Ninguém é ou será salvo por boas ações. A fé é imprescindível à salvação, daí a exigência bíblica da ‘obra da fé’.
Fé versus Obras
Conteúdo do artigo
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14)
A obra do amor
Como o amor requer obediência, só é possível amar quando se cumpre o mandamento, portanto, é por obra e em verdade, o que nos remete ao que Tiago disse: “Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito” (Tg 1:25).
Que obra Tiago recomenda? A obra que torna o homem bem-aventurado, ou seja, que é crer no enviado de Deus: “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que Ele enviou” (Jo 6:29); “Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20:29).
Quem ouve o evangelho e para ele atenta, executou a obra que é crer em Cristo (Tg 1:22-23). Quem crê e persevera em crer é fazedor da obra, portanto, não é ouvinte que não pratica (que não crê, que não põe por obra), consequentemente é bem-aventurado. Aquele que ‘atenta’ executa a obra e, se persevera na obra que executou, o tal homem é perfeito, porque a perseverança é a obra completa do Autor e consumador da fé (Tg 1:3-4). Quem ouve a lei perfeita da liberdade (evangelho) e faz a sua obra (crê) e nisso persevera é bem-aventurado, pois, a fé sem a sua obra (perseverança) é vã.
O termo traduzido por obra é έργον (ergon) e, segundo F. Wilbur Gingrich obra é:
“έργον, ου, το trabalho — 1. ato, ação Lc 24.19; Cl 3.17; 2 Ts 2.17; Hb 4.3, 4, 10; Tg 2.14ss. Manifestação, prova prática Rm 2.15; Ef 4.12; 1 Ts 1.3; 2 Ts 1.11; Tg 1.4. Ato, realização Mt 11.2; Mc 14.6; Lc 11.48; Jo 3.19, 20s; 6.28s; 7.3, 21; 10.25, 37s.; At 9.36; Rm 3.20, 28; Cl 1.10; Hb 6.1; Tg 3.13; Ap 15.3.— 2. trabalho, tarefa, ocupação Mc 13.34; Jo 17.4; At 14.26; 15.38; 1 Co 15.58; 2 Tm 4.5.—3. trabalho, no sentido passivo, indicando o produto do trabalho At 7.41; 1 Co 3.13, 14, 15; Hb 1.10; 2 Pe 3.10; 1 Jo 3.8.—4. coisa, matéria At 5.38; talvez 1 Tm 3.1. [ergometria]” (GINGRICH, 1984, p. 84).
Entender o termo ‘εργον’ (obra) somente como ‘efeito do trabalho ou da ação’ ou ‘aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim’, ou seja, ‘atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento’ é temerário, pois, o contexto em que o termo aparece nas epístolas de João e Tiago refere-se a uma ‘tarefa a ser cumprida’, ‘um serviço’ que envolve ‘obrigação’, ‘responsabilidade’ e ‘perseverança’.
Quando lemos: “E o Seu mandamento é este: que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o Seu mandamento” (1Jo 3:23), tem-se um mandamento que evoca uma tarefa com obrigação que implica em obediência. Neste sentido crer é uma obra , a obra de Deus, que deriva da ideia defendida por Tiago e João: “Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito” (Tg 1:25); “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que Ele enviou” (Jo 6:29).
Nesse sentido o crente em Cristo é um homem de obra, o que é um contraponto a quem é de palavra e de língua: “Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho” (2Jo 1:9); “E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos” (Tg 1:22).
Por que enfatizar este aspecto denotativo do termo obra na epístola de Tiago? Primeiro, para desfazermos a ideia pejorativa que se estabeleceu ao longo dos séculos quanto ao termo ‘obra’, pois, equivocadamente, muitos estudiosos da Bíblia contrastaram ‘obra’ com ‘fé’.
Em segundo lugar, para demonstrar que o público alvo das cartas de Tiago e João possuía origem cultural idêntica, porém, diferia da dos leitores de algumas cartas do apóstolo Paulo.
Tiago escreveu a cristãos convertidos dentre o judaísmo (Tg 1:1), pessoas que antes professavam a lei mosaica como fé. Portanto, quando o termo fé era utilizado, os cristãos judeus automaticamente tinham a memória bombardeada com preceitos da lei, festas, dias e comidas. Ora, antes de se converterem a Cristo, eles confiavam na carne, na circuncisão e na lei, pois tinham ‘fé’ (acreditavam) que eram salvos por: a) descenderem da carne de Abraão; b) comungarem da circuncisão, e; c) dos cuidados pertinentes à lei mosaica.
Se Tiago se utilizasse do termo ‘fé’ aos moldes do apóstolo Paulo, certo é que os judeus permaneceriam confiantes de que a crença que depositavam na Lei era o meio de salvação: “Instrutor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei” (Rm 2:20). Por causa do contexto cultural e da necessidade de se fazer compreender entre os judeus é que Tiago se expressa utilizando ‘lei da liberdade’ em lugar do termo ‘evangelho’, e apresenta a ‘obra’ como característica da ‘fé’, já no primeiro capítulo da sua epístola.
No capítulo 2, Tiago enfatiza aos seus leitores que quem executa a obra (crer) da lei da liberdade (evangelho), não faz acepção de pessoas: “Meus irmãos, não tenhais a fé de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas” (Tg 2:1).
Embora os cristãos de origem judaica, em outros tempos, consideravam que eram seguidores da melhor religião e muitos se consideravam mestres da lei (Tg 1:26), por terem sido gerados segundo a vontade de Deus pela palavra da verdade (Tg 1:18), agora deviam resignar-se em receber com mansidão a palavra da verdade neles implantada, pois só por meio dela se alcança salvação (Tg 1:21).
O verso 9 do capítulo 1, da carta de Tiago, diz: “Mas, glorie-se o irmão abatido na sua exaltação” (Tg 1:9). Este verso trabalha uma figura específica: a condição do abatido. Quem é o abatido? Seria o de condição humilde financeiramente? Não! O humilde é o abatido de espírito, aquele que não confia em si mesmo para se salvar, mas repousa em Cristo, que disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt 11:28).
Ou seja, todos os que creem em Cristo são os pobres e abatidos de espírito, que agora se gloriam na exaltação proposta em Cristo, e não se gloriam da carne e nem da lei (Gl 6:14). Ora, Israel fora rejeitado por Deus, tanto os nobres quanto os pobres (Is 5:13-14), mas, o Senhor exaltou os contritos e abatidos de espírito (Is 61:1; Is 57:15).
Enquanto o ‘abatido’ diz de todos os cristãos (judeus e gentios) que se gloriam em Cristo, os ‘ricos’ é uma referência clara aos filhos de Israel que rejeitaram o consolo profetizado por Isaías: “Consolai, consolai o meu povo…” (Is 40:1). Mas, como consolar? Através da mensagem do que clama no deserto que anuncia a glória do Senhor manifesta aos homens (Is 40:5), e que demonstra que todos os homens, sem exceção (judeus e gentios), são ervas.
Portanto, até mesmo o povo de Israel que era classificado como ‘rico’, pois entendia que possuía algo de que se gloriar, agora deveria se gloriar na sua humilhação, pois, por meio da humilhação dos judeus (ou queda) deu-se a riqueza de todos os povos, que é a salvação em Cristo (Rm 11:12).
No capítulo 2, Tiago apresenta um exemplo: “Porque, se no vosso ajuntamento entrar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar também algum pobre com sórdido traje. E atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do meu estrado, porventura não fizestes distinção entre vós mesmos, e não vos fizestes juízes de maus pensamentos?“ (Tg 2:2-4).
Ora, como religiosos, os ouvintes de Tiago bem compreenderam a colocação, e discerniram claramente que tal atitude é uma distinção entre pessoas, porque qualquer judeu que se achegasse a uma sinagoga, fosse ele rico ou pobre financeiramente, era aceito sem qualquer distinção, visto que, o que estava em voga era a nacionalidade e não a condição financeira.
O exemplo apresentado seria um comportamento inaceitável em meio aos judeus, o que induziria os cristãos judeus a analisarem a colocação seguinte sob o prisma de um comportamento inaceitável.
E o que disse Tiago? “Ouvi, amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não vos oprimem os ricos, e não vos arrastam aos tribunais. Porventura não blasfemam eles o bom nome que sobre vós foi invocado?” (Tg 2:5-6). Novamente Tiago faz referência ao abatido, ao pobre de espírito, àquele que não confia em si mesmo para se salvar. Com o comportamento de fazerem acepção de pessoas, aos moldes da dissimulação que o apóstolo Pedro fez e foi censurado pelo apóstolo Paulo, os destinatários da carta de Tiago estavam desonrando os herdeiros da fé (pobres).
Através da exposição do apóstolo Paulo na carta aos Gálatas, verifica-se o comportamento reprovável do apóstolo Pedro, que comia naturalmente com os gentios, mas, quando chegaram os cristãos convertidos dentre os judeus, retirou-se do meio dos gentios, temendo os da circuncisão. Esta dissimulação do apóstolo Pedro afetou até mesmo Barnabé (Gl 2:12-13).
Tal dissimulação poderia comprometer a verdade do evangelho, o que fez com que o apóstolo dos gentios se posicionasse em defesa do evangelho, repreendendo o apóstolo Pedro (Gl 2:14). Esta questão devia ser tratada na frente de todos, pois estava induzindo muitos à dissolução e, consequentemente, poderia trazer prejuízo à compreensão do evangelho (Gl 2:16).
A acepção de pessoas não se dava por questões econômicas como ocorria na igreja de Corintos (1Co 11:22). Alguns cristãos que pertenciam às doze tribos da dispersão estavam fazendo acepção por causa da carne e do sangue, visto que alguns cristãos não pertenciam à nação judaica. Na acepção de pessoas que Tiago expõe em sua carta, não estava em voga questões de ordem econômica, se ricos ou pobres financeiramente, pois o que os cristãos das doze tribos consideravam era a origem, a nacionalidade, se judeu ou gentio, pois estavam considerando imundo e comum o que Deus separou por seu: “E disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo” (At 10:28).
Por causa de tal comportamento Tiago os faz recordar que, quem os conduzia aos tribunais por causa do bom nome de Cristo eram os ‘ricos’, ou seja, os judeus que não aceitaram a Cristo, os judeus que confiavam na descendência de Abraão para salvação, os mesmo ricos que Tiago no capítulo 5, versos 1 a 6 aponta como aqueles que mataram o Cristo: “Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu” (Tg 5:6).
Para reter firme a fiel palavra (Tt 1:9), evitando distorções doutrinárias, sendo uma delas a exclusão que os judeus faziam aos gentios convertidos, Tiago evoca a ‘lei real’ encontrada nas Escrituras que resume os mandamentos mosaicos: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Tg 2:8; Rm 13:9). Mas, por causa dos contenciosos, argumenta: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14).
Quem poderia replicar a Tiago dizendo que tinha fé, mas não tinha obra? Aqueles que diziam ter fé em Deus, porém, rejeitavam a ‘lei da liberdade’ e se voltavam para a lei de Moisés: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o creem, e estremecem” (Tg 2:19; Jo 6:36). Tais judaizantes se esqueciam da obra pertinente à lei da liberdade (Tg 1:25), e se apegavam à crença inútil da lei.
A análise anterior dá suporte para afirmar que o ‘alguém que diz ter fé’ é o que ‘ama de palavra e de língua’, e aqueles que têm ‘as obras’ diz dos que ‘amam por obra e em verdade’. Compare:
“Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1Jo 3:18);
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14).
Ambos, João e Tiago, abordam as mesmas questões, tanto que fizeram uso do mesmo exemplo. Compare:
“Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?” (1Jo 3:17);
“E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?” (Tg 2:15-16).
Sem perder de vista o verso: “Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito” (Tg 1:25), é de se estranhar que Tiago estivesse exigindo boas ações de pessoas que se firmavam em práticas da lei mosaica e, que em decorrência de suas ‘obras’ eram tidos por justos diante dos homens (Mt 23:28). Como exigir mais obra de religiosos extremamente legalistas, ritualistas e formalistas?
Também não se deve aduzir que o apóstolo estava enfrentando cristãos que possuíam somente uma fé de cunho teórico, pois o ideal da fé (evangelho) não diz de igualdade social, de ações sociais ou, responsabilidade social e econômica, etc., pois, em nenhum momento o apóstolo Paulo procurou influenciar as estruturas sociais e econômicas da época (1Co 7:21).
Não se pode confundir ‘obra’ com ‘boas ações’. Quando lemos: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14), a obra exigida é a obediência ao mandamento de Deus. A obra do cristão não diz de boas ações, assim como o ‘fruto’ que produz por estar na Videira, que é Cristo, não diz de boas ações.
A ‘obra’ está intimamente ligada ao ‘fruto’ que a Videira verdadeira produz através daqueles que estão ligados nela, pois o fruto que se produz quando se está na Videira é o fruto dos lábios que professa a Cristo (Jo 15:5 e 8; Hb 13:15; Os 14:2; Pv 18:20).
O fruto está relacionado ao que o homem professa, diz do querigma e, a obra está relacionada à obediência ao querigma. Quem professa que Jesus não veio em carne não está ligado à Videira e não produz o fruto que glorifica a Deus (2Jo 1:7). Mas, quem ama a Deus, ou seja, crê em Cristo, torna-se participante de Cristo e produz o fruto.
Semelhantemente, o fruto do Espírito também não diz de boas ações, visto que o fruto pertence ao Espírito, assim como as obras da carne são pertinentes à carne que, em última instância, opõem-se um ao outro (Espírito versus carne) para que os homens não façam a sua própria vontade; pois, quando conquistados, os homens são feitos servos e realizam a vontade do seu senhor (Gl 5:17).
Por causa desta peculiaridade pertinente a singularidade da mensagem do evangelho, qualquer que professa que Jesus não veio em carne é o enganador e o anticristo. Desse modo, ir além da doutrina de Cristo é cortar a comunhão com Deus (2Jo 1:9), e quem tiver comunhão com o tal torna-se participante das suas obras más (2Jo 1:11; Jo 3:19-20).
Ninguém é ou será salvo por boas ações. A salvação só é possível por intermédio do evangelho de Cristo, portanto, o verso 19 é o mais significativo do capítulo 2 da epístola de Tiago: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o creem, e estremecem” (Tg 2:19), pois ter fé em Deus e não obedecer o Seu mandamento, que é crer no amor que nos tem dado, constitui-se em uma fé morta em si mesma (Tg 2:17), uma vez que a vida eterna só é possível através do Filho: “Quem tem o Filho tem a vida, mas quem não tem o Filho de Deus não tem vida” (1Jo 5:12).
Por que Deus não salva os demônios, se eles creem? Porque a eles não foi dado mandamento algum, o que significa que, após a queda, não foram amados. Com relação à humanidade, Deus amou a todos, pois lhes deu a Sua palavra: “Na verdade amas os povos (…) Eles se colocam a teus pés, e cada um recebe das tuas palavras” (Dt 33:3).
Observe que Tiago está escrevendo a judeus, pessoas que antes de conhecer a Cristo, professavam fé em Deus: “Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que andam dispersas, saúde” (Tg 1:1), os quais, muitas vezes nas Escrituras, também são chamados de povo de Sodoma e Gomorra, adúlteros, ricos, bêbados, insensatos, loucos, cegos, etc. (Dt 32:28-33; Sl 53:1-5).
Dizer que tem fé em Deus sem a obra realizada por Deus em Cristo é inútil: “Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?” (Tg 2:20 comparado com Tg 1:25).
O exemplo do verso 15 e 16 é um comparativo! Assim como é inútil dizer para alguém que está com frio: – “Fique aquecido”, sem lhe dar um casaco, também é inútil dizer: – “Tenho fé em Deus”, e não obedecer ao mandamento de Deus, que é crer em Cristo, a obra que Deus veio realizar: “E o amor é este: que andemos segundo os Seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nele” (2Jo 1:6); “E o Seu mandamento é este: que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o Seu mandamento” (Jo 3:23); “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que Ele enviou” (Jo 6:29).
Após demonstrar que não basta falar que possui fé se não possui as obras, Tiago contra-argumenta uma possível réplica de alguém que se apresenta como uma pessoa de obras, enquanto Tiago seria, para esse alguém, um homem somente de palavras vazias: ‘Tu tens fé, e eu tenho as obras’.
Tiago se antecipa a uma possível réplica de uma pessoa tendente a voltar a buscar a Deus somente de língua. Tal pessoa poderia tentar inverter as alegações de Tiago, dizendo que, na verdade, quem tinha uma fé vazia seria Tiago, enquanto ele, como ‘seguidor’ da lei, possuía obras.
Neste ponto Tiago propõe um desafio: que o recalcitrante mostrasse a ‘fé’ dele sem as obras, que, em contrapartida, Tiago teria o prazer de mostrar pelas suas ‘obras’ a fé: “Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (Tg 2:18). Como é possível mostrar pelas obras a fé?
Respondendo esta questão Tiago apresenta Abraão, exemplo de fé, como alguém que foi justificado pelas obras: “Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque?” (Tg 2:21).
Para compreender a alegação de Tiago faz-se necessário lembrar um comentário de Jesus aos judeus. Certa feita, os judeus disseram: “Nosso pai é Abraão”, e Jesus disse-lhes: “Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão” (Jo 8:39). Quais as obras de Abraão? Obedecer a Deus, visto que amar a Deus é o mesmo que cumprir os Seus mandamentos. “Disse-lhes, pois, Jesus: Se Deus fosse o vosso Pai, certamente me amaríeis, pois que eu saí, e vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas Ele me enviou” (Jo 8:42); “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os Seus mandamentos; e os Seus mandamentos não são pesados” (1Jo 5:3).
Jesus é claro: Se Deus fosse o vosso pai, certamente me amaríeis (obedecer), mas como não amaram a Cristo, não amaram a Deus, pois não cumpriram o Seu mandamento. Não executaram a obra exigida por Deus.
Quando Abraão ofereceu Isaque segundo a palavra de Deus, executou a obra exigida (Gn 26:5), o que significa que amava a Deus. Ao obedecer, não amou apenas de palavras, mas por obra. Quando executou a obra, assim o fez porque exultava na salvação que Deus prometeu através do seu Descendente, e não em Isaque “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (Jo 8:56). Por crer em Deus que lhe prometeu o Descendente, em quem todas as famílias da terra seriam benditas, foi que Abraão ofereceu Isaque, certo de que Deus poderia trazê-lo dentre os mortos (Hb 11:19).
Ou seja, a obra está intimamente ligada à obediência (amor): “Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia (…) Pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar; E daí também em figura ele o recobrou” (Hb 11:8 e 17-19).
Quando se lê: ‘Pela fé ofereceu Abraão a Isaque… ’, devemos considerar que Abraão obedeceu a Deus em função da promessa, ou seja, da fé que havia de se manifestar, pois ao crer no Descendente ofereceu sobre o altar a sua esperança (Hb 10:36; Rm 4:18).
A argumentação de muitos ao longo da história, é de que a fé, que não produz boas ações, não é a fé salvadora, pois consideram que, qualquer que tem fé, necessariamente tem que produzir boas ações. Entretanto, a obra em tela estava longe de ser uma boa ação, visto que Abraão iria matar o seu próprio filho. O que Deus levou em conta foi a obediência (obra) de Abraão que confiou na esperança (fé) proposta por Deus.
A obra de Abraão que o justificou é resultado da sua obediência à palavra do Senhor, pois foi impedido de matar o filho (Gn 22:12). Qualquer que crê em Cristo, obedece tanto o Pai quanto o Filho e, de igual modo, será chamado amigo de Deus como Abraão, pois fez o que o Pai e o Filho mandam (Jo 15:14).
Certamente que a obra diz da obediência à verdade do evangelho e não de boas ações ou de sacrifícios, pois a obra tem em vista uma ‘tarefa a ser cumprida’, ‘um serviço’ que envolve obrigação, responsabilidade e perseverança que se restringe ao mandamento de Deus.
Quando lemos: “Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus” (Tg 2:21-23), a obra diz da obediência, e a fé que cooperou com a obediência, diz da crença em Deus. Somente através da obediência ao mandamento de Deus (amor, crer em Cristo), é que a crença em Deus é aperfeiçoada: “Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito” (Tg 1:25).
Qualquer crença que não repouse na promessa de Deus não é fé. Qualquer crença que não envolva obediência ao amor de Deus, que é crer em Cristo, não é fé. Portanto, para mostrar a fé pelas obras basta ao homem crer, obedecer, confiar no Descendente prometido a Abraão, que mostrará a sua fé. Mas, quem diz ter fé e não cumpre o mandamento, não possui a obra exigida por Deus e sua crença é vã.
Tiago, por não fazer acepção entre judeus e gregos com relação ao corpo de Cristo, demonstrava a sua fé. Pela perseverança em meio à provação, Tiago demonstrava que era perfeito e maduro, e que não tinha falta de coisa alguma. Tiago tinha consciência de que era mestre, e que não tropeçava na palavra da verdade, o que demonstrava sua fé.
O que significa: ‘a fé cooperar com as obras’ e ‘as obras aperfeiçoarem a fé’? O apóstolo João responde: “Mas qualquer que guarda a sua palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nele” (1Jo 2:5). Ora, o termo ‘aperfeiçoar’ não diz de uma ‘melhora’ antes, tem em vista a ‘perfeição’ (teleios) que é funcional. Algo é perfeito quando realiza plenamente a finalidade para a qual foi planejado: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Fl 1:6); “Vos aperfeiçoe em toda a boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é agradável por Cristo Jesus, ao qual seja glória para todo o sempre. Amém” (Hb 13:21).
Por fim, Tiago conclui a exposição demonstrando que ‘… o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé’, ou seja, que o homem não é justificado somente por dizer ou acreditar que Deus existe, antes, é essencial que O obedeça, crendo no enviado de Deus.
Neste sentido, Tiago apresenta como exemplo Raabe, a meretriz que escondeu os emissários de Israel: “E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários, e os despediu por outro caminho?” (Tg 2:25).
Ora, obra neste verso não se refere a comportamento social louvável, visto que a obra que está em destaque decorre de uma meretriz que estava traindo o seu povo. Os judaizantes faziam acepção de pessoas por causa de suas origens e práticas sociais, mas Raabe, apesar de toda sorte de contaminação possível em sua casa, foi louvada pela sua fé demonstrada por obra.
Qual foi a obra de Raabe? Primeiro, ela ouviu acerca de como o Deus de Israel operou maravilhosamente no Egito em favor de Israel e creu. Ela se dispôs em esconder os espias e atou o cordão vermelho à janela de sua casa em obediência a palavra dos espias (Js 2:21), de modo que: “Pela fé Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias” (Hb 11:31).
Ao que Tiago complementa: “Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tg 2:26). Se Raabe somente dissesse crer em Deus e não tivesse escondido os espias e não tivesse colocado a fita vermelha na janela, a sua crença seria inútil.
Tiago estava demonstrando às doze tribos da dispersão que, dizer ter fé em Deus é bom, porém, é uma fé sem efeito, sem o amor, sem a obediência, sem cumprir os mandamentos de Deus. Se Deus não fez acepção e aceitou Abraão e Raabe, dois incircuncisos, para compor a linhagem de Cristo, a acepção que faziam, quanto aos gentios, destoava da fé que diziam professar, pois o próprio Deus não faz acepção de pessoas (Dt 10:17).
Qualquer que diz ter fé em Cristo, mas não persevera no evangelho não é perfeito. Quem diz ter fé e faz distinção entre pessoas com relação à nacionalidade nas reuniões solenes, na verdade não compreendeu e nem obedeceu a Cristo (Tg 2:1). Quem tem fé em Cristo não professa duas doutrinas, o evangelho e a lei (Tg 3:12). Quem tem fé não promove dissensão (Tg 3:14 e 16), pois muitos judeus que se diziam cristãos não queriam comer com os gentios e promoviam dissensões.
Muitos diziam crer em Cristo, mas permaneceram dizendo que tinham por pai Abraão: “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos (…) Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?” (Jo 8:31 e 33). Muitos diziam ser membro do corpo de Cristo, porém queriam impor obrigações aos gentios para que pudessem ser salvos (Gl 2:14; At 15:24).
Quem tem fé em Jesus e quer continuar com amizade com o mundo, ou seja, repousado nas prescrições de homens, como dias de festas, luas, sábados, etc., não tem a obra exigida por Deus (Tg 4:4).
Portanto, quando o apóstolo João diz: “Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1Jo 3:18), Tiago complementa: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14). Ou seja, a determinação era para que procedessem em conformidade com as suas palavras (Tg 2:12).
O apóstolo Paulo, o apóstolo João e Tiago falaram a mesmas coisas:
“Confessam que conhecem a Deus, mas negam-No com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra” (Tt 1:16);
“Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1Jo 3:18);
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tg 2:14).
Também não há contradição alguma entre as afirmações de Tiago e as do apóstolo Paulo quando falam de Abraão:
“Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque?” (Tg 2:21);
“Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus” (Rm 4:2).
Segundo Tiago, Abraão foi justificado pelas obras da fé (promessa) porque elas foram executadas em obediência a Deus, pois só é possível amar a Deus quando cumprimos os Seus mandamentos, e o apóstolo Paulo destaca que Abraão não foi justificado pelas obras da lei, visto que a lei só foi dada aproximadamente 430 anos mais tarde (Gl 3:17).
Enquanto Tiago estava abordando a obra da fé (Tg 2:21), o apóstolo Paulo estava abordando a obra da lei (Rm 4:2). A obra que Abraão ‘realizou’ e pela qual foi justificado foi obedecer, crendo em Deus. À época que foi justificado, não tinha do que se gloriar. Ele não poderia se gloriar da carne, pois não tinha gerado filho segundo a carne (o seu filho foi gerado segundo a promessa muito tempo depois de ter sido justificado), e nem podia gloriar-se da lei, pois, à época não havia lei (a lei só veio 430 anos depois).
Quando o apóstolo Paulo diz que Abraão não foi justificado pelas obras, fez referência às obras da lei, pois as obras da lei foram dadas sob maldição: “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl 3:10); “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei” (Rm 3:28).
Todas as ações de Abraão foram executadas quando sob a promessa, portanto, todas as suas ações não estavam sob a maldição que a lei impõe (Gl 3:10), visto que a lei veio 430 anos mais tarde (Gl 3:17). Ele não podia se gloriar da lei e nem da carne porque suas obras foram realizadas segundo a promessa e não segundo a prescrição legal. Ora, quando lhe foi feita a promessa, Abraão não estava sob a lei e nem tinha herdeiro, portanto, não tinha do que se gloriar: nem da carne e nem das obras da lei.
A abordagem de Tiago distingue-se da abordagem do apóstolo Paulo com relação ao tempo. Tiago fala da obra quando Abraão já estava com Isaque, e o apóstolo dos gentios fala de Abraão quando queria fazer Eliezer seu herdeiro (Gn 15:2 e 6).
As obras de Abraão somente demonstram que ele creu, pois quando executou a obra, executou-a não sob maldição da lei, e nem confiado na sua carne, mas sob a promessa da bem-aventurança, logo, não há possibilidade de jactância, visto que a jactância decorre da lei e da carne: “Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé” (Rm 3:27).
Ao executar as obras da lei há o perigo de tropeço em um dos mandamentos e, se ocorrer o tropeço em um dos mandamentos, o homem torna-se transgressor de toda a lei. Ao crer, o homem cumpre toda a lei e Deus deu testemunho de Abraão a Isaque dizendo: “… e confirmarei o juramento que tenho jurado a Abraão teu pai; E multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e darei à tua descendência todas estas terras; e por meio dela serão benditas todas as nações da terra; Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis” (Gn 26:3-5).
Com base nestes versos é essencial que se perceba a diferença de abordagem que o apóstolo Paulo faz acerca de Abraão na Epístola aos Gálatas e aos Romanos, da que Tiago fez em sua epístola.
Na carta aos Gálatas, o apóstolo contrasta a diferença entre a lei e a promessa, e destaca que tudo o que Abraão fez, o fez antes de ter sido entregue a lei, portanto, Abraão foi justificado pela ‘pregação da fé’, e não pelas ‘obras da lei’: “Mas digo isto: Que tendo sido a aliança anteriormente confirmada por Deus em Cristo, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a invalida, de forma a abolir a promessa” (Gl 3:17; Gl 3:2).
Já na carta aos Romanos, o apóstolo contrasta a diferença entre a carne e o Espírito para demonstrar que judeus e gentios são justificados pela fé (Rm 3:30). A pergunta: “Que diremos, pois, ter alcançado Abraão, nosso pai segundo a carne?” (Rm 4:1), é essencial para compreendermos porque Abraão não tinha do que se gloriar (Rm 4:2).
Era motivo de jactância para os judaizantes: a) a carne (descendência) de Abraão (Rm 4:1), e; b) a lei como forma da ciência e da verdade (Rm 2:20), porém, os motivos dos quais se gloriavam eram inócuos, visto que, quando foi feito a promessa, Abraão não tinha filhos segundo a carne, era incircunciso e não havia a Lei.
O apóstolo dos gentios demonstra que a lei era desabonadora e instituída somente para que os judeus compreendessem sua real condição (Rm 3:19). O motivo da jactância dos judaizantes era fútil, tendo em vista que, quando Abraão recebeu a circuncisão, estava na incircuncisão, não tinha filho e não havia lei (Rm 4:11).
Quando argumenta a suposição: “Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar…” (Rm 4:2), o apóstolo não estava contrapondo a ‘fé’ e a ‘obra’ de Abraão, visto que em Abraão a obra confirmou a sua fé na promessa do Descendente, como testifica Tiago (Tg 3:21). O apóstolo estava demonstrando que a bem-aventurança prometida a Abraão repousa sobre judeus e gentios (Rm 4:9), pois, quando creu, recebeu o selo da justiça da fé, ou seja, a circuncisão do coração (Rm 3:29; Rm 15:6), sendo que a circuncisão da carne só ocorreu treze anos mais tarde, ou seja, após a circuncisão do coração (Gn 17:24 ).
Abraão nada alcançou segundo a carne, antes, alcançou da promessa que Deus lhe fez, e quando a promessa lhe foi feita ainda estava na incircuncisão da carne (Rm 4:12) e sem descendência. Através deste argumento, o apóstolo contrapõe a ‘lei da fé’ com a ‘lei das obras’ (Rm 3:27), pois os que são da carne não podem agradar a Deus, visto que não amam (obedecem) a Deus (Rm 8:7-8).
Mas, aqueles que andam segundo o Espírito é porque amam a Deus em obra e em verdade (Rm 4:4), pois obedeceram a fé que é o amor de Deus revelado (Rm 1:5; Gl 3:23), deixaram de ser carnais e passaram a ser espirituais, como o crente Abraão (Rm 8:4).
Cristo é a Fé que se manifestou na plenitude dos tempos, e todos quantos O obedecem, conforme a linguagem paulina, realizam a obra da fé, ou seja, a obra que a fé exige: crer. Quem crê no Descendente, a Fé que se manifestou, executou toda a lei (mandamento) assim como o crente Abraão executou: “Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis” (Gn 26:5; Gl 3:23).
Quando o apóstolo Paulo escreveu a Tito, abordou a mesma verdade que Tiago escreveu às doze tribos. Observe: “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-No com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra” (Tt 1:16 compare com Tg 2:14). Os que conhecem a Deus são os que O amam, que O obedecem, que cumprem o Seu mandamento, que obedecem à fé ou que obedecem ao amor de Deus.
O apóstolo Paulo deixou Tito em Creta para que organizasse algumas coisas, especialmente, porque era necessário estabelecer bispos cheios de qualidades pessoais e morais, e que fossem firmes e fieis à palavra do evangelho, para que fossem destemidos em admoestar segundo a palavra, principalmente para convencer os da circuncisão “… aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância (…) Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé. Não dando ouvidos às fábulas judaicas, nem aos mandamentos de homens que se desviam da verdade” (Tt 1:11 e 13).
As mesmas recomendações foram dadas a Timóteo, para que evitasse as contendas de palavras, antes, tinha que se apresentar a Deus aprovado, manejando bem a palavra da verdade, ou seja, preparado para toda a boa obra (2Tm 2:21 e 3:17).
Ninguém será salvo por intermédio das obras da lei, porém, quem quiser salvar-se, basta entrar pela porta, ou seja, realizar o que a fé exige (fazer a obra da fé = crer em Cristo): “Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens” (Jo 10:9); “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl 2:16).
O apóstolo Paulo deixa bem claro que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Cristo (obra da fé). Quem crê em Cristo, a Fé que havia de se manifestar ou o amor de Deus demonstrado, realiza a obra que Deus exige.
A obra da lei não diz somente do trabalho ou ação do homem em querer se salvar por suas próprias forças ou méritos antes, refere-se à obediência de quesitos da lei, mesmo que bem intencionado, o que contrasta com a obra da fé, pois sendo Cristo a fé que havia de se manifestar, só é crente aquele que realiza a obra da fé, ou seja, que obedece à mensagem do evangelho (Gl 3:23): “Quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que creem (porquanto o nosso testemunho foi crido entre vós). Por isso também rogamos sempre por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra todo o desejo da sua bondade, e a obra da fé com poder; Para que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo seja em vós glorificado, e vós nele, segundo a graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo” (2Ts 1:10-13).
A aparente contradição que algumas pessoas apontam entre o exposto por Tiago e o apóstolo Paulo, decorre de uma má leitura do que é ‘obra’ e do que é ‘fé’, tanto na epístola de Tiago quanto nas epístolas paulinas, isto porque, não se atem à distinção que há entre ‘obra da lei’ e ‘obra da fé’ que o apóstolo Paulo evidencia na carta aos Romanos e aos Gálatas.
Quando fé e obras são colocadas em contraste, certamente obra passa a ter um conceito pejorativo, e por contrastar ‘fé’ e ‘obra’ equivocadamente, a doutrina reformada ao longo dos séculos cunhou para o termo ‘obra’ a ideia de ‘salvar-se a si mesmo’.
Porém, os apóstolos em momento algum colocaram ‘fé’ e ‘obra’ como categorias bíblicas antagônicas, pois o antagonismo que existe ocorre entre ‘lei’ (mosaica) e ‘fé’ (evangelho); porquanto, o homem é salvo pela fé sem as obras da lei, porém, a fé demanda obediência, a obra da fé: “Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues” (Rm 6:17).
O antagonismo entre ‘lei’ e ‘fé’ é explicitado nas figuras de Hagar e Sara, Ismael e Isaque, Sinai e Jerusalém, carne e Espírito, escrava e livre, etc., ou seja, os apóstolos não apresentam ‘obra’ e ‘fé’ como entes antagônicos, pois do mesmo modo que há ‘obras da lei’, também há ‘obras da fé’ que, por fim, é o mesmo que ‘obedecer’ a lei e ‘obedecer’ a fé.
Portanto, obedecer de coração é o mesmo que amar a Deus. Obedecer de coração à forma de doutrina é o mesmo que amar (obedecer) por obra (crer) e em verdade (Cristo): “Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade” (1Jo 3:18).
Esta mesma verdade foi anunciada aos cristãos em Tessalônica quando o apóstolo Paulo escreveu: “… sem cessar, conservamos a lembrança da obra da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza de vossa esperança…” (1Ts 1:3). A obra da fé é uma realização de Cristo, a abnegação diz da obediência do cristão e a firmeza de esperança refere-se à perseverança do cristão em Cristo.
‘A obra do Amor’ é um capítulo do livro A Obra que demonstra Amor a Deus