho de Deus ( Rm 10:9 ) e; b) crer no coração que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos.

Adão é o primeiro de uma raça de homens naturais, gerados segundo a carne e o sangue, Cristo, o último Adão, por sua vez, é o primeiro de uma raça de homens espirituais, gerados pela ‘água’ e o ‘espírito’.

Quando se compreende que Jesus é o último Adão, resta concluir que a porta larga pela qual todos os homens entram no mundo e seguem por um caminho largo que os conduz à perdição diz do primeiro homem: Adão. Adão pecou, consequentemente todos os seus descendentes se desviaram e juntamente se fizeram imundos ( Sl 53:3 ; Rm 3:23 ; 1Co 15:21 -22).

A Didaquê segue outra abordagem, pois desconsidera a pessoa de Cristo como o caminho estreito e aponta imperativos de ordem moral como o caminho da vida. Na Didaquê lê-se uma lista enorme de vícios que são apontados como o caminho da morte.

Esta comparação entre ‘Os dois caminhos’ apresentado por Jesus e o que consta da Didaquê serve de alerta aos cristãos para não utilizar a Bíblia para dar respostas às questões de ordem ontológicas próprias à metafísica.

Por que não dar respostas teológicas às questões filosóficas? Porque resultará em vários paradoxos como o apresentado por Epicuro:

“Sendo Deus onisciente e onipotente, então conhecedor de todo o mal e com poder para eliminar o mal e não elimina, conclui-se que Ele não seja benevolente” Epicuro

Este artigo constitui-se uma análise do paradoxo de Epicuro à luz das Escrituras, demonstrando que as questões da filosofia não correspondem com as respostas que a Bíblia apresenta.

 

O paradoxo proposto por Epicuro

Define-se paradoxo como contradição lógica em declarações aparentemente verdadeiras. No caso em estudo, Epicuro entendeu que não havia como existir um Deus todo-poderoso e benevolente à vista do mal que assola o mundo.

Epicuro viu um trilema nos atributos de Deus e fez as seguintes proposições:

  • Sendo Deus onisciente e onipotente, então conhecedor de todo o mal e com poder para eliminar o mal e não elimina, conclui-se que Ele não seja benevolente;
  • Sendo Deus omnipotente e onibenevolente, então com poder para extinguir o mal e, por ser bom, quer fazê-lo, mas não o faz, conclui-se que Ele não seja omnisciente, ou por desconhecer o quanto de mal existe ou onde o mal está;
  • Enquanto omnisciente e omnibenevolente, então sabe de todo o mal que existe e quer mudá-lo, mas não o faz, conclui-se que Ele não seja omnipotente.

O tal dilema/paradoxo tornou-se ferramenta argumentativa para aos ateus, e muitos filósofos fizeram uma releitura destes enunciados enfatizando uma contradição lógica. Dentre eles destacamos dois: Charles Bray, cita Epicuro em seu livro ‘A Filosofia da Necessidade de 1863’:

“Seria Deus desejoso de prevenir o mal mas incapaz? Portanto não é omnipotente. Seria ele capaz, mas sem desejo? Então é malévolo. Seria ele tanto capaz quanto desejoso? Então por que há o mal?” Wikipédia < http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_de_Epicuro> consulta realizada em 11/02/15.

Hume no seu aclamado ‘Diálogos sobre a Religião Natural’, publicado postumamente em 1779 no livro décimo, disse:

“O poder [de Deus] é infinito: o que quer que ele deseja é executado. Mas nem homem nem qualquer outro animal é feliz. Portanto ele não deseja sua felicidade. Sua sabedoria é infinita: ele nunca erra em escolher os meios para qualquer fim: mas o curso da natureza tende a ser contrário a qualquer felicidade humana ou animal: portanto não é estabelecido para tal propósito. Através de toda a história do conhecimento humano, não há inferências mais certas e infalíveis do que estas. Em que ponto, portanto, sua benevolência e misericórdia lembram a benevolência e misericórdia dos homens?” Wikipédia

Epicuro (nasceu na ilha de Samos em 342 ou 341 a. C., e morreu em Atenas, em 271 ou 270 a. C) possivelmente teve contato com o material literário produzido pelos judeus helenizados de Alexandria, principalmente porque os judeus helenizados traduziram para o grego a Bíblia hebraica pelos idos dos séculos III a.C. e II a.C.

Na mitologia grega não havia deuses que favorecesse Epicuro a pensar um deus onipotente, onipresente, onisciente e benevolente. Provavelmente Epicuro desenvolveu suas ideias de ouvir dizer do Deus dos hebreus, porém, é bem provável que não tenha analisado propriamente as Escrituras.

Agora, deixando as especulações de lado, qual é a posição das Escrituras quando fala de Deus?

 

O que a Bíblia diz de Deus

O paradoxo de Epicuro tem por base três atributos da divindade, os quais são: onipotência, onisciência e onibenevolência (benevolência ilimitada).

 

Onipotência

Os teóricos designam onipotência ou ‘omnipotência’ (português europeu) um atributo exclusivo (incomunicável) da natureza de Deus por ser capaz de fazer tudo.

A Bíblia apresenta Deus como autossuficiente, ou seja, Aquele que não depende de ninguém. Ela também descreve Deus como Aquele que através da palavra do seu poder trouxe à existência todas as coisas, quer sejam visíveis ou invisíveis “Pela palavra do SENHOR foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca” ( Sl 33:6 ; Cl 1:16 ; Hb 11:3 ).

Com relação ao evento da criação Deus criou céus e terra, e segundo o que Ele disse por intermédio do profeta Isaías, criará novos céus e nova terra ( Is 65:17 e 22). Ou seja, Deus não dependeu de ninguém para trazer à existência todas as coisas e não dependerá de ninguém para trazer a existência novos céus e nova terra.

O dicionário Strog traz a seguinte definição do termo hebraico traduzido por todo-poderoso:

“H7703 – שָׁדַד / שדד shadad (cha-dad) v. (propriamente) ser corpulento; (figurativamente) ser poderoso; (passivamente) ser inexpugnável; (por implicação) assolar; [uma raiz primitiva] – morto, destruir (-dor), opressor, usurpador, despojo (-ador), X absolutamente.  Que fazem referência: H7706 – שׁדי / שַׁדַּי Shadday (cha-dai) s. o Todo-Poderoso [De ‘shâddad, “ser forte” (H7703)’]” Dicionário Strong.

Ora, a Bíblia apresenta Deus como Todo-poderoso, mas isto não implica em dizer que Ele faz tudo! A Bíblia é clara:

  • Deus não pode mentir “Em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos” ( Tt 1:2 ); “Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” ( Nm 23:19 );
  • Deus não pode negar a si mesmo – “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” ( 2Tm 2:13 );
  • Deus não pode mudar – “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” ( Tg 1:17 ); “Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” ( Ml 3:6 );
  • Deus não pode deixar de existir “Não és tu desde a eternidade, ó SENHOR meu Deus, meu Santo? Nós não morreremos. Ó SENHOR, para juízo o puseste, e tu, ó Rocha, o fundaste para castigar” ( Hc 1:12 );
  • Deus não pode fazer acepção de pessoas “E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas” ( At 10:34 );
  • Deus não pode perverter o juízo “Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra?” ( Gn 18:25 );
  • Deus não pode ter o culpado por inocente e vice versa “O SENHOR é tardio em irar-se, mas grande em poder, e ao culpado não tem por inocente; o SENHOR tem o seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés” ( Nm 1:3 ).

Estas impossibilidades elencadas referem aos atributos ditos comunicáveis e incomunicáveis de Deus.

Para analisar o paradoxo aventado por Epicuro entre os atributos de Deus, primeiro é imprescindível entender o termo ‘omnipotência’ do ponto de vista filosófico. Para Epicuro um ser onipotente é aquele que detém todo poder para realizar tudo o que quiser. No entanto, o entrave tem início quando Epicuro faz especulações sobre o que Deus quer. Por entender que Deus deixou de fazer o que se especulou acerca da omnibenevolência de Deus, o filósofo concluiu equivocadamente que Deus não detém todo poder.

Ora, este pensamento tem por base uma lógica simplista visto que Deus pode realizar o que deseja, e não o que o homem especula ser o desejo de Deus! “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade ( Ef 1:11 ).

O que o homem sabe acerca do desejo de Deus? Onde o filósofo se informou para declarar que o mal não poderia subsistir sendo Deus onipotente e bondoso? A vontade de Deus é jamais cometer injustiça, jamais contrariar a sua palavra, continuar imutável, etc., como se lê: “Porque a palavra do SENHOR é reta, e todas as suas obras são fiéis. Ele ama a justiça e o juízo; a terra está cheia da bondade do SENHOR” ( Sl 33:4 -5).

O filósofo se equivoca quando estabelece que ser bom é realizar o que é agradável. O bom faz o que é reto e justo “Mas o nobre projeta coisas nobres, e por nobres atos persevera” ( Is 32:8 ). Deus é bom porque providenciou resgate para o homem que ele criou e que se perdeu. É liberal, pois providenciou salvação para todos os homens e tem misericórdia de quem tiver misericórdia, ou seja, daqueles que O amam ( Ex 20:6 e Ex 33:19 ).

Quando a Bíblia apresenta Deus como ‘Todo-poderoso’ está dizendo que Ele pode fazer tudo o que desejar fazer, daí o qualificativo todo-poderoso, portanto, altíssimo, inexpugnável, inatingível, inigualável, de modo que toda a criação subsiste n’Ele pela palavra do seu poder ( At 17:28 ).

Jesus, quando respondeu ao diabo dizendo ‘também está escrito’, deixou-nos um parâmetro seguro de como ler e interpretar as Escrituras, pois há textos que demonstram que Deus é detentor de todo poder ( Sl 62:11 ), portanto, inigualável, no entanto, Deus não tem em si o desejo de atentar contra a sua própria natureza e existência.

Um dos atributos que é próprio a natureza de Deus é a imutabilidade, e qualquer ação de Deus jamais atentará contra a sua imutabilidade, pois se for de maneira diversa, Ele deixará de ser imutável, consequentemente, deixaria de ser Deus.

Não poder mentir é uma fraqueza? Do ponto de vista da natureza humana tal capacidade é tida por virtude. Mas, quando Deus afirma que não pode mentir, significa que o poder de Deus não é infinito?  Não poder mentir seria uma fraqueza? Não poder mentir atenta contra o seu poder? Não!

Esta ‘impossibilidade’ na verdade demonstram a imutabilidade, a fidelidade e a grandeza de Deus! Com relação ao poder de Deus, vale considerar que após Ele criar todas as coisas, não se cogita que ao final da criação que Ele tenha se enfraquecido ou que tenha ficado menos poderoso. Quando a Bíblia diz que Deus é todo poderoso e imutável, ela demonstra que tudo o que foi criado Deus é poderoso para fazer infinitamente muito mais, e o seu poder permanece inalterado.

Poder criar do nada todas as coisas é uma característica da Onipotência de Deus, e, não mentir é característica de outro atributo d’Ele. Não poder mentir não é falta de poder, antes diz de alguém que tem o poder de garantir a sua palavra, ou seja, faz parte da imutabilidade de Deus.

A questão: Deus onipotente realizaria uma ação que limitaria a sua capacidade de realizar ações? É desta pergunta que surge o aclamado ‘paradoxo da pedra’: “Pode um ser omnipotente criar uma pedra que não consiga erguer?”. Qual a resposta bíblica?

Sim! Em termos gerais o ‘livre arbítrio’ é uma ‘pedra’ que limita a ação de Deus, pois embora tenha providenciado salvação para todos os homens por desejar salvar a todos, Ele resignou-se salvar somente os que obedecem à verdade do evangelho “Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” ( 1Tm 2:4 ; Ex 20:6 e Ex 33:19 ).

É impossível o homem estar em comunhão com Deus a contragosto, pois para estar com Deus é necessário sujeitar-se voluntariamente ao seu mando. Ora, em Deus o homem encontra plena liberdade, condição completamente diferente da ideia de independência “Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” ( 2Co 3:17 ).

Geralmente confunde-se ‘liberdade’ com ‘independência’. A liberdade só é possível entre partes que possuem comunhão, vínculo. Já a independência interrompe qualquer vínculo. Se há comunhão com Deus, há liberdade. Se há independência de Deus, perde-se a liberdade, pois o homem passa a ser prisioneiro do pecado.

Deus tem o poder de praticar todas as ações que não contrarie a sua natureza, que é santa, justa e boa! Deus é fiel à sua palavra e, como prometeu salvar o homem, providenciou salvação poderosa na casa de Davi para que permaneça justo e possa justificar os homens que obedeçam o evangelho.

No quesito salvação não há impossível para Deus! “EIS que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir” ( Is 59:1 ). Porém Deus não salva aqueles que rejeitam a Cristo, não por fraqueza ou impossibilidade n’Ele. Na verdade Deus não salva aquele que rejeita a verdade do evangelho porque seu propósito é salvar os crentes pela loucura da pregação e, como a sua palavra é firme não declara justo o ímpio! “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” ( 1Co 1:21 ).

Deus é todo-poderoso conforme declarou Jó: “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido” ( Jo 42:2 ), um conceito diverso do que os filósofos cunharam no termo ‘onipotente’, o qual remete a uma ideia equivocada da magnitude do poder de Deus.

Deus tudo pode e nenhuns dos seus propósitos podem ser frustrados, o mesmo não pode ser dito da vontade do homem.

A vontade de Caim foi frustrada, pois queria oferecer um sacrifício e agradar a Deus, porém, ele foi rejeitado e a sua oferta também. Deus sabia quem, como e onde ocorreria o primeiro homicídio e alertou Caim, entretanto, Deus não interveio para parar a ação má de Caim.

Vale observar que o assassínio surgiu da ira que Caim alimentou (se inflamou muito) contra seu irmão ( Gn 4:6 ). Deus alertou Caim quanto aos seus sentimentos, mas não interveio, visto que Caim possuía o livre arbítrio com relação as suas ações. E destacar que, se Caim procedesse bem, de igual modo não era aceito por Deus, pois não é através de boas ou más ações que Deus aceita o homem. Caim já nasceu escravo do pecado, ou seja, sob domínio do pecado, e por isso não era aceito e nem a sua oferta. Quando é dito que ‘o pecado jaz porta’, ‘porta’ assume o significado de local onde se exerce domínio.

Para se aproximar de Deus Caim devia crer que Deus é galardoador dos que O buscam, e não que Deus se agrada do homem quando apresenta uma oferta.

Mas, apesar de ser pecador, o desejo (foro íntimo) de Caim pertencia a ele, e não ao pecado, de modo que sobre as suas emoções e desejos devia exercer domínio ( Gn 4:7 ).

Quando foi dado o livre-arbítrio ao homem, Deus resignou-se não intervir nos seus julgamentos internos, mesmo que resultasse no mal.

A especulação dos filósofos acerca da onipotência de Deus vislumbra uma divindade que esteja sujeita aos caprichos do homem.

 

Bondade

Com relação a ‘bondade’ de Deus, o paradoxo de Epicuro considera somente a bondade de Deus, e se esquece da severidade, como alerta o escritor aos Hebreus: “Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado” ( Rm 11:22 ); “Amai ao SENHOR, vós todos que sois seus santos; porque o SENHOR guarda os fiéis e retribui com abundância ao que usa de soberba” ( Sl 31:23 ).

Deus revelou a Moisés a quem Ele destina a sua ‘bondade’: “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” ( Êx 20:6 ), e quando interpelado por Moisés para que fosse punido em lugar do povo que havia pecado, Deus respondeu que teria misericórdia de quem Ele tivesse misericórdia, ou seja, dos que O obedecem “Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” ( Êx 33:19 ).

Dentre muitos atributos, a Bíblia utiliza o qualificativo ‘bom’ para descrever Deus. Neste sentido Jesus lembrou certo jovem que somente Deus é bom, como se lê: “Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus” ( Lc 18:19 ).

O termo hebraico traduzido por ‘bom’ atribuído a Deus teria os significados a seguir?

“טוב / טּוֹב towb tob (to-be) adj. 1. bom (como adjetivo) no sentido mais amplo; 2. usado também como um substantivo, tanto no masculino como no feminino, o singular e plural (bom, uma coisa boa ou boa, um bom homem ou mulher; 3. os bons, os bens ou coisas boas, bons homens ou mulheres), também como um advérbio (bem); [de ‘towb, tob (H2895), “animar, fazer melhor, melhorar, tornar bom”‘] – bonito, melhor, melhor, mais generoso, alegre, à vontade, gracioso, alegre, amável, formoso“ Dicionário Strong

Quando utilizado o termo ‘bom’ em nossos dias, a ideia massificada diz do que é bonito, melhor, mais generoso, alegre, à vontade, gracioso, amável, formoso. Poucos se recordam do tom aristocrático que o termo carrega em si, em que o termo ‘bom’ possui o sentido de superior, nobre, bem nascido, etc., em oposição ao inferior, vil, plebeu.

Quando a Bíblia apresenta Deus como ‘bom’, está demonstrando que Ele é superior, contrastando com a condição de suas criaturas alienadas d’Ele, que são descritas como más. Neste sentido Deus é ‘bom’, ‘verdade’, ‘justiça’, ‘luz’, etc., e estas definições não comportam gradação ou dualidade.

Deus é somente bom, ou seja, neste quesito Ele não agrega os dois valores em si: bom e mal. No sentido de Senhor, bom, nobre, etc., não comporta um adjunto adnominal de intensidade como ‘muito bom’, ‘pouco bom’, ‘quase bom’, etc.

Concomitantemente ao fato de Deus ser ‘senhor’, ‘bom’ (agathos), Ele também é conhecedor do bem e do mal, e este dois últimos são entes indissociáveis. Para compreender a natureza do conhecimento do bem e do mal, basta refletir sobre a natureza das ações, pois uma mesma ação pode ser boa ou má “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ( Gn 3:22 ).

Adão como criatura, enquanto em comunhão com Deus era bom, mas após a ofensa ao mandamento de Deus dado no Éden, passou a condição de mau e, concomitantemente, conhecedor do bem e do mal.

É neste quesito ‘condição’ que Jesus designou os seus interlocutores de maus, apesar de fazerem o bem aos seus semelhantes segundo o conhecimento do bem e do mal que dispunham ( Lc 11:13 ). Os homens mesmo sendo maus (inferiores, vis, plebe) sabiam dar aos seus filhos pão em lugar de uma víbora.

Neste sentido, é necessário perceber que a condição de Adão e de todos os seus descendentes é ‘mentira’, contrastando com a natureza de Deus que é verdade “De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, E venças quando fores julgado” ( Rm 3:4 ); “Dizia na minha pressa: Todos os homens são mentirosos” ( Sl 116:11 ).

Deus é bom porque é Senhor. Deus é bom porque é soberano. Deus é bom porque é pai. Estas três funções devem ser consideradas funcionalmente, conforme era própria à aristocracia, e não conforme a visão da sociedade de hoje, na qual o termo ‘Senhor’ deixou de ter a implicação de ‘dono’ para um significado amolecido ao longo da história da humanidade, que diz de um simples ‘pronome de tratamento’.

O termo ‘senhor’ na antiguidade marcava o abismo social que havia entre o rei e seus súditos, o pai e o filho, o dono e os escravos. Na aristocracia grega (do grego αριστοκρατία, de άριστος (aristos), melhores; e κράτος (kratos), poder, Estado, ‘poder dos melhores’), os aristocratas eram designados ‘melhores’, ‘bons’, ‘senhores’, ‘distintos’, ‘escolhidos’.

O termo grego traduzido por ‘bom’ é ἀγαθούς (agathos), derivado de outro termo com raiz correspondente: ‘Arete’. O termo ‘arete’ significa perfeição do ponto de vista funcional, ou seja, o termo não possui conotação moral, e tal designação apontava para a condição dos senhores como os ‘bons’.

“… continha em si a conjugação de nobreza e bravura militar (…) quase nunca tem o sentido posterior de ‘bom’, como arete não tem o de virtude moral” Jaeger, Werner, Paideia, A Formação do homem Grego, tradução Artur M. Parreira, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003. Pág. 27;

“Senhorio e arete estavam inseparavelmente unidos. A raiz da palavra é a mesma: άριστος, superlativo de distinto e escolhido…” Idem, Pág. 26;

“O poeta aconselha a que se evite o trato com os maus (kakoi), em que o poeta engloba todos os que não pertencem a uma estirpe nobre; por outro lado, também, nobres (agathos) só se acham entre seus iguais” Idem, pág. 244.

“… que significam exatamente, do ponto de vista etimológico, as designações para ‘bom’ cunhadas pelas diversas línguas? Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual – que, em toda parte, ‘nobre’, ‘aristocrático’, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu ‘bom’, no sentido de ‘espiritualmente nobre’, ‘aristocrático’, de ‘espiritualmente bem-nascido’, ‘espiritualmente privilegiado’: um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz ‘plebeu’, ‘comum’, ‘baixo’ transmutar-se finalmente em ‘ruim’” Nietzche, Friedrich, Genealogia da moral – Uma polêmica, Tradução Paulo César de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Pág. 18.

A raiz etimológica da palavra ‘agathos’ aponta para ‘alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro, o verdadeiro enquanto veraz’, designações que se aplicam a Deus, pois Ele é Senhor. Os termos ‘agathos’ e ‘arete’ eram empregados para levar adiante o lema da nobreza, de modo a distinguir o homem nobre daquele que era comum (Jaeger, Paideia, Pág. 19).

Quando compreendemos que os termos ‘bom’ e ‘mau’ podem fazer referência ao ser, enquanto ‘alguém que é’, perspectiva diferente da classificação que se faz moralmente em relação as ações e motivações do ser, conseguimos entender que o apóstolo Paulo apontou para a natureza de Deus ao dizer: – “Seja Deus verdadeiro”.

Temos aqui uma confissão, o apóstolo Paulo admitindo o que ele constatou ser verdade acerca de Deus. Seja Deus ‘verdadeiro’ é o mesmo que dizer: Ele é Senhor, distinto, nobre, etc., enquanto os homens são ‘ralé’ por não compartilharem da natureza do Criador

O significado de ‘verdadeiro’ e ‘mentiroso’ não possuem conotação moral e nem se referem às questões de caráter, antes aponta para a natureza “De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, e venças quando fores julgado” ( Rm 3:4 ; Sl 51:4 ).

Quando Jesus questiona os fariseus acerca do Messias, eles responderam que o Messias era filho de Davi. Em seguida Jesus questiona como o Messias poderia ser filho de Davi, se Davi o chama de Senhor? ( Mt 22:45 ).

Quando é dito que Deus contempla com chuva tanto ‘maus’ quanto ‘bons’, percebe-se que o texto quer dizer que Deus trata grandes (nobres) e pequenos (vis), justo (crente) e injustos (descrente) de igual modo, ou seja, a abordagem não possui cunho moral ou de caráter “Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos” ( Mt 5:45 ).

Os maus e os bons que foram ajuntados para a festa nupcial, não faz referencia aos ladrões, prostitutas, etc., ou aos religiosos, antes tem o sentido de ‘vis’ e ‘nobres’, ‘pequenos’ e ‘grandes’, demonstrando que o Senhor da parábola não faz acepção de pessoas “E os servos, saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e a festa nupcial foi cheia de convidados” ( Mt 22:10 ).

Após compreender a bondade pertinente a Deus, resta esclarecer que, além de ser ‘nobre’, Deus também é conhecedor do bem e do mal “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ( Gn 3:22 ).

Quando lemos o Salmo 8, que diz: “Ó SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste a tua glória sobre os céus!” ( Sl 8:1 ), o termo hebraico traduzido por ‘admirável’ aplica-se aos nobres, como se verifica:

“0117  אדיר ’addiyr ad-deer’ procedente de 142; DITAT – 28b; adj 1) grande, majestoso  1a) referindo-se às águas do mar  1b) referindo-se a uma árvore  1c) referindo-se aos reis, nações, deuses, príncipes 2) grandioso, majestoso  2a) referindo-se aos nobres, chefes de tribos, servos” Dicionário Strong.

Agora, conhecendo a essência do termo, quando lemos o verso 4 do Salmo 93, temos a real dimensão da nobreza de Deus: “Mas o SENHOR nas alturas é mais poderoso do que o ruído das grandes águas e do que as grandes ondas do mar” ( Sl 93:4 ).

“04791  מרום marowm procedente de 7311; DITAT – 2133h; n m 1) altura  1a) altura, elevação, lugar elevado  1a1) num lugar elevado (adv)  1b) altura  1c) orgulhosamente (adv)  1d) referindo-se aos nobres (fig.)” Dicionário Strong.

O Senhor nas alturas está acima dos nobres (senhores) da terra, e é maior em poder que todos os reinos e nações!

Com relação à ‘bondade’ de Deus resta analisar o verso seguinte:

“Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” ( Êx 33:19 ).

Ora, Moisés pediu para que Deus mostrasse a sua glória, e a resposta de Deus foi que passaria a sua ‘bondade’ diante dele. Que relação há entre a ‘gloria’ e a ‘bondade’ de Deus? Que conexão há entre o que foi pedido e o que foi mostrado?

O termo hebraico traduzido por ‘bondade’ no verso pode ser traduzido por:

“02898  טוב tuwb procedente de 2895; DITAT – 793b; n m 1) bens, coisas boas, bondade  1a) coisas boas  1b) bens, propriedade  1c) justiça, beleza, alegria, prosperidade, bondade (abstrato)  1d) bondade (referindo-se a gosto, discernimento)  1e) bondade (de Deus) (abstrato)” Dicionário Strong.

Este mesmo termo é empregado em Provérbios, onde se lê:

“No bem dos justos exulta a cidade; e perecendo os ímpios, há júbilo” ( Pv 11:10 ).

O termo ‘bem’ no versículo refere-se às riquezas materiais, bem moral, bem estar, benefício, coisas boas, prosperidade, felicidade, generosidade, etc.? Absolutamente não!

Na verdade o termo é utilizado no provérbio para fazer referência à distinção, à nobreza do governante justo, contrastando com o ímpio quando destituído da sua posição “Quando os justos se engrandecem, o povo se alegra, mas quando o ímpio domina, o povo geme” ( Pv 29:2 ).

Ex.: A morte de Atalia trouxe alegria aos habitantes da cidade, pois ficaram livres de um governo ímpio e, simultaneamente passaram a proteção de um rei justo “E todo o povo da terra se alegrou, e a cidade repousou, depois que mataram a Atalia, à espada, junto à casa do rei’ ( 2Rs 11:20 ).

Provérbios 29, verso 12 repete a ideia de provérbios 28, verso 12: “Quando os justos exultam, grande é a glória; mas quando os ímpios sobem, os homens se escondem” ( Pv 28:12 ).

Os versos afirmam que:

  • Quando os justos se alegram há grande glória? ou;
  • Quando os justos se engrandecem (grande glória)?

Ora, o paralelismo[5] que é próprio às poesias e provérbios hebraicos nos leva a concluir pelo consequente dos dois versos que o povo se alegra quando os justos estão no poder, contrastando com os ímpios quando estão no poder. Ora, quando os ímpios galgam o poder os homens se escondem, mas quando os justos se estabelecem no poder há jubilo no povo “Então Mardoqueu saiu da presença do rei com veste real azul-celeste e branco, como também com uma grande coroa de ouro, e com uma capa de linho fino e púrpura, e a cidade de Susã exultou e se alegrou” ( Es 8:15 ).

A melhor do verso 12 de provérbios 28 é:

“Quando os justos triunfam há grande glória; mas quando os ímpios sobem, os homens se escondem” ( Pv 28:12 ) – Almeida Revisada – Imprensa Bíblica.

Voltemos ao pedido de Moisés, e na resposta divina.

O que Deus se propôs revelar está em consonância com o que Moisés pediu, e a glória de Deus é o mesmo que ‘bondade’, entendimento que os lexicógrafos adotaram segundo uma visão romântica.

Na verdade o que iria ser revelado a Moisés não possuía relação com uma bondade abstrata, antes tinha relação com o poderio, a majestade, a magnificência de que é verdadeiro enquanto veraz, nobre, distinto.

É bem provável que em nosso vocabulário[6] tão distante das sociedades aristocráticas ou monarquicas não possua um termo que se possa traduzir as várias nuances pertinentes ao termo hebraico טוב (tuwb).

Este é um provérbio que evidencia uma característica própria às sociedades antigas, que poucos conhecem:

“Por três coisas se alvoroça a terra; e por quatro que não pode suportar: Pelo servo, quando reina; e pelo tolo, quando vive na fartura. Pela mulher odiosa, quando é casada; e pela serva, quando fica herdeira da sua senhora” ( Pv 30: 21 -23).

Ora, o que Deus fez passar diante de Moisés foi toda pujança, poderio, a essência da Sua glória. Dos ricos e poderosos a pujança são os bens, as riquezas, elementos que aponta para a prosperidade, o ‘bem’ que distingue os nobres dentre os comuns dos homens.

Em seguida destaca-se o nome de Deus, que é ‘invocado’ por Deus diante de Moisés, o que é peculiar aos nobres[7], aos bem nascidos, o que por si só representa a glória de quem é o que é: verdadeiro enquanto veraz[8].

Através dos elementos ‘bondade’ e ‘nome’ que consta deste verso, verifica-se o conceito ‘bom’ que se aplica a Deus. Daí vale considerar:

  • Que a ‘bondade’ de Deus é o mesmo que a Sua ‘glória’: “Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR diante de ti (…) E acontecerá que, quando a minha glória passar…” ( Ex 33:19 e 22).
  • Que os homens devem conhecer a Deus como único e verdadeiro “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” ( Jo 17:3 )
  • Que a glória de Cristo estava na incumbência que recebeu ainda antes da fundação do mundo ( Jo 17:6 ), missão esta de manifestar o nome de Deus aos homens “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer (…)  Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste; eram teus, e tu mos deste, e guardaram a tua palavra (…) Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste (ordem, incumbência de uma função) antes da fundação do mundo (…) E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja” ( Jo 17:3 -4 e 6 e 24 e 26);
  • Que no Antigo Testamento as pessoas eram convocadas por sua função “DEPOIS falou o SENHOR a Moisés, dizendo: Eis que eu tenho chamado por nome (ou seja, o chamou por sua função, de saber mexer com metais) a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor” ( Êx 31:1 -3);
  • Que a tradução literal de ‘e proclamarei o nome do Senhor diante de ti’ é: ‘e invocarei o nome de YHWH’ ( Ex 33:19 );
  • Que o termo ‘invocação’ pode significar: “s.f. Ação de invocar, de chamar por alguém; Chamamento; pedido de socorro; rogo; Ato de aduzir (trazer) como prova do que se diz; Súplica do poeta a uma divindade, a uma musa, para pedir inspiração; Liturgia Consagração, dedicação, proteção: igreja colocada sob a invocação da Virgem Maria” Dicionário Informal Web – grifo nosso;
  • Que em Êxodo 33, verso 17 o termo hebraico ׃םשֵֽׁבְּ traduzido por ‘nome’ na frase: “e te conheço por nome” possui um significado mais amplo: “em nome de”, no sentido de ‘te conheço por tua função’. O ‘nome’ diz da função que alguém desempenha e não o substantivo que dá nome a alguém;

O verso: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel” ( Is 7:14 ), verifica-se que a ênfase não está no nome (e ele se chamará Emanuel), e sim no nome (e chamará o seu nome Emanuel), destacando a função do menino: ser o Emanuel;

Que a profecia fazia referência a João Batista como Elias, visto que a função de ambos era idêntica: ‘converte o coração dos pais aos filhos’, e que João Batista se apresentava pela função que estava exercendo “Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías” ( Jo 1:23 ); “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR” ( Ml 4:5 ); “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir” ( Mt 11:14 ).

Ao dizer que ‘proclamaria o nome do Senhor’ diante de Moisés, Deus estava jurando por Si mesmo como fez a Abraão “Dizendo: Certamente, abençoando te abençoarei, e multiplicando te multiplicarei (…) Por isso, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento” ( Hb 6:14 e 17 ).

No ato de fazer passar a Sua glória diante de Moisés, Deus estava apresentando o fato de ser Deus como garantia. Deus ‘passar a Sua bondade’ (glória) e Deus ‘invocar o Seu nome’ não são coisas distintas, pois a glória e o nome englobam os atributos e a função (o nome = função = de Deus é ser Deus), certo é que Deus mostraria que é o ‘Eu sou’ ao deixar ver a sua glória.

Quando Deus diz a Moisés: “Te conheço por nome” ( Ex 33:17 ), destaca a função de Moisés: “Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito” ( Ex 3:10 ), e: “E Moisés disse ao SENHOR: Eis que tu me dizes: Faze subir a este povo, porém não me fazes saber a quem hás de enviar comigo; e tu disseste: Conheço-te por teu nome, também achaste graça aos meus olhos” ( Ex 33:12 ).

Quando Deus desceu em uma nuvem e se pôs próximo de Moisés ‘invocou’ o Seu nome como havia prometido anteriormente diante de Moisés ( Ex 33:19 ). Deus passou diante de Moisés e ‘invocou’ como prova da Sua glória as seguintes funções que desempenha para com o homem:

“O SENHOR, o SENHOR Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade; Que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniquidade, e a transgressão e o pecado; que ao culpado não tem por inocente; que visita a iniquidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até à terceira e quarta geração” ( Ex 34:6 – 7).

Diante da glória manifesta de Deus e das funções que Ele desempenha, Moisés inclinou a cabeça à terra e adorou.

Neste mesmo sentido é apresentado o nome do Emanuel pela função que Ele havia de desempenhar: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” ( Is 9:6 ).

 

O bem e o mal

O conhecimento do bem e do mal não altera a natureza de quem o possui:

  • Deus é bom (nobre) e conhecedor do bem e do mal;
  • O homem é mau (inferior, vil) e conhecedor do bem e do mal.

Deus é imutável e para todo o sempre bom e, concomitantemente conhecedor do bem e do mal. O homem, por sua vez, era bom (nobre=ligado a Deus=participante da sua natureza), pois assim foi criado, mas ao desobedecer o mandamento de Deus, tornou-se mau (inferior) e conhecedor do bem e do mal.

Quando Adão desobedeceu ao Criador alterou a sua natureza para vil (má), e concomitantemente adquiriu o conhecimento do bem e do mal. Agora, para tornar-se nobre (bom), o homem precisa ‘nascer de novo’, ou seja, de uma semente incorruptível, e mesmo após tornar-se uma nova criatura, permanecerá conhecendo o bem e o mal.

Vale destacar que o conhecimento do bem e do mal não se trata de uma dualidade (bem versus mal ou nobreza versus plebeus) como muitas religiões apregoam. O conhecimento do bem e do mal que estão intrinsicamente ligados difere da essência boa ou má pertinente à natureza, porque enquanto o conhecimento bem e mal estão intimamente vinculados, visto que uma mesma ação pode ser boa e má, com relação a natureza ou é boa (nobre, ligado a Deus) ou é má (vil, desligada de Deus).

O que nos mostra isso é o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. O fruto da árvore era do conhecimento do bem e do mal, de modo que ao ser participante do fruto, não havia como Adão comer somente o bem e rejeitar o mal. Assim como a laranja é agridoce, o fruto da árvore que estava no meio do jardim era do bem e do mal.

A condenação da humanidade não é proveniente do conhecimento do bem e do mal, antes é decorrente da desobediência ao mandamento de Deus. No Éden Adão pecou, foi julgado e apenado com a morte: separação de Deus. A condenação foi estabelecida no Éden, e os homens precisam de salvação hoje, o tempo sobre modo oportuno e aceitável diante de Deus é hoje ( Rm 5:16 ; Jo 3:18 ; Hb 4:16 ; 2Co 6:2 ).

As religiões apregoam que o homem deve fazer boas ações para não serem condenados no futuro. A Bíblia demonstra que o homem precisa de salvação hoje porque foi condenado no passado. Embora sob condenação, o homem perdido pode realizar boas ações, mas boas ações não livra o homem da condenação.

A queda de Adão se deu pela desobediência, e não pelo conhecimento do bem e do mal que agregou. Guiar-se através do conhecimento do bem e do mal não muda a natureza decaída. Somente através da obediência ao evangelho o homem repara a ofensa do Éden.

Muitos questionam a ‘bondade’ de Deus a vista do mal que há no mundo, mas se esquecem que no mundo há tanto o mal quanto o bem. Por que não questionam a ‘bondade’ de Deus à vista de todas as boas ações que os homens podem fazer e as coisas boas que a natureza proporciona?

Deus soberano entregou o domínio da terra ao homem, como se lê: “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” ( Gn 1:26 ).

Uma coisa é certa: Deus é bom (nobre) e não é a maldade dos homens que fará com que Deus tome indevidamente o domínio que Ele deu ao homem. Para que Deus obtivesse o domínio da terra novamente, enviou o seu Filho Unigênito para que, como homem conquistasse o direito de dominar sobre a terra, o que segundo a Bíblia ocorrerá em breve “E Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” ( Mt 19:28 ); “Dizendo: Graças te damos, Senhor Deus Todo-Poderoso, que és, e que eras, e que hás de vir, que tomaste o teu grande poder, e reinaste” ( Ap 11:17 ).

Deus é bom quando traz a existência um homem ao mundo, e Ele permanece bom quando este mesmo homem desce ao pó da terra. Na verdade, as adversidades da vida tem um propósito singular: “No dia da prosperidade goza do bem, mas no dia da adversidade considera; porque também Deus fez a este em oposição àquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele” ( Ec 7:14 ).

Deus é bom quando preservou os habitantes da cidade de Ninive ( Jn 4:11 ), e igualmente bom quando destruiu as cidades de Sodoma e Gomorra ( Gn 19:24 ). Ora, por Deus ser bom (nobre) é que ele age da seguinte forma: “Com o benigno te mostras benigno; com o homem íntegro te mostras perfeito. Com o puro te mostras puro; mas com o perverso te mostras rígido” ( 2Sm 22:26 -27).

Geralmente quando se dá as catástrofes naturais e as mazelas decorrentes das misérias sociais é que os homens questionam a bondade de Deus.

Deus deixou leis firmes que regem a interação dos planetas, mares, ventos e do solo. Como o homem sabe ler os tempos e as estações, deve se precaver para não ser pego de surpresa pelas intempéries do planeta.

Deus também estabeleceu uma lei para as questões relativas a subsistência dos homens, lei que se aplica a todos “aquilo que o homem plantar isso também ceifará” ( Gl 6:7 ). A miséria desencadeada pelas injustiças socioeconômicas é causada pelos homens, e não pelas leis de Deus, pois o homem colhe o que planta. Deus é benevolente e justo com todos os homens, pois se o homem colhe o que planta, também necessita de sol e chuva, e Deus faz nascer o sol e chover sobre todos.

A bondade de Deus não é segundo os sentimentos pertinentes ao homem, ou seja, em demonstração de afeto e estima em relação a alguém. A bondade de Deus se verifica no cumprimento da sua palavra, pois o que Ele prometeu cumpre “Por amor do meu nome retardarei a minha ira, e por amor do meu louvor me refrearei para contigo, para que te não venha a cortar” ( Is 48:9 ).

Deus é longânime e benevolente ao ‘tardar’ a sua ira, mas essa boa vontade para com os perdidos é pelo zelo do seu nome “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição” ( Rm 9:22 ).

Suportar pacientemente os que se opõe a verdade do evangelho é benevolência, mas isto não significa que ele tenha retardado o juízo, pois todos os homens descendentes da carne de Adão estão sob condenação. O juízo já ocorreu e o homem foi apenado com a morte, só não conseguem ver “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida” ( Rm 5:18 ).

Os descendentes de Adão são os maus e merecedores da ira de Deus, mas Ele é gracioso que oferece redenção aos que creem em seu Filho como salvador. Não importa se estes descendentes de Adão sejam pessoas moralmente boas, ou moralmente reprováveis. O juízo de Deus é idêntico sobre Adolf Hitler ou a madre Teresa de Calcutá: ambos nasceram sob condenação, vasos da ira e preparados para a perdição.

A benevolência de Deus é revelada na promessa do seu Filho que veio ao mundo, e todos quantos n’Ele crê são gerados de novo, participante da natureza divina. Moralmente reprováveis ou não, qualquer que nasce de novo é vaso de honra, preparado para vida eterna. Isto significa que não são as boas ou as más ações que afastam ou aproximam o homem de Deus.

O que afastou a humanidade de Deus foi a desobediência de Adão e o que aproxima o homem de Deus é a obediência do último Adão, que é Jesus Cristo. Em Cristo há uma substituição de ato, obediência pela desobediência, e todo aquele que n’Ele crê morre com Cristo por causa do pecado e nasce de novo para justificação, ou seja, é declarado justo por Deus, livre da condenação estabelecida no primeiro Adão.

Além do juízo de Deus estabelecido lá no Éden, haverá também um julgamento de obras, onde todos os homens serão julgados segundo as intenções dos seus corações na prática de algo. Os salvos em Cristo serão julgados no Tribunal de Cristo e os perdidos serão julgados no Grande Trono Branco.

Os filósofos alardeiam que o mal existe, e que o mal depõe contra a existência de um Deus soberano (bom) e benevolente.

Analisando o tal ‘problema do mal’, não há um consenso entre os filósofos sobre o que é o mal. Para alguns, se é algo não desejável, ou desagradável, diz do mal. Para outros, o mal está no vício, em oposição as virtudes. Dependendo da cultura, o mal é personificado em uma entidade maligna, ou quando é um pensamento contrário a crença comum.

De que mal fez referência Epicuro e Charles Bray? O que é desagradável? Uma entidade? Os vícios?

Seria o mal a ausência de felicidade como argumentou Hume? Com que fundamento Hume afirma categoricamente que não há homem feliz nem qualquer outro animal feliz? Hume era dotado de onisciência? O curso da natureza é contrário à felicidade do homem, ou o homem quando rema contra o curso natural da natureza acaba atentando contra a sua própria felicidade? Hume estaria falando de alegria ou felicidade?

Se tomarmos felicidade com um estado do indivíduo de bem-estar, satisfação, serenidade, auto confiança e satisfação diante das consequências das suas decisões, quer sejam elas acertadas ou não, Hume teria razão em afirmar que ninguém é feliz? Se tomarmos a definição de alegria, que é o transbordamento circunstancial das emoções (êxtase), que se comparado a felicidade, esta está vinculada à essência do indivíduo e aquela ao momento de certos eventos, por certo que existem pessoas felizes.

Quem pode afirmar categoricamente que há bem ou que há mal em um sorriso? Um sorriso não é uma das expressões de um estado de espírito feliz? Que mal pode haver em um sorriso? Mas, dependendo do momento que alguém esboça um sorriso poderá causar mal.

Um pai quando castiga o seu filho está fazendo o bem ou mal? Ora, é certo que o momento do castigo parece ser de tristeza, e se considerarmos o argumento de Hume, por certo o castigo é mal. Mas, quando compreendemos no que resulta a repreensão, o castigo pode ser considerado como mal?  “E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” ( Hb 12:11 ).

Quem dá esmola faz o bem? Ora, no momento que alguém dispensa alguns trocados ao pedinte será retribuído com um sorriso de felicidade, mas, a mesma esmola faz com que o pedinte resigne a continuar na miséria. Dar esmola não é mal?

Para os filósofos posteriores a Hume fica a questão de Friedrich Nietzsche sobre a valoração aristocrática (bom, mal) e a transvaloração[9] sacerdotal que verte em ‘bom’ o que antes era mal e, em ruim, o que antes era bom. Hume considerou a felicidade[10] dos ‘bem-nascidos’, como apontou Nietzsche?

Questionar ou não a bondade de Deus à vista das mazelas que atinge a humanidade não torna Deus menos bom ou mais bom. Ele é o que é: verdadeiro, bom, nobre, distinto!

Agora, quanto a Deus recompensar os homens que O invocam, e os que não o invocam, há somente duas formas de Deus trata-los: para os que não o invocam vergonha eterna, e para os que o invocam vida eterna, pois “… se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem) De maneira nenhuma; de outro modo, como julgará Deus o mundo?” ( Rm 3:5 -6).

Se o homem pratica o que é justo diante de Deus[11] será recompensado com vida. Enquanto permanecer na sua justiça a ‘intenção’ de Deus para com o indivíduo é para o bem. Mas, se tal homem deixar a sua justiça e se achegar a iniquidade, a ‘intenção’ de Deus para o mesmo indivíduo é para mal.

Daí o alerta solene do apóstolo Paulo: “Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado” ( Rm 11:22 ).

Quando lemos que Deus é pronto a perdoar e abundante em benignidade, não significa que Deus é complacente, tolerante ou condescendente com a impiedade. A benignidade de Deus é abundante para aqueles que O invocam, mas se o indivíduo não invoca a Deus, resta a severidade “Pois tu, Senhor, és bom, e pronto a perdoar, e abundante em benignidade para todos os que te invocam” ( Sl 86:5 ).

Este aspecto da benignidade de Deus é imutável, sem ‘arrependimento’: perdão aos que invocam e severidade aos rebeldes.

É em função da justiça de Deus que Ele tratou o povo de Israel segundo o conhecimento do bem e do mal, conforme se lê: “Porque assim diz o Senhor DEUS: Quanto mais, se eu enviar os meus quatro maus juízos: a espada, a fome, as feras, e a peste, contra Jerusalém, para cortar dela homens e feras?” ( Ez 14:21 ).

O mal que Deus enviaria contra Jerusalém diz de calamidade, desgraça. É neste aspecto que, quando Deus faz referência a Ciro como um escolhido para abater as nações, é dito: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas” ( Is 45:7 ), ou seja, Deus levantou em desfavor da nação de Israel aflição, miséria, ferida, calamidade, adversidade, porém, através de Ciro foi concedido a oportunidade de Israel reedificar a cidade destruída pelos babilônios ( Is 45:13 ).

Ora, com relação ao conhecimento do bem e do mal é dito que Deus se ‘arrepende’, como se lê: “Então o SENHOR arrependeu-se do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo” ( Êx 32:14 ).

Se o homem não teme a Deus o mal está determinado, mas se temer, Deus se arrepende do mal. Na verdade é o homem que faz mal a sua alma quando não obedece ao Criador “Mataram-no, porventura, Ezequias, rei de Judá, e todo o Judá? Antes não temeu ao SENHOR, e não implorou o favor do SENHOR? E o SENHOR não se arrependeu do mal que falara contra eles? Nós, fazemos um grande mal contra as nossas almas” ( Jr 26:19 ).

Isto significa que Deus possui duas medidas para tratar com o homem: sendo o homem justo receberá a vida, mas sendo o homem ímpio, a morte.

Quando o homem é justo, ou seja, procede conforme a verdade, a proposta de Deus é premiá-lo com a vida ( Ez 18:5 e 9), mas, se tal homem desviar-se da verdade (cometendo assim injustiça), Deus se ‘arrepende’ do bem que faria, e esse homem morrerá ( Ez 18:24 ).

O ‘arrependimento’ de Deus não é igual ao arrependimento do homem, que é mudança de conceitos, mudança de concepção. O homem se arrepende (muda de concepção acerca de uma matéria) porque não conhece tudo acerca do assunto, portanto, constantemente precisa rever os seus conceitos.

O ‘arrepender-se’ de Deus é no sentido de não mentir, por isso é dito que não é o homem para que se ‘arrependa’ (voltar atrás com sua palavra) “E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa” ( 1Sm 15:29 ).

Quando se lê que Deus não mente e não se arrepende, não temos conceitos distinto. A ideia é que Deus não mente, não muda, não volta atrás a sua palavra, pois Ele não se engana.

O termo hebraico que se traduz por ‘arrependimento’ é:

“05162  נחם nacham uma raiz primitiva; DITAT – 1344; v 1) estar arrependido, consolar-se, arrepender, sentir remorso, confortar, ser confortado  1a) (Nifal)  1a1) estar sentido, ter pena, ter compaixão  1a2) estar sentido, lamentar, sofrer pesar, arrepender  1a3) confortar-se, ser confortado  1a4) confortar-se, aliviar-se  1b) (Piel) confortar, consolar  1c) (Pual) ser confortado, ser consolado  1d) (Hitpael)  1d1) estar sentido, ter compaixão  1d2) lamentar, arrepender-se de  1d3) confortar-se, ser confortado  1d4) aliviar-se” Dicionário Strong.

Devemos observar que Deus se ‘arrependeu’ de haver posto Saul por rei, visto que deixou de seguir a Deus “Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao SENHOR” ( 1Sm 15:11 ).

Por que é dito que Deus se arrependeu? Porque Deus se entristeceu, se ‘ressentiu’ da postura de Saul diante da ordem que lhe dera ( Dt 32:21 ; Rm 10:9 ). A atitude de Saul estava inviabilizando o cumprimento da promessa feita a Moisés “Então disse o SENHOR a Moisés: Escreve isto para memória num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus” ( Êx 17:14 ).

Reinar para sempre estava condicionado a Saul seguir a Deus obedecendo-O, de modo que Saul foi destituído do trono de israel. Por mais que Saul rogasse a Deus, neste quesito Deus jamais voltaria atrás, pois Saul não obedeceu “Então disse Samuel a Saul: Procedeste nesciamente, e não guardaste o mandamento que o SENHOR teu Deus te ordenou; porque agora o SENHOR teria confirmado o teu reino sobre Israel para sempre; Porém agora não subsistirá o teu reino; já tem buscado o SENHOR para si um homem segundo o seu coração, e já lhe tem ordenado o SENHOR, que seja capitão sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou” ( 1Sm 13:13 -14).

O que aconteceu com Esaú aconteceu também com Saul, pois este foi rebelde a voz de Deus e perdeu o direito ao trono de Israel e aquele perdeu o direito de primogenitura quando vendeu “Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que com lágrimas o buscou” ( Hb 12:17 ). A primogenitura passou a ser direito de Jacó e, por mais que Esaú tenha chorado inconsolavelmente, não havia como ocupar a posição de primogênito. Neste quesito Deus jamais voltaria atrás, retirando o que era de direito a Jacó para conceder a Esaú.

No quesito salvação quem se ‘arrependimento’ é o homem pela multidão das misericórdias que há em Deus, de modo que, se o pecador se ‘arrepende’, Deus concede salvação ( Mt 24:13 ). Se o pecador não se arrepende, permanecerá na perdição “Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações. Dize-lhes pois: Assim diz o SENHOR: Se não me derdes ouvidos para andardes na minha lei, que pus diante de vós, Para que ouvísseis as palavras dos meus servos, os profetas, que eu vos envio, madrugando e enviando, mas não ouvistes; Então farei que esta casa seja como Siló, e farei desta cidade uma maldição para todas as nações da terra” ( Jr 26:3 -6).

Deus não muda e nem se arrepende, conforme está escrito: “Porém ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do Senhor diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer” ( Êx 33:19 ).

Na passagem: “e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me compadecerei de quem eu me compadecer”, ‘misericórdia’ é o mesmo que ‘agraciar’. No contexto a misericórdia está em Deus mostrar a sua glória, conforme está escrito: “O SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericórdia de ti” ( Nm 6:25 ).

Moisés momentos antes pediu para que Deus se manifestasse não somente para ele, mas também para o povo, ou seja, Moisés pede para Deus mostrar Sua gloria para ele e o povo. Entretanto, apesar de Deus atender o pedido de Moisés, esclarece que que mostraria a Sua glória a quem quisesse.

E a quem Deus quer mostrar a sua glória? Aos que obedecem (amam) a Deus, ou seja, guardam o seu mandamento “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” ( Êx 20:6 ).

 

Conclusão

Compreendendo a mensagem bíblica os paradoxos se dissipam. O raiar do conhecimento que há nas Escrituras dissipa toda nevoa da ignorância. Diante do conhecimento da verdade fica evidente que o paradoxo de Epicuro procede de uma má compreensão do que vem a ser a bondade de Deus.

A bondade de Deus está ligada à sua natureza nobre e à sua justiça, e não significa isenção de punição ou castigo, pois Ele castiga a todos que recebe por filhos para instruí-los e os injustos reserva o dia do juízo “Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho” ( Hb 12:6 ); “Assim, sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos, e reservar os injustos para o dia do juízo, para serem castigados” ( 2Pd 2:9 ); “Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende; não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso” ( Jó 5:17 ).

Deus é onipresente, onisciente, onipotente e bom (supremo). Nada escapa aos olhos de Deus: “E não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar” ( Hb 4:13 ). Embora Deus se resignou não intervir nas decisões dos homens dando-lhes o livre arbítrio, Ele é todo-poderoso, pois tudo criou e faz o que lhe apraz.

Deus estabeleceu leis justas, portanto, é o homem quem provoca seu próprio mal (infortúnios, catástrofes, doenças, guerras, etc.). O homem pratica ações más pelo livre-arbítrio que dispõe, mas de tudo Deus pedirá conta “O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou” ( Ec 3:15 ).

O homem foi criado perfeito (santo, justo e bom) em perfeita comunhão com o Criador. Quando pecou, o homem perdeu a perfeição e a comunhão, um mal irreparável por parte do homem. A bondade, benevolência e benignidade de Deus se revela quando Ele proveu salvação poderosa na casa de Davi a todos os homens que, por natureza estavam destinados a morte.

Além das obras da criação, Deus quis salvar os homens. Salvar-se a si mesmo é impossível aos homens, mas graciosamente Deus quis salvá-los e salva todos que Lhe obedecem! “Os seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá pois salvar-se? E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” ( Mt 19 :25 -26 ).

 

[1] “A chamada história geral da religião abordou a influência religiosa estrangeira no Cristianismo primitivo numa frente mais ampla, mas também aflorou a influência dos Gregos. Por outro lado, um impacte directo da filosofia grega no Novo Testamento e, em particular, em S. Paulo, que escolas anteriores de estudos teológicos (p. ex., a de D. F. Strauss) costumavam presumir, não foi confirmado pela investigação histórica moderna. Havia por certo muitas ideias filosóficas no ar, mas isso não é o mesmo que uma influência doutrinal demonstrável, p. ex., de Séneca em S. Paulo, como foi presumida pela escola de teologia de Tubinga em meados do século XIX” Jaeger, Werner, Cristianismo Primitivo e Paideia Grega, Título original: Early Chistianity and Greek Paideia, dições 70 – Lisboa – Portugal, pág. 15, nota de roda pé.

[2] “Ele contribuiu para a legítima helenização do cristianismo, frente ao problema da relação entre Igreja e cultura. Ao afrontar tal problema, conclui que o cristianismo não veio destruir a filosofia grega, mas mobilizá-la e aperfeiçoá-la” Hackmann, Geraldo Luiz Borges, A amada igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão orgânica, Ed. EDIPUCRS, 2003, Pág. 31.

[3] “Vem, pois, ó insensato, e não mais com o terso na mão, nem coroado de hera! Larga tua mitra, deixa tua pele de cabra e retoma a razão! Eu te mostrarei o Logos e os mistérios do Logos, valendo-me de tuas próprias imagens” Clemente de Alexandria. Protréptico, na tradução de Cirilo Folch Gomes. Antologia dos Santos Padres, n. 129.

[4] “Um destes grupos era o dos ‘pitagóricos’, que pregavam o modo de vida ‘pitagórico’ e utilizavam como símbolo um Y, o sinal da encruzilhada em que um homem tinha de decidir o caminho a tomar, o bom ou o mau. Em tempos helenísticos, encontramos este ensinamento dos dois caminhos, que era evidentemente muito antigo (ocorre em Hesíodo, por exemplo), num popular tratado filosófico, o Pinax de Cebes, que descreve uma imagem dos dois caminhos encontrada entre as ofertas votivas de um templo” Idem.

[5] Paralelismo – Elemento formal fundamental na construção da poesia hebraica que se constitui numa espécie de trava lógica, denominado pelos estudiosos de “ritmo de sentido”. Existem pelo menos três estilos primário de paralelismo, e a dos versos em comento trata-se de paralelismo antitético, pois cada linha do proverbio expressa pensamentos opostos quanto aos ímpios e os justos.

[6] A linguagem de uma época as vezes diferem uma da outra simplesmente pela mudança de local, como foi o caso de Sócrates quando se apresentou diante de um tribunal. Que se dirá de uma linguagem utilizada em um tipo de sociedade que os seus valores estão distantes da nossa realidade? “… se ouvirdes, na minha defesa, a mesma linguagem que habitualmente emprego na praça, junto das bancas, onde tantos dentre vós me haveis escutado, e em outros lugares, não a estranheis nem vos revolteis por isso. Acontece que venho ao tribunal pela primeira vez aos setenta anos de idade; sinto-me, assim, completamente estrangeiro à linguagem do local” Platão, Diálogos, Eutífron, Coleção Os Pensadores, Nova Cultural, pág. 66.

[7] “Todo esto se debe a que el primitivo libro de Teognis pasó a ser, en el transcurso de los siglos V-IV a. C, el núcleo de una antología en la que se introdujeron poemas de procedencia muy variada, y que se difundía, crecía y se alteraba en los banquetes aristocráticos, en los que solía cantarse por los participantes poesía improvisada sobre temas tradicionales, o tomada directamente de colecciones ya con dicho propósito formadas -como la de Teognis- y que, por eso mismo, estaban sujetas a constante transformación” 57 Título: Teognis de Mégara (selección de Poemas)[*] Autor: Editores invitados Tema: Temas Varios, Junio de 2001, Páginas 101-105 Consultado em 22/03/15.

[8] “Eles se denominam, por exemplo, ‘os vorazes’; primeiramente a nobreza grega, cujo porta-voz é o poeta Teógnis de Megara. A palavra cunhada para este fim, αγαθός [bom, nobre], significa, segundo sua raiz, alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro; depois, numa mudança subjetiva, significa o verdadeiro enquanto veraz: nesta fase da transformação conceitual ela se torna lema e distintivo da nobreza, e assume inteiramente o sentido de ‘nobre’, pra diferenciação perante o homem comum mentiroso, tal como Teógnis o vê e descreve – até que finalmente, com o declínio da nobreza, a palavra resta para designar a aristocracia espiritual, tornando-se como que doce e madura” Nietzsche, Friedrich, Genealogia da moral: uma polemica; tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, 2009, pág. 19.

[9] “… com o declínio da nobreza, a palavra (αγαθός) resta para designar a aristocracia espiritual (…) desta regra, a de que o conceito denotador de preeminência política sempre resulta em um conceito de preeminência espiritual…” Nietzsche, Friedrich, Genealogia da moral: Uma polêmica, 2° reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, pág. 20 e 21.

[10] “Os ‘bem-nascidos’ se sentiam mesmo como os ‘felizes’; eles não tinham de construir artificialmente a sua felicidade, de persuadir-se dela, menti-la para si, por meio de um olhar aos seus inimigos (como costumam fazer os homens do ressentimento); e do mesmo modo, sendo homens plenos, repletos de força e portanto necessariamente ativos, não sabiam separar a felicidade da ação – para eles, ser ativo é parte necessária da felicidade (nisso tem origem [fazer bem: estar bem]” Idem.

[11] Praticar o que é justo é obedecer ao mandamento de Deus, tanto na Antiga aliança quanto na Nova Aliança. No N. T. o que é justo é crer que Jesus é o Cristo, pois crer em Cristo é o mandamento de Deus que dá vida eterna.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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