Milagres

Pedro anda sobre às águas

Embora Jesus seja conhecedor de todas as coisas e detentor de poder para realizar maravilhas além da compreensão humana, o milagre em que Pedro andou sobre as águas tem um caráter singular e personalíssimo.


Pedro anda sobre às águas

“E respondeu-lhe Pedro, e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas. E ele disse: Vem. E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus.” (Mateus 14:28-29).

Quem é esse homem?

“E aqueles homens se maravilharam, dizendo: Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mateus 8:27).

Quando Jesus acalmou uma tempestade apenas ordenando que o vento e o mar se aquietassem, os discípulos que estavam no barco se perguntaram, atônitos, quem seria aquele homem a quem até os ventos e o mar obedeciam. Eles já haviam testemunhado Jesus realizar diversos sinais e maravilhas, mas ainda não compreendiam plenamente quem era Jesus de Nazaré. Cada um deles perguntava ao outro quem poderia ser aquele homem, e, mesmo diante dos milagres realizados, não conseguiam definir quem era Jesus.

Se tivessem consultado as Escrituras, teriam encontrado uma resposta segura, mas, infelizmente, fizeram justamente o que os profetas advertiram para que não fizessem. Miquéias escreveu:

“O melhor deles é como um espinho; o mais reto é pior do que a sebe de espinhos; veio o dia dos teus vigias, veio o dia da tua punição; agora será a sua confusão. Não creiais no amigo, nem confieis no vosso guia; daquela que repousa no teu seio, guarda as portas da tua boca. Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, os inimigos do homem são os da sua própria casa.” (Miquéias 7:4-6).

Se os discípulos de Jesus tivessem atentado para as Escrituras, saberiam que não podiam confiar em seus concidadãos para discernir se Jesus de Nazaré era o Messias. Se queriam saber quem Ele era, não deveriam julgá-lo pelas aparências, nem buscar sinais, prodígios ou a observância das tradições dos anciãos. Precisavam voltar-se para as Escrituras para reconhecer Jesus como o Cristo de Deus!

“Desde a antiguidade fundaste a terra, e os céus são obra das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permanecerás; todos eles se envelhecerão como um vestido; como roupa os mudarás, e ficarão mudados. Porém tu és o mesmo, e os teus anos nunca terão fim.” (Salmo 102:25-27).

 

Jesus anda sobre o mar

Depois de multiplicar cinco pães e dois peixes e alimentar uma multidão de quase 5.000 pessoas, Jesus ordenou aos seus discípulos que entrassem em um barco e atravessassem o mar para o outro lado enquanto Ele despedia a multidão. No meio da travessia, os discípulos encontraram-se em um mar revolto, com o barco açoitado pelas ondas, e o vento contrário.

Jesus, após despedir a multidão, subiu ao monte para orar e, já tarde da noite, estava só. Por volta da quarta vigília, levantou-se e pôs-se a andar sobre as águas em direção aos discípulos. Ao verem uma figura se aproximando sobre as águas, os discípulos gritaram de susto, dizendo que era um fantasma, e foram tomados pelo medo. Embora fantasmas não existam, o que viam desafiava a lógica humana; andar sobre as águas é impossível para os homens, e a ideia de um fantasma lhes pareceu plausível.

 

Pedro anda sobre as águas

Diante do pavor de seus discípulos, Jesus lhes dirigiu palavras de conforto: “Tende bom ânimo, sou eu, não temais” (Mateus 14:27). Pedro, querendo se certificar de que se tratava de Cristo, pede uma prova e diz: “Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas” (Mateus 14:28). Jesus, com uma única palavra – “Vem” – convida Pedro a ir ao seu encontro sobre as águas.

Pedro, então, sai do barco e começa a caminhar sobre as águas em direção a Jesus. Seus passos duram por um tempo, mas ao sentir a força do vento, é tomado pelo medo e começa a afundar. Em desespero, o experiente pescador clama: “Salva-me, Senhor!” (Mateus 14:30). Jesus, prontamente, vem em seu auxílio, estende a mão e o segura. Ao segurá-lo, o repreende com palavras firmes: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?”

 

O que aprender com esse milagre?

Ao observar os diversos artigos pela internet, fica claro que há uma abundância de lições que as pessoas deduzem da passagem de Pedro andando sobre as águas. No entanto, muitas dessas interpretações não refletem a essência do texto bíblico e estão permeadas por conjecturas e falácias lógicas. Surgem argumentos como: “andar sobre as águas é um desafio para todos os cristãos confiarem no impossível,” ou “o convite de Jesus para andar sobre as águas é estendido a cada crente,” além de “fé requer foco” e “milagres acontecem quando damos um passo de fé.” Tais declarações sugerem que, ao convidar Pedro para sair do barco, Jesus nos ensinava que é possível vencer o sobrenatural ou enfrentar um mar de problemas com fé.

Contudo, ao analisarmos o milagre, aprendemos que, se focarmos apenas nos aspectos das tempestades, dos sofrimentos, das realizações e das dificuldades que enfrentamos diariamente, deixaremos de perceber o verdadeiro milagre operado por Deus. Na leitura da narrativa de Mateus, o milagre mais profundo, o propósito de Cristo ao vir ao mundo, torna-se evidente quando Ele e Pedro voltam para o barco e o vento se acalma (Mateus 14:32).

Naquela noite, o que levou os discípulos a adorarem Jesus não foi Pedro andar sobre as águas ou o mar se acalmar. Foi, na verdade, a confissão de que Jesus era o Filho de Deus, o fruto dos lábios daqueles que estão ligados a videira verdadeira (Hebreus 13:15). O milagre maior naquela noite foi a transformação operada no coração daqueles homens, que, antes aterrorizados pelo vento e pelas ondas do mar, finalmente reconheceram: “És verdadeiramente o Filho de Deus” (Mateus 14:33). Aquilo que, numa tempestade anterior, os havia deixado perplexos – “Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mateus 8:27) – agora encontrava uma resposta inegável.

Naquele instante, a obra de Deus estava se cumprindo: como Jesus declarou em João 6:29, “A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” Essa confissão sincera de Jesus como Filho de Deus não veio de questionamentos ou debates entre os discípulos, mas de uma revelação concedida pelo próprio Pai. Assim como Jesus disse a Pedro em outra ocasião:

“Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus.” (Mateus 16:17).

Quando Jesus retornou ao barco com Pedro, o que era impossível aos homens foi realizado por Deus na vida de muitos que estavam ali: o reconhecimento de quem era Jesus e a “fé” que traz salvação. Como Jesus afirmou: “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível.” (Mateus 19:26). Naquele barco, o que o apóstolo Paulo descreveu se concretizou:

“Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.” (Romanos 10:9-10).

Dessa forma, o verdadeiro milagre na narrativa não foi Pedro andar sobre as águas, mas sim a confissão de fé dos discípulos, o reconhecimento de Jesus como o Filho de Deus e, assim, a salvação que alcançou muitos daqueles que estavam no barco.

 

Corações endurecidos

Os evangelhos sinóticos de Marcos e Lucas apresentam nuances não registradas por Mateus, embora não relatem o episódio de Pedro andando sobre as águas. O evangelho de João, por sua vez, também traz uma nuance importantíssima ao narrar o milagre da multiplicação dos pães, mas igualmente omite o relato de Pedro andando sobre as águas.

Em João, após o milagre da multiplicação, é destacado que a multidão, ao ver o sinal, concluiu que Jesus era o Profeta, e tentou levá-lo à força para fazê-lo rei. Sabendo dessa intenção, Jesus retirou-se sozinho para o monte (João 6:14-15). Esse detalhe nos permite compreender a reação da multidão e a percepção que tinham de Jesus, não como o Messias que viera para o sacrifício, mas como um líder político que, aos olhos deles, poderia libertar Israel.

Lucas também narra a multiplicação dos pães e, em seguida, traz uma pergunta que Jesus fez aos discípulos sobre o que as pessoas diziam acerca de sua identidade. Eles responderam que alguns o viam como João Batista, outros como Elias, e outros ainda como um dos antigos profetas ressuscitado. Jesus então os questiona diretamente: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Pedro prontamente responde: “O Cristo de Deus.” Jesus, porém, lhes pede que guardem essa informação em segredo (Lucas 9:18-21).

Já o evangelista Marcos adiciona outra nuance importante ao episódio do mar agitado. Embora ele não mencione Pedro andando sobre as águas, Marcos relata que, quando Jesus entrou no barco, o mar se acalmou, e os discípulos ficaram profundamente maravilhados e atemorizados. Marcos explica o motivo: eles não haviam compreendido o significado do milagre da multiplicação dos pães, pois seus corações estavam endurecidos (Marcos 6:51-52).

Mateus e Marcos apresentam ênfases distintas ao narrar o evento de Jesus andando sobre as águas, oferecendo nuances que enriquecem a compreensão do texto. Mateus destaca que o milagre de Pedro caminhar até Jesus sobre as águas despertou o coração dos discípulos no barco, conduzindo-os à adoração e à confissão de que Jesus é o Filho de Deus (Mateus 14:33). Este momento de reconhecimento é apresentado como um marco espiritual para aqueles que o testemunharam.

Por outro lado, Marcos, ao narrar o mesmo evento, sublinha um aspecto mais desafiador: mesmo entre os discípulos presentes no barco, havia aqueles que permaneceram aterrorizados e incapazes de compreender plenamente o que haviam presenciado. Marcos aponta que o endurecimento de seus corações os impediu de compreender até mesmo o significado do milagre anterior da multiplicação dos pães (Marcos 6:51-52).

Essas diferenças ressaltam uma verdade importante: nem todos os discípulos estavam no mesmo nível de entendimento espiritual. Ainda que Pedro tenha feito uma confissão extraordinária, reconhecendo Jesus como o Filho do Deus bendito, isso não significa que todos os demais discípulos compartilhavam da mesma concepção naquele momento (Lucas 9:18-21). Esses relatos nos lembram que a fé e o entendimento espiritual nem sempre são uniformes, mesmo entre aqueles que estão mais próximos de Cristo.

“Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:31-32).

Essas diferenças mostram como cada evangelista oferece nuances única sobre os eventos, aprofundando nosso entendimento através da reação dos discípulos e da percepção do público sobre quem era Jesus. A dureza de coração mencionada por Marcos revela a luta interna dos discípulos em compreender plenamente a identidade de Jesus. Lucas nos mostra como o reconhecimento de Jesus como “o Cristo de Deus” não foi alcançado entre as multidões, enquanto João destaca o equívoco da multidão ao tentar entronizar Jesus como rei por considerá-lo profeta.

O evangelista João deixa claro que o verdadeiro propósito ao selecionar quais milagres de Jesus seriam relatados em seu evangelho era direcionar os leitores à fé em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus. Em suas próprias palavras, João afirma:

“Jesus, na verdade, operou ainda muitos outros sinais na presença de seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.” (João 20:30-31).

Essa declaração revela que os milagres não são descritos como meras demonstrações de poder ou para inspirar admiração, mas têm um objetivo espiritual e eterno: conduzir os leitores ao reconhecimento de que Jesus é o Messias prometido e, por meio dessa fé, alcançar a vida eterna.

Ao narrar eventos específicos, João busca apontar para a identidade e missão de Cristo, mostrando que cada sinal realizado por Jesus não era um fim em si mesmo, mas uma revelação do plano de salvação de Deus. Assim, os milagres registrados em João – como transformar água em vinho, alimentar multidões, curar enfermos e ressuscitar mortos – são todos direcionados para proclamar a divindade de Cristo e a necessidade de crer n’Ele para a salvação.

Esses detalhes, quando considerados em conjunto, não apenas enriquecem a narrativa, mas também destacam que o verdadeiro reconhecimento da natureza de Cristo se dá pela revelação das Escrituras. Jesus não permitiu que a percepção popular ou os entendimentos incompletos dos discípulos e da multidão determinassem sua identidade ou sua missão.

Neste ponto, é crucial notar que milagres, por si sós, não conduzem os homens ao reconhecimento de quem é o Cristo. A multidão que comeu do pão multiplicado e desejou fazê-lo rei foi a mesma que, ao se deparar com sua doutrina, o rejeitou (João 6:41-42). O milagre físico, ainda que poderoso, não foi suficiente para romper com as expectativas equivocadas que tinham a respeito do Messias. Foi a confrontação com a verdade espiritual de Cristo, revelada em suas palavras, que trouxe à tona a resistência dos corações.

Isso revela uma realidade profunda: milagres podem despertar o assombro, mas é pela revelação da Palavra que a confiança em Deus por intermédio de Cristo surge.

“E é por Cristo que temos tal confiança em Deus;” (2 Coríntios 3:4).

 

Milagre personalíssimo

Embora Jesus seja conhecedor de todas as coisas e detentor de poder para realizar maravilhas além da compreensão humana, o milagre em que Pedro andou sobre as águas tem um caráter singular e personalíssimo. Portanto, é falacioso afirmar, como algumas mensagens e pregações o fazem, que este evento representa “um desafio para todos os cristãos confiarem no impossível”.

A Bíblia não exorta a crença no impossível, em milagres ou no sobrenatural como um fim em si mesmos. Pelo contrário, a confiança do crente deve repousar exclusivamente na palavra de Deus, que é fiel, digna de toda aceitação e o firme fundamento para se depositar a confiança (Hebreus 11:1; 1 Timóteo 1:15).

O convite para andar sobre as águas foi dirigido exclusivamente a Pedro, tornando inválida a interpretação de que este convite se estenderia a todos os cristãos. Nem mesmo os demais discípulos que estavam no barco poderiam lançar-se ao mar, pois o chamado não foi feito a eles. A única promessa universal que Jesus oferece a todos os homens é a vida eterna, pois a salvação, impossível aos homens, é realizada apenas por Deus:

“E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna.” (1 João 2:25).

Crer em Cristo significa crer no testemunho que Deus deu acerca do Seu Filho nas Escrituras. Em outras palavras, acreditar em Jesus é acreditar no próprio Deus (1 João 5:10). Essa fé não é uma questão de “foco” ou de um “salto de fé” aclamado por muitos, mas uma confiança fundamentada na palavra divina. Quando Jesus permitiu que Pedro andasse sobre as águas, Ele não estava sugerindo que os cristãos venceriam as dificuldades da vida cotidiana com um ato de fé milagroso ou que seus problemas seriam resolvidos de forma sobrenatural.

Tais interpretações não passam de conjecturas infundadas e crendices, desprovidas de base na palavra de Cristo. A verdadeira fé não consiste em crer em eventos extraordinários, mas em depositar confiança absoluta na palavra de Deus, que é fiel, imutável e poderosa para salvar. O ato de Pedro andar sobre as águas foi um milagre único, com propósito específico, e não um modelo para a experiência cristã cotidiana. A fé genuína é aquela que reconhece a suficiência das Escrituras e se apoia na promessa de vida eterna em Cristo.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *