Romanos

Romanos 4 – Abraão não duvidou da promessa de Deus

Enquanto Abraão é uma referência de fé em Deus, o povo de Israel serve como exemplo negativo de incredulidade, que se manifesta em desobediência. Abraão confiou e obedeceu à promessa divina, mesmo quando tudo parecia impossível; já Israel, em muitos momentos, não creu nas promessas de Deus, resultando em desobediência e afastamento. Esse contraste destaca a importância da fé que se traduz em obediência, enquanto a incredulidade leva à rejeição da vontade divina.


Abraão não duvidou da promessa de Deus

“Porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito.” (Marcos 11:23).

Romanos 4 – Promessa firme à posteridade

A lei das obras contrastada com a lei da fé

“Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” (Romanos 3:27).

O debate paulino, especialmente nas cartas aos Romanos e Gálatas, contrapõe as obras da lei às obras da fé, destacando que as primeiras emergem da lei das obras e as últimas da lei da fé.

Em questão estão dois sistemas doutrinários opostos. A lei da fé requer obediência ao evangelho, enquanto a lei das obras, sob o pretexto da Lei Mosaica, impõe mandamentos de homens.

Isso significa que todo mandamento exige obediência, porém, somente através do mandamento da fé a justiça de Deus é imputada aos que creem. Já o mandamento da lei traz o conhecimento do pecado (Romanos 3:20).

A obediência, seja ao evangelho ou aos mandamentos de homens, sempre se manifesta em obras. Porém, Paulo deixa claro que a salvação não vem por obras da lei, mas por obediência a Deus. O profeta Isaías já advertia sobre a superficialidade de uma religião de aparências fundada em obediência a precitos de homens:

“Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído;” (Isaías 29:13);

“E eles vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra; pois lisonjeiam com a sua boca, mas o seu coração segue a sua avareza.” (Ezequiel 33:31);

“Todavia lisonjeavam-no com a boca, e com a língua lhe mentiam.” (Salmos 78:36).

Jesus e os apóstolos evidenciam que somente ao executar a obra de Deus (obedecer) é possível se submeter a Ele:

“Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus? Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6: 28-29);

“Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.” (1 João 3:18);

“Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra.” (Tito 1:16);

“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?” (Tiago 2:14).

Paulo não condena as obras da fé, pois estas são o fruto da obediência ao evangelho, a lei da fé. O termo grego ἔργον (“obra”) tem um valor neutro, podendo ser positivo ou negativo. Se associado a mandamentos de homens, assume um sentido negativo. Se associado à obediência ao evangelho, assume um valor positivo. Paulo demonstra que a perniciosidade está em querer se justificar através da obras da lei imposta por homens que transtornavam a essência da lei das obras.

Vale destacar que a análise do termo “obra” nas Escrituras não se refere às boas ações praticadas pelos cristãos motivadas pela fé em Cristo. Em vez disso, o termo aponta para a obediência da fé, que consiste em crer em Cristo. É a submissão à mensagem do evangelho, que torna os que creem agradáveis a Deus.

Nas epístolas de Paulo, especialmente, vemos que o verdadeiro significado de “obras” não decorre de ações morais ou boas condutas, mas à resposta de fé à revelação de Deus em Cristo. A justificação diante de Deus não é alcançada pelas obras da lei, mas pela obediência da fé, que é obedecer ao chamado de Deus para crer em Seu Filho. Essa obediência da fé, expressa pela aceitação de Cristo, é o que agrada a Deus:

“Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos os que creem.” (Romanos 3:21-22).

Assim, quando Paulo discute as “obras”, ele está contrastando a tentativa de justificar-se pelas obras da lei (cumprimento de mandamentos cerimoniais e rituais) com a obediência da fé, que é crer em Cristo e aceitar a justiça que vem de Deus. A verdadeira “obra” que agrada a Deus é o ato de crer na mensagem do evangelho. Portanto, a questão central das Escrituras em relação às obras não se trata de boas ações em si, mas de um coração obediente, que confiante se rende à justiça oferecida em Cristo.

Após a Reforma Protestante, o termo “obra” passou a ter uma conotação predominantemente negativa, especialmente diante da ideia de que, caso alguém decidisse crer no evangelho por considerá-lo uma “palavra digna de aceitação” (1 Timóteo 1:15; 4:9), isso poderia ser interpretado como mérito pessoal. Para eliminar qualquer possível “mérito” na salvação, surgiu a necessidade de introduzir uma “graça especial” (preveniente), concedida apenas a alguns, que, por serem alcançados por essa dádiva, estariam destinados a crer.

Muitos reformadores, ao lerem o Novo Testamento, em vez de focarem nos problemas específicos da época de Paulo, como a questão dos judaizantes, acabaram amalgamando o conceito de “obras” decorrente da lei mosaica com as práticas católicas medievais, como indulgências, penitências e ações caridosas. Contudo, quando Paulo condena as “obras”, ele se refere especificamente às obras da lei, não às doutrinas ou práticas que surgiram ao longo da história da Igreja.

É fato que ninguém será justificado pelas práticas introduzidas pelo papado na Idade Média, mas o ponto de Paulo ao falar sobre as “obras” não era sobre essas práticas posteriores. Quando ele afirmou que ninguém seria salvo por intermédio das obras, ele especificou que estava se referindo às obras da lei, oriundas do judaísmo, e não a erros doutrinários que surgiram posteriormente na cristandade.

A abordagem paulina não tinha como foco heresias como o pelagianismo, que defendia que o homem poderia se salvar por meio de boas ações. Embora tal ideia seja um equívoco, o combate de Paulo era contra os seguidores do judaísmo, que tentavam buscar justificação por meio da Lei Mosaica. Ao ler as Escrituras e observar o debate apostólico com os judaizantes, percebemos que a salvação só é possível por meio de Cristo, e que nenhuma ação ou convicção humana pode proporcionar salvação.

Embora seja importante combater doutrinas estranhas ao evangelho, como o sistema de indulgências e penitências, associar essas práticas com a crítica que Paulo fez às obras da lei é uma extrapolação que vai além do que os textos bíblicos abordam. Paulo estava lidando com questões relacionadas ao judaísmo, não com práticas religiosas desenvolvidas posteriormente e que se constituem desvios doutrinários.

O conceito de mérito, jactância ou gloriar-se é algo próprio daqueles que se “gloriam da lei” (Romanos 2:23), o que é distinto daqueles que, embora professem seguir a Cristo, negam a eficácia do evangelho ou distorcem doutrinas essenciais para abraçar um outro evangelho com base em indulgências, penitências e ações caridosas. Um exemplo disso é o caso de Himeneu e Fileto, que perverteram a fé (verdade do evangelho) ao afirmar que a ressurreição já havia ocorrido:

“E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto; Os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns.” ( 2 Timóteo 2:17-18).

A doutrina católica das indulgências, penitências e boas ações é uma perversão da verdade do evangelho, mas não deve ser confundida com a doutrina judaica que buscava a justiça divina por meio das obras da lei. Outras distorções da fé surgiram ao longo da história da igreja, como a negação da encarnação de Cristo, da ressurreição dos mortos ou da crucificação de Jesus, entre outras.

Dividir corretamente entre a lei das obras e a lei da fé é fundamental, pois, em certos círculos da teologia protestante, surgiu a impressão de que o simples ato de crer, baseado no valor intrínseco do evangelho como digno de aceitação — onde o mérito está na mensagem e não na decisão humana de crer —, poderia ainda assim ser interpretado como um ato meritório.  Contudo, Paulo argumenta que a lei da fé, que propõe ao homem tornar-se servo de Cristo, exclui qualquer possibilidade de jactância. Jesus ensina:

“Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas.” (Mateus 11:29).

Que jactância pode haver em alguém que se torna servo? Quando os judeus perguntaram a Jesus o que deveriam fazer para realizar a obra de Deus, na verdade estavam perguntando como se tornar servos de Deus. A resposta de Jesus deixa claro que deveriam obedecer crendo em Cristo:

“A obra de Deus é esta: que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29).

Esse ato de crer exclui qualquer mérito ou jactância, diferentemente da lei das obras, que promove a autossuficiência.

“Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” (Romanos 3:27).

Embora o termo “mérito” seja amplamente utilizado na teologia reformada, Paulo não faz uso dessa palavra. Ele emprega os termos gloriar-se (καύχημα) ou jactar-se (καύχησις), remetendo a passagens do Antigo Testamento:

“O justo se alegrará no SENHOR, e confiará nele, e todos os retos de coração se gloriarão.” (Salmos 64:10);

“Até quando proferirão, e falarão coisas duras, e se gloriarão todos os que praticam a iniquidade?” (Salmos 94:4);

“Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas, mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o SENHOR, que faço beneficência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR.” (Jeremias 9:23-24).

A teologia reformada, no entanto, vinculou gloriar-se e jactar-se à ideia de mérito por parte do indivíduo, mas as Escrituras não fazem essa associação. Os justos podem se gloriar ou jactar em várias questões, como descrito por Paulo, e o conceito de mérito é ausente:

“Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.” (Gálatas 6:14);

“Retendo a palavra da vida, para que no dia de Cristo possa gloriar-me de não ter corrido nem trabalhado em vão.” (Filipenses 2:16);

“Se convém gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza.” (2 Coríntios 11:30);

“Porque não nos recomendamos outra vez a vós; mas damo-vos ocasião de vos gloriardes de nós, para que tenhais que responder aos que se gloriam na aparência e não no coração.” (2 Coríntios 5:12).

Em suma, Paulo argumenta que a salvação e a justificação diante de Deus não podem ser alcançadas pelas obras da lei, ou seja, pelas observâncias externas dos mandamentos e rituais da Lei Mosaica. Ele explica que, embora a lei seja santa e justa, ela não possui o poder de salvar o ser humano, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Romanos 3:23). Na perspectiva paulina, a função da lei é revelar o pecado, mas ela não tem a capacidade de remover o pecado ou de conferir a justiça divina. Diante disso, percebe-se que os erros doutrinários surgidos posteriormente não encontram respaldo nas observações de Paulo, e que o uso subsequente do termo “obras” não corresponde ao ensinamento do apóstolo.

Paulo, em contraste, afirma que a justificação vem pela fé, ou seja, pela confiança no evangelho, especificamente pela fé em Cristo, a manifestação plena dessa fé. Ele argumenta que, assim como Abraão foi justificado ao crer na palavra de Deus muito antes da lei ser instituída, todos os que creem em Cristo são igualmente justificados, independentemente das obras da lei (Romanos 3:28). Nesse contexto, a fé não se limita a uma crença intelectual, mas envolve uma confiança profunda na fidelidade de Deus, que entregou seu único Filho. Como resultado dessa fé, Deus cria um novo homem, visto que o crente obedeceu à verdade do evangelho, o qual é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.

As obras da lei referem-se às práticas prescritas na Lei de Moisés, incluindo a circuncisão, observância dos sábados, e outras obrigações cerimoniais e morais. Essas obras, segundo Paulo, não podem justificar, porque a lei exige perfeição, e nenhum ser humano é capaz de cumpri-la integralmente (Gálatas 3:10).

As obras da fé, por outro lado, referem-se à plena confiança em Cristo. Paulo não se preocupa com a tentativa de autossalvação por boas ações, mas com a prática dos judaizantes de impor aspectos da lei como requisitos para a justificação. Ele ensina que as “obras da fé” decorrem da lei da fé, sendo a fé uma expressão da fidelidade de Deus. Os que pertencem (são) às “obras da lei” (os judeus) estão, portanto, sob maldição, o que não se relaciona com a ideia de mérito humano; enquanto isso, aqueles que pertencem (sã0) ás “obras da fé” alcançam a justiça de Deus, que está em Cristo Jesus.

 

A justiça de Deus sem as obras da lei

6 Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem Deus imputa a justiça sem as obras, dizendo: 7 Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos. 8 Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado.

O apóstolo Paulo recorre ao salmista Davi para reforçar a ideia da bem-aventurança que resulta do perdão divino, sem qualquer menção às obras da lei. Mesmo na presença da lei mosaica, Davi enfatiza que Deus perdoa as transgressões e não imputa pecado, sem fazer referência às exigências da lei. Dessa forma, a justificação não é conquistada pelas obras da lei, mas pela graça divina:

“BEM-AVENTURADO aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano.” (Salmo 32:1-2).

Ao ler esses versos do Salmo 32, é necessário considerar o paralelismo sintético, uma técnica poética hebraica na qual a segunda linha complementa ou desenvolve a ideia da primeira. Assim, a “transgressão perdoada” é equivalente ao “pecado coberto”. A transgressão perdoada é uma linguagem simples, comum ao evangelismo, enquanto a “cobertura” do pecado envolve uma linguagem teológica, demonstrando que a justiça de Deus precisa ser satisfeita para a justificação ser concedida. A cobertura implica que Deus providencia a “vestimenta” adequada, um símbolo da justiça divina.

As maldades, de acordo com a profecia de Miquéias 7:19, são perdoadas por Deus e não levadas em conta. Porém, os pecados precisam ser cobertos com as vestes de justiça, como Isaías 59:6 descreve. Para ser perdoado e receber essas vestes, o homem precisa passar pela morte e ressurreição, tornando-se uma nova criatura, isenta de pecado, não mais sob a imputação do pecado, mas sob a declaração de justiça e a reconciliação com Deus como servo fiel.

“As suas teias não prestam para vestes nem se poderão cobrir com as suas obras; as suas obras são obras de iniquidade, e obra de violência há nas suas mãos.” (Isaías 59:6).

Davi, portanto, destaca que a salvação é um favor concedido por Deus, não algo que pode ser alcançado pelas obras segundo mandamentos de homens. Isso significa que a justificação, segundo a graça, jamais pode ser adquirida pelas obras da lei.

A “maldade”, nesse contexto, refere-se ao fruto que a árvore má produz — a natureza má daqueles que não foram plantados por Deus (Mateus 15:13). O fruto da árvore má é naturalmente mau, e assim, o homem mau não pode falar coisas boas:

“Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.” (Mateus 12:34).

O homem mau, cuja natureza permanece na impiedade, pode, de fato, realizar boas ações do ponto de vista humano, mas ele não consegue produzir o “bom fruto” exigido por Deus — a boa confissão de fé. Reconhecer Cristo como Senhor é, na verdade, a obra da fé que Deus requer, e é o único caminho pelo qual o homem pode se tornar servo de Deus. Embora boas ações possam ser vistas em um homem mau, sem a transformação do coração pela fé, ele é incapaz de professar Cristo de maneira verdadeira e genuína.

“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?” (Mateus 7:11);

“Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” (Romanos 10:9).

O bom fruto que Deus espera do ser humano não é comportamento externo segundo a moral humana, e sim a confissão de Cristo como Senhor, que é a marca da fé (evangelho) genuína. Como Jesus disse:

“Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?” (Mateus 7:16).

Aqui, Jesus destaca que o fruto, que é a confissão de Cristo como Senhor, reflete a condição do coração. Um coração não transformado, mesmo que o indivíduo pratique boas obras, não pode produzir o fruto que agrada a Deus. Apenas aquele que é transformado pela fé em Cristo pode reconhecer Sua soberania e tornar-se um servo fiel de Deus.

“Portanto, ofereçamos sempre por ele a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome.” (Hebreus 13:15).

O “pecado”, por sua vez, refere-se à natureza pecaminosa herdada de Adão. Conforme o Salmo 51:5, todos os homens nascidos segundo a carne são formados em iniquidade e concebidos em pecado, como árvores que não foram plantadas por Deus. Para que a justiça divina seja satisfeita, essas árvores devem ser arrancadas. Sem a morte para o pecado, não há justificação, e essa justificação só ocorre após a ressurreição como nova criatura com Cristo:

“Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, e cujos pecados são cobertos.” (Romanos 4:7).

Somente após o encontro com a cruz de Cristo, sendo sepultado com Ele, é que o pecado, ou seja, a herança em Adão, é “esquecido” e “coberto”. Através da morte e ressurreição com Cristo, o homem é transformado, liberto de sua natureza pecaminosa e declarado justo diante de Deus.

 

Em Cristo não há diferença entre gentios e judeus

9 Vem, pois, esta bem-aventurança sobre a circuncisão somente, ou também sobre a incircuncisão? Porque dizemos que a fé foi imputada como justiça a Abraão.

Essa bem-aventurança de ter os pecados encobertos e as maldades perdoadas era exclusiva dos judeus? O apóstolo Paulo faz essa pergunta para seus leitores convertidos do judaísmo, cuja resposta seria “não”. Essa bem-aventurança não era restrita aos judeus, mas também alcançava os gentios, como evidencia a promessa feita a Abraão, que tinha por alvo todas as famílias da terra:

“… e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:3).

Se os cristãos de origem judaica sustentassem que a bem-aventurança era exclusiva dos judeus, estariam sugerindo que Deus faz acepção de pessoas, contrariando as Escrituras. A fé imputada como justiça a Abraão demonstra que a justificação não decorre de laços consanguíneos ou das obras da lei, mas da promessa de Deus. O evangelho anunciado a Abraão prenunciava a salvação que viria a todas as nações, não apenas aos judeus. Se é dito nas Escrituras que o ato de Abraão foi imputado como justiça a Abraão, qualquer que igualmente crê na palavra de Deus será igualmente justificado.

A passagem bíblica citada pelo apóstolo Paulo aos cristãos é essa:

“Disse mais Abrão: Eis que não me tens dado filhos, e eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro. E eis que veio a palavra do SENHOR a ele dizendo: Este não será o teu herdeiro; mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro. Então o levou fora, e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência. E creu ele no SENHOR, e imputou-lhe isto por justiça.” (Gênesis 15:3-6).

E essas são as leituras que o apóstolo Paulo faz de Gênesis 15, versos 3 a 5:

“Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé? Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.” (Gálatas 3:5-8);

“Pois, que diz a Escritura? Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.” (Romanos 4:3-5).

Ao contrapor a obra de Abraão com o pensamento dos judaizantes, que afirmavam crer em Deus, Tiago faz referência ao momento em que a palavra do Senhor foi cumprida. Embora Deus tenha anunciado a Abraão, antes mesmo do nascimento de Isaque, que ele havia sido justificado pela fé, o cumprimento pleno dessa promessa se deu quando Abraão, em obediência à ordem divina, não hesitou em oferecer Isaque em holocausto. A fé de Abraão, manifestada inicialmente pela crença na promessa, foi consumada pela sua disposição em sacrificar o filho prometido. Esse ato demonstrou que a fé de Abraão não era tão somente de boca ou de língua, mas por obra e em verdade, traduzida em obediência incondicional à vontade de Deus.

“Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus.” (Tiago 2:21-23);

“Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.” (1 João 3:18);

“E disse: Por mim mesmo jurei, diz o SENHOR: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho, Que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.” (Gênesis 22:16-18).

Tiago demonstra grande perspicácia ao destacar que o descrito em Gênesis 15, onde Deus declara a justificação de Abraão porque ele creu, só encontra seu cumprimento pleno em Gênesis 22, quando Abraão, em obediência à voz de Deus, está disposto a sacrificar seu filho Isaque. Essa obediência não apenas confirma que Abraão de fato cria em Deus, mas também leva Deus a ratificar Sua promessa com um juramento por si mesmo.

A promessa feita em Gênesis 15, de que a fé de Abraão seria imputada como justiça, se materializa no ato de sua obediência em Gênesis 22. Tiago, portanto, evidencia que as obras de Abraão foram a manifestação visível de sua crença e, por meio delas, a promessa de Deus foi confirmada de forma definitiva, sendo Deus o próprio fiador dessa promessa. Esse ato de juramento sublinha a firmeza da aliança de Deus com Abraão, estabelecendo um modelo de fé que une crença e obediência incondicional à vontade divina.

Tiago observava com clareza a incoerência dos judaizantes que afirmavam crer em Deus, mas não demonstravam essa fé pela obediência ao mandamento essencial do evangelho, que é crer em Cristo. Embora alegassem ter fé, falhavam em seguir o mandamento de Cristo, que é central à nova aliança. Jesus já havia alertado seus discípulos sobre essa questão, dizendo: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim.” (João 14:1). Nesse versículo, Jesus chama seus seguidores a uma fé plena e unificada, tanto em Deus quanto em si próprio, reconhecendo sua divindade e o papel fundamental de sua missão redentora.

Os judaizantes, por outro lado, ainda que afirmassem crer em Deus, recusavam-se a crer em Cristo como o Filho de Deus e o Messias prometido. Eles mantinham uma fé baseada na tradição e nas obras da lei, mas não reconheciam que a verdadeira fé se cumpria na crença em Jesus como o mediador da nova aliança. Tiago, ao contrastar a fé viva com a fé morta, destaca que a fé sem obras — nesse caso, a obediência ao evangelho de Cristo — é vazia e incapaz de trazer a justificação que Deus exige. Para Tiago, não bastava crer em Deus de forma abstrata; era necessário crer em Cristo, o cumprimento das promessas divinas, como evidência de uma fé autêntica.

Dessa forma, a observação de Tiago confronta diretamente a postura dos judaizantes, enfatizando que, sem crer em Cristo, sua fé em Deus era incompleta e sem efeito para a justificação. A verdadeira fé, segundo o evangelho, é aquela que une crença em Deus e em Cristo, sendo essa crença a obra que demonstra essa submissão ao senhorio de Cristo.

Seria impossível para Abraão crer em Deus se a palavra da promessa não lhe tivesse sido anunciada. Foi essa palavra, vinda diretamente de Deus, que serviu como o fundamento da fé de Abraão. A promessa de que ele seria pai de uma grande nação e de que, por meio de sua descendência, todas as famílias da terra seriam abençoadas, foi o pilar sobre o qual sua fé se firmou:

“Então o levou fora, e disse: Olha agora para os céus, e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: Assim será a tua descendência.” (Gênesis 15:5).

Desde o momento em que Abraão deixou sua parentela, a palavra de Deus foi se confirmando continuamente em sua vida, revelando o poder, a fidelidade e a imutabilidade de Deus. Cada promessa que Deus fez a Abraão foi sendo ratificada ao longo do tempo, de modo que, quando Deus lhe pediu o sacrifício de Isaque, Abraão já tinha plena convicção da fidelidade divina. A fidelidade de Deus era tão evidente para Abraão que ele foi capaz de confiar que, mesmo diante de uma situação aparentemente sem saída, Deus cumpriria Sua promessa, até mesmo ressuscitando Isaque, se necessário (Hebreus 11:19).

Em contraste, vemos o exemplo de outros em Israel que também receberam promessas pessoais, como Saul, o primeiro rei de Israel. Deus manifestou Sua fidelidade a Saul, escolhendo-o e ungindo-o como rei, e demonstrando Seu poder por meio de vitórias militares. No entanto, quando chegou o momento crucial de Saul obedecer à ordem de Deus de exterminar completamente os amalequitas, ele desobedeceu. Apesar de ter experimentado a fidelidade de Deus anteriormente, Saul não confiou plenamente nem seguiu as instruções divinas. Como resultado, a boa palavra que lhe fora anunciada, de que ele e sua descendência reinariam sobre Israel, foi retirada.

O exemplo de Saul ilustra que, embora a fidelidade de Deus seja constante, a resposta humana em fé e obediência é fundamental. A desobediência de Saul demonstrou uma falha em reconhecer e honrar a soberania e a palavra de Deus, levando à perda da promessa que lhe fora dada (1 Samuel 2:30; 15:11). Isso contrasta fortemente com Abraão, cuja fé o levou a obedecer mesmo em meio ao maior teste de sua vida, e por isso foi abençoado de forma extraordinária. A história de Saul serve como um alerta sobre a importância da obediência fiel à palavra de Deus, mesmo quando ela parece desafiadora.

Essa palavra não apenas revelou o plano de Deus para Abraão, mas também foi o catalisador que permitiu que sua fé crescesse e se manifestasse em obediência. Sem essa promessa, Abraão não teria base para crer, pois a fé bíblica vem pelo ouvir a palavra de Deus (Romanos 10:17). A fé de Abraão não surgiu de suas circunstâncias ou de seu próprio entendimento, mas da confiança na promessa que lhe foi dada diretamente pelo Senhor.

A partir dessa promessa, Abraão foi capaz de agir em fé, mesmo diante de desafios aparentemente impossíveis, como o sacrifício de Isaque, porque acreditava que Deus era fiel para cumprir o que prometera, inclusive ressuscitar Isaque dos mortos, se necessário. A fé de Abraão, portanto, é um modelo de confiança absoluta em Deus, fundada em Sua palavra e cumprida em obediência.

Se Abraão tivesse decidido, por iniciativa própria, sair do seio de sua família em busca de novas oportunidades, ou se tivesse resolvido realizar um sacrifício por conta própria, sob o pretexto de adorar a Deus, oferecendo algo que lhe fosse caro, isso não seria fé genuína, mas uma forma de crendice. A fé verdadeira, conforme o testemunho bíblico, não é baseada em impulsos pessoais ou na tentativa de agradar a Deus por méritos próprios, mas em uma resposta obediente à palavra e direção de Deus.

A fé de Abraão foi autêntica porque estava ancorada na promessa específica de Deus. Sua partida da terra natal, por exemplo, ocorreu em resposta direta ao chamado divino:

“Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gênesis 12:1).

Da mesma forma, quando Abraão ofereceu Isaque, ele não fez isso espontaneamente ou segundo sua própria vontade, mas porque Deus ordenou tal ato. A fé verdadeira implica obedecer àquilo que Deus revelou e confiar em Seu plano, ainda que não se compreenda completamente os propósitos no momento. Se Abraão tivesse agido de acordo com seus próprios planos ou sacrifícios pessoais, isso seria apenas uma tentativa humana de agradar a Deus, desprovida da confiança e submissão ao que Deus de fato pediu.

A distinção entre fé e crendice está exatamente na origem e na motivação: a fé é fruto da confiança nas promessas de Deus e na Sua palavra, enquanto a crendice surge de iniciativas humanas, sem o respaldo do que Deus ordenou. No caso de Abraão, sua fé foi demonstrada pelo fato de ele ter ouvido e seguido a voz de Deus, e não pelos seus próprios entendimentos ou tentativas de alcançar favor divino por meio de ações autoimpostas.

Isso demonstra que, sem a pregação da fé (a palavra de Deus), é impossível conhecer a vontade de Deus e obedecê-la. Foi por meio da palavra anunciada a Abraão — a promessa de que sua descendência seria numerosa e de que, em seu descendente, todas as famílias da terra seriam abençoadas — que Abraão se fortaleceu na fé. Ele confiou inteiramente na promessa divina, e essa confiança o sustentou mesmo diante da prova extrema de oferecer o seu filho Isaque em sacrifício.

Ao obedecer à ordem de Deus, Abraão não hesitou, pois acreditava firmemente que Deus tinha o poder de ressuscitar Isaque dos mortos, se necessário. Essa confiança extraordinária revela a profundidade de sua fé, uma fé que não se limitava às circunstâncias visíveis, mas que estava enraizada na certeza de que Deus é fiel para cumprir Suas promessas, ainda que pareçam humanamente impossíveis.

A pregação da fé foi, portanto, o fundamento sobre o qual Abraão construiu sua vida de obediência a Deus. Sem essa palavra, Abraão não teria conhecido o propósito divino nem a direção para seguir. A fé de Abraão não foi cega, mas uma resposta à palavra revelada de Deus, que o fortaleceu a tal ponto que ele considerou o sacrifício de Isaque não como uma perda, mas como uma oportunidade de testemunhar o poder e a fidelidade de Deus, mesmo sobre a morte.

“O qual, em esperança, creu contra a esperança, tanto que ele tornou-se pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência.” (v. 15);

“Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar;” (Hebreus 11:18).

O evangelho ter sido anunciado primeiramente a Abraão possibilitou que ele acreditasse que, no futuro, Deus enviaria o Seu descendente prometido. Dessa forma, o evangelho proclamado a Abraão é, de fato, a mensagem da fé. O ato de Abraão crer nessa promessa foi a expressão de sua obediência à fé, e essa obediência foi considerada como a obra de Deus realizada em sua vida. Ao crer, Abraão se fez servo de Deus, pois se submeteu à palavra da promessa com plena confiança, e sua fé foi imputada a ele como justiça.

Esse ato de crer de Abraão, que lhe foi imputado como justiça, é apresentado em Romanos 4:9, onde o apóstolo Paulo usa o termo substantivado πίστις (fé). Aqui, Paulo destaca o “crer” de Abraão como uma fé singular, promovida pela promessa específica que Deus lhe fez. Esse ato de fé de Abraão é distinto da fé que se refere à pregação da palavra de Deus, que é comum a todos os cristãos. A fé de Abraão era uma resposta direta à promessa que Deus lhe fez pessoalmente, e por isso foi considerada como justiça, enquanto a fé dos cristãos, embora seja baseada na mesma confiança em Deus, se refere à aceitação e crença no evangelho de Cristo, que é comum a todos os que o recebem.

Assim, a fé de Abraão, promovida pela promessa de Deus, o coloca como um exemplo de obediência da fé — uma obediência que não foi baseada em obras da lei, mas na confiança plena no que Deus prometera. Essa distinção é essencial para compreender a diferença entre a fé específica de Abraão e a fé comum compartilhada por todos os cristãos na nova aliança.

“Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça.” (Romanos 4:5);

“Trazendo à memória a fé não fingida que em ti há, a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também habita em ti.” (1 Timóteo 1:5).

 

A condição de Abraão antes de ser declarado justo

10 Como lhe foi, pois, imputada? Estando na circuncisão ou na incircuncisão? Não na circuncisão, mas na incircuncisão.

A condição de Abraão quando lhe foi imputada a justiça era a de um incircunciso; portanto, ele era, em essência, um gentio. Naquele momento, Abraão ainda não havia recebido o sinal da circuncisão, o qual sua descendência deveria observar (Gênesis 17:10-11).

A promessa de Deus foi dada a Abraão em sua condição de incircunciso, e ele, por sua vez, obedeceu ainda na incircuncisão. Aliás, ele ainda era chamado Abrão quando creu na palavra de Deus (Gênesis 12:1-5; 15:6).

Homens como Abel, Noé, Jó, Melquisedeque, Enoque e outros foram considerados justos diante de Deus mesmo na incircuncisão, evidenciando que o sinal da circuncisão não é causa de justiça, mas um preceito que os descendentes de Abraão deveriam guardar (Hebreus 11:4-7).

Paulo sublinha a condição de Abraão de maneira incisiva, propondo duas perguntas a seus interlocutores para que reconhecessem que Abraão foi justificado enquanto incircunciso (Romanos 4:10-11). Isso ressalta a verdade fundamental de que a justiça de Deus não está vinculada à observância de rituais externos ou à pertença étnica, mas é concedida a todos que creem na palavra de Deus, independentemente de qualquer distinção que o ser humano estabeleça sob o pretexto de uma lei.

 

11 E recebeu o sinal da circuncisão, selo da justiça da fé, quando estava na incircuncisão, para que fosse pai de todos os que creem, estando eles também na incircuncisão; a fim de que também a justiça lhes seja imputada;

Paulo destaca que Abraão recebeu o sinal da circuncisão como um selo da justiça da fé que lhe foi imputada por crer na palavra de Deus. Esse sinal foi dado enquanto ele ainda estava incircunciso, indicando que Abraão seria o pai de todos, tanto incircuncisos quanto circuncisos, que creem em Deus através de Sua palavra.

Abraão é, portanto, pai tanto de gentios quanto de judeus que compartilham da mesma fé que ele teve em Deus. Embora os judeus considerassem Abraão seu pai e acreditassem que a filiação divina se devia à descendência, Paulo mostra que é a obediência à palavra de Deus que une Deus aos seus filhos.

Deus não faz acepção de pessoas. Ele justificou Abraão porque creu na promessa divina, e justifica todos que se achegam a Ele com fé na Sua palavra.

Assim, Abraão tornou-se o “pai de todos os que creem” antes mesmo de ser circuncidado, demonstrando que a promessa de Deus a ele se estende tanto a circuncisos quanto a incircuncisos. O selo da justiça da fé, simbolizado pela circuncisão, foi instituído enquanto Abraão ainda era incircunciso, para que a justiça de Deus pudesse igualmente ser imputada aos gentios. Dessa forma, Abraão é apresentado como pai de todos, judeus e gentios, que igualmente creem na palavra de Deus.

A justiça da fé refere-se à justiça que emana da própria palavra de Deus, caracterizada por verdade, justiça e fidelidade. Em essência, a justiça da fé origina-se da palavra divina e exige, da parte humana, uma resposta de “confiança”. A “fé”, dependendo do contexto, pode referir-se tanto à própria palavra de Deus quanto ao ato de submissão do homem ao que Deus declara, o que, em sua essência, representa obediência à palavra divina.

 

12 E fosse pai da circuncisão, daqueles que não somente são da circuncisão, mas que também andam nas pisadas daquela fé que teve nosso pai Abraão, que tivera na incircuncisão.

Abraão estava ainda na incircuncisão quando recebeu a promessa de que sua descendência seria incontável como as estrelas do céu (Gênesis 15:4-5). Dessa forma, ele se tornou pai tanto dos que estão na incircuncisão quanto dos que estão na circuncisão — não meramente dos circuncidados na carne, mas daqueles que seguem os passos de Abraão. E como andar nas pisadas de Abraão? Demonstrando a mesma confiança (fé) que ele teve ao ouvir a promessa de Deus enquanto ainda era incircunciso. Perceba que Abraão não é pai dos que apenas receberam a circuncisão física, mas sim dos que seguem o exemplo de sua fé.

A tradução católica apresenta uma versão que expressa essa ideia com mais clareza:

“E assim se tornou o pai de todos os incircuncisos que creem, a fim de que também a estes seja imputada a justiça. Pai também dos circuncisos, que não só trazem o sinal, mas que acompanham as pegadas da fé que nosso pai Abraão possuía antes de ser circuncidado.” (v. 11 e 12).

O termo “fé” neste versículo refere-se ao ato de Abraão confiar na palavra de Deus, como já havia sido destacado pelo apóstolo (Romanos 4:5). Diferente de outros contextos, onde o termo pode referir-se ao evangelho, ao querigma, à mensagem ou à própria palavra de Deus, aqui “fé” está especificamente ligada à confiança ativa de Abraão em relação à promessa divina.

“Mas aquele que sem obra alguma crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada em conta de justiça.” (v. 5).

A narrativa bíblica relata que Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Esse evento é de extrema importância para compreender como se alcança a justiça divina, pois o ato de crer na promessa de Deus foi tão marcante que passou a ser substantivado como “a fé de Abraão”, ou “a fé que teve Abraão”.

 

A promessa decorrente da justiça da fé

13 Porque a promessa de que havia de ser herdeiro do mundo não foi feita pela lei a Abraão, ou à sua posteridade, mas pela justiça da fé.

A promessa de Deus a Abraão assegurava que, em seu descendente, todas as famílias da terra seriam abençoadas (Gênesis 12:3). Posteriormente, quando Abraão ainda não tinha herdeiro, Deus lhe declarou que sua descendência seria tão numerosa quanto as estrelas do céu e que herdariam toda a terra, desde o rio do Egito até o rio Eufrates (Gênesis 15:5, 18). Essas promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência antes da existência da lei de Moisés. O que foi estabelecido era a promessa de Deus, que não dependia de obras, como posteriormente exigiria a lei, mas apenas um exercício de fé por parte de Abraão.

Outro aspecto que Paulo destaca é que a promessa feita a Abraão, de que ele seria herdeiro do mundo, não se refere especificamente à pessoa de Abraão, mas aponta para sua descendência, que é Cristo.

“Logo, para que é a lei? Foi ordenada por causa das transgressões, até que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita; e foi posta pelos anjos na mão de um medianeiro.” (Gálatas 3:19);

“E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão, e herdeiros conforme a promessa.” (Gálatas 3:29).

Há uma diferença fundamental entre a “justiça da fé” e a “lei da justiça”. A “lei da justiça” tornou-se um obstáculo para os filhos de Israel, enquanto a “justiça da fé” não traz confusão nem vergonha.

A justiça de Deus sempre foi alcançada nos seguintes termos:

“Como está escrito: Eis que eu ponho em Sião uma pedra de tropeço, e uma rocha de escândalo; E todo aquele que crer nela não será confundido.” (Romanos 9:33).

A “lei da justiça” exige uma justiça própria, fundamentada em obras, que se contrapõe e rivaliza com a “justiça da fé”.

“Mas Israel, que buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça.” (Romanos 9:31);

“E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé;” (Filipenses 3:9).

 

14 Porque, se os que são da lei são herdeiros, logo a fé é vã e a promessa é aniquilada. 15 Porque a lei opera a ira. Porque onde não há lei também não há transgressão.

Nos versículos 14 e 15, Paulo apresenta argumentos que mostram que a promessa feita a Abraão não depende da lei.

Primeiramente, se os judeus — aqueles que estão sob a lei — fossem os herdeiros da promessa, crer na palavra de Deus seria inútil, e a promessa perderia seu valor. Se a promessa estivesse vinculada à lei, então a justificação não viria pela fé em Deus, e a própria promessa feita a Abraão seria inexistente, uma vez que foi dada antes da circuncisão e da instituição da lei.

Diferente da promessa, a lei provoca ira, pois os transgressores não podem subsistir diante dela. A lei traz consigo uma maldição sobre aqueles que a violam, declarando réu de juízo qualquer um que não a cumpre (Mateus 5:21).

Enquanto os judaizantes defendiam que seriam declarados justos diante de Deus por possuírem a lei, Paulo esclarece que a função da lei é, na verdade, revelar que todos são transgressores. A lei foi instituída por causa das transgressões e feita para os pecadores (1 Timóteo 1:9; Gálatas 3:19), sendo insuficiente para alcançar a justiça divina que vem pela fé na palavra de Deus.

 

16 Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós,

Nos argumentos de Paulo sobre a justificação pela fé, desde o início até o versículo 15, ele chega a uma conclusão no versículo 16: “Portanto, é pela fé…”. Nesta conclusão, Paulo apresenta o propósito da justificação ser alcançada apenas pela fé na promessa, e não pelas obras da lei:

1. A justificação é pela fé, para que seja segundo a graça: Se fosse possível aos homens serem justificados pelas obras da lei, a justificação se tornaria:

– Uma dívida de Deus para com os homens (Romanos 4:4), o que é inadmissível; e
– Impossível de ser alcançada, pois a natureza da lei difere da natureza humana, sendo impossível cumpri-la integralmente (Romanos 7:14).

2. A justificação é pela fé para que a promessa seja firme para toda a descendência de Abraão: Quando as Escrituras afirmam que a promessa é firme para toda a descendência, incluem todos os que creem, tanto judeus quanto gentios (Gênesis 12:3). A promessa é para todos que possuem a mesma fé que teve Abraão, que é pai de todos os que creem em Deus.

3. A justificação é pela fé em Deus por causa de Sua fidelidade: Deus prometeu bênção a todas as famílias da terra, não fazendo acepção de pessoas. Assim, todos que compartilham da fé de Abraão (judeus e gentios) são justificados. Como a Escritura testemunha que Deus justificou Abraão pela fé, todos os que têm fé em Deus, por meio de Jesus, também são justificados.

Em resumo, Paulo mostra que a justificação é pela fé para que dependa inteiramente da graça de Deus, seja acessível a todos que creem, e reflita a fidelidade de Deus em Sua promessa de salvação para toda a humanidade.

A promessa de Deus é firme porque se fundamenta em Seu poder, fidelidade e imutabilidade. A promessa foi assegurada a Abraão independentemente de qualquer ação da parte dele; mesmo antes de sair do meio de sua parentela, Deus já havia estabelecido a promessa (Gênesis 12:2-3).

Primeiro veio a promessa de Deus, e só então Abraão deixou sua parentela. Isso mostra que não há como ter fé sem que antes exista uma promessa. Deus prometeu a Abraão uma descendência incontável, como as estrelas do céu, e, apesar da esterilidade de sua esposa, Abraão creu. A fé, portanto, só é possível após a promessa (Gênesis 15:6).

A justificação é pela fé porque se baseia no poder de Deus (o Evangelho); somente Deus tem o poder para justificar o homem (Marcos 2:10). Embora muitos vejam a justificação como um ato judicial de Deus, a Bíblia revela que ela é também um ato de poder. Como Jesus demonstrou ao curar o paralítico:

“Ora, para que saibais que o Filho do homem tem poder para perdoar pecados (disse ao paralítico): A ti te digo: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa.” (Marcos 2:10-11).

Assim, a justificação pela fé não é apenas uma declaração, mas uma obra poderosa de Deus, realizada em resposta à Sua promessa e à fé que ela suscita.

 

Crer em Deus é superior a esperança

17 (Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem.

Paulo esclarece que a designação de Abraão como “pai de todos nós” é conforme o que foi predito na Escritura: “Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí.”

Como Abraão foi constituído por Deus como pai de muitas nações, a promessa que lhe foi feita é firme para toda a sua descendência. A promessa é firme, e isso se evidenciou no fato de que Abraão, além de crer na promessa, obedeceu a Deus até mesmo quando lhe foi exigido o sacrifício de seu único filho. Abraão não se deixou abalar pela aparente contradição entre a promessa e a ordem de Deus; ele confiou que, de algum modo, Deus cumpriria o que prometera. Abraão creu naquele que dá vida aos mortos, demonstrando uma fé inabalável, que transcende as circunstâncias e confia no poder de Deus para realizar o impossível.

Assim, crer em Deus significa confiar não apenas na promessa em si, mas no próprio Deus que a fez. Muitas vezes, aquilo que foi prometido ainda não existe, mas a confiança repousa no fato de que Deus é poderoso para trazer à existência o que Ele prometeu. Esse é o significado de “crer contra a esperança”: é uma fé que olha para além das circunstâncias e confia plenamente no poder de Deus.

 

18 O qual, em esperança, creu contra a esperança, tanto que ele tornou-se pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência.

A fé de Abraão estava firmada em Deus, o Autor da promessa (a “esperança”), de modo que sua crença não considerou o aparente paradoxo de ter que sacrificar seu único filho, de onde viria sua descendência — ele “creu contra a esperança.” A esperança de Abraão estava centrada naquele que prometeu, e não em Isaque. A primeira esperança refere-se à confiança na promessa divina, enquanto a segunda esperança dizia respeito a Isaque, a esperança de uma descendência.

Ao crer em Deus, Abraão descansou de todas as suas obras, confiando plenamente na promessa divina. No entanto, ao crer “contra a esperança,” Abraão, o pai da fé, teve que agir e trabalhar — levando seu filho ao local determinado para o sacrifício. Esse ato mostra que sua fé não foi passiva; mesmo diante de um pedido que desafiava a promessa, Abraão seguiu obediente, demonstrando que crer em Deus, em certos momentos, envolve tanto descanso quanto ação.

A fé de Abraão é inegável, pois ele se tornou pai de muitas nações. Sua fé é evidente, pois Deus fez conforme prometera: “Assim será a tua descendência!”

 

19 E não enfraquecendo na fé, não atentou para o seu próprio corpo já amortecido, pois era já de quase cem anos, nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara.

Havia elementos na vida de Abraão e de Sara que poderiam levá-lo a fraquejar na fé. Abraão, no entanto, não se deixou abalar por seu próprio corpo, já amortecido pela idade, nem pelo ventre igualmente amortecido de sua esposa. Ele e Sara, por si só, representavam obstáculos quase insuperáveis à concretização da promessa, o que poderia naturalmente influenciar sua fé. Contudo, Abraão escolheu não se fixar nessas limitações, confiando em Deus acima das circunstâncias.

 

20 E não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus, 21 E estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer.

A incredulidade surge somente após o homem conhecer a promessa e rejeitá-la; antes disso, a incredulidade não é possível. Abraão, porém, não vacilou; ele foi fortalecido na fé! Mas o que significa ser fortalecido na fé? Significa não focar nas impossibilidades humanas, mas sim no poder de Deus:

“No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no Senhor e na força do seu poder.” (Efésios 6:10).

Um exemplo claro do que é ser fortalecido na fé está descrito em Efésios:

“Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e pondo-o à sua direita nos céus.” (Efésios 1:18-20).

Assim, ao serem informados da esperança de sua vocação, das riquezas da herança de Deus e da grandeza do poder que opera em nós, os cristãos têm seu entendimento iluminado. Se ainda restar alguma dúvida, o cristão deve olhar para Cristo ressuscitado, pois o mesmo poder que O levantou dos mortos agora opera sobre o cristão para a salvação.

Quando o cristão crê em Deus, Ele cumpre o que prometeu, e o resultado do que Deus realiza constitui glória para o Seu poder: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade, a fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo” (Efésios 1:11-12). Aqueles que esperam em Cristo permitem que Deus opere tudo em suas vidas segundo o conselho de Sua vontade, tornando-se louvor de Sua glória.

Estar plenamente certo de que Deus é poderoso para cumprir o que prometeu é o verdadeiro significado de ser fortalecido na fé.

Enquanto Abraão é uma referência de fé em Deus, o povo de Israel serve como exemplo negativo de incredulidade, que se manifesta em desobediência. Abraão confiou e obedeceu à promessa divina, mesmo quando tudo parecia impossível; já Israel, em muitos momentos, não creu nas promessas de Deus, resultando em desobediência e afastamento. Esse contraste destaca a importância da fé que se traduz em obediência, enquanto a incredulidade leva à rejeição da vontade divina.

“Procuremos, pois, entrar naquele repouso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência.” (Hebreus 4:11).

 

22 Assim isso lhe foi também imputado como justiça.

A fé que Abraão exerceu em Deus visava o cumprimento da promessa de ser pai de muitas nações. Contudo, pela certeza com que Abraão creu — sendo fortificado na fé —, essa mesma fé que visava tornar-se pai de muitas nações também lhe foi imputada como justiça, servindo para sua justificação.

A fé de Abraão não só lhe conferiu a condição de pai de muitas nações, mas também lhe garantiu a salvação. Se Deus tivesse prometido apenas a salvação, a mesma confiança de Abraão em ser pai de muitas nações teria sido suficiente para Deus lhe conceder a salvação.

Da mesma forma como Deus cumpriu o prometido a Abraão, quando o homem crê em Jesus, Deus concede o que foi prometido: o perdão dos pecados (Mateus 9:1-8).

“Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé? Assim como Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.” (Gálatas 3:5-8).

 

23 Ora, não só por causa dele está escrito, que lhe fosse tomado em conta, 24 Mas também por nós, a quem será tomado em conta, os que cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor;

O registro em Gênesis — “Creu Abrão no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça.” (Gn 15:6) — não está ali apenas para narrar o que aconteceu com Abraão em termos pessoais. O relato foi escrito porque a justificação de Abraão, alcançada pela sua fé em Deus, serve como um exemplo para todos os que confiam em Deus, que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos.

Para os cristãos, crer em Deus que ressuscitou Cristo é um ato de fé semelhante ao de Abraão, que foi justificado pela confiança em Deus. Assim, a Escritura não apenas informa sobre Abraão, mas orienta os cristãos a respeito desse evento crucial com o patriarca. Agora, em Cristo, o descendente prometido, os cristãos se tornam participantes da mesma justiça pela fé, seguindo o exemplo do “pai Abraão” em sua confiança inabalável.

 

25 O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação.

Por causa do pecado da humanidade, Jesus foi entregue para que todos os que creem n’Ele se unam a Ele em Sua morte. A sentença que diz: “A alma que pecar, esta mesmo morrerá,” (Ezequiel 18:20) ou “O culpado não será tido por inocente,” (Números 14:18) ou “… porque não justificarei o ímpio.” (Êxodo 23:7) é cumprida quando aqueles que creem tomam a sua cruz e seguem a Cristo, experimentando a morte e o sepultamento (Romanos 6:3-8).

Quando o pecador morre com Cristo, é justificado de seus pecados; e, ao ressurgir dentre os mortos, Deus o declara justo (justificação). Cristo foi entregue precisamente para que os pecadores pudessem ser crucificados e mortos com Ele, tornando-se participantes de Sua morte para serem libertos do corpo do pecado. Jesus ressuscitou dos mortos, e Deus opera graciosamente naqueles que creram, fazendo deles novas criaturas quando ressurgem com Cristo, isentas de pecado e declaradas justas.

“Porque aquele que está morto está justificado do pecado.” (Romanos 6:7).

Jesus ressurgiu para a justificação daqueles que creem. Assim como o cristão morre com Cristo, também ressuscita com Ele, para a glória de Deus Pai. Este novo homem criado em Cristo, pelo poder de Deus, é declarado justo (Colossenses 3:1). Essa é a base da justificação: o poder de Deus manifestado em Cristo naqueles que creem, ressuscitando-os com Ele (Efésios 1:19-20).

 

A Teologia da Libertação

A abordagem teológica da “Teologia da Libertação” representa uma vertente do pensamento da Igreja Católica Romana. Vejamos o que afirma um de seus teólogos, Ivo Storniolo:

“A religião verdadeira, portanto, nasce dos pobres e dos fracos. São eles que podem, a partir de sua experiência, ensinar quem é Deus e o que ele quer. São eles que penetram sua sabedoria e seu projeto (Mt 11, 25-26). Foi da experiência dos pobres que nasceu a religião de Javé, o Deus que liberta da exploração e da opressão e dá a liberdade e a vida.”
— Storniolo, Ivo, Como ler o Livro de Jó, Série Como Ler a Bíblia, ed. Edições Paulinas.

No entanto, é surpreendente que alguns líderes evangélicos apresentem uma abordagem semelhante, como no caso do Pr. Valdinei Fernandes Gomes da Silva:

“Encontramos o Senhor nos necessitados, solitários, frustrados, oprimidos, enfermos e perturbados. Paulo nos ensina estas grandes verdades em Colossenses 3.23, 24.”
— Pr. Valdinei Fernandes Gomes da Silva, comentarista da revista Jovens e Adultos, Epístola de Judas, ed. Betel – 3º Trimestre de 2007, Ano 18, nº 64, p. 7.

É, no mínimo, curioso observar segmentos evangélicos trilhando um caminho antes criticado como equivocado.

O que Paulo de fato ensinou aos Colossenses? Em Colossenses 3:23, Paulo exorta: “E tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor e não aos homens”. Ou seja, esse versículo não sustenta a ideia de que encontramos o Senhor nas pessoas desprovidas de bens materiais. A instrução de Paulo visava orientar os servos (escravos) que haviam se convertido ao cristianismo, encorajando-os a continuar servindo aos seus senhores, apesar de agora serem livres em Cristo (Colossenses 3:22). A mensagem de Paulo enfatiza que, em Cristo, todos são filhos de Deus pela fé, sem distinção social (Gálatas 3:28).

Contudo, ele sabia que a mensagem do evangelho poderia ser mal interpretada como uma justificativa para desordem social, e por isso orientava os cristãos escravos a submeterem-se aos seus senhores. No contexto da época, as diferenças entre servos e livres, judeus e gregos eram realidades sociais marcantes. Embora não haja distinção na igreja de Deus, essas distinções existiam na sociedade e deviam ser respeitadas (1 Coríntios 10:32). Assim, o evangelho não é um catalisador para revoltas sociais, embora sua influência ao longo dos séculos tenha promovido mudanças na forma como as pessoas se relacionam.

A instrução de Paulo aos Colossenses deve ser compreendida também à luz de outro conselho:

“Assim, cada um ande como Deus lhe repartiu, cada um como o Senhor o chamou… Cada um permaneça na situação em que estava quando foi chamado” (1 Coríntios 7:17-24).

A passagem de Mateus 25:31-46 também não endossa a ideia de que encontramos o Senhor nos desamparados ou aflitos deste mundo. O ensinamento de Jesus sobre o Monte das Oliveiras está relacionado ao julgamento das nações, e não à condição dos pobres em geral.

Nessa ocasião, Jesus virá em glória e se assentará em Seu trono, reunindo todas as nações para um julgamento, como um pastor separa ovelhas de bodes (Mateus 25:31-32). Ele julgará as nações com base no tratamento dispensado aos “pequeninos” – seus irmãos (Mateus 25:40). Aqueles que ignorarem as necessidades dos pequeninos enfrentarão condenação, pois, segundo Jesus:

“Todas as vezes que deixastes de fazer a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mateus 25:45).

Portanto, surge a pergunta: encontramos o Senhor nos pobres deste mundo ou através da revelação do evangelho?

Paulo nos deixa um alerta contundente:

“Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema.” (Gálatas 1:8).

Essa mensagem enfatiza a centralidade da fé em Cristo, independente das condições materiais.

Romanos 5 – O dom gratuito

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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