Uma olhada rápida pela passagem bíblica dá a falsa impressão que o texto diz respeito às pessoas que são humilhadas e que, por isso, Deus as exalta. Inferir o que não está no texto é pretexto para o engano e confusão.
Os humilhados não serão exaltados
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“Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lucas 18:14).
Citações equivocadas
A má aplicação da ideia bíblica já é um problema, pois muitos textos bíblicos são interpretados segundo uma perspectiva humana e não segundo a perspectiva divina.
A má leitura do texto já é um entrave à compreensão, porém, com esse texto o problema se agrava devido a memória de quem cita já estar equivocada, pois o texto não diz que alguém humilhado será exaltado, antes são aqueles que se humilham que serão exaltados.
Há uma grande diferença entre se humilhar e ser humilhado, pois Jesus enfatiza que aqueles que se humilham serão exaltados, e não que os humilhados serão exaltados.
Não há promessa para aqueles que são humilhados, portanto, o texto bíblico não alimenta e nem promove um sentimento de revanche ou vingança para aqueles que se sentem injustiçados.
O que o poeta promete na letra da canção ‘Deus muda cativeiro’, que diz: ‘E quem te humilhou vai ver Deus te exaltar/Vai te assistir no palco e te aplaudir de pé”, não passa de falácia, além de promover emulação e desinformação aos cristãos.
Se alguém, seja cristão ou não, for rebaixado, injuriado ou desprezada por outra pessoa, permanecerá humilhado. Mas, caso alguém, seja cristão ou não, após ser rebaixado, injuriado ou desprezado e for reconhecido ou louvado entre seus pares, tal ‘exaltação’ não deve ser atribuída a Deus, antes é pura sorte ou decorrente de uma conquista pessoal.
Julgamento segundo a aparência
“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.” (João 7:24).
A má leitura do texto bíblico surge principalmente quando o leitor importar problemas e eventos do cotidiano para dentro das Escrituras.
Como no dia a dia as pessoas que leram ou ouviram falar dessa passagem bíblica acabam presenciando no dia a dia outras pessoas que se sentem as tais pela sua condição financeira, status social, títulos, etc., e que acabam por depreciar outras em condição social inferior, esses leitores acabam inferindo que o texto bíblico está relacionado a essas questões do cotidiano.
Entender que o texto bíblico que diz que ‘quem se exalta será humilhado’ trata de punição divina para pessoas arrogantes, prepotentes, soberbas, etc., é introduzir questões humanas em um texto que trata exclusivamente de questões espirituais.
Através da observação das relações e interações humanas alguém pode inferir que as pessoas arrogantes, prepotentes e soberbas acabam mal, mas se isto ocorrer, não se deve atribuir a causa a Deus, e sim, a lei da semeadura.
Nas questões dessa vida existem prepotentes e arrogantes que se saem bem, e existem prepotentes e arrogantes que se dão mal, mas tudo que lhes sobrevém decorre das suas ações. Uma coisa é certa: se dar bem ou mal nessa vida não é sinal de benção ou maldição, pois a diferença entre justos e injustos só é evidente perante Deus.
“Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento. Este é o mal que há entre tudo quanto se faz debaixo do sol; a todos sucede o mesmo;” (Eclesiastes 9:2-3).
O Pregador esclarece que debaixo do sol tudo ocorre a todos igualmente. Partindo desse princípio, se todos são suscetíveis aos mesmos eventos, estão inclusas pessoas arrogantes, prepotentes e soberbas, bem como humilhadas, desfavorecidas, etc.
A reta justiça decorre da palavra de Deus, e quando se analisa as Escrituras é imprescindível analisa-la para compreender questões espirituais. Jamais devemos interpretar a Bíblia a partir da ‘situação’, e sim, analisar as passagens bíblicas que queremos compreender comparando com outras passagens bíblicas, como bem disse Jesus:
– “Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus.” (Mateus 4:7).
A leitura ideal das Escrituras tem o seguinte princípio:
“As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais.” (1 Coríntios 2:13).
As Escrituras revelam o que Deus quer do homem, portanto, deve ser interpretada a partir dela mesma, e não a partir de questões humanas.
Exaltação no tempo determinado
“Portanto, humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele os exalte no tempo devido” (1 Pedro 5:6).
A declaração de Jesus: “Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lucas 18:14), deve ser vista segundo a conclusão do apóstolo Pedro em sua primeira epístola: humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus.
Será exaltado por Deus aquele que se humilha debaixo da poderosa mão de Deus, ou seja, aquele que se apresenta por servo. A humilhação que resulta em exaltação não possui conexão com ser injuriado, rejeitado, excluído, pobre, vil, inferiorizado, etc., e sim com fazer a vontade de Deus.
Se humilhar não tem relação com ser humilhado! Se humilhar é se apresentar por servo:
“Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.” (Romanos 6:16-18).
Cristo foi exaltado pelo Pai porque se humilhou a si mesmo, se fazendo servo, e não porque foi humilhado pelos seus algozes.
“E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” (Filipenses 2:8).
Cristo humilhou-se a si mesmo sendo obediente ao Pai até a morte, e morte de cruz, pois essa era a vontade de Deus, e não porque foi humilhado pelos seus algozes enquanto obedecia ao Pai. Suportar a oposição dos pecadores em obediência ao Pai é se humilhar.
“Dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua.” (Lucas 22:42).
A exaltação decorre somente da obediência a Deus e obedecê-Lo é se humilhar.
A parábola do fariseu e do publicano
“Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.” (Lucas 18:14).
A parábola do fariseu e do publicano que subiram ao templo para orar foi registrada pelo evangelista Lucas, no capítulo 18, versos 9 a 14.
Já no início do versículo Jesus apresenta o motivo pelo qual contou a parábola, porém, não se pode confundir o motivo de ter sido contada a parábola com a conclusão da parábola.
Uma olhada rápida pela passagem bíblica dá a falsa impressão que o texto diz respeito às pessoas que são humilhadas e que, por isso, Deus as exalta. Inferir o que não está no texto é pretexto para o engano e confusão.
Um grande equívoco decorrente de uma olhada rápida no texto é achar que Deus exalta aqueles que são humilhados ou discriminados por outras pessoas, pois a narrativa do texto é complexa bem como a parábola por tratar de questões espirituais, e por isso, deve ser lida com cuidado e considerando o que está escrito em outras passagens bíblicas.
O versículo nove apresenta somente o motivo pelo qual Jesus contou a parábola, ou seja, no motivo não há uma promessa.
“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros:” (Lucas 18:9).
Uma análise mais apurada do texto revela que o fariseu era um religioso que se vangloriava por se achar justo diante de Deus. Confiava em si mesmo por causa da sua origem judaica e por ter uma lei, e por isso acreditava que era justo, e acabava desprezando os outros.
Esta foi a oração do fariseu:
“Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.” (Lucas 18:11-12).
Por que o fariseu não foi justificado? Porque ele fazia da sua carne (descendente de Abraão) a sua força (braço) e não se refugiou no Senhor (Jeremias 17:5).
Enquanto a lei protestava contra os descendentes da carne de Abraão de que eram adúlteros, roubadores, injustos, etc., a ponto de Deus declarar abertamente que eles não eram filhos, mas uma geração perversa e distorcida (Deuteronômio 32:5).
“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente; Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina.” (1 Timóteo 1:8-10).
O publicano foi exaltado porque foi humilhado ou desprezado pelo fariseu? Evidente que não. Os fariseus desprezavam todos os publicanos e gentios, e nem todos os publicanos e gentios foram exaltados.
Se o publicano não foi exaltado porque foi desprezado, por que ele foi justificado? Porque o publicano reconheceu a sua condição: pecador, e que precisava de misericórdia!
“Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!” (Lucas 18:13).
Ao clamar a Deus por misericórdia reconhecendo que era pecador, o publicano estava se humilhando, ou seja, obedecendo a ordem divina estabelecida na lei:
“Agora, pois, ó Israel, que é que o SENHOR teu Deus pede de ti, senão que temas o SENHOR teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao SENHOR teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, que guardes os mandamentos do SENHOR, e os seus estatutos, que hoje te ordeno, para o teu bem? (…) Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz.” (Deuteronômio 10:12-13 e 16).
Como é impossível ao homem efetuar a circuncisão do coração, ao clamar a Deus por misericórdia, o cobrador de impostos dos judeus estava confiando que Deus faria a circuncisão do seu coração. No momento que clama por misericórdia o publicano deixou de endurecer a cerviz, sujeitando-se a Deus.
“E o SENHOR teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao SENHOR teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas.” (Deuteronômio 30:6).
O publicano foi justificado porque se humilhou ao invocar a misericórdia de Deus, e não porque foi desprezado. O fariseu não foi justificado porque confiava em si mesmo, e não porque desprezou o publicano.
“Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” (Lucas 18:14).
O que determinou a justificação do publicano e a humilhação do fariseu não foi a atitude dispensada por este em relação aquele e vice versa, e sim a atitude de ambos para com Deus.
A exaltação prometida
“Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.” (Tiago 4:10).
Como Deus exalta aquele que se humilha? Concedendo justificação, ou seja, a filiação de Abraão. Da mesma forma que Abraão creu em Deus e isto lhe foi imputado como justiça, se humilhar perante o Senhor resulta em justificação.
“E creu ele no SENHOR, e imputou-lhe isto por justiça.” (Gênesis 15:6);
“E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa.” (Gálatas 3:29).
Aqueles que se sujeitam a Deus crendo que Jesus é o Cristo se fazem servos obedientes como fez o crente Abraão, portanto são exaltados quando justificados e declarados descendência de Abraão.
Não há condição melhor ou posição maior concedida aos homens do que ser feito descendência de Abraão, portanto, herdeiros conforme a promessa.
“Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça. Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.” (Romanos 4:5-8).
O publicano ao ser exaltado voltou para a sua casa justificado, ou seja, ele não foi constituído chefe dos fariseus, não foi alçado a uma posição melhor entre os publicanos pelos Romanos, não angariou prestígios entre os seus concidadãos, etc. O publicano voltou para casa com algo excelente: agora era verdadeiramente filho de Abraão, um dos filhos da promessa!
“Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência.” (Romanos 9:8).
Causa estranheza em nossos dias a ideia de que ser exaltado é ganhar promoção no emprego, passar na faculdade, comprar um veículo, ganhar uma causa na justiça, etc.
“Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas.” (Filipenses 3:18-19).
Hoje, além de não diferenciarem o que é se humilhar da ideia de ser humilhado, muitos inimigos da cruz de Cristo entendem que ser despedido do emprego é ser humilhado, ou que não ser aceito em certos círculos sociais é ser humilhado, ou que ser desprezado é ser humilhado, portanto, com direito a reparação por danos por Deus.
Quando o homem se humilha perante Deus, Ele o justifica, ou seja, exalta, e isso não tem qualquer relação com o tratamento dispensado por outras pessoas.
Muito bom 👍 exatamente Glória a Deus