Crítica

Os seis pontos do Calvinismo de Augustus Nicodemus

O Pr. Nicodemus acredita que Deus predestinou tudo o que acontece ou, seja, que todos os eventos estão fixados por Deus.


Os seis pontos do Calvinismo de Augustus Nicodemus

 

Introdução

Analisando os argumentos do Pr. Augustus Nicodemus, no seu artigo intitulado:‘Os Seis Pontos do Meu Calvinismo[1], não pude deixar de considerar o posicionamento do apóstolo Paulo que, diante da proposta de qualquer outro evangelho, além do que ele já havia anunciado, que fosse anátema.

“Mas, ainda que nós mesmos ou, um anjo do céu, vos anuncie outro evangelho, além do que já vos tenho anunciado, seja anátema.” (Gálatas 1:8).

Se não for o evangelho de Cristo, que seja anátema, pois, se alguém quiser se salvar, tem que guardar o mandamento do evangelho de Cristo, sem mácula ou, repreensão, até a Sua volta.

“Que guardes este mandamento sem mácula e repreensão, até à aparição de nosso Senhor Jesus Cristo;” (1 Timóteo 6:14).

Enquanto o Calvinismo pode ter cinco, seis ou inúmeros pontos, seus seguidores serem concordes uns com os outros ou, não, moderados ou extremados, etc., o evangelho de Cristo, por sua vez, é único e não comporta correntes. Não vi o mesmo brilho do apóstolo Paulo no Pr. Nicodemus, pois, este é uma vertente do Calvinismo e admite que há mais pontos, enquanto que aquele não tolera a ideia de outro evangelho.

O evangelho é matéria que ninguém deva propor teorias, posicionamentos, entendimentos, etc., antes, tem que anunciá-lo, tal qual o proposto por Cristo e pelos apóstolos.

“E sei que o seu mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu falo, falo-o como o Pai mo tem dito.” (João 12:50).

Como o evangelho não comporta dissidentes, ramificações, etc., é de se estranhar que um Calvinista admita pontos a mais em sua doutrina. Por isso, analisaremos as premissas de mais um Calvinista sobre o que entendem acerca da salvação, comparando-as com as Escrituras.

 

Mistérios

Enquanto o apóstolo Paulo rogou pelos cristãos de Éfeso, para que pudessem compreender perfeitamente a dimensão do amor de Deus, todo Calvinista vai argumentar que, com relação à revelação de Deus, ainda há mistérios que o homem não pode alcançar.

O apóstolo Paulo não roga por algo impossível de ser alcançado, tanto que o termo empregado, com relação ao crente compreender o amor de Deus, significa ‘ser plenamente capaz’, ‘hábil’, ‘ter plena força’.

Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade,” (Efésios 3:18).

O Pr. Nicodemus acredita que Deus predestinou tudo o que acontece, ou seja, que todos os eventos estão fixados por Deus. Se considerarmos que tudo está pré-fixado do Deus, não há que se falar em planos infalíveis. Um plano levado a efeito, mesmo um infalível, demonstra que Deus não predestinou tudo o que acontece, pois ‘predestinar’ e ‘planejar’ são eventos que excluem um ao outro.

“1 – Creio que Deus predestinou tudo o que acontece. O Deus que determinou todas as coisas é um Deus pessoal, inteligente, justo, santo e bom, que traçou seus planos infalíveis levando em conta a responsabilidade moral de suas criaturas. Ele não é uma força impessoal, como o destino. Portanto, as decisões que tomamos não são mera ilusão e nossa sensação de liberdade ao tomá-las não é uma farsa. Eu acredito que as nossas decisões e escolhas são bem reais e que fazem a diferença. Elas não são uma brincadeira de mau gosto da parte de Deus. De uma maneira para mim misteriosa, porém perfeitamente compatível com um Deus onipotente e infinito, ele consegue ser soberano sem que a vontade de suas criaturas seja violentada. Ao mesmo tempo, ao final, sempre prevalecerá aquilo que Deus já determinou desde a eternidade. Encaro essa relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana como sendo parte dos mistérios acerca do ser Deus, como a doutrina da Trindade e das duas naturezas de Cristo” Augustus Nicodemus, ‘Os Seis Pontos do Meu Calvinismo’.

A fala ‘Deus predestinou tudo o que acontece’ depõe contra o livre-arbítrio de Adão no evento da queda, pois, ou, Deus predestinou Adão a comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal ou, Ele traçou um plano infalível para que Adão comesse do fruto. Nas duas alternativas não há o que se falar em responsabilidade moral por parte de Adão, pois, segundo o proposto pelo Pr. Nicodemus, o homem foi criado, especificamente, para pecar.

Percebe-se, através do argumento do Pr. Nicodemus, ao apontar para o destino, que a sua fala se amolda, justamente, ao pensamento que atribui a uma força impessoal ou, para um dos deuses gregos fatalista, o deus Destino, a quem todos os outros deuses do Olimpo estavam sujeitos, impondo um fatalismo à queda da humanidade.

Por que introduzimos a figura de Adão para contrapor aos argumentos de Nicodemus? Porque, na concepção Calvinista, Adão foi o único homem com livre-arbítrio e, assim sendo, as asserções do Pr. Nicodemus não se sustém ante um dos mais importantes personagens das Escrituras. O Pr. Nicodemus afirma que ‘Deus predestinou tudo o que acontece’ ou que ‘traçou seus planos infalíveis’ e que, mesmo assim (a decisão de Adão), foram reais e que fizeram  a diferença.

Deus é onipotente, onisciente, onipresente, infinito e soberano e as suas criaturas, por sua vez, autônomas. Soberania é posição, que só se consolida diante de subalternos. A soberania de ninguém, de Deus ou de reis, sobrepuja a vontade alheia.

Há uma grande diferença entre essas duas colocações: a) ‘sempre prevalecerá aquilo que Deus já determinou desde a eternidade’, e; b) ‘Deus predestinou tudo o que acontece’, pois, essa asserção é falsa e aquela, se tomada isolada do contexto do Pr. Nicodemus, verdadeira.

Considerando o texto do Pr. Nicodemus, vale destacar que Deus não predestinou Adão a comer do fruto da árvore do conhecimento e nem o ato de Adão comer do fruto decorre de um plano meticulosamente engendrado na eternidade.

A verdade que escapa a todo Calvinista que, com relação a Deus, sempre prevalecerá, por estar determinado desde a eternidade, diz do propósito eterno de Deus. Propósito este que não é antropocêntrico, antes teocêntrico, pois foi estabelecido em Cristo.

“Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor” (Efésios 3:10 -11).

Na eternidade, Deus propôs convergir todas as coisas em Cristo, fazendo-O cabeça da Igreja, preeminente entre muitos irmãos e o mais elevado do que os reis da terra.

“E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.” (Colossenses 1:18);

“Também o farei meu primogênito mais elevado do que os reis da terra.” (Salmos 89:27).

Desde a criação do homem no Éden, os únicos eventos preordenados por Deus estão expressos nestes dois versículos, pois, foram estabelecidos em Deus, ou seja, em Cristo.

Agora, nada que envolva os homens foi pré-determinado. Se Adão obedecesse a Deus, permanecendo firme, o propósito de Deus estaria firme, por Aquele que chama e não por causa de Adão. De outro modo, conforme ocorreu com a queda de Adão, o propósito de Deus permaneceu firme, mesmo Adão sendo infiel, tendo em vista que a infidelidade do homem não altera a fidelidade de Deus.

Outro exemplo de que o propósito de Deus é firme se vê na escolha de Deus, ao chamar Faraó para libertar os filhos de Israel do Egito. Para preservar a linhagem do Cristo e, assim, permanecer o propósito eterno, Deus determinou tornar conhecido o seu nome em todo o mundo e o Faraó serviu a esse propósito.

Se Faraó libertasse o povo de Israel, conforme o determinado por Moisés, o nome de Deus seria conhecido em todo o mundo, pois o Faraó teria se curvado ante o mando do Senhor. Mas, como o Faraó não se curvou, o propósito de Deus continuou firme, pois o nome de Deus se tornou conhecido em toda a terra, por Deus ter arrancado o seu povo com mão poderosa (Romanos 9:17).

“Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama), foi-lhe dito a ela: O maior servirá o menor” (Rm 9:11-12).

O propósito de Deus, segundo a eleição, permanece firme, por isso pode ser anunciado de antemão, como foi antecipado a Rebeca. Qual o propósito de Deus em Esaú e Jacó? A vinda de Cristo ao mundo! Em ambos, a linhagem de Cristo poderia ser preservada, pois, o propósito eterno de Deus é maior que ambos.

O propósito de Deus não está vinculado a obras ou méritos, mas Àquele que chama. E quem Deus chamou para o seu propósito em Cristo? A linhagem de Abraão, da qual faziam parte Esaú e Jacó. O propósito de Deus em Esaú e Jacó não dependia de fazerem bem ou mal, só de serem gerados de Abraão.

Mas, por que não Esaú? Por que foi dito a Rebeca que o maior serviria o menor? Deus tinha preferência entre homens? Certamente, não!

Porque Deus estabeleceu a primogenitura como base para alguém permanecer na linhagem de Cristo. Mas, com relação a Esaú e a Jacó, essa questão não foi resolvida no nascimento, pois, não houve interrupção do parto, quando ambos nasceram.

A questão de quem seria abençoado, ficou a cargo dos dois irmãos, que deveriam saber da importância da primogenitura e de agirem crendo no estabelecido por Deus. Esaú, com medo da morte, desprezou o direito de primogenitura e vendeu ao seu irmão por um prato de lentilhas, portanto, não teve a mesma fé que o crente Abraão. Jacó, por sua vez, negociou o direito, tendo em vista que tal questão não havia sido definida no parto e adquiriu o direito para si.

Quando foi dito a Rebeca que o maior serviria ao menor, não foi expresso que Deus tinha preferência por Jacó, antes, o que foi dito evidenciou que não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa é que são contados como descendência.

A palavra da promessa foi: ‘Em Isaque será chamada a tua descendência’ e ‘Por este tempo virei, e Sara terá um filho’, mas como Isaque não era a descendência prometida, antes ‘em quem a descendência seria chamada’, foi dito a Rebeca, mulher de Isaque: ‘O maior servirá o menor’.

Só foi dito que ‘o maior servirá o menor’, para evidenciar qual dos descendentes de Isaque continuaria a linhagem, na qual o descendente seria chamado e não que Deus tinha preferência por alguém. E assim se cumpriu a palavra dita a Abraão, mesmo que muitos dos filhos de Israel fossem incrédulos.

“Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo.” (Gálatas 3:16).

É sem apoio bíblico o ditado, na essência Calvinista, que diz: “Não cai uma folha da árvore se Deus não quiser”. Na criação, Deus deixou estabelecido que todas as folhas de todas as árvores cairiam, porém, não estabeleceu como e quando cairiam; se pela ação do vento, tempestade, arrancada por ação humana ou, por ter envelhecido.

Está determinado que as folhas das árvores cairão, mas não está determinado se cairá, antes ou, depois de a árvore ser cortada. Está determinado que as folhas cairão, mas não está determinado se antes ou depois de a árvore produzir flores ou frutos.

Quando se lê as considerações do Pregador, no Livro de Eclesiastes, acerca do tempo e dos eventos, as asserções não se enquadram no fatalismo, determinismo ou mecanicismo. Encontramos nas asserções do Pregador um quê do Co-determinismo, isso se considerarmos uma definição filosófica.

“TUDO tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou;” (Eclesiastes 3:1-2).

Não vivemos em um mundo que tudo se resume em causa e efeito, do mesmo modo que não estamos sob a égide de um fado, destino ou, de outro modo, que tudo o que vivenciamos é um meio que visa a um fim. Observe:

O avisado vê o mal e esconde-se; mas os simples passam e sofrem a pena.” (Provérbios 27:12).

Vivemos em um mundo em que a ignorância (falta de conhecimento) não livra ninguém das consequências, pois, mesmo o inocente, está sujeito às consequências do que desconhece.

No universo, eventos podem ocorrer ao acaso, ou seja, são regidas por leis, mas sem uma fórmula previsível. Neste mundo, nada é garantia de nada:

“Voltei-me e vi debaixo do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a batalha, nem, tampouco, dos sábios o pão, nem, tampouco, dos prudentes as riquezas, nem, tampouco, dos entendidos o favor, mas, que o tempo e a oportunidade ocorrem a todos.” (Eclesiastes 9:11).

Soberanamente, Deus estabeleceu a preeminência de Cristo em tudo e Ele vela para levar o seu propósito a efeito e as vontades, anseios e decisões dos homens não promovem e nem são obstes ao propósito eterno de Deus.

O livre-arbítrio ou livre-vontade, diferente do conceito equivocado da livre-agência, é atributo de todas as criaturas de Deus e nenhuma das vontades ou, decisões dos homens, foram, são ou serão violadas por Deus. O propósito eterno de Deus está a seu cargo e em nada depende da concordância ou, da discordância, mesmo que forçada, das suas criaturas.

 

Evangelismo

Esse tópico aborda o segundo ponto do Pr. Augustus Nicodemus.

“2 – Creio que Deus predestinou desde a eternidade aqueles que irão se salvar. Esta convicção não me impede de orar pelos descrentes e evangelizar. Ao contrário, evangelizo com esperança, pois Deus haverá de salvar pecadores. Creio que Deus já sabe, mas oro assim mesmo. Sei que ele ouve e responde, e que minhas orações fazem a diferença. Sei também que, ao final, através de minhas orações, Deus terá realizado toda a sua vontade. Não sei como ele faz isso. Mas, não me incomoda nem um pouco. Não creio que minha oração seja um movimento ilusório no tabuleiro da soberania divina.” (Idem)

É contraditória a ideia de quem acredita em uma predestinação que ocorreu na eternidade e, concomitantemente, crê que a sua própria oração é elemento que faz a diferença. Deus realiza a sua vontade, segundo o seu propósito e através da sua palavra, não através de orações.

Se Deus se propôs a não ouvir a oração de Jeremias, em favor do povo de Israel, quando, sobre eles, viessem os males decorrentes da desobediência, quiçá uma oração seria motivo de esperança se, realmente, Deus tivesse predestinado alguns ao inferno.

“Tu, pois, não ores por este povo, nem levantes por ele clamor nem oração; porque não os ouvirei no tempo em que eles clamarem a mim, por causa do seu mal.” (Jeremias 11:14).

Orar em favor dos perdidos, no caso do Pr. Nicodemus, é ser contraditório com a sua própria crença, a ponto de instituir absurdos.

Moisés foi repreendido por Deus ao orar, pedindo que o povo de Israel fosse perdoado, ou, se não, que o seu nome fosse riscado do livro da vida. Como orar contra a vontade de Deus, que estabeleceu que a alma que pecar essa mesmo morrerá?

Como cristãos, devemos crer na verdade, não em absurdos, conforme sugere a frase “Credo quia absurdum” (Creio, porque é absurdo!), exposta por Tertuliano de Cartago,  escritor cristão do século III.

Em se falando do evangelho, temos a verdade, não absurdos. A ‘fé’, como doutrina, não é compreensível ao homem natural, mas, isso não significa que está fundamentada em absurdos, de modo a desafiar a lógica e a razão, pertinentes à dedução e à compreensão humana.

“Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17).

Geralmente, os absurdos ocorrem por má leitura das passagens bíblicas, não que a passagem bíblica contenha absurdos. Outro dia li um absurdo, em que um cristão dizia que ‘maldito o homem que confia em outro homem’, enquanto a ideia defendida pelo profeta Jeremias é ‘maldito o homem que confia em si mesmo’, aquele que faz da carne o seu braço.

“Assim, diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem e faz da carne o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jeremias 17:5).

Vários textos bíblicos são mutilados por má leitura, por exemplo, o que Deus disse por intermédio de Moisés: “… e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer.” (Êxodo 33:19) pois, leem como se Deus, arbitrariamente, determinou ter misericórdia de alguns em detrimento de outros, quando, na verdade, Deus está enfatizando que tem misericórdia dos que O obedecem, contrariando Moisés, que queria que o seu nome fosse riscado do livro da vida.

“E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.” (Êxodo 20:6).

Se Deus faz misericórdia aos que guardam os seus mandamentos, claro está que Ele faz misericórdia de quem Ele quer e não com base na interseção de um dos seus servos. Nas proposições bíblicas há lógica pura, o que é enfatizado por outros servos de Deus:

“E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem.” (Lucas 1:50).

Mas, as asserções do Pr. Augustus Nicodemus são por demais confusas, pois, acredita que ninguém merece a graça de Deus e, no entanto, também acredita que Deus não deixa de conceder a sua graça a quem merecia recebê-la.

Segundo a Bíblia, a graça não envolve merecimento ou, demérito, visto que a graça foi manifesta a todos os homens. O termo ‘todos’ não pode ser considerado no sentido de totalidade, como se todos os homens estão salvos, mas, sim no sentido de que não houve acepção: a salvação é manifesta a qualquer homem de qualquer tribo, língua ou, nação.

“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens,” (Tito 2:11).

E qual a graça manifesta? Cristo! Cristo foi manifesto e trouxe salvação, sem fazer acepção de pessoas. Algum homem merecia o Cristo? Não! Mas, mesmo assim, foi manifesto, da mesma forma que a ‘fé’, que é Cristo, foi manifesta.

“Mas a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado, para que a promessa pela fé em Jesus Cristo fosse dada aos crentes. Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” (Gálatas 3:22-23).

É fato que Deus não predestinou todos à salvação, mas, é igualmente fato, que Ele não predestinou alguns para a salvação. É fato que não há inocentes, entre os membros da raça humana, mas, isso não valida à ideia de que Deus tenha predestinado alguém ao inferno.

É comum no raciocínio Calvinista tomar uma premissa bíblica verdadeira, para tentar validar um argumento falso. Deus não predestinou ninguém à salvação, antes, salva os crentes pela loucura da pregação. A predestinação não é o meio ou, o modo de salvação.

A predestinação serve ao propósito eterno que Deus estabeleceu em Cristo e a graça e a misericórdia é o que provê salvação. Graciosamente, Deus proporcionou salvação em Cristo, por meio do evangelho, misericórdia demonstrada sem acepção, a todos os homens. E todos os homens que creem em Cristo, pelo fato de serem gerados de novo de semente incorruptível, estão predestinados a serem conforme a imagem de Cristo, para que Ele figure como primogênito entre muitos irmãos.

A predestinação não visa à salvação dos homens, antes, o propósito eterno estabelecido em Cristo, pois, ao entrar no mundo, o Cristo era o Unigênito do pai e agora, pela igreja, é o primogênito entre muitos irmãos, pois, os que creram foram predestinados a serem conforme a imagem de Cristo.

“Porque os que dantes conheceu, também, os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8:29).

Questões absurdas, nas quais alguns creem, decorrem de má leitura, não que o que Deus decretou seja absurdo. É absurdo ler no verso acima que Deus predestinou alguém a ser salvo, sendo que o verso diz que Deus predestinou os que ‘dantes conheceu’ para terem a mesma imagem que o Filho de Deus.

E qual o objetivo de serem predestinados? O homem se ver livre do pecado? Não! O objetivo é que Cristo seja o primogênito entre muitos irmãos. A questão aqui é fatalista, pois, ao ser gerado de Deus, em Cristo, não há outro destino para o homem de novo nascido, pois todos serão conforme a imagem do Filho de Deus.

Por outro lado, é um absurdo afirmar que Deus, que não tem o culpado por inocente, predestinou ‘para a salvação pecadores perdidos, merecedores do inferno’, ao mesmo tempo em que se diz que ‘não há pessoa alguma que mereça qualquer coisa de Deus’ e ‘que ele tenha deixado de conceder sua graça a quem merecia recebê-la’.

“3 – Não creio que Deus predestinou todos para a salvação. Da mesma forma, não creio que ele foi injusto e nem que ele fez acepção de pessoas para com aqueles que não foram eleitos. Não creio que Deus tenha predestinado inocentes ao inferno, pois não há inocentes entre os membros da raça humana. E nem acredito que ele tenha deixado de conceder sua graça a quem merecia recebê-la, pois igualmente não há pessoa alguma que mereça qualquer coisa de Deus, a não ser a justa condenação por seus pecados. Deus predestinou para a salvação pecadores perdidos, merecedores do inferno. Ao deixar de predestinar alguns, ele não cometeu injustiça alguma, no meu entender, pois não tinha qualquer obrigação moral, legal ou emocional de lhes oferecer qualquer coisa.” (Idem).

 

Onisciência versus presciência

Outro absurdo, é estabelecer um reducionismo na onisciência de Deus, a chamada presciência. Deus não prevê o que vai acontecer e nem determinou o que irá acontecer, antes, por ser onisciente, é conhecedor de todas as coisas, quer seja do passado, quer do presente ou, quer do futuro.

Deus é onisciente, porque é onipresente e não porque previu ou, porque determinou algo. Previsão é algo concernente aos homens, visto que Deus, de antemão faz conhecido aos seus servos os seus planos e desígnios.

A onisciência é atributo divino, a presciência não. Na onisciência já está incluso o conhecimento do futuro, portanto, com relação a Deus o termo presciência não tem razão de ser utilizado. Observe os seguintes argumentos:

“4 – Creio que Deus sabe o futuro, não porque previu o que ia acontecer, mas porque já determinou tudo que acontecerá. Por isso, entendo que a presciência de que a Bíblia fala é decorrente da predestinação, e não o contrário. Negar a predestinação e insistir somente na presciência de Deus com o alvo de proteger a liberdade do homem levanta outros problemas. Quem criou o que Deus previu? E, se Deus conhece antecipadamente a decisão livre que um homem vai tomar no futuro, então ela não é mais uma decisão livre.” (Idem).

A má leitura acerca do termo grego ‘conhecer’, quando empregado nas Escrituras, fomenta vários equívocos. Para elucidá-los, analisemos a seguinte passagem bíblica:

“E, então, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.” (Mateus 7:23).

Tendo por base esse versículo, Cristo, na sua glória, não sabe todas as coisas? Não previu o que ia acontecer ou, não determinou o que acontecerá? O indivíduo que ‘nunca foi conhecido’ não foi predestinado para esse fim e mesmo, assim, não é conhecido?

Observe que as perguntas formuladas pelo Pr. Augustus Nicodemus não se adequam ao que Jesus dirá: ‘Nunca vos conheci’! Isso porque o termo grego traduzido por ‘conhecer’ não tem o significado de ‘saber’, mas, tem o sentido de não ter se tornado um só corpo.

Tornar-se membro do corpo de Cristo é imprescindível à salvação, pois, só assim, o homem torna-se um com o Pai e o Filho:

“E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um.” (João 17:22);

“Ora, vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular.” (1 Coríntios 12:27)

“Por isso deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros.” (Efésios 4:25).

Essa comunhão intima nomeia-se ‘conhecer’, portanto, se não se tornou um com o Pai e o Filho, nunca foi ‘conhecido’, conforme se lê:

“Mas agora, conhecendo a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir?” (Gálatas 4:9).

Somente quando o homem se torna um com a verdade, sendo gerado de Deus, é liberto do Senhor, como estabeleceu Jesus:

“E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” (João 8:32);

“E sabemos que já o Filho de Deus é vindo e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” (I João 5:20).

‘Saber’ e ter ‘entendimento’ decorre da mensagem do evangelho, pelo qual o homem se faz discípulo, o que promove a união com o Pai e o Filho, ou seja, o ‘conhecer’, o ‘estar em Cristo’.

Se não souber ler esses versos, o intérprete se equivocará, quando se deparar com esse versículo:

“Porque os que dantes conheceu, também, os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8:29).

Quem são os que ‘dantes’ conheceu? Segundo o Calvinismo diz do que Deus determinou que irá acontecer e, segundo o Arminianismo, refere-se ao que Deus previu que ia acontecer.

Ambos os posicionamentos doutrinários estão equivocados, pois o verso trata daqueles que se tornaram um só corpo com Cristo, ou seja, dos que ‘conheceram’. Daí a explicação: os que se fizeram um só corpo com Cristo, ou seja, ‘dantes’, ‘anteriormente’, ‘previamente’, também, foram predestinados a serem conforme a imagem de Cristo.

Ninguém é predestinado a ‘conhecer’, pois só ‘conhece’ a Cristo aquele que permanece no seu ensino, tornando-se seu discípulo. Só são ‘predestinados’ os que ‘conhecem’ a Cristo!

 

Deus compreensível

Equívocos doutrinários levam a uma crença, cuja base não passa de conjecturas:

“5 – Creio que apesar de ter decretado tudo que existe desde a eternidade, Deus acompanha a execução de seus planos dentro do tempo, e se comunica conosco nessa condição. Quando a Bíblia fala de um jeito que parece que Deus nem conhece o futuro e que muda de ideia algumas vezes, é Deus falando como se estivesse dentro do tempo e acompanhando em sequência, ao nosso lado, os acontecimentos. É a única maneira pela qual ele pode se fazer compreensível a nós. Quem melhor explica isso é John Frame, no livro “Não Há Outro Deus,” da Editora Cultura Cristã, que recomendo entusiasticamente.” (Idem).

Daí o alerta:

“E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber.” (1 Coríntios 8:2).

A única maneira que Deus poderia se fazer compreensível aos homens, foi se fazendo carne e habitando entre os homens.

“Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou.” (João 1:18).

Deus se comunicou com os homens através dos seus profetas e nos últimos tempos, por seu Filho:

“HAVENDO Deus antigamente falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho,” (Hebreus 1:1).

 

Contradições

É uma crença isolada, quando se afirma que Deus é soberano, bom e predestinou tudo o que acontece, mas, sem explicar quanto ao mal no universo.

Quando afirmamos que Deus é soberano, assim afirmamos porque Ele é o criador de todas as coisas e não que Ele exerça controle sobre as suas criaturas. Quando afirmamos que Deus é bom, não estamos dizendo que Ele é condescendente e bonzinho, antes, dizemos que Ele é nobre, veraz, superior. O termo ‘bom’ evidencia o senhorio de Deus e não uma condescendência.

O termo grego traduzido por ‘bom’ é ἀγαθούς (agathos), cuja raiz etimológica significa ‘alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro’, o que distingue o nobre do homem comum, vil, mentiroso.

“… continha em si a conjugação de nobreza e bravura militar (…) quase nunca tem o sentido posterior de ‘bom’, como arete não tem o de virtude moral”  Jaeger, Werner, Paideia, A Formação do homem Grego, tradução Artur M. Parreira, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2003. Pág. 27;  

“Senhorio e arete estavam inseparavelmente unidos. A raiz da palavra é a mesma: άριστος, superlativo de distinto e escolhido…” (Idem), pág. 26.

O verso: “Sempre seja Deus verdadeiro e todo o homem mentiroso” (Rm 3:4), contrapõe o homem a Deus, este como nobre, soberano, senhor, etc., enquanto aquele como vil, plebe, mau, etc. Nesse verso, o significado de ‘verdadeiro’ e ‘mentiroso’ não possui conotação moral.

O Pr. Nicodemus acredita que:

“6 – Creio que Deus é soberano e bom. A contradição que parece haver entre um Deus soberano e bom que governa totalmente o universo, por um lado, e por outro, e a presença do mal nesse universo é apenas aparente e, por enquanto, sem explicação. Diante da perversidade e dos horrores desse mundo, alguns dizem que Deus é soberano mas não é bom, pois permite tudo isto. Outros, que ele é bom mas não é soberano, pois não consegue impedir tais coisas. Para mim, a Bíblia diz claramente que Deus não somente é soberano e bom – mas que ele é santo e odeia o mal. Ao mesmo tempo, a Bíblia reconhece a presença do mal do mundo e a realidade da dor e do sofrimento que esse mal traz. Ainda assim, não oferece qualquer explicação sobre como essas duas realidades podem existir ao mesmo tempo. Simplesmente afirma ambas e pede que vivamos na certeza de que um dia Deus haverá, mediante Jesus Cristo, de extinguir completamente o mal e seus efeitos nesse mundo.” (Idem).

Há dois tipos de mal no mundo:

  1. Um decorre do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, e ambos, bem e mal, estão intrinsicamente ligados, como faces de uma mesma moeda, e o outro;
  2. Refere-se à natureza do homem e dos anjos caídos.

A presença do mal neste mundo não é apensa aparente, antes o mundo está no maligno.

“Sabemos que somos de Deus e que todo o mundo está no maligno.” (1 João 5:19).

O mundo estar no maligno não se refere às perversidades e horrores desse mundo, como guerras, doenças, calamidade, etc. , antes à condição do homem separado de Deus.

Os homens, sendo maus, sabem dar boas coisas aos seus semelhantes. A condição herdada de berço pertinente ao homem é má e todos os descendentes de Adão são maus, mentirosos, trevas, perdidos, pecadores, etc.

“Pois, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” (Lucas 11:13)

No entanto, pelo conhecimento decorrente do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, todos os homens, além de maus, sabem dar boas coisas aos seus semelhantes e podem fazer o mal a eles, conforme bem lhes parece.

Deus soberano e bom não está interessado em reverter o conhecimento do bem e do mal que o homem adquiriu por causa da ofensa de Adão, pois o bem que o homem faz só aproveita aos seus semelhantes.

“Se pecares, que efetuarás contra ele? Se as tuas transgressões se multiplicarem, que lhe farás? Se fores justo, que lhe darás ou, que receberá ele da tua mão? A tua impiedade faria mal a outro tal, como tu; e a tua justiça aproveitaria ao filho do homem.” (Jó 35:6-8).

A proposta do evangelho visa reparar o mal decorrente da ofensa de Adão e para isso é necessário mudar a condição do homem, nascido como filho da ira e da desobediência. O único modo para essa mudança é a existência de um último Adão, que substitua a desobediência pela obediência, gerando de novo, por meio da semente incorruptível, filhos em comunhão com Deus.

A Bíblia não se cala ante homens que questionam o poder e o saber de Deus e não nega que há males no universo.

“Por causa das muitas opressões, os homens clamam, por causa do braço dos grandes. Porém, ninguém diz: Onde está Deus que me criou, que dá salmos durante a noite;” (Jó 35:9-10).

Quando o homem se depara com calamidades, infortúnios, desgraças, etc., questionam a existência de Deus em universo que o mal permeia, entretanto, quando em bonança, venturosos e alegres, não consideram onde Deus está.

Se um filho nasce com certa deficiência física, se lembram de questionar a grandeza de Deus, mas, quando os seus rebentos vem perfeitos e formosos ao mundo, se esquecem de questionar onde está Deus.

A proposta deste artigo não é dar todas as respostas às questões Calvinistas e nem de afrontar o Pr. Nicodemus, mas, como o artigo reúne as principais questões Calvinistas não respondidas, o artigo do Pr. Nicodemus serviu ao propósito de nos debruçarmos sobre o tema, à luz das Escrituras.

 

Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto

 

[1] Fonte: < http://tempora-mores.blogspot.com/2013/12/os-seis-pontos-do-meu-calvinismo.html >  Consulta realizada em 22/01/18.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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