Salmos I

Salmo 23 – O Senhor é o meu pastor, nada me faltará

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O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará! O ‘cálice transbordante’ é símbolo de alegria ou de ignominia? A ‘mesa preparada’ propõe reconciliação com o inimigo, ou aponta para a vítima da festa? O Salmo 23 é uma parábola que faz referência a um rebanho, ou é uma profecia acerca de uma ovelha específica? O Salmo 23 só ganha sentido quando analisado sob o prisma da vítima perfeita escolhida e preservada por Deus: o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo: “Mas Jesus disse a Pedro: Põe a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?” ( Jo 18:11 ).


Salmo 23 – O Senhor é o meu pastor, nada me faltará

Salmo 23

  1. O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.
  2. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
  3. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
  4. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
  5. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
  6. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias.

 

Leia também: Salmo 91

 

Introdução

À época de Jesus, os judeus liam diariamente as Escrituras porque entendiam que elas contêm vida eterna, porém, quando a vida eterna que estava junto ao Pai se manifestou, rejeitaram o Verbo da vida ( 1Jo 1:1 -2; Rm 2:20 ). É neste contexto que Jesus disse: “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” ( Jo 5:39 ).

Para analisar o Salmo 23, seguiremos a orientação de Jesus: “São elas (as Escrituras) que de mim testificam”, ou seja, os salmos, os profetas e a lei apresentam o testemunho de Cristo “E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos” ( Lc 24:44 ).

O salmista Davi era profeta e os seus cânticos são profecias acerca de Cristo em forma de poesia ( Mc 12:36 ; At 2:30 e 1Cr 25:1 ).

O Salmo 23 nos faz lembrar que todos os que creem em Cristo são ovelhas do Seu rebanho, porém, diferente do que muitos foram condicionados a pensar, o Salmo 23 não apresenta a expressão de um rebanho de ovelhas, antes é a expressão de confiança de uma ovelha específica: ‘O Senhor é o meu pastor…’, e não o Senhor é o ‘nosso’ pastor.

O segredo para interpretar as figuras e os enigmas do Salmo 23 está em descobrir quem é a pessoa que expressa tamanha confiança em Deus. Como o salmo 23 não foi composto da perspectiva de um rebanho, antes apresenta a perspectiva de uma única ovelha, devemos responder a pergunta feita pelo eunuco da rainha de Candace: “E, respondendo o eunuco a Filipe, disse: Rogo-te, de quem diz isto o profeta? De si mesmo, ou de algum outro?” ( At 8:34 ).

Através da exposição de Filipe fica claro que um profeta não profetiza acerca de si mesmo. Como profeta, Davi não foi diferente de Isaías, ambos profetizavam acerca do Messias. Para descobrir quem é a pessoa que assume a condição de ovelha confiante em Deus é essencial visualizar os salmos como profecias que apresentam aspectos da vida, morte e ressurreição de Cristo.

Há um aspecto essencialmente importante a se considerar antes de interpretar o Salmo 23: a vítima da festa. Para um cordeiro ser oferecido em holocausto, segundo a lei, devia ter um ano de idade e sem defeito algum, portanto, para a oferta ser agradável a Deus, o pastor devia dispensar um cuidado especial para com a vítima.

O cuidado do pastor era indispensável para que a ovelha chegasse à idade estabelecida sem qualquer defeito como cegueira, quebradura, aleijamento, verrugas, sarnas, impigens, etc. “O cordeiro, ou cabrito, será sem mácula, um macho de um ano, o qual tomareis das ovelhas ou das cabras” ( Êx 12:5 ).

Diante da necessidade e do volume de oferendas pela expiação, as ovelhas para o sacrifício tinham que receber cuidados especiais para não faltar vítimas de um ano e sem defeito. O cuidado do pastor era indispensável para que a ovelha estivesse à altura da sua missão: posta como vítima da festa para expiação ( Nm 6:14 ).

Deus escolheu Cristo como a vítima da festa a ser atada sobre o altar ( Sl 118:27 ), concomitantemente, o Cordeiro de Deus recebeu um cuidado específico e efetivo para cumprir a missão do Sumo Pastor, que colocou a alma de Cristo por expiação dos pecados da humanidade ( Is 53:10 ).

O Salmo 23 apresenta o Cordeiro de Deus sob cuidado do Sumo Pastor, pois Ele foi enviado como a vítima para o sacrifício perfeito ( Is 53:7 ). Muitos, equivocadamente, buscam e pedem a proteção exarada no Salmo 23, porém, não atinam que a proteção nele descrita tem em vista um cálice “Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que eu sou batizado? Dizem-lhe eles: Podemos” ( Mt 20:22 ).

O salmo 23 é uma parábola, e como parábola contém várias figuras que compõe um enigma. Primeiro desvendaremos as figuras que compõe o enigma e, ao final da releitura do Salmo 23, apresentaremos o significado da parábola.

 

O Senhor é Deus fiel

“O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará” (v. 1)

Temos neste verso uma expressão de confiança: O Senhor é o meu pastor, e, em seguida, uma conclusão: nada me faltará. Como poesia, há nesta frase do Salmo um paralelismo sintético construtivo ou formal, em que a segunda parte da frase amplia ou acrescenta nova ideia a asserção anterior.

Vale destacar algumas nuances linguísticas pertinentes à segunda assertiva da frase ‘… nada me faltará’.  Segundo os linguistas que trabalham o hebraico, o verso 1 do Salmo 23 pode ser traduzido por: “O Senhor é pastagem”, isto porque o termo ‘pastagem’ no hebraico assemelha-se ao possessivo ‘meu pastor’ por possuírem radicais idênticos com sutil diferença quanto aos pequenos sufixos e pontuações.

Para uma interpretação segura, vale lançar mão de outro salmo. O Salmo 16, verso 2 e 5, assim reza: “A minha alma disse ao SENHOR: Tu és o meu Senhor. Não tenho outro bem além de ti (…) O SENHOR é a porção da minha herança e do meu cálice” ( Sl 16:2 e 5; Sl 142:5 ). A ênfase dos versos está em Deus, que é ‘bem’, ‘herança’ e ‘cálice’, figuras que não têm conotação de bens materiais.

Neste diapasão, concordo com alguns linguistas que entendem que o termo traduzido por ‘nada’ é uma adaptação linguística dos tradutores, e quando sugerem ser mais conveniente traduzir o verso por: “O Senhor é o meu pastor, não faltará a mim” (v. 1 ; Sl 23:4 ). Deste modo o verso enfatiza o cuidado perene de Deus, e não o patrocínio de bens materiais ou status deste mundo.

 

Verdes pastos e águas tranquilas

“Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas” (v. 2)

Após declarar que o Senhor é pastor, o salmo 23 apresenta algumas figuras que representam o cuidado provedor de Deus para o homem que se posiciona confiante diante de Deus, como uma ovelha se sujeita ao cuidado de um pastor.

‘Pastos verdejantes’ e ‘águas tranquilas’ é tudo o que uma ovelha necessita, de modo que são figuras para retratar o cuidado de Deus.

A nação de Israel foi preparada para trazer o Cristo ao mundo, de modo que foi concedido a Israel a adoção de filhos, a glória, as alianças, a lei, o culto e as promessas ( Rm 9:4 ; Dt 4:8 ). Um retrato perfeito da missão dada a Israel vê-se na visão de João que consta no livro de Apocalipse, capítulo 12, onde é narrado através de um parábola o resumo da história do povo de Israel, demonstrando que uma mulher (Israel) prestes a dar a luz um varão que irá reger as nações com vara de ferro (o Filho do homem), é perseguida pelo dragão (Satanás) “E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono” ( Ap 12:1 -17 ).

Apesar da apostasia dos lideres e do povo de Israel, ao outorgar a lei e o testemunho dos profetas, Deus estabeleceu um pasto verdejante para o Cristo. A linhagem de Cristo recebeu proteção especial, sendo necessário a inclusão de duas mulheres gentílicas, Rute e Raabe, para que o Cristo viesse ao mundo. Por sua vez, a nação de Israel quase é exterminada, mas Deus a protegeu ( Et 3:13 ; Sl 22:9 -10).

O apóstolo Paulo ensinou que Deus não tem cuidado de bois, quando disse: “Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois?” ( 1Co 9:9 ), de modo que o Salmo 23 não faz referencia a animais de rebanho, como bois e ovelhas, antes diz de um homem que confia no cuidado que Deus dispensa a Ele.

A ênfase do Salmo 23 está no cuidado de Deus como Sumo Pastor, o homem que figura como ovelha é parte coadjuvante!

‘Pastos verdejantes’ e ‘águas tranquilas’ são figuras que rementem à vontade de Deus revelada na sua palavra, que é alimento, água e vida “E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram; para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem” ( Dt 8:3 ).

Alimentar-se de maná (pão) não trouxe vida ao povo de Israel, antes é o comer da palavra de Deus que dá vida ao homem “Este é o pão que desceu do céu; não é o caso de vossos pais, que comeram o maná e morreram; quem comer este pão viverá para sempre” ( Jo 6:58 ).

Apesar de Israel abrigar a vinda do Messias ao mundo, estava como ovelha sem pastor, o que contrasta com a condição do homem do salmo 23, que tem Deus como pastor em função da sua total confiança na fidelidade de Deus.

O povo de Israel foi levado cativo por falta de entendimento, ou seja, não gozaram do cuidado de Deus, antes estavam famintos e sedentos. A falta de conhecimento de Deus resulta em sede e fome, o que demonstra que ter o Senhor como pastor é o mesmo que ser farto do conhecimento de Deus.

Estar em pastos verdejantes e com águas tranquilas é estar pleno de entendimento “Portanto o meu povo será levado cativo, por falta de entendimento; e os seus nobres terão fome, e a sua multidão se secará de sede” ( Is 5:13 ); “Eis que vêm dias, diz o Senhor DEUS, em que enviarei fome sobre a terra; não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do SENHOR” ( Am 8:11 ; Ez 34:1 -15).

Enquanto era dito às ovelhas desgarradas que andavam sem pastor: “Assim diz o SENHOR: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas; mas eles dizem: Não andaremos nele” ( Jr 6:16 ), a ovelha sob cuidado do Senhor tinha a certeza de que a sua alma seria restaurada ( Sl 62:1 ).

A ovelha sob cuidado do Senhor de nada tem falta, pois se alimenta da palavra de Deus, o que contrasta com a condição dos filhos dos leões (lideres de Israel que devoravam o povo como se fosse pão) que necessitam e passam fome “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que estão abrasados, filhos dos homens, cujos dentes são lanças e flechas, e a sua língua espada afiada” ( Sl 57:4 ;  Sl 34:10 ; Sl 53:4 ; Is 28:14 ).

Os lideres de Israel são nomeados ‘loucos’, ‘néscios’, ‘faltos de entendimento’ por rejeitarem a palavra de Deus, a comida que livra da destruição “Os loucos, por causa da sua transgressão, e por causa das suas iniquidades, são aflitos. A sua alma aborreceu toda a comida, e chegaram até às portas da morte. Então clamaram ao SENHOR na sua angústia, e ele os livrou das suas dificuldades. Enviou a sua palavra, e os sarou; e os livrou da sua destruição” ( Sl 107:17 -20).

O corpo depende de alimento cotidiano, e a alma da palavra de Deus, de sorte que quem ouve a palavra de Deus come o que é bom ( Is 55:2 ); “Pois fartou a alma sedenta, e encheu de bens a alma faminta” ( Sl 107:9 ).

No salmo 57 temos uma profecia acerca de Cristo quando abrigado sob a sombra das asas do Pai ( Sl 57:1 ; Sl 91:1 ). O salmo descreve que Deus envia a sua misericórdia e a sua verdade para livrar o Messias daqueles que procuravam matá-lo ( Sl 57:3 -4); “Ó Deus, quebra-lhes os dentes nas suas bocas; arranca, SENHOR, os queixais aos filhos dos leões” ( Sl 58:6 ; Sl 23:6 ).

Como Deus é apresentado como pastor, e a ovelha uma figura que representa um homem sob o cuidado de Deus, ‘pastagem’ e ‘águas tranquilas’ não diz de roupas, casas, carros, casamentos, alimento, antes diz da justiça de Deus proveniente da Sua palavra.

O pasto e as águas que Deus providencia tem por alvo os que têm sede e fome de justiça, ou seja, de ouvir a palavra de Deus “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos” ( Mt 5:6 ); “Eis que vêm dias, diz o Senhor DEUS, em que enviarei fome sobre a terra; não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do SENHOR” ( Am 8:11 ); “Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura” ( Is 55:2 ).

O descanso e o refrigério só são possíveis quando se dá ouvido à palavra de Deus, que é doutrina e conhecimento “Ao qual disse: Este é o descanso, dai descanso ao cansado; e este é o refrigério; porém não quiseram ouvir” ( Is 28:12 ; Is 28:9 ).

Os mestres de Israel tropeçaram quando interpretavam os profetas e a lei considerando-se filhos de Abraão por serem descendentes da carne de Abraão. Não consideraram que só os crentes que detém a mesma fé que crente Abraão são filhos de Abraão, pois a Abraão foi anunciado o Cristo e ele creu. Quando Cristo veio esses mestres tropeçaram na pedra que Deus estabeleceu e a mesa (doutrina) deles se tornou em laço, de modo que perseguiram o aflito de Deus “Torne-se-lhes a sua mesa diante deles em laço, e a prosperidade em armadilha. Escureçam-se-lhes os seus olhos, para que não vejam, e faze com que os seus lombos tremam constantemente. Derrama sobre eles a tua indignação, e prenda-os o ardor da tua ira. Fique desolado o seu palácio; e não haja quem habite nas suas tendas. Pois perseguem àquele a quem feriste, e conversam sobre a dor daqueles a quem chagaste. Acrescenta iniquidade à iniquidade deles, e não entrem na tua justiça” ( Sl 69:22 -27 ; Is 28:8 ; Is 43:27 ).

É por isso que Jesus disse: “Adverti, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus” ( Mt 16:6 ), pois a mesa deles era um laço: “Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus” ( Mt 16:12 ).

Israel não se alimentou do pasto e das águas tranquilas providenciadas por Deus, antes se assentavam em uma mesa plenas de vômitos e imundícias, uma mesa que não continha o conhecimento de Deus “Porque todas as suas mesas estão cheias de vômitos e imundícia, e não há lugar limpo” ( Is 28:8 ; Is 65:11 ).

Embora os filhos de Jacó fossem os guardiões da lei e do testemunho dos profetas, eles não davam ouvidos à palavra de Deus “Assim diz o SENHOR: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas; mas eles dizem: Não andaremos nele” ( Jr 6:16 ).

 

Refrigério

“Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome” (v. 3)

O verso 3 complementa a ideia do verso 2:

Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas” (v. 2)

Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome” (v. 3)

O alimento providenciado por Deus proporciona descanso, refrigério e restaura a alma aflita, pois é Ele quem guia as águas tranquilas, ou seja, pelas veredas da justiça A lei do SENHOR é perfeita, e refrigera a alma; o testemunho do SENHOR é fiel, e dá sabedoria aos símplices” ( Sl 19:7 ).

O cuidado do Senhor está atrelado ao zelo do Seu nome, pois Ele é fiel “Porque tu és a minha rocha e a minha fortaleza; assim, por amor do teu nome, guia-me e encaminha-me” ( Sl 31:3 ).

As vicissitudes do mundo fazem parte da existência do homem, quer seja salvo ou não ( Jo 16:33 ; Ec 7:14 ), pois foi Deus quem estabeleceu como consequência da ofensa de Adão que o homem se sustentaria (comerá) do suor do seu rosto até retornar ao pó ( Gn 3:19 ). É um erro pensar que os salmos possuem poderes místicos para livrar o homem dos problemas diários.

 

A sombra da morte

“Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam” (v. 4)

A confiança da ‘ovelha’ no Sumo Pastor pode ser dimensionada através da circunstância que o cerca: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum…”. O motivo de tamanha confiança vem expresso no Salmo 138: “Andando eu no meio da angústia, tu me reviverás; estenderás a tua mão contra a ira dos meus inimigos, e a tua destra me salvará” ( Sl 138:7 ).

A penalidade decorrente da ofensa de Adão impôs medo a todos os homens, mas a ‘ovelha’ em comento não teme mal algum ao percorrer as ‘regiões da morte’, pela certeza de que Deus, como Pastor, jamais faltará (v. 1; Hb 2:15 ). Deus é o Pastor da ‘ovelha’ porque ela não pertence ao pecado como os demais homens.

A ‘sombra da morte’ é uma figura para fazer referencia ao mundo dos homens que jazem separados de Deus, ou seja, estão mortos, alienados de Deus “Alguns se assentam nas trevas e nas sombras da morte, presos de aflição e em ferro, por se haverem rebelado contra as palavras de Deus, e desprezado o conselho do Altíssimo (…) Tirou-os das trevas e das sombras da morte e quebrou as suas cadeias” ( Sl 107:10 -11 e 14; Is 9:2 ).

Esta mesma figura é utilizada pelo profeta Isaías quando faz referencia a Cristo como a luz dos povos “O povo que andava em trevas, viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz” ( Is 9:2 ).

A humanidade alienada de Deus habita na região da sombra da morte e estão presos por causa da lei que diz: ‘certamente morreras’ ( 1Co 15:56 ). Mas Cristo foi dado como luz dos que jazem em trevas, tirando-os da prisão “Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos, e do cárcere os que jazem em trevas” ( Is 42:7 ); “Para dizeres aos presos: Saí; e aos que estão em trevas: Aparecei. Eles pastarão nos caminhos, e em todos os lugares altos haverá o seu pasto” ( Is 49:9 ); “Venha perante a tua face o gemido dos presos; segundo a grandeza do teu braço preserva aqueles que estão sentenciados à morte” ( Sl 79:11 ); “Para ouvir o gemido dos presos, para soltar os sentenciados à morte” ( Sl 102:20 ).

‘Sombra’ é uma figura que pode representar proteção, abrigo, ou o que é efêmero, passageiro, ou uma imagem desfocada ( Gn 19:8 : Jz 9:15 ; Sl 17:8 ; Jó 8:9 ; Jó 14:2 ; Sl 102:11 ; Hb 10:1 ). O versículo 4 do Salmo 23 faz referencia à condição do homem que está no mundo apenado com a morte em decorrência da ofensa de Adão.

Por causa da ofensa de Adão toda a humanidade passou à condição de mortos para Deus, a retribuição decorrente da ofensa ( Rm 5:15 ).

Deus é vida, e o homem alienado de Deus está morto. Deus é luz, e o homem separado de Deus é trevas. Como a humanidade está morta em delitos e pecados (jaz no maligno), todos os homens residem à sombra da morte, visto estarem alienados de Deus.

Para resgatar a humanidade que estava em trevas, Cristo foi introduzido no mundo, à sombra da morte, de modo que Ele é o Sol nascente das alturas que brilhou sobre a humanidade “E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” ( Jo 1:5 ) “Para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte; A fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz” ( Lc 1:79 ).

Quando o homem crê em Cristo é arrancado do reino da morte e transportado para o reino do Filho do amor de Deus ( Cl 1:13 ); “Então clamaram ao SENHOR na sua angústia, e os livrou das suas dificuldades. Tirou-os das trevas e sombra da morte; e quebrou as suas prisões. Louvem ao SENHOR pela sua bondade, e pelas suas maravilhas para com os filhos dos homens. Pois quebrou as portas de bronze, e despedaçou os ferrolhos de ferro” ( Sl 107:13 -16).

Mas a profecia é mais especifica: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte…” (v. 4). A sombra da morte refere-se à humanidade alienada de Deus, o vale refere-se aos filhos de Jacó que não se deixam alcançar pela luz.

O profeta Jeremias nomeia os filhos de Jacó como a ‘moradora do vale’, ‘pedra da campina’ “Eis que eu sou contra ti, ó moradora do vale, ó rocha da campina, diz o SENHOR; contra vós que dizeis: Quem descerá contra nós? Ou quem entrará nas nossas moradas?” ( Jr 21:13 ); “Por isso farei de Samaria um montão de pedras do campo, uma terra de plantar vinhas, e farei rolar as suas pedras no vale, e descobrirei os seus fundamentos” ( Mq 1:6 ).

Quando João Batista passou a clamar no deserto da Judeia dizendo: – “Arrependei-vos”, buscava cumprir a sua missão: aplainar o caminho do Senhor. Era imprescindível uma mudança de concepção acerca de como ser salvos, abandonando as veredas não aplainadas por Deus ( Is 40:2 -3 ; Is Lc 1:76 ; “Contudo o meu povo se tem esquecido de mim, queimando incenso à vaidade, que os fez tropeçar nos seus caminhos, e nas veredas antigas, para que andassem por veredas afastadas, não aplainadas” ( Jr 18:15 ).

O ‘vale’ diz dos filhos de Jacó que se opuseram a Cristo, conforme descrevem os Salmos 69, 22, 64, etc. Por que o Cordeiro de Deus não haveria de temer quando no vale entre os leões? “A minha alma está entre leões, e eu estou entre aqueles que estão abrasados, filhos dos homens, cujos dentes são lanças e flechas, e a sua língua espada afiada” ( Sl 57:4 ). Porque estaria abrigado à sombra das asas de Deus ( Sl 57:1 ; Sl 91:1 ).

Enquanto os que habitavam nas regiões da sombra da morte viram uma grande luz, os que estavam no vale da sombra da morte se opuseram à luz verdadeira, tornando-se opositores da luz “Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo” ( Jo 1:9 ; Jo 10:36 ).

Fazer a vontade de Deus é ser guiado em terra aplainada, o caminho preparado por Deus “Assim diz o SENHOR: Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas; mas eles dizem: Não andaremos nele” ( Jr 6:16 ). Cristo foi guiado por terra plana “Ensina-me a fazer a tua vontade, pois és o meu Deus. O teu Espírito é bom; guie-me por terra plana” ( Sl 143:10 ).

 

Uma mesa na presença dos inimigos

“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda” (v. 5).

Do verso 4 para o verso 5 ocorre uma transição de cenário, e onde havia pasto verdejantes e águas, agora há uma mesa posta.

Enquanto os versos 1 a 4 enfatizam o cuidado do Senhor e a confiança do Servo, nos versos que se seguem, a ênfase está na missão do Servo do Senhor.

Os versos de 1 a 4 destacam que o Servo do Senhor estava sob o cuidado de Deus em virtude da missão que lhe foi confiada. Já os versos 5 a 6 destacam a finalidade do cuidado dispensado ao homem que se posiciona como ovelha.

O cenário do campo e das águas tranquilas é desfeito abruptamente e se volta para uma mesa posta em um ambiente de hostilidade. A parábola do Salmo 23 e as suas figuras ganham novo contorno: o cuidado de Deus tem em vista preservar a vítima da festa!

O quadro bucólico dos versos 1 a 4 (ovelha, campo, água) é substituído no verso 5 por uma ‘mesa preparada’ que representa tanto a vontade do Sumo Pastor quanto a satisfação do Servo eleito em realizar a vontade do seu Senhor. Através da mesa preparada demonstra-se o prazer do Servo do Senhor em atender a vontade de Deus.

O Servo do Senhor destaca que Deus (o Sumo Pastor) preparou uma mesa em uma ocasião nada favorável: na presença dos seus inimigos. Há uma mesa preparada, mas qual é o seu significado?

“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos…” (v. 5).

A figura da ‘mesa preparada’ tem a conotação de proporcionar prazer a alguém. Como o prazer do Servo fiel é fazer a vontade de seu Senhor, a mesa preparada representa a vontade de Deus. A mesa posta na presença dos inimigos não guarda relação com o sustento cotidiano, antes reúne em uma mesma figura a vontade expressa de Deus e o prazer do seu Servo.

Quando lemos a declaração de Jesus, que diz: “… convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos” ( Lc 24:44 ), e que a ‘comida’ de Cristo era fazer a vontade de Deus Pai, é possível saber o que foi posto sobre a mesa “Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” ( Jo 4:34 ).

O testemunho do Salmo 23 não diz do salmista Davi, ou de qualquer outra pessoa. O Salmo 23 é um testemunho específico acerca do Cristo, que se apresentou para fazer a vontade de Deus.

“Então disse: Eis aqui venho; no rolo do livro de mim está escrito. Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração” ( Sl 40:7 -8; Hb 10:9 );

“Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam;” (João 5:39).

Tudo o que está escrito no rolo das Escrituras testificam de Cristo, pois Ele teve prazer em fazer a vontade de Deus. O deleite, o alimento de Cristo, era fazer o prescrito por Deus, pois a lei de Deus é refrigério “A lei do SENHOR é perfeita, e refrigera a alma” ( Sl 19:7 ; Sl 23:2 ).

Para identificarmos que tipo de alimento foi servido à mesa que o Senhor preparou para o Messias não podemos ter a mesma visão dos discípulos quando pediram ao Senhor Jesus que comesse:

“E entretanto os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come. Ele, porém, lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis. Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer?” ( Jo 4:31 -33).

É necessário ver além! A comida de Cristo que os discípulos não conheciam se refere ao realizar a vontade de Deus. Quando lemos: “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Como ouço, assim julgo; e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou ( Jo 5:30 ); “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” ( Jo 6:38 ), percebe-se que a vida de Cristo era realizar a vontade Deus “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir” ( Mt 5:17 ), pois a vida do Messias foi alimentar-se à mesa de Deus.

Como Cristo veio ao mundo para cumprir a vontade do Pai, a lei, os salmos e os profetas era o alimento colocado à mesa. As escrituras é a mesa preparada que, para o Cristo teve peso de glória porque fez a vontade do Pai, enquanto para os filhos de Jacó, a mesma mesa tornou-se ‘laço’ e ‘tropeço’.

“Torne-se-lhes a sua mesa diante deles em laço, e a prosperidade em armadilha”( Sl 69:22 ).

A mesa de Deus que estava diante dos filhos de Jacó diz da mesa mesa preparada perante o Cristo “Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos…” ( Sl 23:5 ).

Enquanto a descrição da vida e ministério de Cristo nas Escrituras, ou o cumprimento das Escrituras na vida e no ministério de Cristo era a mesa preparada perante os opressores de Cristo, o cálice diz das agruras da cruz. Quando Jesus estava no Getsemani, começou a entristecer-se e a angustiar-se, foi quando Jesus por três vezes fez a seguinte oração ao Pai, dizendo: “E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade” ( Mt 26:42 ); “A minha alma está cheia de tristeza até a morte” ( Mt 26:38 ).

O Messias saiu do Getsemani resoluto e certo de uma coisa: “Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores” ( Mt 26:45 ). Ele tinha plena certeza do que Deus havia reservado “Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora” ( Jo 12:27 ).

Quando Cristo se entregou aos homens segundo a vontade do Pai, ali estava fazendo a vontade de Deus na presença dos seus inimigos, os seus irmãos segundo a carne (Miquéias 7:6). Enquanto os homens contemplavam o Cristo ser crucificado, na verdade, Cristo estava à mesa, realizando (comendo) a vontade do Pai.

Além de fazer a vontade de Deus durante o seu ministério, ao final da ‘refeição’ na mesa posta na cruz, Jesus bebeu o cálice que Deus lhe deu “Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” ( Jo 4:34 ).

Enquanto os inimigos injuriavam e se arremetiam contra o Ungido do Senhor, Cristo estava bebendo o cálice dado por Deus, pois era do agrado de Deus enfermá-Lo e moê-Lo “Mas Jesus disse a Pedro: Põe a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?” ( Jo 18:11 ); “Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai” ( Jo 10:18 ); “Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão” ( Is 53:10 ).

Cristo sabia que, após comer à mesa posta pelo Pai (fazendo a vontade de Deus), e, bebendo o cálice (sujeitando-se à ignomínia da cruz), receberia a recompensa “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus” ( Hb 12:2 ).

Na cruz o Filho estava pagando o seu voto diante dos filhos do seu povo ( Sl 116:14 e 18). Dele estava escrito: “Eis aqui venho (…) Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu” ( Sl 40:7 -8). É por isso que Jesus declarava abertamente: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” ( Jo 6:38 ).

Cristo na cruz estava à mesa posta diante de seus familiares, que se lhes tornou em armadinha e tropeço. Enquanto os seus O injuriavam, o cálice dado pelo Pai transbordou!

 

A bondade e a misericórdia

“Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias” (v. 6)

Apesar de saber que Deus haveria de lhe dar um cálice a beber, a confiança do Cristo em Deus é imutável, pois confessa: a bondade e a misericórdia certamente me seguirão, por fim, após ser participante da mesa e do cálice tinha plena confiança que habitará eternamente junto ao Pai.

A certeza de que a bondade e a misericórdia de Deus e abundancia de dias decorre da obediência de Cristo “E faço misericórdia a milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos” ( Dt 5:10 ). Deus havia estabelecido que teria misericórdia dos que O obedecem, e como a comida, o prazer de Cristo era executar a vontade de Deus, a bondade e a misericórdia de Deus era certa, de modo que Cristo foi ressuscitado dentre os mortos ( Sl 56:13 ; Is 53:12 ; Pv 14:32 ; Sl 30:3 ; Sl 49:15 ; Sl 88:3 ).

 

O Servo do Senhor é cordeiro morto desde a fundação do mundo

Como homem, Jesus confiou inteiramente no Pai, de modo que nesta previsão escrita por Davi ( At 2:30 ; At 4:25 ), temos o Verbo encarnado expressando a sua confiança em Deus assim como uma ovelha entrega-se ao cuidado do Pastor.

O salmo apresenta uma figura própria ao servo do Senhor: o cordeiro de Deus “Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca” ( Is 53:7 ). Neste salmo as figuras ‘servo’ e ‘cordeiro’ fundem-se “Quem é cego, senão o meu servo, ou surdo como o meu mensageiro, a quem envio? E quem é cego como o que é perfeito, e cego como o servo do SENHOR?” ( Is 42:19 ); “Mas eu, como surdo, não ouvia, e era como mudo, que não abre a boca. Assim eu sou como homem que não ouve, e em cuja boca não há reprovação” ( Sl 38:13 -14).

Na condição de ovelha o Cristo teve o Pai como pastor. O que isto significa? Que o descendente prometido a Davi assumiria a condição de servo ( Is 42:1 ; Is 49:5 ), e que os servos não fazem a sua própria vontade, antes esperam inteiramente em seu senhor “Assim como os olhos dos servos atentam para as mãos dos seus senhores, e os olhos da serva para as mãos de sua senhora, assim os nossos olhos atentam para o SENHOR nosso Deus, até que tenha piedade de nós” ( Sl 123:2 ).

No Salmo 23 a relação ‘Senhor’ e ‘servo’, ‘Pai’ e ‘Filho’ é apresentada através de uma nova figura: ‘pastor’ e ‘ovelha’. Lembremos que Deus veio em carne e habitou entre os homens “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” ( Jo 1:14 ). Ao assumir um corpo à semelhança da carne do pecado ( Rm 8:3 ; HB 10:5 ), Cristo se sujeitou às mesmas paixões que os homens ( Lc 22:28 ; Hb 4:15 ; Hb 2:17 ).

Para cumprir a missão dada pelo Pai, o Verbo que habitava o esconderijo do Altíssimo foi introduzido no mundo e, quando no mundo dos homens (região da sombra da morte) esteve abrigado sob as asas do Onipotente porque em tudo foi obediente “AQUELE que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará” ( Sl 91:1 ; Is 9:2 ).

A promessa do Pai ao Filho enquanto na região da sombra da morte era de que o Cristo não seria deixado na morte e que nem um dos seus ossos seria quebrado ( Sl 16:10 ; Sl 49:9 ; Sl 34:20 ). As promessas de Deus são firmes, pois Ele zela do Seu nome ( Sl 138:2 ).

É em função do cordeiro que seria morto na plenitude dos tempos, mas que foi morto desde a fundação do mundo, que destacamos que o Salmo 23 não foi escrito na perspectiva de um rebanho de ovelhas, antes foi redigido na perspectiva de uma ovelha que necessitava de proteção para ser oferecida como vitima segundo a vontade de Deus.

 

Cristo – O Bom Pastor

O salmo 23 foi analisado na perspectiva da Ovelha escolhida por Deus para beber o cálice da ignomínia – Cristo – o Servo do Senhor ( Jo 8:15 ; Jo 12:47 ) “PORQUE brotará um rebento do tronco de Jessé, e das suas raízes um renovo frutificará. E repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de conhecimento e de temor do SENHOR. E deleitar-se-á no temor do SENHOR; e não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos. Mas julgará com justiça aos pobres, e repreenderá com equidade aos mansos da terra; e ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará ao ímpio, E a justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins” ( Is 11:1 -5; Is 4:2 ).

Cristo, o rebento do tronco de Jessé prometido por Deus é fonte de água que jorra para a vida eterna ( Jo 4:14 ). Ele é o pão vivo que desceu dos céus ( Jo 6:51 ). Quem crê em Cristo, o Verbo que se fez carne, passa a viver especificamente da palavra que sai da boca de Deus ( Jo 6:58 ).

O tronco de Jessé é Deus feito homem habitando com os homens (Deus conosco), e neste quesito, Ele é o Bom Pastor que deu a sua vida pelas ovelhas ( Jo 10:11 e 14; Is 9:6 ). Para as ovelhas, os verdes pastos e a água perene são os ensinos de Cristo ( Ef 1:3 ; 1Co 1:5 ; 2Pe 1:3 ; Mt 28:20 ).

Jesus é o Bom Pastor e por isso disse aos seus discípulos: “NÃO se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim” ( Jo 14:1 ); “Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz. Estas coisas disse Jesus e, retirando-se, escondeu-se deles” ( Jo 12:36 ); “Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” ( Jo 5:23 ).

No Salmo 110, Davi ‘em espírito’ chamou o Filho de Deus de ‘meu Senhor’, já no Salmo 23, em espírito temos o Filho de Deus, na condição de Cordeiro escolhido, chamando o Pai de pastor.

“O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará” ( Sl 23:1 );

“DISSE o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” ( Sl 110:1 ).

Mas, na plenitude dos tempos, o Senhor Jesus Cristo anunciou ser o Bom Pastor: “Eu sou o bom Pastor… “ ( Jo 10:11 e Jo 10:14 ; Ef 1:10 ; Gl 4:4 ). Por quê? Porque o Jesus de Nazaré, que foi reputado por aflito de Deus, antes de ser introduzido no mundo, era o Verbo eterno que estava com Deus. Devemos enxergar o rebento de Jessé de dois modos: a) em ignomínia; b) glorioso.

Da mesma forma que os homens ficaram pasmos diante do Cristo crucificado, hão de ficar pasmos diante da sua glória ( Is 52:13 -15). Num primeiro momento o renovo justo não tinha parecer e nem formosura ( Is 53:2 ), em um tempo vindouro se apresentará cheio de beleza ( Is 4:2 ).

Por que Jesus utilizou o predicativo ‘bom’ ao identificar-se como Pastor? Porque Ele é o Verbo de Deus encarnado ( Jo 1:14 ), o Deus Altíssimo ( Is 57:15 ), o Senhor entronizado conforme prediz o Salmo 45: “O Teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de equidade. Tu amas a retidão e odeias a impiedade; portanto Deus, o teu Deus te ungiu com o óleo de alegria, mais do que a teus companheiros” ( Sl 45:6 -7).

Compare:

“DISSE o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” ( Sl 110:1 ).

“O Teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo (…); portanto Deus, o teu Deus te ungiu com o óleo de alegria, mais do que a teus companheiros” ( Sl 45:6 -7).

No salmo 45 Jesus é apresentado pelo salmista no reino da sua glória, o Senhor Deus que reina com justiça e equidade, do mesmo modo que foi apresentado no salmo 110 em igualdade com o Pai. O escritor aos Hebreus destaca este fato: “Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de equidade é o cetro do teu reino” ( Hb 1:8 ).

Sem sombras de dúvidas Jesus Cristo é o Bom Pastor, visto que, Ele e o Pai são um: “Eu e o Pai somos um” ( Jo 10:30 ).

A relação ‘Pai’ e ‘Filho’ não existia na eternidade, pois as pessoas da divindade na eternidade são co-iguais e co-eternas. Somente quando o Verbo foi introduzido no mundo, passou a ter eficácia o acordo estabelecido na eternidade, como se lê: “Porque, a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, Hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho?” ( Hb 1:5 ).

Na eternidade não havia a relação Pai e Filho, mas ao ser introduzido o Unigênito no mundo, ficou estabelecido: ‘Eu lhe serei por pai, e tu me será por Filho’. O termo ‘hoje’ utilizado em algumas profecias refere-se a eventos pertinentes ao mundo dos homens.

Os que recebem a Cristo estão sob a proteção do Bom Pastor, de modo que em tudo os que creem em Cristo têm toda suficiência, ou seja, de ‘… nada têm falta’! “Temei ao SENHOR, vós, os seus santos, pois nada falta aos que o temem” ( Sl 34:9 ; 2Co 9:8 ).

Há os que pensam que a promessa de que ‘nada faltará’ àqueles que têm a Cristo como Senhor lhes proporcionará farturas de bens materiais aqui neste mundo, porém, estão equivocados em suas mentes carnais. O apóstolo Paulo explica que Deus é poderoso para fazer abundar toda graça com o objetivo de que os cristãos tenham sempre, em tudo, toda suficiência.

Os cristãos terão fartura (abundeis) em toda boa obra, e não em riquezas materiais. Com relação aos bens materiais, será agraciado com suficiência em tudo. Mesmo no pouco, o cristão possui suficiência, contentamento ( 1Tm 6:6 ).

Aquele que tem Cristo como Pastor (meu), é ovelha do seu aprisco “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem” ( Jo 10:27 ). Entram no aprisco do Senhor e encontraram paz e descanso para a suas almas ( Mt 11:29 ), porém, as aflições deste mundo persistem ( Jo 16:33 ).

Jesus anunciou ser:

  • A Porta – ‘Eu sou a porta’ ( Jo 10:9 ) – Ou seja, Cristo é a porta das ovelhas, pela qual os homens que ouvirem a sua voz necessitam entrar para serem salvos ( Mt 7:13 );
  • O Bom Pastor ( Sl 10:11 ) – ‘Eu sou o bom Pastor’ ( Jo 10:11 ) – Aquele que dá a sua vida em prol das ovelhas.

Aqueles que entram por Cristo, a porta estreita, são comparados a ovelhas, visto que o Pastor é quem guia pelas veredas eternas. Ora, qualquer que entra pela porta estreita que é Cristo, está num caminho estreito que o conduz a vida eterna “Mas estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz para a vida…” ( Mt 7:14 ), e encontra descanso para a alma ( Mt 11:29 ; Sl 118:20 ).

A figura do ‘caminho apertado’ quanto a o ‘Bom Pastor’ é Cristo, visto que:

  • ‘o caminho apertado’ conduz o homem a Vida, e;
  • O Bom Pastor conduz ‘as ovelhas’ as águas tranquilas.

Qualquer que crê em Cristo de nada tem falta e alcança o descanso prometido. Aquele que confia em Cristo encontra descanso, conforme o escritor aos Hebreus escreveu: “Ora, nós que temos crido, entramos no descanso…” ( Hb 4:3 ). Após crer no Bom Pastor, que é Cristo Jesus, as suas ‘ovelhas’ descansam, pois é Ele quem guia as ‘ovelhas’ em segurança à vida eterna “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas” ( Mt 11:29 ).

A confiança em Cristo como pastor proporciona aos seus seguidores descanso, segurança e refrigério. Tal condição é descrita pelo apóstolo Paulo como ‘estar assentado’ em Cristo Jesus nas regiões celestiais ( Ef 1:3 ).

Jesus, o Bom Pastor, é o caminho de Justiça que conduz os homens a Deus “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” ( Jo 14:6 ). Somente trilham o novo e vivo caminho aqueles que são nascidos da água (palavra) e do Espírito (Deus) ( Hb 10:20 ).

Todos quantos tem o Senhor Jesus como Pastor são crucificados, morrem e são sepultados com Cristo “Porque este Deus é o nosso Deus para sempre; ele será nosso guia até à morte” ( Sl 48:14 ; Rm 6:6 ), porém, ressurgem vitoriosos em Cristo, sendo criados de novo em verdadeira justiça e santidade ( Cl 3:1 ).

As palavras do Pastor, a verdade do evangelho, desempenham a função da vara e do cajado: guia, correção e consolo ( Jo 10:4 ; Jo 5:24 ). É o Senhor quem peleja em favor daqueles que creem no bom Pastor ( Ex 14:14 ). Quantos inimigos o Senhor Jesus derrotou na sua morte? O mundo, a carne, o pecado, satanás e as potestades, de modo que, os seus seguidores são mais que vendedores!

Por desconhecer que os salmos são profecias em forma de cânticos e poesias, e que tais profecias têm por tema o Cristo e a sua obra, muitos buscam proteção nas promessas contidas nos salmos. Se as pessoas buscassem nos salmos o conhecimento do Santo, encontrariam proteção e descanso para a alma, pois encontrariam a salvação de Deus em Cristo “E DAVI, juntamente com os capitães do exército, separou para o ministério os filhos de Asafe, e de Hemã, e de Jedutum, para profetizarem com harpas, com címbalos, e com saltérios; e este foi o número dos homens aptos para a obra do seu ministério” ( 1Cr 25:1 ).

Se os leitores dos salmos compreenderem que as promessas dos salmos dizem do Messias, e que por Ele ser o ungido do Senhor, que Deus reservou para o Cristo um cálice a beber, não teriam uma visão superficial dos salmos.

Na sua maioria, os leitores dos salmos querem ‘se assentar à direita e a esquerda do Cristo em seu reino’, porém, desconhecem, como os filhos de Zebedeu, que o cálice que Cristo ia beber era derramar a sua alma na morte “Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que eu sou batizado? Dizem-lhe eles: Podemos” ( Mt 20:22 ).

Para alcançar as promessas de Deus é essencial que o homem beba o cálice dado pelo Pai: crer em Cristo. Quando o homem crê em Cristo, significa que pegou a sua própria cruz e seguiu após Cristo até o calvário, foi morto, sepultado e ressurgiu segundo o poder de Deus. Aquele que crê que Cristo, o Jesus de Nazaré, é o Bom Pastor, bebeu o cálice de Cristo “E diz-lhes ele: Na verdade bebereis o meu cálice e sereis batizados com o batismo com que eu sou batizado, mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado” ( Mt 20:23 ).

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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