O que é a Igreja?
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“Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade.” (1 Timóteo 3:15).
A expressão “igreja” nos dias de hoje é comumente empregada de forma genérica para referir-se a edifícios ou instituições religiosas. Esse emprego contemporâneo frequentemente obscurece o significado bíblico original da palavra. Neste artigo, vamos explorar duas questões fundamentais: o significado do termo grego “igreja” conforme apresentado na Bíblia e a possibilidade de designar a igreja como uma instituição.
Qual é o significado do termo “igreja”?
A palavra grega “eκκλησία” (transliterada como ekklesia) representava a principal assembleia na democracia ateniense da Grécia Antiga, restrita aos cidadãos do sexo masculino, filhos de pais naturais da pólis (cidade grega), com mais de dezoito anos e dois anos de serviço militar. Essencialmente, o termo “igreja”, utilizado pelos apóstolos, destaca a igualdade entre os cristãos. Independentemente de origem, gênero, status social, todos são considerados filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.
A afirmação em Gálatas 3:26-28 sublinha essa igualdade, proclamando a unidade em Cristo, onde as distinções como judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, perdem sua importância. O termo “igreja” não deve ser espiritualizado, sendo aplicado a diversas assembleias, como exemplificado no ajuntamento em Éfeso (Atos 15:4) e a Israel reunido no deserto (Atos 7:38) após sua chamada do Egito.
“Porquanto, todos vós sois filhos de Deus por meio da fé que tendes em Cristo Jesus, pois todos quantos em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes. Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gálatas 3:26-28).
Contrariamente à interpretação teológica posterior que associa “igreja” a um chamado para sair do pecado, essa visão não reflete a verdade bíblica. A ideia de “chamados para fora”, derivada da junção de ‘chamar’ (καλέω) e ‘fora’ (ἐκ)[1], resta equivocada. Embora os cristãos tenham sido redimidos do reino das trevas para o reino do Filho de Deus, o termo “chamar para fora” não encapsula o significado do termo ‘ekklēsia’.
Esta interpretação simplista é equiparada ao erro de atribuir à palavra em inglês ‘butterfly’ (borboleta) o significado ‘manteiga de moscas’ ou ‘moscas de manteiga’, baseando-se apenas na justaposição das palavras ‘butter’ (manteiga) e ‘fly’ (mosca).
A igreja de Cristo não é uma instituição ou organização
Do ponto de vista bíblico, a Igreja não deve ser concebida como uma simples associação. Comete o mesmo equívoco quem a define como uma instituição orgânica ou divina, abrindo espaço para a introdução de outros erros prejudiciais ao verdadeiro evangelho de Cristo.
A concepção da igreja como o corpo de Cristo ou o templo do Deus vivo é suficiente para descrevê-la. A metáfora da igreja como templo destaca que é o santuário de Deus para os seres humanos, construído com pedras vivas. Cristo é a pedra angular, e cada crente é uma pedra, formando assim uma casa espiritual, não construída por mãos humanas, na qual Deus habita.
O apóstolo Pedro enfatiza essa ideia ao declarar que os crentes, como pedras vivas, são edificados para formar uma casa espiritual, destinados a serem sacerdócio santo, e assim oferecerem sacrifícios espirituais agradáveis a Deus através de Jesus Cristo.
“Também vós mesmos, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5).
Cristo, na qualidade de pedra angular, é o fundamento dos apóstolos e dos profetas, e sobre Ele é edificado o santuário de Deus para habitação de Deus. Esse templo, conforme prometido a Davi, é construído por seu descendente, o Cristo, cumprindo, assim, a promessa feita a Abraão de que todas as famílias da terra seriam abençoadas n’Ele.
A profecia em Isaías 8:13-14 revela que Cristo seria tanto um santuário quanto uma pedra de tropeço, e Isaías 56:7 prevê uma casa de oração para todos os povos.
“Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro. Então ele vos será por santuário; mas servirá de pedra de tropeço, e rocha de escândalo, às duas casas de Israel; por armadilha e laço aos moradores de Jerusalém.” (Isaías 8:13-14);
“… esses eu trarei ao meu santo monte e lhes darei alegria em minha casa de oração. Seus holocaustos e demais sacrifícios serão aceitos em meu altar; pois a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos.” (Isaías 56:7).
Considerar a igreja como uma instituição divina pode levar à perigosa ideia de que uma entidade religiosa seja representante de Deus. Com o tempo, essa instituição, para preservar sua liderança, pode impor costumes, hábitos, tradições e regras comportamentais que não refletem a verdadeira essência da igreja de Cristo.
Compreender o conceito bíblico da igreja como um corpo de pessoas sem distinção alguma entre si, livres da condenação do pecado, portanto, justificada e santificadas em Cristo, proporciona um entendimento profundo do enunciado paulino ao se referir à igreja:
“… igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue.” (Atos 20:28).
A promessa de bem-aventurança feita a Abraão que se cumpre na pessoa de Jesus não teve como objetivo conferir títulos, juntar propriedades ou enriquecer uma instituição. A promessa divina objetiva redimir almas de todas as famílias da terra que estavam espiritualmente mortas no pecado, conferindo-lhes salvação – esperança de vida eterna.
O uso do termo Igreja
É comum distinguir o uso do termo “igreja” quando se refere a uma comunidade local, ou quando se refere a todas as pessoas que creem em Cristo.
Considerando que cada cristão em particular é parte integrante do corpo de Cristo, não é salutar fazer distinção entre igreja local e igreja universal, vez que não há divisão no corpo de Cristo.
Quando Jesus disse a Pedro que edificaria a sua igreja, a proposta era construir um templo a Deus que de fato pudesse ser habitado pelo Altíssimo. A igreja é vitoriosa, e Cristo a cabeça da igreja, o seu corpo.
“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mateus 16:18);
“…Cristo é o cabeça da Igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo” (Efésios 5:23).
Nesse sentido, embora o termo igreja seja utilizado para fazer referência a uma congregação local, deve-se depreender que se trata de pessoas membros do corpo de Cristo.
“…à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos…” (1 Coríntios 1:2);
“E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano.” (Mateus 18:17);
“…saudai igualmente a igreja que se reúne na casa deles.” (Romanos 16:5).
A igreja em Jerusalém ou a igreja em Tiatira são designações referentes às pessoas daquelas cidades que professam o nome de Cristo, portanto, não se tratando de sucursais de uma instituição matriz. O que caracteriza um ajuntamento de pessoas como igreja é a doutrina que os une: o evangelho de Cristo.
Essencialmente, igreja é constituída de pessoas que adoram a Deus em espírito e em verdade, ou seja, através do evangelho de Cristo, portanto, não se vincula a um lugar (monte), ou uma liderança (pessoas).
“Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.” (João 4:21).
A Igreja é o corpo de Cristo
A igreja de Cristo transcende qualquer estrutura institucional e organizacional. É um equívoco pensar que sua essência depende de templos ou lideranças humanas. Essa compreensão é fundamental no evangelho, ilustrada pelo simbolismo do pão da comunhão, que representa a unidade do corpo de Cristo. Este corpo é uno, e assim como há um só pão e, apesar da diversidade de seus membros, cada cristão é participante desse mesmo pão.
“Não é verdade que o cálice da bênção que abençoamos é a comunhão do sangue de Cristo? Acaso o pão que partimos não é nossa participação no Corpo de Cristo? Como há somente um pão, nós, que somos muitos, somos um só corpo, pois todos participamos de um único pão.” (1 Coríntios 10:16-17).
Jesus morreu para salvar pessoas da condenação do pecado, e não estabelecer uma instituição, com CNPJ ou inscrição junto a governos humanos. Deus não tem aliança com instituições humanas que se dizem igreja. Deus habita o homem que obedece a sua palavra, pessoas salvas do domínio do pecado.
A igreja de Cristo não é a soma de todas as organizações religiosas ditas cristãs que existem no mundo. Placa denominacional não se amolda ao conceito bíblico de igreja. Isso não significa que é errado registrar um nome ou adotar uma comunidade para os cristãos se reunirem, desde que fique bem claro que aquela comunidade registrada em um órgão governamental não se trata da igreja de Cristo, e sim, as pessoas que se reúnem em função da mensagem da cruz.
Não importa a denominação, o que importa é crer em Cristo como dizem as Escrituras. É possível identificar um verdadeiro discípulo de Cristo através daquilo que ele professa acerca de Cristo, mas não é possível identificar uma placa denominacional, mesmo que uma profissão de fé tenha sido registrada em cartório.
Jesus somente apresentou um modo de identificar os que são salvos, o que não é possível fazer em se tratando de instituições.
“Não existe árvore boa produzindo mau fruto; nem inversamente, uma árvore má produzindo bom fruto. Pois cada árvore é conhecida pelos seus próprios frutos. Não é possível colher-se figos de espinheiros, nem tampouco, uvas de ervas daninhas. Uma pessoa boa produz do bom tesouro do seu coração o bem, assim como a pessoa má, produz toda a sorte de coisas ruins a partir do mal que está em seu íntimo, pois a boca fala do que está repleto o coração. “ (Lucas 6:43-45).
As pessoas que creem em Cristo são descritas como propriedades de Deus, e por isso é designada “a igreja de Deus” (Atos 20:28; 1 Coríntios 1:2; 10:32; Gálatas 1:13; 1 Timóteo 3:5,15), “igrejas de Cristo” (Romanos 16:16). Como os primogênitos na Antiga Aliança pertenciam a Deus, a igreja é descrita como a “igreja dos primogênitos arrolados nos céus.” (Hebreus 12:23).
A igreja é o corpo de Cristo, por conseguinte, a casa de Deus, o templo do Deus vivo.
“Mas, se tardar, para que saibas como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade.” (1 Timóteo 3:15).
Placas de denominações
A proliferação de denominações que se apresentam como igreja na atualidade é assustadora. A ideia principal de formar um núcleo de pessoas que professam a Cristo como Senhor ao se reunirem deixou de ser a tônica dos templos, e hoje a ideia é ter um grupamento de pessoas que possam ser controladas ao bel prazer de seus líderes.
O objetivo de muitos líderes ao promoverem um ajuntamento de pessoas visa mais um modelo de negócio, do que anunciar as virtudes de Cristo, o que não condiz com a essência da igreja segundo as Escrituras.
“E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita.” (2 Pedro 2:3).
O apóstolo Pedro ao instruir as pessoas que presidiam uma comunidade de cristãos é bem específico quanto ao cuidado que deveriam ter ao presidir um ajuntamento de cristãos:
“Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; Nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho.” (1 Pedro 5:1-3).
É salutar que as pessoas que creem em Cristo se reúnam em um lugar, podendo ser em um lar ou um prédio com destinação específica. Ao se reunir em um local específico haverá custos, e as pessoas devem estar conscientes das despesas envolvidas e que é necessário contribuírem voluntariamente.
Mas, a temática das reuniões jamais deve se pautar na contribuição e a visão ministerial não deve se focar em lucrar. O primordial em uma reunião é o ensino da palavra de Deus, e para isso, a liderança tem que ser uma pessoa apta a ensinar e que conheça o evangelho de Cristo (Tiago 3:1-2).
“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” (2 Timóteo 2:15).
Jesus Cristo e os apóstolos não deixaram um modelo de culto ou ritos estabelecidos a serem seguidos por uma comunidade cristã. Uma reunião em casas não é melhor ou pior que uma reunião em um templo. Reunião é algo simples e não há nada que possa diferenciá-las como melhor ou pior.
O cuidado que todos que se reúnem em uma casa ou templo precisa se centrar em observar se o que está sendo dito e ensinado por quem preside é conforme as Escrituras, ou se o ensinamento não passa de preceitos humanos.
“Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim.” (Atos 17:11).
Uma comunidade não deve se apegar a eventos miraculosos ou testemunhos pessoais, antes deve se balizar única e exclusivamente nas Escrituras. Visões e profecias não devem ser a tônica de uma comunidade cristã sadia, e sim, o testemunho vivo das Escrituras.
“E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações.” (2 Pedro 1:19).
É essencial que um ajuntamento solene de cristãos tenha uma pessoa que seja capacitada a pastorear ou presidir. A escolha dessas pessoas deve seguir o preceituado pelo apóstolo Paulo nas cartas pastorais como as Cartas a Tito e Timóteo, ou seja, ser pastor ou presbítero não é um encargo de autodesignação (1 Timóteo 3:1–15; Atos 20:28; Hebreus 13:17).
As reuniões cristãs não seguem o preceituado ao povo de Israel como nação. A adoração em Israel era algo coletivo, envolvendo dias de festas, práticas no templo, sacrifícios ritualísticos, etc., algo pertinente a uma nação. Por sua vez, em se tratando da igreja, cada membro em particular do corpo de Cristo apresenta sacrifícios de louvor, que é confessar a Cristo como Senhor (Hebreus 13:14).
Todos os elementos do culto fazem parte de cada crente em particular, pois cada cristão é templo, sacerdócio real e está apto a apresentar sacrifício vivo a Deus por intermédio de Cristo.
Ser membro do corpo de Cristo se dá por crer no evangelho de Cristo, e tal condição não advém de uma coletividade de pessoas, e sim, do próprio Cristo. É salutar ao cristão, para estimular o amor, se reunir com outros cristãos para comungarem da palavra (Hebreus 10:24), mas se não dispõe de uma comunidade que fale a palavra de Deus com verdade, que se reúna em família ou com outros que compartilham a mesma visão, desde que seja a visão bíblica.
Um cristão jamais deve deixar a sua salvação na mão de um terceiro, ou seja, de um determinado líder. Cada membro do corpo de Cristo tem que ter cuidado de si mesmo e da doutrina, por isso, deve verificar se o líder do seu ajuntamento segue a doutrina dos apóstolos.
“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.” (1 Timóteo 4:16);
“Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo, não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao Pai como ao Filho.” (2 João 1:9).
A comunhão com o Pai e o Filho se dá por meio do evangelho, e o verdadeiro cristão comunga somente com aqueles que semelhantemente tem o compromisso de obedecer e guardar intocado a verdade do evangelho. Se você perceber que a sua comunidade se desviou da verdade, retire-se, pois se tentar mudá-la, ocorrerá o que aconteceu com o apóstolo João, não será recebido ou até mesmo expulso.
“Tenho escrito à igreja; mas Diótrefes, que procura ter entre eles o primado, não nos recebe.” (3 João 1:9).
[1] “Jesus assevera, em Mateus 16.18: ‘Edificarei a minha igreja’. Esta é a primeira entre mais de cem referências no Novo Testamento que empregam a palavra grega primária para ‘igreja’: ekklêsia, composta com a preposição ek (“fora de”) e o verbo kaleõ (“chamar”). Logo, ekklêsia denotava originalmente um grupo de cidadãos chamados e reunidos, visando um propósito específico. O termo é conhecido desde o século V a.C., nos escritos de Heródoto, Xenofontes, Platão e Eurípedes. Este conceito de ekklêsia prevalecia especialmente na capital, Atenas, onde os líderes políticos eram convocados como assembleia constituinte até quarenta vezes por ano. 1- O uso secular do termo também aparece no Novo Testamento. Em Atos 19.32,41, por exemplo, ekklêsia refere-se à turba enfurecida de cidadãos que se reuniu em Éfeso para protestar contra os efeitos do ministério de Paulo. 2- Na maioria das vezes, porém, o termo tem uma aplicação mais sagrada e refere-se àqueles que Deus tem chamado para fora do pecado e para dentro da comunhão do seu Filho, Jesus Cristo, e que se tornaram “concidadãos dos santos e da família de Deus” (Ef 2.19). Ekklesia é sempre empregada às pessoas e também identifica as reuniões destas para adorar e servir ao Senhor” Horton, Stanley. Teologia Sistemática: Uma Perspectiva Pentecostal. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2023, p.536.