O Salmo 22 se cumpriu quando Jesus estava na cruz e o Salmo 16, quando Jesus ressuscitou. O verso 5 do Salmo 23 se refere ao calvário, onde Jesus foi crucificado.
Cálice transbordando
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“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.” (Salmo 23:5).
Licenciosidade poética
A licença poética é um recurso que permite ao escritor alterar as normas da língua, para criar efeitos estéticos e expressivos, em suas obras. No entanto, quando se trata de arte sacra, especialmente, quando o escritor utiliza citações bíblicas, é preciso ter cuidado para não distorcer o sentido original das Escrituras.
A arte sacra, em específico, a poesia, deve respeitar os princípios da exegese e da hermenêutica, que são as ciências que estudam a interpretação dos textos sagrados. Uma canção cristã deve seguir os mesmos critérios de uma pregação: considerar o contexto, a intenção e o público do autor bíblico e não impor uma visão pessoal ou, subjetiva ao texto.
Para ilustrar esse tema, vamos analisar o refrão de duas canções que se baseiam no verso 5, do Salmo 23: “Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.”
A primeira canção se chama “Mesa preparada” e tem o seguinte refrão:
“Mesa preparada,
Cabeça ungida,
Cálice transbordando,
isso que é vida.”
A segunda canção também se chama “Mesa preparada” e tem um refrão parecido:
“Tem mesa preparada
Cabeça ungida.
O cálice vai transbordar
Os teus inimigos irão te contemplar.”
As duas canções cometem o erro de usar o verso 5, do Salmo 23, fora do seu contexto e de atribuir um significado ao texto, que não corresponde com a natureza do Salmo.
O Salmo 23 é uma profecia que se utiliza de figuras próprias ao pastoreio de ovelhas, ilustrando o cuidado de Deus para com o Seu Filho e a confiança do Filho na proteção do Pai.
“O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.” (Salmo 23:1).
O verso 5, por sua vez, usa a imagem de um banquete para expressar a vontade de Deus para o Seu Filho, que deve obedece-Lo e beber do cálice que transborda (cheio, pleno), diferente do entendimento comum, de que se trata de um cálice cheio da bondade e da generosidade de Deus, que provê as necessidades do salmista e o honra, diante dos seus adversários.
O óleo simboliza que o Filho é o eleito de Deus para realizar a sua obra, porém, a concepção comum é de que se trata de alegria e conquistas relacionadas as questões desta vida.
Outro erro é entender que o cálice transbordante representa a abundância e a satisfação, quando se trata de sofrimento e ignomínia, o cálice que o Pai deu a beber ao descendente de Davi, o Cristo.
A licença poética de muitos, produz poesias, como se o salmista buscasse na graça e na fidelidade de Deus a derrocada de seus inimigos. Outros poemas, transmite uma mensagem de prosperidade e de triunfo sobre os inimigos, que não condiz com o propósito do Salmo.
É um equívoco sugerir que a mesa preparada, a cabeça ungida e o cálice transbordante são sinais de uma vida bem-sucedida e feliz e que os inimigos irão se humilhar ou, se admirar diante da bênção do crente.
Essas interpretações são equivocadas e perigosas, pois, ignoram a natureza profética dos Salmos, que é dar testemunho de Cristo aos homens, de modo que pudessem reconhecê-lo quando viesse ao mundo.
“Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam;” (João 5:39);
“Quem crê no Filho de Deus, em si mesmo tem o testemunho; quem a Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de seu Filho deu.” (1 João 5:10).
Davi, o profeta
“Porque dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor, porque está à minha direita, para que eu não seja comovido;” (Atos 2:25).
Ao compor os Salmos, Davi não escreveu acerca de si mesmo, antes pelo espírito de profecia, escreveu acerca de Cristo, o seu descendente!
“Indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.” (1 Pedro 1:11).
Em uma de suas profecias, o Salmista Davi ouviu o Senhor, o Pai, falando ao seu Senhor, o Filho, dizendo para se assentar à sua destra até que os seus inimigos fossem colocados por escabelo dos seus pés.
“O próprio Davi disse pelo Espírito Santo: O Senhor disse ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.” (Marcos 12:36).
Os Salmos, por contém vaticínios, são profecias que se cumpriram em Cristo, como Ele mesmo afirmou:
“E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos.” (Lucas 24:44).
Salmo 23 – Uma profecia
“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.” (Salmo 23:5).
Ler o Salmo 23 como uma canção que retrata questões do dia a dia do rei Davi é temerário, se consideramos algumas colocações do apóstolo Pedro:
- a) Davi era profeta, e;
- b) os Salmos são previsões proféticas.
Observe:
“Porque dele (Cristo) disse Davi: ‘Sempre via diante de mim o Senhor, Porque está à minha direita, para que eu não seja comovido; Por isso se alegrou o meu coração, e a minha língua exultou; E ainda a minha carne há de repousar em esperança; Pois não deixarás a minha alma no inferno, Nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção; Fizeste-me conhecidos os caminhos da vida; Com a tua face me encherás de júbilo’. Homens irmãos, seja-me lícito dizer-vos livremente acerca do patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado, e entre nós está até hoje a sua sepultura. Sendo, pois, ele (Davi) profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono,” (Atos 2:25-30);
Davi era profeta, como o apóstolo Pedro afirma e o Salmo 16 é uma profecia sobre a ressurreição de Cristo, conforme ele cita:
“Nesta previsão, disse da ressurreição de Cristo, que a sua alma não foi deixada no inferno, nem a sua carne viu a corrupção.” (Atos 2:31).
O apóstolo Pedro também cita o Salmo 110 para mostrar que Davi profetizou sobre a exaltação de Cristo, que foi assentado à direita de Deus como Senhor e Cristo, depois de vencer os seus inimigos.
“Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio diz: ‘Disse o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés’. Saiba, pois, com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.” (Atos 2:34-36).
Quando digo que Davi era profeta e que o Salmo 23 é uma profecia, quero dizer que não se trata apenas de uma possível interpretação entre outras possíveis, mas, sim, um princípio que deve ser seguido por qualquer estudioso da Bíblia. Os Salmos devem ser lidos como profecia, pois, Davi e os seus capitães do exército designaram os filhos de Asafe, Hemã e Jedutum, para profetizarem com instrumentos musicais, sob a direção do rei Davi.
“E DAVI, juntamente com os capitães do exército, separou para o ministério os filhos de Asafe, e de Hemã, e de Jedutum, para profetizarem com harpas, com címbalos, e com saltérios; e este foi o número dos homens aptos para a obra do seu ministério: Dos filhos de Asafe: Zacur, José, Netanias, e Asarela, filhos de Asafe; a cargo de Asafe, que profetizava debaixo das ordens do rei Davi. Quanto a Jedutum, os filhos: Gedalias, Zeri, Jesaías, Hasabias, e Matitias, seis, a cargo de seu pai, Jedutum, o qual profetizava com a harpa, louvando e dando graças ao SENHOR.” (1 Crônicas 25:1-3).
Interpretar o Salmo 23, sem levar em conta os argumentos dos apóstolos, é arriscado. Os apóstolos afirmaram que Davi falava pelo espírito do Senhor, ou seja, espírito de profecia.
“Indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.” (1 Pedro 1:11);
“O próprio Davi disse pelo Espírito Santo: O Senhor disse ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.” (Marcos 12:36).
E esta foi a declaração do próprio rei Davi:
“O Espírito do SENHOR falou por mim, e a sua palavra está na minha boca. Disse o Deus de Israel, a Rocha de Israel a mim me falou: Haverá um justo que domine sobre os homens, que domine no temor de Deus.” (2 Samuel 23:2-3).
Com base nessas evidencias textuais é possível afirmar que o Salmo 23 é uma profecia, assim como o Salmo 22. O Salmo 23 é uma oração que expressa a confiança do Messias em Deus quando estivesse em meio aos homens, assim como o Salmo 22 é uma profecia que antecipou o brado que Jesus deu na cruz, dizendo: – “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.
O Salmo 22 se cumpriu quando Jesus estava na cruz e o Salmo 16 quando Jesus ressuscitou. O verso 5 do Salmo 23 se refere ao calvário, onde Jesus foi crucificado.
Muitos intérpretes buscam o sentido literal ou histórico dos Salmos, mas, poucos consideram o seu sentido profético e as suas simbologias e alegorias.
O verso 5 do Salmo 23 é uma oração profética do Cristo, pedindo a Deus que lhe preparasse um banquete (mesa), na presença dos seus adversários (inimigos). Se pensarmos que se trata de um banquete literal ou, que Davi esperava que Deus lhe providenciasse um banquete, teríamos que pensar que seria um mau pedido, pois, visaria um deleite próprio.
Mas, quando o salmista, pelo espírito, antecipa uma oração do Messias, o pedido visa a vontade de Deus, que tinha como objetivo a salvação da humanidade e não um anseio ou, um deleite próprio.
“Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” (Tiago 4:3).
O termo hebraico שֻׁלְחָן traduzido por mesa, se refere à comida disposta em uma mesa, ou seja, uma refeição ou, um banquete, como se verifica o emprego do termo no Salmo 78:
“E falaram contra Deus, e disseram: Acaso pode Deus preparar-nos uma mesa no deserto?” (Salmo 78:19).
O povo de Israel, no deserto, desejou comer carne (Salmo 78:18), e mesmo sendo cumprido o desejo deles, pois, comeram carne e se fartaram, a ira de Deus fez muitos dos filhos de Israel perecerem no deserto (Salmo 78:31).
Seria estranho um Salmo enfatizando procurar Deus por questões de comida, pois, quando os filhos de Israel procuraram Jesus por causa de pão, foi lhes dito:
“Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou.” (João 6:27).
Considerando o Salmo 78 e o pedido do Salmo 23, percebe-se que a profecia não se refere ao alimento cotidiano, como pão, carne, temperos, etc., pois, essa era a preocupação constante dos filhos de Israel.
“Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos?” (Mateus 6:31).
Considerando as seguintes palavras de Cristo: “A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra.” (João 4:34), percebe-se que o termo ‘comida’ não deve ser considerado em seu sentido literal.
Considerando que a ‘comida’ de Cristo era fazer a vontade de Deus e que a vontade de Deus era que o Cristo fosse morto, em benefício da humanidade, o calvário deve ser compreendido como a expressão máxima da vontade de Deus, portanto, uma mesa preparada para o Cristo na presença dos seus opositores.
“Por isso, entrando no mundo, diz: ‘Sacrifício e oferta não quiseste, mas corpo me preparaste; Holocaustos e oblações pelo pecado não te agradaram. Então disse: Eis aqui venho (No princípio do livro está escrito de mim), Para fazer, ó Deus, a tua vontade. Como acima diz: Sacrifício e oferta, e holocaustos e oblações pelo pecado não quiseste, nem te agradaram (os quais se oferecem segundo a lei). Então disse: Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade’. Tira o primeiro, para estabelecer o segundo. Na qual vontade temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez.” (Hebreus 10:5-10).
O Salmo 40 também é uma profecia messiânica e evidencia que Jesus veio para fazer a vontade do Pai e, mesmo não querendo beber o cálice dado pelo Pai, Cristo se resignou a obedece-Lo.
“Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração.” (Salmo 40:8);
“Mas Jesus disse a Pedro: Põe a tua espada na bainha; não beberei eu o cálice que o Pai me deu?” (João 18:11).
“Comida” remete a “deleite”, “prazer”, e o deleite de Cristo era fazer a vontade do Pai. Ao rogar que fosse preparada uma mesa, o espírito de profecia que estava em Davi anunciou de antemão que Cristo viria ao mundo dos homens para fazer a vontade de Deus.
“Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (João 6:38);
“E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave.” (Efésios 5:2).
Como todo profeta havia predito que o Cristo haveria de sofrer (Atos 3:18), o calvário é a expressão máxima da vontade de Deus para o Cristo (Hebreus 9:14 ). Jesus, por sua vez, olhou para o calvário como uma mesa preparada, visto que, fazer a vontade de Deus era o seu prazer.
Considerando que a ‘comida’ de Cristo é fazer a vontade do Pai e que a vontade de Deus era que Cristo bebesse do Seu cálice, percebe-se que o calvário é a mesa que Deus preparou para o Seu Ungido perante (נֶ֫גֶד) os seus inimigos.
“E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade.” (Mateus 26:42).
O Salmo 23 aponta para Cristo, o Ungido do Senhor, como cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (João 1:29). O Salmo 23 é uma profecia que permitiria aos filhos de Israel identificarem o Cristo dentre muitos falsos cristos que haveriam de aparecer, mas, para isso, teriam que saber interpretar as parábolas e os enigmas das profecias (Salmo 78:1-2).
Ao se deixar ser crucificado, em obediência ao Pai, o Cristo, Filho de Deus, evidenciou que compreendia as Escrituras. Os muitos cristos que apareceram, ao longo da história dos filhos de Israel, geralmente, entenderam que o Ungido de Deus teria uma mesa farta de comida como símbolo das conquistas diante de inimigos derrotados. O verdadeiro Messias compreendeu que se entregar para ser morto em obediência ao Pai, era ser participante da mesa, cujo cálice era transbordante.
Uma oração do Senhor do salmista
Se o leitor não compreender que o Salmo 23 é uma oração do Senhor do salmista, o Cristo, fará uma leitura equivocada e acreditará que é o alvo das promessas ali contidas.
O Senhor do salmista, chamado no Salmo 110 de ‘meu’ Senhor, é o mesmo que ora as palavras do Salmo 23.
“DISSE o SENHOR ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.” (Salmo 110:1).
A oração do Senhor do salmista é segundo a vontade de Deus, e por isso, foi atendida! A vontade do Pai foi realizada, e Cristo se resignou a obedece-Lo.
Quando é dito: “O Senhor é o meu pastor”, o Cristo de Deus sabia que a destra do Pai lhe proporcionaria toda suficiência!
“Temei ao SENHOR, vós, os seus santos, pois nada falta aos que o temem.” (Salmos 34:9);
“Ora a comida não nos faz agradáveis a Deus, porque, se comemos, nada temos de mais e, se não comemos, nada nos falta.” (1 Coríntios 8:8).
Cristo não tinha onde reclinar a cabeça (Mateus 8:20), mas, como se sujeitou ao Pai, sendo obediente em tudo, em tudo Ele foi agradável ao Pai.
“Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu.” (Hebreus 5:8).
Na condição de ‘cordeiro’ do Senhor, Cristo, o Servo do Senhor, tinha certeza que estava sob proteção e era guiado pelo Pai (Salmo 27:13).
“EIS aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios.” (Isaías 42:1);
“Quem é cego, senão o meu servo, ou surdo como o meu mensageiro, a quem envio? E quem é cego como o que é perfeito, e cego como o servo do SENHOR?” (Isaías 42:19);
“Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a sua boca.” (Isaías 53:7).
Assim como um pastor faz as suas ovelhas descansarem em verdes pastos e conduz às águas para se refrigerarem, Deus haveria de guiar o Seu Filho, por intermédio das Escrituras, pois, Deus se obrigou a cumprir a promessa feita a Abraão e Davi, jurando por Si mesmo (amor do seu nome).
“Ensina-me, SENHOR, o teu caminho, e guia-me pela vereda direita, por causa dos meus inimigos.” (Salmos 27:11);
“Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo,” (Hebreus 6:13).
Deus cuidou, tanto da entrada quanto a saída de Cristo neste mundo, como revelado nesses Salmos:
“O SENHOR guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre.” (Salmos 121:8);
“Todos os que me veem zombam de mim, estendem os lábios e meneiam a cabeça, dizendo: Confiou no SENHOR, que o livre; livre-o, pois nele tem prazer. Mas tu és o que me tiraste do ventre; fizeste-me confiar, estando aos seios de minha mãe. Sobre ti fui lançado desde a madre; tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe.” (Salmos 22:7-10; Mateus 27:43).
Ao andar no mundo dos homens, sendo semelhante a eles, em tudo (Hebreus 2:14-17), Cristo esteve no “vale da sombra da morte”, porém, não temeu mal algum. O “vale da sombra da morte” não se refere a risco de vida, mas, à existência humana, sob a égide da morte, por causa do domínio do pecado.
“Tal como a que se assenta nas trevas e sombra da morte, presa em aflição e em ferro;” (Salmos 107:10).
Embora tenha andado com aqueles que habitavam na região (vale) da sombra da morte, Cristo é a luz que resplandeceu nas trevas.
“O povo que andava em trevas, viu uma grande luz, e sobre os que habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz.” (Isaías 9:2).
O Salmo 23 apresenta Cristo como o cordeiro obediente, que se deixou guiar pela palavra de Deus, e por ser luz para o mundo, deixou exemplo, como Filho obediente, evidenciando que fazer a vontade de Deus é se cercar da bondade e da misericórdia de Deus.
Má interpretação
A primeira canção faz uso do Salmo 23, como referência para fazer alusão, tanto aos céus, um “lugar feliz, bem distante, onde reina o amor”, quanto à volta de Cristo, aplicando o verso 5 do Salmo 23 aos cristãos, como se fossem promessas de bênçãos da parte de Deus.
Seria vida aos cristãos a tal ‘mesa preparada’? A ‘cabeça ungida’ diz respeito aos cristãos? O ‘cálice transbordando’ é próprio dos cristãos?
Um versículo responde essas perguntas:
“Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que eu sou batizado? Dizem-lhe eles: Podemos.” (Mateus 20:22).
Os filhos de Zebedeu não entenderam a figura utilizada por Cristo, acerca do cálice e do batismo, e acabam afirmando que poderiam beber o cálice e ser batizados com o batismo de Cristo.
Da mesma forma, o poeta não soube entender a figura do cálice do Salmo 23, um cálice que não é próprio aos cristãos beberem. O cálice e o batismo de Cristo não podiam ser passados aos seus seguidores, pois, Cristo era o único ungido de Deus que poderia beber o cálice dado pelo Pai.
Mas, Cristo fala de um cálice e de um batismo, dos quais os cristãos podem participar:
“Jesus, pois, lhes disse: Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos.” (João 6:53).
Para comer e beber de Cristo basta ao homem crer que Ele é o enviado de Deus:
“E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” (João 6:35).
Pegar as promessas das profecias que têm por alvo o Cristo e prometer coisas mil aos cristãos é um erro que só traz ilusão e decepção.
A segunda canção faz promessas descabidas ao relacionar a profecia do Salmo 23 às questões do dia a dia.
“Fizeram de tudo para me excluir
Não acreditavam que eu chegaria até aqui
Fui humilhada, desprezada
Tentaram parar minha caminhada
Davi estava nas malhadas
Deus tirou de lá, para reinar
Quem tentar te parar vai ver o teu sonho se realizar”.
O Salmo 23 não se refere a vida de Davi, nem aos sonhos dos cristãos. Esse tipo de abordagem é perniciosa e só promove miserabilidade!
”Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.” (1 Coríntios 15:19).
A habilidade de poeta não o habilita a ser intérprete das Escrituras e se alguém deseja escrever cânticos espirituais, primeiro tem que manejar bem a palavra da verdade, sabendo dar a razão da sua fé.
“Antes, santificai ao SENHOR Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós,” (1 Pedro 3 :15).
Portanto, podemos concluir que a licença poética não é um argumento válido para justificar o uso inadequado das Escrituras em uma obra de arte sacra. O escritor cristão deve ter o cuidado de respeitar o sentido original e a autoridade das Escrituras.
Deve respeitar o alerta paulino: “E eu, irmãos, apliquei estas coisas, por semelhança, a mim e a Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra outro.” (1 Coríntios 4:6).
A licença poética permite que o escritor manipule as palavras para transmitir ao leitor tudo o que pensa, ou seja, a arte permite incorreções de linguagem. Mas, em se tratando de arte sacra, principalmente quando o poeta faz uso de citações bíblicas, não é permitido ao escritor expressar suas opiniões.
Ao compor uma canção ou, poema, o cristão não pode utilizar frases bíblicas conforme uma concepção própria. Licença poética não é admitida pelas Escrituras. Uma canção cristã deve seguir os mesmos princípios de uma pregação: respeito ao texto, considerando o contexto, seguindo os princípios da exegese e da hermenêutica, sem promover ideologias ou, teologias que contrariem a revelação de Deus.
Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto