Copérnico, por sua vez, levado por incertezas, após investigar, acreditou que o sol era o centro do sistema solar. Neste sentido ele teve que acreditar (fé), o que é coerente com a visão de Johannes, de que, ‘para ter dúvida aprofundada é necessário ter fé’. Por acreditar (ter fé) no sistema heliocêntrico, a dúvida de Copérnico aprofundou-se em relação ao sistema geocêntrico. Em uma época contrária ao seu posicionamento, Copérnico assumiu o risco da sua crença, e a sua crença tornou-se proporcional ao risco.
Fé versus Dúvida
É comum aos pensadores seculares e a muitos teólogos estabelecerem uma relação de interdependência entre as palavras ‘fé’ e ‘dúvida’, como se elas fossem termos antônimos quando utilizadas para abordar questões pertinentes ao evangelho de Cristo.
O teólogo Kierkegaard (1813-1855), sob o pseudônimo de Johnannes Climacus escolheu como título do seu estudo sobre a dúvida, a tese cartesiana do filósofo René Descartes (1596-1650), que defendia ser necessário duvidar de tudo (Johnannes Climacus ou é preciso duvidar de tudo).
Na visão de Johannes, para ter dúvida aprofundada é necessário ter fé.
Será isto verdade?
Ora, quando se trata da filosofia, é certo que ela decorre das interrogações provenientes das incertezas que é próprio ao homem, e que, por sua vez, lança o homem a investigação. Como exemplo, num passado não muito distante, era consenso próprio a humanidade acreditar que a terra era o centro do sistema solar (geocêntrica), e Copérnico (1473-1543), por sua vez, levado por incertezas, após investigar, concluiu que o sol é o centro do sistema solar (heliocêntrica).
O que a humanidade acreditava, e isto inclui a igreja e os filósofos da época, não alterou a realidade. De igual modo, quando o homem passou a acreditar que o sol é o centro do sistema solar, não mudou a realidade, antes corrigiu a sua visão distorcida da realidade.
De igual modo, quando se refere ao evangelho de Cristo, que é descrito como a ‘fé’ que uma vez foi dada aos santos, temos que o evangelho (fé) não depende da credulidade do homem para ser firme ( Jd 1:3 ).
Diferente da filosofia, que surgiu da inquietude gerada das necessidades de se compreender a realidade física e dimensionar como os valores socioculturais explicam tal realidade, o evangelho não derivou da dúvida dos homens e nem se apoia na credulidade deles, antes o evangelho é uma revelação concernente a manifestação do unigênito Filho de Deus em carne.
A realidade física, apesar de ser objeto de analise da filosofia, é anterior a filosofia, sendo que as disposições internas do homem em acreditar ou não na realidade que o cerca, nem de longe pode alterá-la ou influenciá-la.
Do mesmo modo, o evangelho é matéria independente da credulidade ou da incredulidade humana, pois se o homem acreditar ou não, a mensagem do evangelho continua sendo a mesma: diz da vontade eterna de Deus de fazer congregar em Cristo todas as coisas ( Ef 1:10 ).
Posicionar-se diante da realidade física ou da mensagem do evangelho é facultado ao homem. Acreditar ou não (fé versus dúvida) é um embate que se dá na mente dos homens, o que não interfere na realidade física e nem pode alterar o disposto na mensagem do evangelho.
A Bíblia descreve a mensagem do evangelho como a ‘fé’ manifesta aos homens. Ela também diz que ‘sem fé é impossível agradar a Deus’ ( Hb 11:6 ). Ou seja, o que torna o homem agradável a Deus está contido na fé que havia e foi manifesta aos homens.
“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” ( Gl 3;23 )
Desde o Antigo Testamento foi anunciado pelos profetas que Deus haveria de manifestar a sua salvação “Cantai ao SENHOR um cântico novo, porque fez maravilhas; a sua destra e o seu braço santo lhe alcançaram a salvação. O SENHOR fez notória a sua salvação, manifestou a sua justiça perante os olhos dos gentios” ( Sl 98:1 -2); “Quem deu crédito à nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor?” ( Is 53:1 ).
O salmista Davi também profetizou acerca de Cristo, o santo braço do Senhor que seria desnudado perante os povos da terra, e a mesma mensagem foi anunciada pelo profeta Isaías. No ato de desnudar o seu santo braço, Deus tornaria ‘conhecida’, ‘notória’, ‘revelada’, ‘manifesta’ a sua salvação aos gentios.
Mas, antes que o braço do Senhor (Jesus) fosse manifesto a todos os homens, os judeus estavam atrelados a lei mosaica, encerrados para a fé (fé=Cristo=braço do Senhor=poderosa salvação Lc 1:69 ) que havia de se manifestar.
O apóstolo Paulo, ao falar da fé, assim disse: “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé” ( Rm 16:25 -26).
Observe que a ‘fé’ que foi entregue aos santos ( Jd 1:3 ), é descrita pelo apóstolo dos gentios como:
- Meu evangelho;
- A pregação de Jesus;
- A revelação do mistério que esteve oculto desde tempos eternos;
- Manifestou-se agora;
- Foi notificado pelas escrituras dos profetas;
- É segundo o mandamento de Deus, e;
- Foi revelado a todas as nações para obediência da fé.
Ele demonstra que a pregação de Jesus é a mesma mensagem contida no ‘seu’ evangelho. A pregação de Jesus e o ‘evangelho’ de Paulo referem-se à revelação do mistério que esteve oculto desde os tempos eternos. O que foi ‘notificado’ pelas escrituras e que agora se manifestou é o mesmo que: a) o mistério revelado; b) a pregação de Cristo, e; c) o evangelho de Paulo.
Cristo, o Verbo de Deus, a palavra encarnada manifesta aos homens a seu tempo (plenitude), é o tema da pregação que foi confiada ao apóstolo. A pregação dele é conforme o mandamento de Deus, uma vez que somente é possível obedecer ao mandamento de Deus através da ‘fé’, ou seja, através do evangelho de Cristo, Deus estabeleceu o único modo de o homem cumprir o exigido por Ele: obediência da fé.
Qual o mandamento de Deus? Que os homens creiam naquele que Ele enviou. É por isso que Cristo se manifestou, pois ao crer n’Ele, o homem também crê no Pai que o enviou “E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou” ( Jo 12:44 ). Cristo é a ‘fé’ que havia de se manifestar, o verbo manifesto em carne “Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador” ( Tt 1:3 ).
Portanto, faz-se necessário observar que, na Bíblia, como em qualquer literatura, há o emprego de figuras de linguagem.
O termo ‘fé’, muitas vezes é empregado na condição de figura de linguagem, denominada de Metonímia, sendo utilizado para fazer referência ao conteúdo da mensagem do evangelho. Tal figura de linguagem consiste em substituir um nome (evangelho) por outro (fé) em virtude de haver entre os termos forte associação de significado (fé e evangelho).
Deste modo, não há o que se falar em ‘fé’ versos ‘razão’, ou ‘fé’ versus ‘dúvida’. Ex: A fé que havia de se manifestar (há uma substituição do nome do autor da obra pela obra do autor, pois sabemos que Cristo é o autor e consumador da fé, a fé que havia de se manifestar).
Esta figura de linguagem faz com que um mesmo termo passe a amalgamar significados distintos. Por exemplo, a palavra ‘fé’, dependendo do contexto pode significar ‘acreditar’, ‘confiar’, ‘crer’, ou ‘evangelho’, ‘mensagem’, ‘pregação’, ‘boas novas’, etc.
É por isso que o apóstolo Paulo diz que a justiça de Deus se descobre no evangelho, que é de fé (evangelho) em fé (crença), ou seja: primeiro a mensagem, depois a crença. Sem as garantias contidas na mensagem do evangelho é impossível que a confiança do homem surta qualquer efeito. A mensagem do evangelho expressa a fidelidade de Deus, e sem Ele não há nada firme em que o homem possa crer para salvação.
A crença do homem surte efeito para salvação somente quando repousa nas garantias estabelecidas na mensagem do evangelho ( Rm 10:14 ). Deus prometeu, e Ele é o garantidor da promessa. A promessa, por sua vez é firme, pois Deus é fiel, e poderoso para cumpri-la.
O evangelho é a fé que havia de se manifestar, ou seja, a fé consiste nas boas novas do reino, sendo Cristo o tema central: a palavra de Deus encarnada. Sem a fé manifesta é impossível ao homem ter fé (crer), pois o que torna a crença do homem para a salvação viável é a obra redentora de Cristo.
O evangelho de Cristo não consiste em sabedoria humana que dependa de contínuas dúvidas e descobertas “Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” ( Gl 1:12 ).
Qual revelação? No que consiste a revelação? A manifestação em carne de Cristo Jesus é a revelação da maravilhosa graça redentora ofertada por Deus a todos os homens “Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo” ( 1Pe 1:13 ).
O simples fato de o Verbo de Deus vir em carne ao mundo é a maravilhosa oferta de redenção à humanidade. Ou seja, o Verbo de Deus não veio mudar a realidade física e nem interferir nas relações humanas, antes veio resgatar o que se havia perdido ( Lc 19:10 ).
A essência da filosofia reside na dúvida constante, que faz avolumar inúmeras questões e paradoxos. Se não houver dúvida o homem deixa de filosofar. Mas, com relação ao evangelho, a fé que foi dada aos santos ( Jd 1:3 ), se o homem duvidar não alcançará maior conhecimento, e nem invalidará a promessa de Deus.
Através da filosofia o homem busca desvencilhar-se dos seus paradigmas tendo a crítica e a razão como ferramentas em busca da verdade, do conhecimento real, e através das mesmas ferramentas, a razão e a crítica, o homem estabelece novos paradigmas que possam resistir a sua própria crítica e razão.
Por outro lado, caso o homem creia no evangelho, receberá o prometido segundo a fé manifesta, que é o evangelho, porém, o evangelho não depende da credulidade humana para existir, e nem dela depende para ser firme. A fé do crente é descrita como firme fundamento das coisas que se esperam e das coisas que não se vêem porque tal crença tem o suporte da palavra de Deus, o Verbo encarnado, que é poderosa, fiel e imutável.
A crença do cristão surge da verdade e garantias contidas no evangelho. Crente é aquele que crê em Cristo conforme diz as Escrituras! Qualquer outra crença não é firme, pois não tem o suporte daquele que é imutável e que não pode mentir.
Portanto, a concepção de Johannes, de que é necessário ter fé para duvidar com profundidade é descabida, se considerarmos que, em se falando de cristãos, ‘fé’ diz especificamente da mensagem do evangelho, e não de conjecturas diversas.
A oferta de salvação é a fé manifesta aos perdidos, portanto, ter fé é o mesmo que estar de posse das garantias contidas no evangelho. Por sua vez, crer, acreditar, ou ter fé, é descansar na esperança proposta ( Hb 6:18 ).
Crenças e dúvidas são pertinentes a todos os homens, inclusive aos cristãos. Ambos, cristãos ou incrédulos creem que, se plantarem, colherá segundo o que foi semeado. Ambos creem na lei da sementeira: quem planta vento colhe tempestade, porém, tais crenças não conduzem o homem a Deus.
Por que creem na lei da sementeira? Porque ela não falha! Porque ela não depende da credulidade do homem para ser firme.
Ambos, crentes e não crentes, tem dúvidas quanto a índole dos políticos. Ambos conjugam o verbo ‘será’ e questionam as inúmeras possibilidades que a existência oferece. Ambos têm receio quanto ao que o futuro pode oferecer.
Tais dúvidas somente aumentam as questões filosóficas, mas não se constituem em entrave para o homem chegar aos céus.
A única exigência bíblica para que o homem seja salvo é crer em Cristo como o enviado de Deus, ou seja, a Bíblia não determina que o homem tenha que acreditar que a terra é quadrada, ou que o sol gira em torno da terra, ou que o homem nunca foi a lua. Não! A Bíblia não entra nos méritos de tais questões científicas, pois, em se falando de salvação, não há qualquer importância sobre o que o homem acredita ou não.
Se qualquer homem quiser adotar a tese cartesiana e duvidar de tudo e de todos, assim pode fazê-lo. Quanto a isto não há oposição bíblica. Porém, com relação à salvação, Cristo se revelou como cordeiro entregue em resgate de muitos, e para ser salvo, é necessário crer n’Ele. Esta é a exigência bíblica para salvação.
O maior problema dos filósofos, e neste rol inclui-se os pseudo-cristãos, está em rotular a ‘fé’ cristã como termo antônimo da palavra ‘dúvida’, principalmente porque em algum tempo da história se divulgou que a fé está relacionada com o absurdo: creio porque é absurdo, ou que: a fé se opõe à razão.
Os cristãos, por sua vez, creem na ‘fé’ que uma vez foi dada aos santos porque ela é poder de Deus para os que creem, embora os que se perdem considerem o evangelho loucura, ou seja, a Bíblia nunca recomendou o crente a crer em absurdos, ou que a fé é proveniente do absurdo.
A fé cristã não guarda qualquer relação com a dúvida, como assinalou Johannes, visto que a verdade do evangelho (fé) vem somente pelo ouvir, e o ouvir somente pela palavra de Deus. Somente através da palavra de Deus o homem passa a confiar em Deus, ou seja, a justiça de Deus é de fé (evangelho) em fé (crença) ( Rm 1:16 -17).
Jesus não solicitou aos seus seguidores que cressem em absurdos, como crer que uma moeda viciada, que possui duas coroas, possa dar resultado favorável ao apostador que escolhe cara. Não!
Jesus convida solenemente: “Crede-me que estou no Pai, e o Pai em mim; crede-me, ao menos, por causa das mesmas obras” ( Jo 14:11 ). Crês tu isso? Se creres verá a glória de Deus, mesmo que você seja alguém desconfiado como foi Tomé! “E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?” ( Jo 11:26 ).
É descabido relacionar a fé que Kierkegard descreve com o evangelho de Cristo, a fé que uma vez foi dada aos santos ( Jd 1:3 ). Em se tratando do Evangelho é descabida a afirmação de Kierkegaard de que ‘sem risco não há fé’, ou que a ‘fé é diretamente proporcional ao risco’, pois no evangelho (fé) não há risco, e sim, Deus se interpondo como garantidor da ‘fé’.
Agora, em se tratando de questões filosóficas, é certo que, se há risco é necessário o homem acreditar. Diante de uma dúvida proveniente de questões existenciais, acreditar é proporcional ao risco.
Copérnico, por sua vez, levado por incertezas, após investigar, acreditou que o sol era o centro do sistema solar. Neste sentido ele teve que acreditar (fé), o que é coerente com a visão de Johannes, de que, ‘para ter dúvida aprofundada é necessário ter fé’. Por acreditar (ter fé) no sistema heliocêntrico, a dúvida de Copérnico aprofundou-se em relação ao sistema geocêntrico. Em uma época contrária ao seu posicionamento, Copérnico assumiu o risco da sua crença, e a sua crença tornou-se proporcional ao risco.
Quando Jesus diz ‘que todo aquele que crê nele, mesmo que morra viverá’, ou ‘se vive jamais morrerá’, que risco há em crer em Cristo? ( Jo 11:25 -26). O risco está na morte, e não naquele que oferece vida.