Os filhos de Israel rejeitaram o conhecimento de Deus e não quiseram ouvi-Lo. Deus os entregou aos desejos de seus corações, que, sendo enganosos e perversos, cheios de iniquidades, promoviam desonra entre si (Salmo 78:29-30; Jeremias 17:9).
Romanos 1 – As iniquidades do povo de Israel
Conteúdo do artigo
“Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus.” (Romanos 3:19).
Romanos 1 – O poder de Deus para salvação
Quem são as pessoas que detém a verdade em injustiça?
É amplamente aceito que, devido à transgressão de Adão no Éden, toda a humanidade se tornou passível de condenação diante de Deus, sem exceção. Esta condenação universal resulta de um único ato de desobediência de Adão, que introduziu o pecado no mundo (João 3:18; Romanos 5:14, 18-19). O pecado entrou no mundo por meio de Adão, e com ele, a morte, que se estendeu a todos os homens, pois todos pecaram.
“Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.” (Romanos 5:12).
A ofensa contra Deus resultou na perda da comunhão entre a humanidade e o Criador, erguendo uma barreira de separação, o que significa morte espiritual. Para ser considerado pecador, basta ao homem nascer, o que implica que não é necessário realizar atos imorais segundo a moral humana para se tornar pecador.
O apóstolo Paulo afirma de forma clara: a universalidade da morte espiritual indica que todos pecaram, ou seja, não estão dentro do parâmetro exigido para o propósito divino para o qual foram originalmente criados. O fato de a morte espiritual ter alcançado todos os descendentes de Adão, devido ao julgamento e condenação ocorridos no Éden, evidencia a completa sujeição da humanidade ao pecado.
Entretanto, para continuarmos a análise do capítulo 1 de Romanos, a partir do versículo 18, é imprescindível determinar com precisão quem são as pessoas que detêm a verdade em injustiça.
Diante da realidade universal do pecado, é comum que os comentaristas bíblicos atribuam os versículos 18 em diante do capítulo 1 de Romanos à humanidade em geral, considerando-a passível da ira de Deus. Muitos estudiosos interpretam essa passagem do apóstolo Paulo como uma evidência da depravação e culpa da raça humana como um todo. Frequentemente, esses estudiosos utilizam títulos em seus comentários, tais como: “A ira de Deus contra a humanidade”, “A depravação total da humanidade”, “A impiedade da humanidade”, “A imoralidade e idolatria da humanidade”, entre outros.
Esses títulos refletem a perspectiva de que os versículos em questão abordam a condição pecaminosa universal da humanidade e sua sujeição à ira divina. No entanto, é crucial analisar o texto com atenção para compreender corretamente a quem Paulo se refere quando fala daqueles que detêm a verdade em injustiça.
Algumas versões bíblicas, como a Almeida Revista e Corrigida 2009 (ARC), introduzem o versículo 18 com o título: “A idolatria e depravação dos gentios”, sugerindo que os versos seguintes se referem especificamente aos gentios e suas práticas pecaminosas.
Esse entendimento é compartilhado por alguns autores que interpretam essa passagem como uma condenação particular das atitudes e comportamentos dos gentios. Eles veem essa seção como uma crítica às práticas idólatras e imorais comuns entre os gentios daquela época.
Esse é o entendimento de alguns autores:
“É possível entender esta passagem meramente como uma descrição do mundo gentílico contemporâneo na sua idolatria e na sua iniquidade exagerada. Mas limitar esta discussão penetrante a um período ou a um segmento da humanidade é deixar de perceber nela a Palavra de Deus para nós. Paulo aqui fala da injustiça dos homens (anthropon, 18) em todas as épocas e culturas. O seu objetivo não é simplesmente informar os cristãos romanos sobre muitos dos seus contemporâneos, porém, mais profundamente, mostrar a condição depravada dos homens pecadores. Ele está descrevendo a condição humana separada do poder redentor de Deus. “A humanidade, como resultado da sua desobediência a Deus, se envolveu numa condição desesperada e moralmente enferma”” Comentário Bíblico de Beacon;
“Com estas palavras, Paulo salientou que a humanidade não somente tem a oportunidade de conhecer a Deus por meio da revelação geral, mas também que essa revelação produz um real conhecimento. O pecado da humanidade consiste na recusa do indivíduo de reconhecer o que já se sabe ser verdade. Apesar de reconhecerem a Deus, as pessoas se recusam em honrá-lo ou em mostrarem-se agradecidas a ele. A consequência de terem rejeitado a Deus foi que suas mentes e corações se obscureceram. A recusa de honrar a Deus, leva todos os esforços intelectuais à frustração.” Comentários da Bíblia de Estudos de Genebra pela Sociedade Bíblica do Brasil;
“Quando lemos Romanos 1:26-32 pareceria que esta passagem é obra de algum moralista quase histérico que exagerou a situação contemporânea pintando-a com cores de exagero retórico. Descreve uma situação de degeneração moral quase sem paralelos na história humana. Mas Paulo não diz nada que os escritores gregos e romanos da época não tenham dito.” O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay.
Os comentaristas, na sua grande maioria, veem os gentios como os principais alvos da observação paulina. No entanto, é fundamental analisar o texto considerando outras premissas.
O apóstolo Paulo não teceu comentários baseando-se nos escritores gregos e romanos da época. Em vez disso, tudo o que ele expunha aos cristãos estava firmemente alicerçado no que fora dito pelos profetas, com o objetivo de que a confiança dos cristãos estivesse unicamente em Deus (1 Coríntios 2:4-5). Ele mesmo recomenda aos seus leitores que evitem conjecturas e aprendam com ele a não irem além do que está escrito.
“Mas, alcançando socorro de Deus, ainda até ao dia de hoje permaneço dando testemunho tanto a pequenos como a grandes, não dizendo nada mais do que o que os profetas e Moisés disseram que devia acontecer,” (Atos 26:22).
“E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro.” (1 Coríntios 4:6).
E por fim, é imprescindível considerar que tudo o que consta nas Escrituras tem por alvo primário os judeus, pois somente eles estiveram debaixo da lei. Os escritos do Antigo Testamento foram dirigidos ao povo de Israel, que recebeu a revelação da lei e dos profetas. Deus escolheu os judeus como Seu povo especial, a quem Ele entregou Seus mandamentos e ensinamentos (Romanos 9:4-5).
“Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus.” (Romanos 3:19).
Se a lei foi dada exclusivamente aos judeus, compreendendo o Pentateuco, os Salmos e os Profetas, por que o apóstolo Paulo exporia a depravação moral dos gentios, considerando que Deus não tratou diretamente com eles? Se Jesus, ao encontrar a mulher samaritana com um comportamento reprovável segundo a moral humana, se absteve de condenar sua condição e, ao invés disso, ofereceu-lhe a água viva, por que o apóstolo Paulo se ocuparia em apontar a conduta dos gentios? Seria o caso de o apóstolo Paulo estar construindo um argumento teológico de que todos necessitam da salvação oferecida em Cristo, ou de que a graça de Deus está disponível para toda a humanidade?
Para essas perguntas, a resposta é negativa. Após a apresentação pessoal, saudação e agradecimentos a Deus, o apóstolo Paulo prontamente introduz o tema da justificação por meio do evangelho de Cristo, destacando que o evangelho é poder para salvação de qualquer um que crer, em primeiro lugar, do judeu, e também do gentio (Romanos 1:6).
Os judeus, salvo algumas exceções como os discípulos, rejeitaram a Cristo, ao contrário dos gentios, que ouviram de bom grado o evangelho e creram. Cristo veio para os seus concidadãos, mas eles não o receberam; por outro lado, muitos gentios foram sensíveis à voz de Deus (João 1:11; Mateus 15:24).
Mas esse comportamento recalcitrante dos filhos de Israel tem se repetido ao longo da história, resultando na visitação da ira de Deus sobre eles, levando-os a serem perseguidos, derrotados e deportados. Jeremias, ao testemunhar a desolação de Jerusalém, escreveu a seguinte confissão:
“Nós transgredimos, e fomos rebeldes; por isso tu não perdoaste. Cobriste-te de ira, e nos perseguiste; mataste, não perdoaste. Cobriste-te de nuvens, para que não passe a nossa oração. Como escória e refugo nos puseste no meio dos povos. Todos os nossos inimigos abriram contra nós a sua boca. (…) Na tua ira os perseguirás, e os destruirás de debaixo dos céus do Senhor.” (Lamentações 3:42-46 e 66);
“Torna-nos a trazer, ó Deus da nossa salvação, e faze cessar a tua ira de sobre nós. Acaso estarás sempre irado contra nós? Estenderás a tua ira a todas as gerações?” (Salmo 85:4-5).
O profeta Habacuque, após declarar que “o justo viverá pela fé” (Habacuque 2:4), roga a Deus em oração para que, ao derramar Sua ira sobre Israel, lembre-se da misericórdia. Ao suscitar os caldeus para invadir Jerusalém, a ira de Deus foi manifestada sobre os homens ímpios de Israel.
“Ouvi, Senhor, a tua palavra, e temi; aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos, no meio dos anos faze-a conhecida; na tua ira lembra-te da misericórdia.” (Habacuque 3:2).
O fato de Deus ter constituído um rei sobre os filhos de Israel foi um ato de ira, e ao retirá-lo, um ato de furor. Essa ação divina refletiu a resposta de Deus à recalcitrância e à desobediência do povo de Israel. Quando pediram um rei para serem como as outras nações, rejeitando a liderança direta de Deus, Ele atendeu ao pedido, mas também advertiu sobre as consequências desse desejo (1 Samuel 8). Posteriormente, a remoção do rei simbolizou a intensificação do julgamento divino sobre a nação.
“Dei-te um rei na minha ira, e tirei-o no meu furor.” (Oséias 13:11).
O Salmo 78 descreve detalhadamente o comportamento dos filhos de Israel e a indignação de Deus diante de suas ações. Eles provocaram a ira de Deus ao construírem altares idólatras e moveram o zelo divino ao se renderem a imagens de escultura. Em resposta a essas transgressões, Deus derramou Sua ira sobre eles, demonstrando Seu descontentamento com sua infidelidade e desobediência.
“Contudo tentaram e provocaram o Deus Altíssimo, e não guardaram os seus testemunhos. Mas retiraram-se para trás, e portaram-se infielmente como seus pais; viraram-se como um arco enganoso. Pois o provocaram à ira com os seus altos, e moveram o seu zelo com as suas imagens de escultura. Deus ouviu isto e se indignou; e aborreceu a Israel sobremodo. Por isso desamparou o tabernáculo em Siló, a tenda que estabeleceu entre os homens. E deu a sua força ao cativeiro, e a sua glória à mão do inimigo. E entregou o seu povo à espada, e se enfureceu contra a sua herança.” (Salmos 78:56-62).
A própria queda de Israel e a consequente salvação dos gentios são vestígios da ira divina, que incitou Israel à emulação com os gentios. Essa dinâmica é descrita pelo apóstolo Paulo em Romanos 11, onde ele explica que o endurecimento de parte de Israel abriu caminho para que os gentios recebessem a salvação, provocando ciúmes em Israel na esperança de que eles eventualmente voltem a Deus.
“A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus; com as suas vaidades me provocaram à ira: portanto eu os provocarei a zelos com o que não é povo; com nação louca os despertarei à ira.” (Deuteronômio 32:21).
Após considerar esses versículos que evidenciam a ira de Deus derramada sobre os filhos de Israel por serem transgressores, temos os elementos necessários para analisar o capítulo 1 da carta de Paulo aos Romanos, especificamente os versos 18 a 32.
A impiedade e injustiça dos homens
18 Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça.
A ira de Deus se manifesta desde os céus, onde está estabelecido Seu trono e de onde emana Seu julgamento (Salmo 11:4; 103:19).
O apóstolo destaca que a ira de Deus se tornou conhecida, ou seja, aquilo que antes era desconhecido agora se revelou, tornando-se visível e discernível. O termo grego traduzido como “manifesto” é ἀποκαλύπτω (apokaluptó). De forma semelhante à graça de Deus, que se revela na pessoa de Cristo Jesus, Sua vingança também é conhecida, ainda que o termo usado, ἐπιφαίνω (epiphainó), seja diferente.
Se a ira de Deus se tornou manifesta, isso implica que ela pode ser identificada e reconhecida em momentos específicos da história e em relação a pessoas determinadas. Assim como a graça de Deus se revela na pessoa de Cristo, também é possível identificar com clareza a ira de Deus. No entanto, onde podemos observá-la com segurança?
Não há fonte mais segura do que o testemunho das Escrituras para identificar a manifestação da ira de Deus na história de um determinado povo. Nesse sentido, o povo de Israel foi alvo da ira divina: dos seiscentos mil homens que saíram do Egito, apenas dois puderam entrar na terra prometida, pois todos os demais pereceram no deserto.
“Não endureçais os vossos corações, assim como na provocação e como no dia da tentação no deserto; Quando vossos pais me tentaram, me provaram, e viram a minha obra. Quarenta anos estive desgostado com esta geração, e disse: É um povo que erra de coração, e não tem conhecido os meus caminhos. A quem jurei na minha ira que não entrarão no meu repouso.” (Salmo 95:8-11).
O fato de que o povo de Israel que saiu do Egito não entrou na terra prometida é uma evidência clara de que a ira de Deus se abateu sobre eles. O aviso que foi dado por Moisés, foi esquecido pelos judeus, e a ira de Deus se evidenciou na perseguição dos povos vizinho, deportação e diáspora. Os pais provocaram a ira de Deus no deserto, e os filhos, que adentraram a terra prometida, persistiram em provocar a ira de Deus.
“Guardai-vos e não vos esqueçais da aliança do SENHOR vosso Deus, que tem feito convosco, e não façais para vós escultura alguma, imagem de alguma coisa que o SENHOR vosso Deus vos proibiu. Porque o SENHOR teu Deus é um fogo que consome, um Deus zeloso. Quando, pois, gerardes filhos, e filhos de filhos, e vos envelhecerdes na terra, e vos corromperdes, e fizerdes alguma escultura, semelhança de alguma coisa, e fizerdes o que é mau aos olhos do SENHOR teu Deus, para o provocar à ira; Hoje tomo por testemunhas contra vós o céu e a terra, que certamente logo perecereis da terra, a qual passais o Jordão para a possuir; não prolongareis os vossos dias nela, antes sereis de todo destruídos. E o SENHOR vos espalhará entre os povos, e ficareis poucos em número entre as nações às quais o SENHOR vos conduzirá. E ali servireis a deuses que são obra de mãos de homens, madeira e pedra, que não veem, nem ouvem, nem comem, nem cheiram.” (Deuteronômio 4:23-28).
“Lembra-te, e não te esqueças, de que muito provocaste à ira ao SENHOR teu Deus no deserto; desde o dia em que saístes do Egito, até que chegastes a esse lugar, rebeldes fostes contra o SENHOR; Pois em Horebe provocastes à ira o SENHOR, tanto que o SENHOR se indignou contra vós para vos destruir.” (Deuteronômio 9:7-8).
O capítulo 5 de Isaías descreve a ira de Deus sobre o povo de Israel, conforme foi noticiado por Moisés.
“Por isso se acendeu a ira do Senhor contra o seu povo, e estendeu a sua mão contra ele, e o feriu, de modo que as montanhas tremeram, e os seus cadáveres se fizeram como lixo no meio das ruas; com tudo isto não tornou atrás a sua ira, mas a sua mão ainda está estendida. E ele arvorará o estandarte para as nações de longe, e lhes assobiará para que venham desde a extremidade da terra; e eis que virão apressurada e ligeiramente.” (Isaias 5:25-26).
A ira de Deus se manifesta contra toda impiedade (ἀσέβεια/asebeia) e injustiça (ἀδικία/adikia). Os termos traduzidos como impiedade e injustiça significam, respectivamente, irreverência e maldade, iniquidade. Os gentios, por natureza, são pecadores em decorrência do juízo e condenação no Éden. Esse mesmo juízo e condenação vieram sobre os judeus; no entanto, por terem uma relação especial com Deus em virtude da promessa feita ao patriarca Abraão, Deus escolheu dentre todos os povos os descendentes da carne de Abraão e formou um povo especial para Si.
Diferentemente dos gentios, que estavam sem Deus no mundo, os filhos de Israel foram postos como testemunho da grandeza de Deus entre as nações (Efésios 2:12). Receberam juízos e estatutos para obedecerem, mas rejeitaram o Senhor que os elegeu. Ao não atentarem para os estatutos e juízos estabelecidos por Deus, negaram-se a dar a honra que Lhe era devida (impiedade) e agiram de modo contrário aos Seus estatutos e juízos (injustiça).
“Assim diz o Senhor DEUS: Esta é Jerusalém; coloquei-a no meio das nações e das terras que estão ao redor dela. Ela, porém, mudou em impiedade os meus juízos, mais do que as nações, e os meus estatutos mais do que as terras que estão ao redor dela; porque rejeitaram os meus juízos e os meus estatutos, e não andaram neles.” (Ezequiel 5:5-6).
Como Deus não deu leis e estatutos aos gentios, como poderiam eles suprimir a verdade divina agindo contra ela? Será que as maravilhas da criação constituem uma verdade inquestionável sobre Deus, que os atos dos gentios contrariavam com injustiça?
A ira de Deus manifesta nos judeus
19 Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.
Apenas aqueles que acreditam na mensagem do evangelho descobrem a justiça de Deus, pois o evangelho revela aos homens Jesus Cristo e este crucificado (Romanos 1:17).
Mas o que se pode conhecer de Deus que é manifesto sobre “os homens que detêm a verdade em injustiça”? A ira de Deus, pois Ele a manifestou (Romanos 1:18).
No Livro de Levítico, após ordenar ao povo de Israel que não fizessem imagens de escultura e guardassem os sábados estabelecidos (Levítico 26:1-2), Deus promete bênçãos se guardassem os estatutos e cumprissem os mandamentos (Levítico 26:3-13) e faz alertas caso descumprissem os mandamentos (Levítico 26:14-39). São numerosos os males previstos que recairiam sobre os filhos de Israel, indicando o furor de Deus.
“E se com isto não me ouvirdes, mas ainda andardes contrariamente para comigo, também eu para convosco andarei contrariamente em furor; e vos castigarei sete vezes mais por causa dos vossos pecados.” (Levíticos 26:27-28).
Da mesma forma, Deus registrou diversas maldições que recairiam sobre os filhos de Israel caso não obedecessem aos Seus mandamentos. O mais importante é que essas maldições serviriam como um sinal da parte de Deus, indicando que eles se rebelaram e precisavam se converter.
“E todas estas maldições virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído; porquanto não ouviste à voz do SENHOR teu Deus, para guardares os seus mandamentos, e os seus estatutos, que te tem ordenado; E serão entre ti por sinal e por maravilha, como também entre a tua descendência para sempre. Porquanto não serviste ao SENHOR teu Deus com alegria e bondade de coração, pela abundância de tudo.” (Deuteronômio 28:45-47);
“Sim, todo o Israel transgrediu a tua lei, desviando-se para não obedecer à tua voz; por isso a maldição e o juramento, que estão escritos na lei de Moisés, servo de Deus, se derramaram sobre nós; porque pecamos contra ele.” (Daniel 9:11).
Devido às transgressões, Deus castigou severamente os filhos de Israel, mas eles não perceberam os sinais e as maravilhas de Deus no castigo. Tanto foi assim que Deus decidiu cessar os castigos, pois já não havia parte sã em Israel, restando apenas feridas da cabeça aos pés. Por amor aos pais, Deus castigou os filhos de Israel esperando que se arrependessem de suas iniquidades (Sofonias 3:7; Provérbios 3:11-12).
“Ai, nação pecadora, povo carregado de iniquidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores; deixaram ao SENHOR, blasfemaram o Santo de Israel, voltaram para trás. Por que seríeis ainda castigados, se mais vos rebelaríeis? Toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres não espremidas, nem ligadas, nem amolecidas com óleo.” (Isaías 1:4-6);
“Em vão castiguei os vossos filhos; eles não aceitaram a correção; a vossa espada devorou os vossos profetas como um leão destruidor.” (Jeremias 2:30);
“E lhes dirás: Esta é a nação que não deu ouvidos à voz do SENHOR seu Deus e não aceitou a correção; já pereceu a verdade, e foi cortada da sua boca.” (Jeremias 7:28);
“Ah SENHOR, porventura não atentam os teus olhos para a verdade? Feriste-os, e não lhes doeu; consumiste-os, e não quiseram receber a correção; endureceram as suas faces mais do que uma rocha; não quiseram voltar.” (Jeremias 5:3).
No entanto, os filhos de Israel não quiseram ouvir, e Deus derramou Seu furor e ira sobre eles, resultando em sua deportação para a Babilônia.
“E eu pelejarei contra vós com mão estendida e com braço forte, e com ira, e com indignação e com grande furor. E ferirei os habitantes desta cidade, assim os homens como os animais; de grande pestilência morrerão.” (Jeremias 21:5-6).
A situação dos filhos de Israel era tão calamitosa diante do juízo de Deus que, mesmo se Noé, Daniel e Jó estivessem presentes, eles não conseguiriam salvar a cidade ou seus filhos. Noé conseguiu salvar sua família do dilúvio, mas na destruição da cidade dos filhos de Israel, tal não aconteceria devido ao grau extremo de apostasia.
“Ainda que estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça livrariam apenas as suas almas, diz o Senhor DEUS. Se eu fizer passar pela terra as feras selvagens, e elas a desfilharem de modo que fique desolada, e ninguém possa passar por ela por causa das feras; E estes três homens estivessem no meio dela, vivo eu, diz o Senhor DEUS, que nem a filhos nem a filhas livrariam; eles só ficariam livres, e a terra seria assolada. Ou, se eu trouxer a espada sobre aquela terra, e disser: Espada, passa pela terra; e eu cortar dela homens e animais;” (Ezequiel 14:14-17).
O profeta Jeremias conclui suas lamentações com uma poderosa síntese da condição dos filhos de Israel sob a ira de Deus:
“Mas tu nos rejeitaste totalmente. Tu estás muito enfurecido contra nós.” (Lamentações 6:22).
A ira de Deus manifesta-se contra a nação de Israel, mas há também um outro aspecto da ira divina, decorrente da ofensa de Adão. Qualquer pessoa que rejeita a Cristo permanece alvo da ira de Deus, conforme o juízo e a punição estabelecidos no Éden.
“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.” (João 3:36).
O eterno poder de Deus se revela nas coisas criadas
20 Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;
A humanidade tornou-se culpável diante de Deus em Adão, e não importa se os homens têm ou não conhecimento dessa verdade, a realidade da condenação não muda.
As consequências da ofensa de Adão, que alcançaram tanto os judeus quanto os gentios, foram descritas pelo apóstolo Paulo nos seguintes termos:
“Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado;” (Romanos 3:9).
Porém, os judeus, por descenderem da carne de Abraão, se achavam melhores que os gentios e alardeavam tal concepção. Tanto que a lei de Moisés foi dada para tapar-lhes a boca:
“Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus.” (Romanos 3:19).
Nesse sentido, o apóstolo Paulo ressalta que, através da criação, é possível perceber os atributos invisíveis de Deus, como Seu eterno poder e divindade, de maneira clara e inteligível. Dessa forma, os homens que detêm a verdade em injustiça são indesculpáveis. Seria o caso de tratar-se dos ateus? Não! Na verdade, o comportamento desses homens era como se negassem a existência de Deus. Essa verdade é extraída do Salmo 53, que repreende duramente os filhos de Israel:
“Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniquidade; não há ninguém que faça o bem.” (Salmo 53:1).
Os “loucos” referem-se aos filhos de Israel que se corromperam e cometeram abominações. Deus censura os líderes de Israel por não invocarem Seu nome e por se assenhorarem dos filhos de Israel, devorando-os como se fossem pão. Pelo comportamento dos filhos de Israel e de seus líderes, eles desconsideram os atributos da divindade, que claramente se veem através das obras da criação, o que os deixa sem defesa.
A cobrança desse versículo não alcança os gentios, já que eles estavam sem Deus no mundo. Observar a natureza e entender que Deus existe não absolve o homem natural de sua culpa diante de Deus. Sem a revelação de Deus que consta exclusivamente no evangelho, a qual evidencia a condição pecaminosa do homem e a redenção que se dá somente por meio de Cristo, é impossível alcançar a salvação.
Os sábios aos seus próprios olhos
21 Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. 22 Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. 23 E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis.
Os gentios não se enquadram na descrição deste versículo, pois como eles estavam sem Deus no mundo e separados da comunidade de Israel, como seria possível tê-lo conhecido? (Efésios 2:12)
Analisando o versículo através desta perspectiva, os únicos que conheceram a Deus foram os membros da comunidade de Israel. No entanto, ao examinar as denúncias dos profetas, verifica-se que eles não O glorificavam nem Lhe rendiam graças.
Como isso é possível, se os filhos de Israel eram dedicados aos sacrifícios e votos? Eles buscavam diariamente se apresentar no templo e ouvir a lei, mas ainda assim não glorificavam a Deus?
“Quando vindes para comparecer perante mim, quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis a pisar os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reunião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer.” (Isaias 1:12-14);
“Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído;” (Isaías 29:13).
Os profetas denunciavam que os filhos de Israel honravam a Deus apenas com a boca, enquanto o coração permanecia distante. Eles seguiam apenas os mandamentos de homens, que por tradição receberam dos pais. Continuamente compareciam ao templo para trazer ofertas e fazer sacrifícios, práticas que Deus já estava saturado de observar. Mesmo diante da repreensão dos profetas, não se corrigiam.
O profeta Malaquias apresenta a confrontação de Deus aos filhos de Israel, denunciando-os por não reverenciá-Lo conforme o Seu temor (mandamento). O Pregador, o profeta Isaías e o profeta Jeremias, por sua vez, nomeiam o povo de Israel como loucos e insensatos.
“O filho honra o pai, e o servo o seu senhor; se eu sou pai, onde está a minha honra? E, se eu sou senhor, onde está o meu temor? diz o SENHOR dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu nome. E vós dizeis: Em que nós temos desprezado o teu nome?” (Malaquias 1:6);
“Ouvi agora isto, ó povo insensato, e sem coração, que tendes olhos e não vedes, que tendes ouvidos e não ouvis.” (Jeremias 5:21);
“Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus; porque chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal.” (Eclesiastes 5:1).
As descrições dos profetas se amoldam ao que foi exposto pelo apóstolo Paulo, e vice-versa. Os filhos de Israel se extraviaram em seus pensamentos fúteis, e, por causa de conselhos maus, seus corações insensatos endureceram. Os pensamentos dos filhos de Israel continuamente maquinavam malignidade e, embora lisonjeassem a Deus com a língua, tropeçaram por seus próprios conselhos.
“Portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa no meio deste povo, uma obra maravilhosa e um assombro; porque a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus prudentes se esconderá.” (Isaías 29:14);
“Ai dos filhos rebeldes, diz o SENHOR, que tomam conselho, mas não de mim; e que se cobrem, com uma cobertura, mas não do meu espírito, para acrescentarem pecado sobre pecado;” (Isaías 30:1);
“E disse-me: Filho do homem, estes são os homens que maquinam perversidade, e dão mau conselho nesta cidade.” (Ezequiel 11:2);
“Porque não há retidão na boca deles; as suas entranhas são verdadeiras maldades, a sua garganta é um sepulcro aberto; lisonjeiam com a sua língua. Declara-os culpados, ó Deus; caiam por seus próprios conselhos; lança-os fora por causa da multidão de suas transgressões, pois se rebelaram contra ti.” (Salmo 5:9-10);
“Todavia lisonjeavam-no com a boca, e com a língua lhe mentiam. Porque o seu coração não era reto para com ele, nem foram fiéis na sua aliança.” (Samo 78:36-37).
Os filhos de Israel são os únicos que se arrogavam sábios, sendo frequentemente repreendidos para não serem sábios a seus próprios olhos, pois a ira de Deus seria justamente acendida contra eles por esse posicionamento soberbo. Tomavam conselho uns com os outros, mas não do Espírito do Senhor, e os pecados deles se avolumavam.
“Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos! (…) Por isso se acendeu a ira do Senhor contra o seu povo, e estendeu a sua mão contra ele, e o feriu, de modo que as montanhas tremeram, e os seus cadáveres se fizeram como lixo no meio das ruas; com tudo isto não tornou atrás a sua ira, mas a sua mão ainda está estendida.” (Isaías 5:21 e 25);
“Mas isto lhes ordenei, dizendo: Dai ouvidos à minha voz, e eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo; e andai em todo o caminho que eu vos mandar, para que vos vá bem. Mas não ouviram, nem inclinaram os seus ouvidos, mas andaram nos seus próprios conselhos, no propósito do seu coração malvado; e andaram para trás, e não para diante.” (Jeremias 7:23-24).
A apostasia de Israel foi uma crescente, pois conheciam a Deus e não O honraram. Acabaram se perdendo em seus próprios discursos vãos e se tornaram loucos. Com o coração insensato e, pretensiosamente se achando sábios, mudaram a glória do Deus incorruptível em representações de imagens de homem, que é corruptível, e de animais, aves e répteis.
Se não for feita uma leitura cuidadosa, à primeira vista pode parecer que se trata dos gentios, que representavam suas divindades à semelhança de homens, aves, etc. No entanto, ao observar as Escrituras, percebe-se que os filhos de Israel, obstinados em seus próprios caminhos, também se tornaram idólatras.
“Ouve-me, povo meu, e eu te atestarei: Ah, Israel, se me ouvires! Não haverá entre ti deus alheio nem te prostrarás ante um deus estranho. Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e ta encherei. Mas o meu povo não quis ouvir a minha voz, e Israel não me quis.” (Salmos 81:8-11);
“Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do Senhor, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (1 Samuel 15:23).
O Salmo 106 descreve detalhadamente a apostasia e a idolatria dos filhos de Israel, bem como o despertar da ira de Deus contra eles.
“Não destruíram os povos, como o Senhor lhes dissera. Antes se misturaram com os gentios, e aprenderam as suas obras. E serviram aos seus ídolos, que vieram a ser-lhes um laço. Demais disto, sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios, e derramaram sangue inocente, o sangue de seus filhos e de suas filhas que sacrificaram aos ídolos de Canaã; e a terra foi manchada com sangue. Assim se contaminaram com as suas obras, e se corromperam com os seus feitos. Então se acendeu a ira do Senhor contra o seu povo, de modo que abominou a sua herança.” (Salmo 106:34-40).
Não foram os gentios que converteram a glória de Deus em imagem de boi, mas sim, os filhos de Israel, segundo o testemunho das Escrituras:
“Fizeram um bezerro em Horebe e adoraram a imagem fundida. E converteram a sua glória na figura de um boi que come erva.” (Salmo 106:19-20).
Entregues às imundícies dos seus corações
24 Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; 25 Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém.
Como a questão abordada refere-se aos judeus, o apóstolo Paulo afirma com todas as letras que eles foram entregues por Deus às concupiscências de seus corações. Isso sugere uma intertextualidade implícita, que requer do leitor atenção redobrada, pois a referência ao texto base é difícil de identificar.
Essa análise do apóstolo Paulo remonta ao Salmo 81, onde Deus alerta o povo de Israel a não se prostrarem ante deuses estranhos. No entanto, como não quiseram ouvir, foram entregues aos desejos de seus corações e à mercê de seus próprios pensamentos.
“Ouve-me, povo meu, e eu te atestarei: Ah, Israel, se me ouvires! Não haverá entre ti deus alheio nem te prostrarás ante um deus estranho. Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e ta encherei. Mas o meu povo não quis ouvir a minha voz, e Israel não me quis. Portanto eu os entreguei aos desejos dos seus corações, e andaram nos seus próprios conselhos.” (Salmos 81:8-12);
“Mas Deus se afastou, e os abandonou a que servissem ao exército do céu, como está escrito no livro dos profetas: Porventura me oferecestes vítimas e sacrifícios no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel?” (Atos 7:42).
Ser entregue às concupiscências do coração é ser entregue à imundície. O termo grego traduzido por imundície é ἀκαθαρσία (akatharsia), que remete à ideia de impurezas que causam contaminação. Nesse sentido, embora os judeus praticassem inúmeros rituais e práticas visando se purificar, como o lavar das mãos, permaneciam impuros e imundos. Como é impossível que o impuro produza o puro, jamais conseguiriam se purificar, e o ciclo permanecia: seus rituais nada mais realizavam além de desonrarem mutuamente seus corpos.
“Quem do imundo tirará o puro? Ninguém.” (Jó 14:4);
“PORQUE tendo a lei a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas, nunca, pelos mesmos sacrifícios que continuamente se oferecem cada ano, pode aperfeiçoar os que a eles se chegam. Doutra maneira, teriam deixado de se oferecer, porque, purificados uma vez os ministrantes, nunca mais teriam consciência de pecado. Nesses sacrifícios, porém, cada ano se faz comemoração dos pecados, porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados.” (Hebreus 10:1-4).
Os filhos de Israel, entregues à imundície dos seus corações, contaminavam seus ouvintes com tudo o que procedia de seus corações enganosos, pois a boca fala do que o coração está cheio. Por isso, Jesus alertou a multidão que comer sem lavar as mãos não contamina o homem, mas sim o que procede do coração.
“Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.” (Mateus 15:17-20).
Segundo a lei de Moisés, caso alguém tocasse algo impuro, também se tornaria impuro. Com suas práticas religiosas, os judeus permaneciam impuros e constantemente se desonravam entre si, pois o que os contaminava era o próprio coração, pleno de concupiscência.
“E tudo o que tocar o imundo também será imundo; e a pessoa que o tocar será imunda até à tarde.” (Números 19:22).
O motivo dos judeus desonrarem-se mutuamente estava no fato de terem transmutado a verdade de Deus em mentira, honrando e servindo mais à criatura do que ao próprio Criador. Os filhos de Israel rejeitaram obedecer à lei do Senhor e preferiam suas próprias mentiras, seguindo os passos de seus pais.
“Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Judá, e por quatro, não retirarei o castigo, porque rejeitaram a lei do SENHOR, e não guardaram os seus estatutos, antes se deixaram enganar por suas próprias mentiras, após as quais andaram seus pais.” (Amós 2:4).
Como isso pode acontecer se os religiosos judeus não eram dados à idolatria como os gentios, tanto que não produziam imagens de esculturas? Ora, eles honravam e serviam mais à criatura que ao próprio Criador quando recebiam honra uns dos outros. Ou quando ensinavam e obedeciam mandamentos de homens. Ou ainda, quando serviam a Mamon (riquezas, avareza) em vez de Deus. Quando o homem tem um deus que é o próprio ventre, na verdade, serve a si mesmo (Eclesiastes 6:7).
“Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?” (João 5:44);
“Em vão, porém, me honram, Ensinando doutrinas que são mandamentos de homens.” (Marcos 7:7);
“Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.” (Lucas 16:13);
“Porque os tais não servem a nosso Senhor Jesus Cristo, mas ao seu ventre; e com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples.” (Romanos 16:18);
“Cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas.” (Filipenses 3:19).
Abandonados às paixões infames
26 Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. 27 E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro.
Como não deram a honra devida ao Criador, acabaram sendo entregues a sentimentos ignominiosos e degradantes. E qual é a consequência desse abandono por Deus? Ira e destruição!
O apóstolo Paulo descreve a prática mais reprovável do ponto de vista da religiosidade dos judeus, a sodomia, para que o leitor considerasse a degradação moral descrita e a recompensa cabível a ela, considerando a subversão das cidades de Sodoma e Gomorra.
“Ouvi a palavra do SENHOR, vós poderosos de Sodoma; dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra.” (Isaías 1:10);
“Porque Jerusalém está arruinada, e Judá caída; porque a sua língua e as suas obras são contra o SENHOR, para provocarem os olhos da sua glória. O aspecto do seu rosto testifica contra eles; e publicam os seus pecados, como Sodoma; não os dissimulam. Ai da sua alma! Porque fazem mal a si mesmos.” (Isaías 3:9);
“Mas nos profetas de Jerusalém vejo uma coisa horrenda: cometem adultérios, e andam com falsidade, e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam da sua maldade; eles têm-se tornado para mim como Sodoma, e os seus moradores como Gomorra.” (Jeremias 23:14).
O profeta Isaías deixa claro que, se Deus não tivesse deixado um remanescente, Israel há muito tempo seria como Sodoma e Gomorra. As duas cidades destruídas são símbolos do juízo e castigo divinos.
“Se o SENHOR dos Exércitos não nos tivesse deixado algum remanescente, já como Sodoma seríamos, e semelhantes a Gomorra.” (Isaías 1:9).
Moisés, ao profetizar sobre a apostasia de Israel, faz referência ao dia da vingança de Deus, que traria ruína sobre o povo. Ele compara a plantação dos filhos de Israel a uma vinha de Sodoma e aos campos de Gomorra. A colheita seria amarga, pois o vinho produzido traria morte, semelhante ao ardente veneno de serpentes.
“Porque a sua vinha é a vinha de Sodoma e dos campos de Gomorra; as suas uvas são uvas venenosas, cachos amargos têm. O seu vinho é ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras. Não está isto guardado comigo? Selado nos meus tesouros? Minha é a vingança e a recompensa, ao tempo que resvalar o seu pé; porque o dia da sua ruína está próximo, e as coisas que lhes hão de suceder, se apressam a chegar.” (Deuteronômio 32:32-35).
Os profetas, assim como algumas referências no Novo Testamento, ao mencionarem as cidades de Sodoma e Gomorra, tinham por objetivo destacar a certeza da punição divina que estava a caminho sobre os ímpios, semelhante ao que ocorreu com aquelas duas cidades (2 Pedro 2:6; Romanos 9:29; Mateus 11:23-24). Nestes dois versículos, o objetivo do apóstolo Paulo não é destacar a punição como consequência da impiedade, mas sim descrever a sodomia de modo contundente para possibilitar a catarse para aqueles que não faziam uso legítimo da lei.
Como a lei foi dada por causa da transgressão, e não porque os filhos de Israel eram de fato justos ou melhores que os povos vizinhos, o apóstolo demonstra com uma linguagem incisiva que eles eram reprováveis diante da lei que veneravam, mas não obedeciam.
“Quando, pois, o SENHOR teu Deus os lançar fora de diante de ti, não fales no teu coração, dizendo: Por causa da minha justiça é que o SENHOR me trouxe a esta terra para a possuir; porque pela impiedade destas nações é que o SENHOR as lança fora de diante de ti. Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela impiedade destas nações o SENHOR teu Deus as lança fora, de diante de ti, e para confirmar a palavra que o SENHOR jurou a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó. Sabe, pois, que não é por causa da tua justiça que o SENHOR teu Deus te dá esta boa terra para possuí-la, pois tu és povo obstinado. Lembra-te, e não te esqueças, de que muito provocaste à ira ao SENHOR teu Deus no deserto; desde o dia em que saístes do Egito, até que chegastes a esse lugar, rebeldes fostes contra o SENHOR;” (Deuteronômio 9:4-7).
Ora, se a lei foi dada por causa das transgressões (Gálatas 3:19) e se o indivíduo tropeçar em um só ponto da lei, torna-se transgressor de toda a lei (Tiago 2:10-11), é certo que os filhos de Israel eram arguidos pela lei como transgressores. Dessa forma, eram considerados pela lei como injustos e obstinados. Entre tantos vícios, conforme a abordagem de Paulo em Romanos 1:27, os transgressores são analisados como devassos e sodomitas.
“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela usa legitimamente; Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas,
para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina,” ( Timóteo 1:8-10).
Se o apóstolo Paulo tivesse sido ameno na linguagem, dizendo: “Por isso Deus os abandonou às paixões infames. E assim como Sodoma e Gomorra, cometeram torpeza e receberam em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro,” ele destacaria a punição decorrente da ira de Deus que se abateu sobre o povo de Israel, o que já foi feito nos versos anteriores. Como agora o apóstolo Paulo analisa a apostasia da nação de Israel a partir da lei, e não da ira de Deus, sua abordagem se aproxima das descrições que o profeta Ezequiel fazia da apostasia de Jerusalém, utilizando uma linguagem mais contundente.
“Quão fraco é o teu coração, diz o Senhor DEUS, fazendo tu todas estas coisas, obras de uma meretriz imperiosa! Edificando tu a tua abóbada ao canto de cada caminho, e fazendo o teu lugar alto em cada rua! Nem foste como a meretriz, pois desprezaste a paga; Foste como a mulher adúltera que, em lugar de seu marido, recebe os estranhos. A todas as meretrizes dão paga, mas tu dás os teus presentes a todos os teus amantes; e lhes dás presentes, para que venham a ti de todas as partes, pelas tuas prostituições. Assim que contigo sucede o contrário das outras mulheres nas tuas prostituições, pois ninguém te procura para prostituição; porque, dando tu a paga, e a ti não sendo dada a paga, fazes o contrário. Portanto, ó meretriz, ouve a palavra do SENHOR.” (Ezequiel 16:30-35);
“Eis que todo o que usa de provérbios usará contra ti este provérbio, dizendo: Tal mãe, tal filha. Tu és filha de tua mãe, que tinha nojo de seu marido e de seus filhos; e tu és irmã de tuas irmãs, que tinham nojo de seus maridos e de seus filhos; vossa mãe foi hetéia, e vosso pai amorreu. E tua irmã, a maior, é Samaria, ela e suas filhas, a qual habita à tua esquerda; e a tua irmã menor, que habita à tua mão direita, é Sodoma e suas filhas.” (Ezequiel 16:44-46).
“Filho do homem, houve duas mulheres, filhas de uma mesma mãe. Estas se prostituíram no Egito; prostituíram-se na sua mocidade; ali foram apertados os seus seios, e ali foram apalpados os seios da sua virgindade. E os seus nomes eram: Aolá, a mais velha, e Aolibá, sua irmã; e foram minhas, e tiveram filhos e filhas; e, quanto aos seus nomes, Samaria é Aolá, e Jerusalém é Aolibá. E prostituiu-se Aolá, sendo minha; e enamorou-se dos seus amantes, dos assírios, seus vizinhos, (…) Vendo isto sua irmã Aolibá, corrompeu o seu imoderado amor mais do que ela, e as suas devassidões foram mais do que as de sua irmã. Enamorou-se dos filhos da Assíria, dos capitães e dos magistrados seus vizinhos, vestidos com primor, cavaleiros que andam montados em cavalos, todos jovens cobiçáveis. E vi que se tinha contaminado; o caminho de ambas era o mesmo.” (Ezequiel 23:2-5 e 11-13).
Considerando o alerta que o apóstolo Paulo fez aos cristãos de Corinto acerca dos devassos, seria um contrassenso ele descrever a devassidão dos gentios em Romanos 1:27, já que o objetivo era evitar o fermento da legalidade, formalidade e ritualismo introduzido pelos judaizantes. Seria incoerente o apóstolo condenar as práticas dos gentios em Romanos 1:27 e, em outro lugar, afirmar que é Deus quem julga os que estão de fora.
“Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade. Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem; Isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo. Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro? Mas Deus julga os que estão de fora. Tirai, pois, dentre vós a esse iníquo.” (1 Coríntios 5:6-13).
Sem conhecimento de Deus
28 E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; 29 Estando cheios de toda a iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; 30 Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; 31 Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia;
O apóstolo Paulo deixa claro que os filhos de Israel tinham zelo por Deus, porém, sem o conhecimento (Romanos 10:2).
Para dar continuidade à exposição que tratará de forma minuciosa todas as questões pertinentes aos judeus, o apóstolo Paulo lembra novamente o que está destacado no Salmo 81:
“Ouve-me, povo meu, e eu te atestarei: Ah, Israel, se me ouvires! Não haverá entre ti deus alheio, nem te prostrarás ante um deus estranho. Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e ta encherei. Mas o meu povo não quis ouvir a minha voz, e Israel não me quis. Portanto eu os entreguei aos desejos dos seus corações, e andaram nos seus próprios conselhos.” (Salmo 81:8-12).
Como os filhos de Israel rejeitaram o conhecimento de Deus e não quiseram ouvir, Deus os entregou aos desejos de seus corações, que, sendo enganosos e perversos, se traduzem por “sentimento perverso” (Salmo 78:29-30; Jeremias 17:9).
Abandonados à mercê de seus corações impuros, os filhos de Israel se lançaram às coisas inconvenientes, pois estavam plenos de injustiça (ἀδικία), por serem contrários à lei (iniquidade) de Deus (Jeremias 9:13-14).
Todos os atos inconvenientes listados pelo apóstolo Paulo encontram eco nos Salmos 78 e 106. O Salmo 106 começa descrevendo a rejeição de Israel ao conselho de Deus (Salmo 106:13), a cobiça (Salmo 106:14), a glutonaria (Salmo 106:15; 78:18 e 30), a inveja (Salmo 106:16), a idolatria (Salmo 106:19-21 e 36-38; Romanos 1:23), a murmuração (Salmo 106:25), a rebeldia (Salmo 106:33), a desobediência (Salmo 106:34), a imundície (Salmo 106:39), a incredulidade (Salmo 78:22), entre outros.
Com essa lista, o apóstolo deixa subentendido que a lei arguia os filhos de Israel como transgressores, tanto que os profetas destacam que o nome de Deus era blasfemado por causa dos filhos de Israel (Isaías 52:5).
“Mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, e sois redarguidos pela lei como transgressores. (…) Porque aquele que disse: Não cometerás adultério, também disse: Não matarás. Se tu pois não cometeres adultério, mas matares, estás feito transgressor da lei.” (Tiago 2:9-11)
A abordagem inicial no capítulo 1 da epístola aos Romanos, versos 18 a 32, tem o condão de preparar os leitores para a exposição que se segue:
“Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós.” (Romanos 2:21-24).
Conhecedores da justiça de Deus
32 Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.
As pessoas que aqui são apresentadas como conhecedoras da justiça de Deus são as mesmas que, no início do texto, são descritas como aquelas que detêm a verdade pela injustiça – os judeus. O apóstolo Paulo destaca que os judeus conheciam a justiça que provém da lei, cuja premissa é a maldição como punição para aqueles que não cumprissem a lei. Esse versículo prepara a introdução do versículo seguinte:
“PORTANTO, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo.” (Romanos 2:1).
Essas pessoas descritas como “conhecendo a justiça de Deus” não se referem aos cristãos, pois a justiça de Deus se revela no evangelho, que tornou o crente livre do pecado e da morte. As práticas estabelecidas pela lei não se referem aos cristãos, pois eles não são arguidos como transgressores, nem estão debaixo da lei; antes, são livres de toda condenação (Romanos 8:1).
Os gentios também não conhecem a justiça que impõe morte aos que contrariam a justiça da lei, pois eles mesmos são leis para si, estando sem Deus no mundo e estranhos à comunidade de Israel.
Os judeus conheciam as imposições decorrentes da justiça estabelecida pela lei de Moisés, que invocava maldição sobre aqueles que não a obedecessem. Eles, porém, mesmo sabendo que era digno de morte quem não se sujeitasse aos mandamentos e preceitos da lei, transgrediam a lei e consentiam com seus concidadãos que faziam o mesmo (Daniel 9:11).
A exposição paulina apresenta um quadro de obscuridade, mas que não tem relação com os gentios e a depravação moral do paganismo à época. Esse quadro horrendo evidencia a culpabilidade dos filhos de Israel em serem contumazes em rejeitar a luz do conhecimento de Deus, e não em descrever condutas transviadas que emergem da ignorância (Atos 17:30).
Romanos 2 – Os que ouvem a lei não são justos diante de Deus