Romanos

Romanos 1 – O poder de Deus para salvação

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No evangelho de Cristo, que é poder de Deus para salvação, a justiça de Deus revela-se aos homens de forma clara e acessível. A compreensão dessa justiça não se baseia em teorias filosóficas ou intelectuais. Pelo contrário, ela se manifesta concretamente na vida daqueles que creem em Cristo. O apóstolo Paulo fala sobre a justiça de Deus como um conhecimento vivencial, que transcende as expectativas humanas de justiça.


Romanos 1 – O poder de Deus para salvação

 

Considerações essenciais à interpretação da epístola

Para interpretar adequadamente as epístolas bíblicas contidas no Novo Testamento, é preciso observar diversos aspectos. Durante este estudo sobre a carta do apóstolo Paulo aos Romanos, destacaremos vários quesitos necessários para uma interpretação segura.

Primeiramente, é essencial ler o texto da carta desconsiderando as divisões em capítulos e versículos. O leitor deve ter em mente que essas divisões foram introduzidas pelo clérigo inglês Stephen Langton no século XIII, em 1227. Elas servem apenas para auxiliar na localização de frases específicas, mas não têm qualquer vínculo com a estrutura de ideias desenvolvida pelo autor da carta.

Se o leitor resolver interpretar o capítulo um da carta aos Romanos sem considerar o desenvolvimento das ideias nos capítulos dois e três, poderá incorrer em vários erros.

Em segundo lugar, é necessário contextualizar a carta com aspectos pertinentes à vida do remetente e dos destinatários. A contextualização não deve se ater apenas a eventos históricos e elementos da sociedade da época. Embora a contextualização histórica e sociocultural ajude muito na compreensão da sociedade durante o tempo do apóstolo Paulo, ela pouco contribui para entender as nuances da mensagem que o apóstolo procurou transmitir aos seus interlocutores.

Devemos ler a carta como um texto unificado, coeso e sem divisões artificiais. Ao interpretar esse texto, é importante extrair aspectos significativos da mensagem que o autor costuma desenvolver, considerando também outras cartas de Paulo. Em seguida, é preciso aplicar esses aspectos à ideia geral que a carta busca transmitir.

Para compreendermos o capítulo um da carta aos Romanos, seguimos o seguinte raciocínio:

  • O apóstolo Paulo geralmente enfatiza em suas cartas a liberdade do cristão decorrente do evangelho de Cristo (1 Coríntios 8:9; 10:29; Gálatas 2:4; 5:13).
  • Devido à ênfase de Paulo na liberdade em Cristo, algumas pessoas inimigas do evangelho passaram a divulgar, conforme lhes era conveniente, que o apóstolo andava segundo a carne ou incentivava a libertinagem (2 Coríntios 10:2; Gálatas 5:13).
  • É necessário considerar a similaridade entre a mensagem do apóstolo Paulo e a do apóstolo Pedro (1 Pedro 2:16).
  • Prevendo que tais pessoas já haviam se infiltrado entre os cristãos de Roma e, considerando que até aquele momento ele fora impedido de visitá-los, Paulo inicia a carta com um discurso incisivo, demonstrando o quanto é condenável se opor à verdade do evangelho: “Do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (Romanos 1:18).
  • O discurso apresentado pelo apóstolo no capítulo um da carta aos Romanos, do versículo dezoito ao trinta e dois, tem o objetivo de cativar as pessoas que o consideravam propagador de uma vida desregrada, enlaçando-as em seus próprios argumentos. No entanto, como é próprio de Paulo, o capítulo dois demonstra que não há diferença entre os homens, sejam eles quem forem (Romanos 2:1).

A ideia central da carta é singular e transcende a estrutura em capítulos.

Durante a interpretação, é essencial manter em foco os seguintes pontos fundamentais:

  1. A salvação é alcançada unicamente pela graça e mediante a fé em Cristo (Efésios 2:8)
  2. A condenação da humanidade ocorreu por meio de Adão, não pelos erros cotidianos: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens, para condenação…” (Romanos 5:18);
  3. A ira de Deus sobre a humanidade não é provocada pela depravação ética ou moral; essa ira decorre do julgamento e condenação que todos sofreram em Adão (Efésios 2:2-3).

Qualquer interpretação que se afaste dessas afirmações deve ser descartada. Se alguém interpretar um texto e concluir que a salvação se dá pelas obras da lei, deve reconsiderar sua análise, pois essa não é a intenção do autor.

Os judaizantes, legalistas, moralistas e formalistas sempre tentaram mostrar o quão perdida está a humanidade, apontando as falhas morais dos pagãos. No entanto, Paulo demonstra que a perdição da humanidade não se deve aos seus comportamentos ou moralidade, mas sim porque todos estão espiritualmente mortos em seus pecados (Romanos 3:9-19).

O homem é pecador porque nasce nessa condição (Salmo 51:4). O pecado está intrinsecamente ligado à natureza humana herdada no nascimento natural, não às suas ações. O homem é pecador porque nasce da semente corruptível de Adão, vendido como escravo devido à ofensa de Adão, e está sob condenação por causa da morte, que é o aguilhão do pecado:

“Pois, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores…” (Romanos 5:18).

Descobrir o que motivou o escritor da carta é o terceiro quesito que auxilia, em muito, na interpretação de uma epístola.

Com essa análise prévia, conseguimos evidenciar o objetivo primário do apóstolo ao descrever a depravação dos judeus: silenciar aqueles que acusavam o apóstolo Paulo de pregar que era necessário fazer o mal para que resultassem bens:

“Façamos males, para que venham bens?” (Romanos 3:8).

Apresentação do apóstolo com ênfase no seu ministério

1 PAULO, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus,

O apóstolo Paulo inicia sua carta aos cristãos em Roma com uma clara apresentação pessoal, destacando seu nome para evitar que a autoria fosse confundida ou atribuída a outra pessoa, garantindo assim o peso de sua autoridade.

Ele se identifica como servo de Cristo, utilizando o termo grego δοῦλος (doulos), que denota alguém que pertence a um senhor. Para Paulo, ser servo de Cristo significa estar completamente submetido ao Senhor e dedicado ao seu serviço, a ponto de se considerar também prisioneiro de Cristo, ligado indissoluvelmente ao seu Senhor no serviço apostólico. Paulo enfatiza que não assumiu por si mesmo a posição de apóstolo, mas foi chamado diretamente por Cristo para este apostolado.

Vale ressaltar que este chamado não pode ser exercido por quem não esteja primeiramente submetido ao senhorio de Cristo; portanto, não é uma posição que alguém possa assumir por seus próprios méritos ou desejos, mas sim mediante a convocação divina. Embora o evangelho seja um chamado aos descrentes para a salvação, crer no evangelho não habilita automaticamente alguém para o apostolado. O chamado para o apostolado é distinto e específico, sendo destinado ao serviço direto e especializado na proclamação das boas novas de Deus.

Paulo tinha plena consciência de sua missão e vocação: ele foi separado e designado especificamente para anunciar as boas novas do evangelho de Deus. Essa separação não era apenas uma escolha pessoal, mas uma ordenação divina que o capacitava e direcionava em seu ministério apostólico.

Esses pontos destacam não apenas a humildade de Paulo ao reconhecer-se como servo e prisioneiro de Cristo, mas também a autoridade e a seriedade de sua vocação apostólica, fundamentada no chamado e na separação por Deus para o serviço no evangelho.

 

2 O qual antes prometeu pelos seus profetas nas santas escrituras, 3 Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne, 4 Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor,

Para entendermos quem é o Cristo de Deus prometido nas Escrituras através dos profetas, é essencial compreender alguns pontos fundamentais destacados por Paulo:

  1. Promessas no Antigo Testamento (A.T.): Paulo refere-se ao Antigo Testamento como as Sagradas Escrituras, onde estão contidas as promessas de Deus acerca de seu Filho, Jesus Cristo. Essas promessas são vistas como prenúncios e preparações para a vinda e obra redentora de Cristo.
  2. Cumprimento no Evangelho: O evangelho, para Paulo, não é apenas um conjunto de ideias ou ensinamentos, mas o cumprimento pleno das promessas divinas feitas através dos profetas. Ele destaca que o evangelho é o cumprimento da promessa feita a Abraão de que “Em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:3),uma promessa que aponta para a bênção universal através de Cristo.
  3. Testemunho das Escrituras: Paulo concorda com Jesus, seu Mestre, que as Santas Escrituras testemunham acerca de Cristo (João 5:39). Isso significa que o Antigo Testamento contém muitos tipos, profecias e símbolos que apontam para a pessoa e obra salvífica de Jesus.
  4. Revelação dos Mistérios: Paulo afirma que lhe foi revelado o mistério que esteve oculto desde todos os séculos, mas que agora foi manifesto aos santos (Colossenses 1:26). Esse mistério se refere ao plano de Deus de reunir todas as coisas em Cristo, tanto no céu quanto na terra.
  5. Vínculo com Deus e o Rei Davi: Paulo também discorre sobre o vínculo de Jesus com Deus e com o rei Davi. O Cristo prometido nas Escrituras é aquele que cumpre as profecias messiânicas, sendo descendente de Davi e ao mesmo tempo o Filho de Deus, com autoridade divina.

Portanto, entender o Cristo prometido nas Escrituras implica reconhecer que Ele é o cumprimento das promessas divinas, revelado através dos profetas e testemunhado nas Sagradas Escrituras. Essa compreensão não se baseia em especulações ou interpretações pessoais, mas na revelação divina que se desdobra ao longo da história da salvação, cuja figura central é a pessoa de Jesus Cristo:

  • Na eternidade, não existia a relação Pai e Filho entre as pessoas da divindade. Em outras palavras, a relação que conhecemos hoje entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo não existia. Quando o apóstolo João se refere a Cristo na eternidade, ele O chama de Verbo Divino (João 1:1). A palavra grega λόγος (logos) traduzida por “verbo” significa uma palavra (como incorporando uma ideia), uma declaração, um discurso, que remete a um pensamento ou conceito. João utiliza esse termo para descrever a pessoa da divindade que criou todas as coisas, estava com Deus desde o princípio e que se fez carne e habitou entre os homens: “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez” (João 1:2-3). Assim, João demonstra que, em sua essência, Cristo, antes de ser encarnado, possuía todos os atributos da divindade em plenitude: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (João 1:1);
  • O momento em que Cristo é introduzido no mundo ao se fazer carne é descrito pelos profetas como sendo “hoje”: “Proclamarei o decreto: o SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Salmo 2:7). Quando o Verbo de Deus foi introduzido no mundo, passou a ser chamado de “Filho”, o único gerado de Deus. Em outras palavras, quando Cristo foi gerado pelo Espírito Eterno no tempo predeterminado, Deus o chamou de Filho por tê-lo gerado no mundo dos homens;
  • Este aspecto da filiação de Cristo foi revelado a Davi: quando o Espírito Eterno fez com que uma criança fosse gerada no ventre de Maria, cumpriu-se o que o profeta Natã havia predito a Davi: “Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho” (2 Samuel 7:14). Como na eternidade não havia a relação Pai e Filho entre as pessoas da divindade, essas pessoas concordaram entre si (Deus eterno e o Verbo eterno) e estabeleceram que, quando Cristo fosse introduzido no mundo, a relação Pai e Filho seria efetivada entre eles: “Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho”. Ao ser introduzido no mundo, Cristo, o primeiro homem gerado de Deus (unigênito), estabeleceu a relação Pai e Filho. Prova disso é que, ao introduzir o primogênito no mundo, foi dada a ordem aos ministros de Deus:  “Prostrai-vos diante dele, todos os deuses.” (Salmo 97:7; Hebreus 1:6).
  • Cristo voluntariamente renunciou à sua glória e assumiu a condição de Filho na relação estabelecida na eternidade e prometida por Deus a Davi através de Natã. Antes de se encarnar, o Verbo de Deus era Deus e estava com Deus: “Mas do Filho diz: O teu trono, ó Deus, subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de equidade é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros.” (Salmos 45:6-7; Hebreus 1:8-9). Mesmo após despojar-se da sua glória, Cristo, ao ser introduzido no mundo, continuou a receber adoração dos ministros (tanto dos anjos quanto dos homens) de Deus  (João 1:14). Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo (2 Coríntios 5:19).

No livro de Gênesis, aprendemos que todos os homens nascem como descendentes de Adão segundo a carne. No entanto, Cristo, o Verbo de Deus, não nasceu sob essa mesma condição, pois não foi concebido em pecado, ao contrário do rei Davi (Salmo 51:5). O Espírito Santo agiu de maneira misteriosa ao fazer Maria conceber, garantindo que Cristo fosse livre do pecado de Adão, como registrado em Lucas 1:35: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra”.

“Mas tu és o que me tiraste do ventre; fizeste-me confiar, estando aos seios de minha mãe. Sobre ti fui lançado desde a madre; tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe.” (Salmo 22:9-10).

Embora Cristo tenha nascido com um corpo carnal, ele não foi gerado da maneira usual. João esclarece em seu evangelho que é necessário nascer não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (João 1:13). Portanto, Cristo não possui nenhuma relação com a semente corruptível de Adão, pois não foi gerado por nenhum homem. Maria concebeu Jesus pelo poder do Espírito Santo, o que o tornou livre do pecado de Adão (Lucas 1:35). Ele nasceu com um corpo carnal, mas não foi gerado da semente corruptível de Adão, como os seres humanos são gerados naturalmente.

A única conexão de Cristo com a humanidade, em termos de descendência, é através de Maria, uma descendente sanguíneo da linhagem de Davi, o que lhe confere o direito legítimo ao trono de Davi. Jesus, através de Maria, tem direito legítimo sobre o trono de Davi por ser descendente da linhagem de Davi. Isso foi cumprimento das profecias messiânicas que apontavam para um descendente de Davi que seria rei eterno (2 Samuel 7:12-16).

O pecado de Adão não o afetou, pois Cristo não nasceu da vontade de um homem e de uma mulher, como explica 1 Coríntios 11:11: “Todavia, nem o homem é sem a mulher, nem a mulher sem o homem no Senhor”. O pecado entrou no mundo quando Adão comeu o fruto do conhecimento do bem e do mal, e apenas então ele e Eva perceberam sua nudez, simbolizando a queda da humanidade.

Quando Paulo afirma que Jesus veio em carne como descendente do rei Davi, ele mostra que Cristo se tornou plenamente humano, compartilhando todas as nossas fraquezas, mas ao mesmo tempo possuindo plenos direitos ao trono de Davi (Hebreus 4:15). Cristo tornou-se plenamente humano ao assumir uma natureza humana completa, compartilhando nossas fraquezas e vivendo uma vida sem pecado (Hebreus 4:15). Ao mesmo tempo, sua filiação divina foi evidenciada não apenas por seu nascimento virginal, mas também pela sua ressurreição dentre os mortos, declarando-o como o Filho de Deus com poder (Romanos 1:4).

Outro aspecto fundamental da filiação divina de Cristo é sua ressurreição dentre os mortos, que é a declaração suprema de que ele é o Filho de Deus (Lucas 1:35; João 1:12-13). O Cristo a quem Paulo se refere em sua carta aos cristãos em Roma é aquele que ressurgiu dentre os mortos, sendo o primogênito de Deus e o Senhor de todos os cristãos (2 Coríntios 5:16). A ressurreição de Cristo é temática central na fé cristã, pois não apenas valida sua filiação divina, mas também o estabelece como Senhor sobre todas as coisas, primogênito dentre os mortos e cabeça da igreja (Colossenses 1:18).

Portanto, a compreensão de Cristo como o Filho de Deus envolve tanto sua origem divina quanto sua humanidade sem pecado, cumprindo as promessas antigas e estabelecendo a base para a salvação e a redenção da humanidade.

 

5 Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome, 6 Entre as quais sois também vós chamados para serdes de Jesus Cristo.

Através de Cristo, Paulo experimentou primeiramente a graça de Deus manifestada na salvação. Graça é o favor imerecido de Deus que concede ao homem a redenção. O apostolado se refere a indivíduos comissionados como ministros do evangelho após serem chamados e instruídos pessoalmente por Cristo. Estes foram ensinados e capacitados para continuar o ministério de Cristo, proclamando com autoridade a verdade do evangelho.

A mensagem do evangelho é recebida pela fé em Cristo, e é por isso que o apóstolo usa a palavra “fé” em vez de “evangelho” no versículo 5: para a obediência do evangelho (fé). Esta mensagem é proclamada a todos, e aqueles que a recebem obedecem ao mandamento de Deus ao crer. Obedecer à mensagem do evangelho, crendo em Cristo, é o que Paulo chama de “obediência da fé”, significando submissão ao senhorio de Cristo.

O evangelho alcança todas as nações, chamando todos os povos para serem propriedade exclusiva de Cristo. Ele convoca homens de todas as origens, incluindo judeus e gregos. O evangelho de Cristo não exclui os romanos, então a grande potência econômica e política daquela época: “Entre os quais também sois vós, chamados…”

A mensagem do evangelho é um convite. Aqueles chamados entre os homens são santificados somente se aceitarem a mensagem do evangelho através da fé em Cristo.

Observação: Quando Cristo disse: “Muitos são chamados, mas poucos escolhidos.” (Mateus 20:16), entendemos que nem todos os homens ouvirão a mensagem do evangelho. Nem todos serão chamados através da proclamação do evangelho, pois nem todos terão a oportunidade de ouvi-lo. A mensagem do evangelho não é e não será anunciada a todos os homens, mas muitos ouviram e ouvirão (esses são os chamados). No entanto, poucos são aqueles que aceitarão o chamado do evangelho e se tornarão os escolhidos através da fé em Cristo.

 

Os destinatários da epístola

7 A todos os que estais em Roma, amados de Deus, chamados santos: Graça e paz de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.

O apóstolo Paulo saúda todos os cristãos em Roma desejando-lhes graça e paz. Graça refere-se ao favor imerecido de Deus concedido aos homens na pessoa de Jesus Cristo, enquanto paz simboliza a reconciliação divina que transcende todo entendimento.

Paulo destaca que os cristãos são objetos do amor de Deus, em contraste com aqueles que rejeitaram o evangelho. Para quem não crê em Cristo, permanece a ira de Deus decorrente da condenação de Adão (João 3:18). Ser chamado de “Amados de Deus” aplica-se a todos os que aceitam a mensagem do evangelho.

Todos os amados de Deus são também considerados santos por Ele. Deus, que chama à existência o que não existe, demonstra seu poder criativo (Romanos 4:17). Quando Deus chama alguém de santo, não é uma simples questão posicional; Deus não atribui a santidade a quem não a possui efetivamente. Na verdade, Deus cria um novo homem em verdadeira justiça e santidade. Como a nova criatura surge em comunhão com o Criador, tudo se torna novo e essa criatura pertence a um novo tempo (Efésios 4:24; 2 Coríntios 5:17).

Todos os cristãos são santos independentemente de méritos morais ou comportamentais, pois foram separados por Deus para serem usados exclusivamente por Ele, mediante o chamado do evangelho (Efésios 1:1).

Ser santo é uma condição inerente ao cristão por estar unido a Cristo. Os cristãos são novas criaturas, criados segundo a imagem de Deus em verdadeira justiça e santidade. Esta nova criação é chamada santa diante de Deus, pois aquele que está em Cristo é uma nova criatura (Efésios 4:24).

 

Agradecimentos e os motivos da epístola

8 Primeiramente dou graças ao meu Deus por Jesus Cristo, acerca de vós todos, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé.

Uma característica distintiva das cartas de Paulo é o seu padrão que inclui, após a apresentação pessoal e saudação, um momento de agradecimento a Deus. Exemplos disso podem ser vistos em 1 Coríntios 1:1-4 e 2 Coríntios 1:1-3, entre outros.

Paulo, através de Cristo, expressa sua gratidão a Deus pela existência dos cristãos em Roma. Ele enfatiza que o evangelho, ou a fé, está sendo anunciado em todo o mundo, alcançando todos os povos.

Ao receber notícias de que também havia cristãos em Roma, Paulo ficou extremamente contente. Isso significava que a mensagem do evangelho estava se espalhando até mesmo na capital do mundo conhecido naquela época.

A divulgação da notícia de que romanos estavam aceitando o evangelho de Cristo contribuiu significativamente para a expansão da mensagem cristã. Paulo reconhece o impacto positivo que essa notícia poderia ter na propagação ainda maior do evangelho, como ele menciona: “…porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé” (Romanos 1:8). Esse foi um dos motivos pelos quais o apóstolo rendeu graças a Deus.

 

9 Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, me é testemunha de como incessantemente faço menção de vós, 10 Pedindo sempre em minhas orações que nalgum tempo, pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião de ir ter convosco.

Paulo insere um aposto explicando que serve a Deus em seu espírito através do evangelho de Cristo, o que é confirmado posteriormente, ao dizer: “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” ( Rm 7:6 ).

O serviço do apóstolo não era através da lei de Moisés, e sim, por meio de um espírito novo, conforme o que profetizou o salmista: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto” ( Sl 51:10 ). O evangelho de Cristo concede aos cristãos a condição indispensável para servir a Deus: novidade de espírito ( Ez 11:19 ). O que fora prometido por Deus por intermédio do profeta Ezequiel, o apóstolo Paulo recebeu através do evangelho de Cristo.

Diferente de outras cartas em que o apóstolo roga a Deus que conceda conhecimento aos cristãos, nesta carta Paulo ora pedindo que Deus conceda, segundo a sua vontade, uma oportunidade para que ele possa visitar pessoalmente os cristãos em Roma. Diferente do que se apregoa no ‘evangelho da prosperidade’, o apóstolo não exige, antes pede que, segundo a sua vontade, Deus lhe conceda boa ocasião de ir ter com os cristãos.

 

O apóstolo Paulo invoca Deus como testemunha de quantas vezes ele mencionou os cristãos em Roma em suas orações.

Ele esclarece que seu serviço pessoal (em meu espírito) a Deus é realizado através do evangelho de Cristo, como é confirmado em Romanos 7:6: “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra”.

Paulo enfatiza que seu serviço não se baseia na lei de Moisés (a “velhice da letra”), mas é guiado pelo evangelho (a “novidade de espírito”). Como o salmista profetizou no Salmo 51:10, “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto”, o evangelho de Cristo traz consigo a capacidade transformadora de gerar um novo homem com um coração renovado e um espírito renovado. Essa renovação espiritual é essencial para os cristãos servirem a Deus, conforme prometido por Deus através do profeta Ezequiel (Ezequiel 11:19).

Ao contrário de outras cartas onde o apóstolo Paulo pede a Deus por conhecimento para os cristãos, nesta carta ele ora para que Deus, segundo Sua vontade, lhe conceda uma oportunidade de visitar pessoalmente os cristãos em Roma. Isso contrasta com uma abordagem baseada na teologia da prosperidade, que ensina que o cristão deve exigir de Deus para ser atendido. O apóstolo Paulo não impõe suas vontades, mas busca humildemente a vontade de Deus para que ele possa encontrar os cristãos romanos em uma boa ocasião.

 

11 Porque desejo ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais confortados; 12 Isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado pela fé mútua, assim vossa como minha.

Paulo ora constantemente e louva a Deus pela existência dos cristãos em Roma, motivado pelo desejo sincero de vê-los pessoalmente.

Ele ansiava confortá-los ao compartilhar as dádivas recebidas de Deus através do evangelho, que concede dons aos homens. Esse encontro seria uma oportunidade para mútuo encorajamento, onde o apóstolo dos gentios poderia observar a obediência dos cristãos ao evangelho, e estes, por sua vez, testemunhariam pessoalmente o zelo de Paulo na pregação do evangelho.

Essa mútua fé remete à verdade do evangelho, o mesmo que unidade da fé, que foi transmitida aos santos (Judas 1:3; Filipenses 1:27; Gálatas 3:23; Efésios 4:13).

 

13 Não quero, porém, irmãos, que ignoreis que muitas vezes propus ir ter convosco (mas até agora tenho sido impedido) para também ter entre vós algum fruto, como também entre os demais gentios.

Paulo reitera que se propôs a ir a Roma por várias vezes, mas foi impedido, embora não detalhe os motivos desses impedimentos, e não devemos especular sobre eles.

Seu desejo sincero era colher algum fruto entre os romanos da mesma maneira que havia obtido entre outros povos gentios.

Paulo queria assegurar aos romanos que não havia evitado encontrá-los por vergonha ou qualquer outra razão pessoal. Antecipar e esclarecer possíveis mal-entendidos era uma estratégia do apóstolo, pois alguém poderia argumentar que, por ter dupla cidadania (judaica e romana), Paulo não tinha hesitação em evangelizar os gentios ou confrontar os judeus, mas evitava ir a Roma por receio de se expor diante daqueles que dominavam o mundo naquela época.

 

14 Eu sou devedor, tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes.

Paulo sentia-se devedor a todos os homens, sem fazer distinção de nacionalidades, origens ou etnias. A dívida que ele reconhecia ter por causa do amor de Cristo estendia-se aos bárbaros e gregos; seu desejo era alcançar tanto os sábios quanto os ignorantes. Essa disposição de Paulo não se limitava apenas aos estrangeiros, mas também se estendia aos seus próprios concidadãos.

 

15 E assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a vós que estais em Roma.

Se dependesse apenas do apóstolo, ele também estaria disposto a ir a Roma para anunciar as boas novas de Cristo.

 

 

A motivação do apóstolo Paulo

Um exercício valioso para descobrir os eventos que motivaram Paulo ao escrever sua carta aos Romanos é se colocar no lugar dele durante a leitura. Pergunte-se:

  • Por que Paulo afirmou com tanta convicção que não se envergonhava do evangelho (Romanos 1:16)?
  • Qual foi a razão por trás de Paulo demonstrar aos cristãos que havia sido impedido de ir a Roma até aquele momento (Romanos 1:13)?
  • Por que Paulo enfatizou que se considerava devedor tanto a gregos quanto a bárbaros (Romanos 1:14)?

Essas questões são cruciais para compreender os momentos da carta onde Paulo não se dedica diretamente à exposição doutrinária, mas sim a questões pessoais e contextuais, como nos versículos 8 a 15 de Romanos 1.

Outro exercício útil é imaginar-se como um dos cristãos romanos que receberam a carta de Paulo. Pense nas expectativas que você teria, considerando suas condições como cidadão romano:

Quais seriam as expectativas em relação a alguém que antes servia ao governo romano, perseguiu a igreja de Deus e agora é um dos cristãos que anuncia o evangelho?

Além disso, reler outras cartas de Paulo e fazer comparações entre elas pode revelar consistências em sua mensagem e ensinamentos essenciais.

Embora o conhecimento de subsídios históricos e geográficos possa enriquecer a leitura, é importante notar que eles não são essenciais para compreender a doutrina de Cristo ou certas nuances do texto da epístola. Por exemplo, saber que a carta aos Romanos foi escrita em Corinto durante a terceira viagem missionária de Paulo, que Tárcio foi o escrevente (Romanos 16:22), e que Paulo estava hospedado na casa de Gaio (Romanos 16:23), pode fornecer contexto, mas não substitui a necessidade de uma compreensão espiritual e teológica profunda das Escrituras que possibilitará compreender certas nuances da epístola.

Entender que Paulo escreveu aos Romanos enquanto estava em Corinto nos ajuda a relacionar os temas que ele abordou em suas cartas aos Coríntios e perceber nuances desses temas nas abordagens e explanações dirigidas aos cristãos em Roma. A análise comparativa entre as cartas de Paulo é crucial para compreendermos como ele desenvolve e adapta seus ensinamentos de acordo com as necessidades e circunstâncias das diferentes igrejas.

Essa interconexão entre as cartas de Paulo nos permite não apenas compreender melhor os ensinamentos específicos em cada epístola, mas também vislumbrar a universalidade e a profundidade do pensamento teológico paulino. Ao analisar essas cartas em conjunto, somos conduzidos a uma compreensão mais completa da teologia paulina e de como ela foi aplicada em diferentes contextos e desafios enfrentados pelas primeiras comunidades cristãs.

Para afirmarmos anteriormente que a santificação não é posicional, utilizamos várias bases escriturísticas. Na primeira carta aos Coríntios, lemos que Paulo escreveu: “… aos santificados em Cristo, chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo…” (1 Coríntios 1:2). Paulo também demonstra que aos cristãos foi dada graça, que em tudo foram enriquecidos em Cristo, que nenhum dom lhes falta, e que Deus é fiel e cuidará para que os cristãos permaneçam irrepreensíveis até aquele dia (1 Coríntios 1:4-9). Ele afirma: “O mesmo Deus de paz vos santifique completamente. E todo o vosso espírito, alma e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é o que vos chama, o qual também o fará” (1 Tessalonicenses 5:23-24) (grifo nosso).

Observe que é Deus quem nos santifica. Não cabe ao homem tal incumbência, pois essa é uma glória que pertence a Deus. Não é o homem que se separa como propriedade do Senhor, mas sim Deus, que separou para si um povo zeloso de boas obras (Tiago 2:14).

Como considerar que aquele que crê em Cristo não é de fato santo, se Jesus é sabedoria, justiça, santificação e redenção (1 Coríntios 1:30)? Os cristãos deixaram de ser imundos, visto que já foram lavados, santificados e justificados em Cristo Jesus (1 Coríntios 6:11). Paulo é claro em sua exposição: “E tais fostes alguns de vós” (1 Coríntios 6:11). A imundície é algo do passado. Se alguém não entende a extensão da doutrina da santificação, não deve ousar teorizar a respeito do que não compreende. Compare as passagens: 1 Coríntios 1:8; Filipenses 1:10; 1 Pedro 5:10; 1 Tessalonicenses 5:23-24.

O evangelho é poder de Deus somente para os Romanos? Para quem é salvo, o evangelho é tanto poder quanto sabedoria de Deus (1 Coríntios 1:18, 24). É por meio do evangelho de Deus que o cristão passa a pertencer a Deus; em Cristo Jesus, o homem passa a ser propriedade de Deus (1 Coríntios 1:30). Ou seja, todos os que creem em Cristo pertencem exclusivamente a Deus (1 Coríntios 6:19).

Neste contexto, o apóstolo afirma a liberdade em Cristo:

“…todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 Coríntios 8:6).

  1. Tudo pertence a Deus, especialmente os cristãos, visto que, através do evangelho, passamos a viver para Deus;
  2. Pelo evangelho, aceitamos a Cristo como Senhor e Ele nos concede nova vida. Por meio de Cristo, todas as coisas existem, incluindo a vida dos cristãos, porque, através da Palavra, todas as coisas foram e são criadas.

O evangelho é o tema central das cartas de Paulo, e ao escrever aos Romanos, não seria diferente, visto que ele sempre propôs aos irmãos conhecerem a Cristo (1 Coríntios 2:2). Essas pequenas comparações entre as cartas levam o leitor a perceber que, quando Paulo identificava um problema em uma igreja, ele se antecipava e escrevia a outras igrejas antes que esses problemas as influenciassem.

Como Paulo sempre enfatizou a liberdade em Cristo, demonstrando o fim da lei em Cristo, muitos judaizantes questionavam sua autoridade e suas mensagens. Eles diziam que Paulo era carnal (2 Coríntios 10:2-3). Paulo, por sua vez, demonstra que não adianta ter zelo de Deus sem entendimento (Romanos 10:2), visto que Cristo é o fim da lei para justiça de todos os que creem (Romanos 8:4). Devido a algumas pessoas dizerem que Paulo era carnal na igreja de Corinto, ele se antecipou e escreveu, demonstrando aos cristãos em Roma que ele não andava segundo a carne.

Outro aspecto importante na construção de uma carta está no desenvolvimento de ideias. Uma carta não utiliza definições ou conceitos como é comum nos livros. Diferente dos livros, onde o público alvo é indefinido, as cartas bíblicas têm um público-alvo específico. Elas eram direcionadas especificamente aos cristãos.

Uma carta é construída através do desenvolvimento de ideias, argumentações baseadas nessas ideias e sentimentos comuns ao remetente e ao destinatário. Geralmente, se escreve uma carta a alguém com quem se tem algum vínculo pessoal, um aspecto que não existe entre um autor e os leitores de livros.

Em uma carta, já existe uma linguagem comum entre o escritor e os destinatários. Já em um livro, é necessário construir uma linguagem, principalmente por meio de conceitos e definições, quase sempre amparados por signos linguísticos contemporâneos ao escritor e leitores.

Em uma carta, o prefácio e a saudação devem ser analisados em aspectos absolutos. Entendemos que Paulo era ‘servo de Cristo’ e chamado para o ‘apostolado’ de modo absoluto, o que implica considerar que Paulo escreveu a ‘santos’ e ‘amados de Deus’ em absoluto (Romanos 1:1-7).

É um contrassenso tomar as palavras do apóstolo Paulo em sentido absoluto quando ele declara ser servo de Cristo e apóstolo, e ao mesmo tempo entender que os cristãos são santos em sentido relativo. Paulo, em suas cartas, escreve às igrejas de Deus, pessoas que foram chamadas para serem propriedades de Deus por meio de Cristo (Romanos 1:6). Não há como considerar essas declarações de Paulo em sentido relativo.

Os motivos para a escrita de uma carta são numerosos, e para determiná-los é preciso estudar os vários escritos do remetente e sua relação com os destinatários. Já em um livro, temos a introdução ou o prefácio, onde os motivos e objetivos do escrito já vêm explicitados.

Considerando esses aspectos, estaremos aptos a estudar e compreender melhor as cartas bíblicas.

 

16 Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.

O apóstolo Paulo demonstrou prontidão para ir a Roma sem qualquer obstáculo quanto ao evangelho. Alguém poderia pensar que Paulo ainda não teria ido a Roma por ter vergonha de evangelizar entre os seus concidadãos, cuja cidadania era difícil de conquistar para muitos (Atos 22:28). Paulo é enfático: “Não me envergonho do evangelho…”.

Ao escrever a Timóteo, o apóstolo Paulo aconselha seu filho na fé a não se envergonhar do evangelho nem das cadeias do próprio apóstolo. Ele diz:

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso SENHOR, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus” (2 Timóteo 1:8; 1 Coríntios 1:18 e 24; 2:5).

Paulo declara que o evangelho é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, similar à declaração de João:

“Mas a todos os que o receberam, àqueles que creem no seu nome, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (João 1:12).

O evangelho são as boas novas de Deus aos homens. Como boas novas do reino, ele é anunciado na forma de convite a todos quantos ouvirem. Quem ainda não creu no nome de Cristo está na condição de chamados:

“…nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1:23-24).

Após aceitar o convite do evangelho, o homem passa à condição de “eleito” ou “vocacionado”. Quem crê em Cristo é “eleito”, e quem ainda não creu, está na condição de “chamado”:

“Ora, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados” (1 Coríntios 1:26).

Aqueles que creem no evangelho, ou seja, no nome de Jesus, recebem poder para salvação e são feitos (criados) novamente na condição de filhos de Deus.

Não há qualquer impedimento para a salvação daqueles que creem. Deus transforma tanto gregos como judeus em seus filhos através do poder que o evangelho de Cristo contém. Observe que Paulo aborda a universalidade do evangelho em quase todas as suas cartas.

 

17 Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.

No evangelho de Cristo, a justiça de Deus revela-se aos homens de forma clara e acessível. A compreensão dessa justiça não se baseia em teorias filosóficas ou intelectuais. Pelo contrário, ela se manifesta concretamente na vida daqueles que creem em Cristo. O apóstolo Paulo fala sobre a justiça de Deus como um conhecimento vivencial, que transcende as expectativas humanas de justiça.

Como entender que a justiça de Deus é de fé em fé? O parâmetro para entendermos a declaração de Paulo encontra-se no trecho que ele cita das escrituras: “Mas o justo viverá da fé” (Habacuque 2:4). O livro de Habacuque contém os elementos necessários para a compreensão do texto de Paulo.

No livro de Habacuque, lemos que o profeta clama a Deus em oração, preocupado em receber a resposta do Senhor: “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás?” (Habacuque 1:2). O profeta destaca que, por Deus não agir, a lei havia se afrouxado e a justiça nunca se manifestava:

“Por isso a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta” (Habacuque 1:4).

Paulo demonstra que a justiça de Deus já havia se manifestado através do evangelho, caso alguém em Roma ainda estivesse com as mesmas questões que o profeta Habacuque. O que Habacuque reclama no versículo quatro, tem resposta em Romanos 1:17: Pois no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela palavra de Deus, como está escrito: “O justo viverá pela fé.”

Portanto, a justiça de Deus se revela plenamente no evangelho. Quando é dito “de fé em fé” (πίστεως εἰς πίστιν), os termos gregos traduzidos por “fé” estão, respectivamente, no genitivo e acusativo. Isso significa que o primeiro termo traduzido por “fé” deriva da fidelidade e imutabilidade da palavra de Deus, enquanto o segundo remete ao ato de crer, na condição de paciente da fidelidade de Deus. Em outras palavras, aqueles que creem passam a viver de acordo com a justiça de Deus manifesta, experimentando-a de maneira concreta em suas vidas.

“… e a justiça nunca se manifesta” (Habacuque 1:4);
“Porque nele (no evangelho) se descobre a justiça de Deus…” (Romanos 1:17).

Quando o profeta Habacuque afirma que “o justo viverá da fé”, precisamos entender qual “fé” ele estava abordando. Jesus disse: “Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4). Portanto, sabemos que tanto Jesus quanto Habacuque anunciaram a palavra de Deus, e que a palavra de Deus não se contradiz. Se o “justo vive da fé” e o homem “vive da palavra que sai da boca de Deus”, conclui-se que a fé anunciada por Habacuque é o mesmo que a palavra de Deus. A fé mencionada por Habacuque não é algo místico ou um sentimento infundido no homem por intervenção externa; ela é, em essência, a palavra de Deus, o que remete a fidelidade e imutabilidade de Deus.

Neste sentido, vemos no Novo Testamento os apóstolos exortando os cristãos a batalharem pela fé, ou seja, a batalharem pela verdade do evangelho, que é a palavra de Deus (Judas 1:3).

A resposta de Deus às questões do profeta Habacuque é clara: “Vede entre as nações, e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-vos, porque realizo em vossos dias uma obra, que vós não crereis quando for contada” (Habacuque 1:5). Deus prometeu uma obra maravilhosa, mas o profeta não entendeu por que os caldeus devorariam o seu povo, já que eles eram “mais pecadores” do que os israelitas (Habacuque 1:13). A obra prometida a Habacuque foi realizada com a invasão dos caldeus. Nos dias de Cristo, Deus estava realizando a obra anunciada a Abraão em meio ao povo de Israel, porém também não creram (João 1:11).

Ainda que o profeta não tenha compreendido a ação de Deus, ele demonstra confiança e se refugia em aguardar a resposta do Senhor:

“Sobre a minha torre de vigia estarei, e sobre a fortaleza me apresentarei e vigiarei, para ver o que fala comigo, e o que eu responderei a esta queixa” (Habacuque 2:1).

Enquanto o profeta Habacuque se preocupava com questões imediatas, como: “O ímpio cerca o justo, e a justiça é pervertida” (Habacuque 1:4), Deus lhe dá uma resposta para questões eternas: “Eis o soberbo! A sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé” (Habacuque 2:4).

Deus sempre cuidou do povo de Israel, mesmo quando eles estavam sendo perseguidos. As nações que oprimiam o povo do profeta Habacuque apenas cumpriam o conselho do Senhor. No entanto, essas questões não eram as mais importantes. A ação de Deus sempre foi manifestar aos Seus profetas como se dá a Sua justiça aos homens.

O soberbo, aquele que se sente abastado e que não confia em Deus, não tem uma condição reta perante Deus. Outras traduções dizem: “Eis que a sua alma se incha, não é reta nele…” (Habacuque 2:4). Os filhos de Israel são os ‘ricos’, os ‘abastados’, os ‘soberbos’, os cheios de ‘gordura’, que têm a alma inchada por confiarem em suas posses, ou seja, que confiam em suas tradições e origem carnal, e não reconhecem que necessitam de Deus (Jeremias 17:5). Enquanto o profeta pensava que o problema do seu povo na opressão dos ímpios e na perversão da justiça humana, Deus revela que o maior problema deles está na falta de confiança em Deus. Somente aqueles que confiam em Deus têm uma natureza justa, como o crente Abraão. Estes são justos perante Deus e viverão diante Dele pela sua fé.

Essa ideia do texto de Habacuque é retransmitida aos cristãos em Roma. Em conformidade com o que Deus disse a Habacuque: “O justo viverá da fé”, Paulo demonstra que o evangelho é o poder que concede vida aos homens. Por intermédio do evangelho, que é Cristo, Deus cria filhos para Si (João 1:12), revelando as bases de Sua justiça: “nele se descobre a justiça de Deus”.

a) o evangelho é para salvação;
b) é poder de Deus;
c) opera através da obediência (crer);
d) não faz distinção entre os homens;
e) cria filhos de e para Deus (Romanos 1:16).

A justiça de Deus é revelada de fé em fé, o que significa que todos, ao ouvirem a palavra de Deus, precisam crer, assim como Habacuque. A obra perfeita que a fé realiza é denominada perseverança (Tiago 1:3). Quem crê em Cristo, nele persevera.

Enquanto o justo viverá pela fé revelada no evangelho, que é Cristo, esperança da glória (de fé em fé), o ímpio confia em si mesmo. Observe o contraponto entre “de fé em fé”, como “homem que confia no homem”.

“Maldito o homem que confia no homem,” diz o Senhor, “pois faz da carne (origem) a sua força (braço) e se aparta do Senhor” (Jeremias 17:5).

A ideia que Paulo expõe nestes dois versículos será concluída depois de uma extensa argumentação. Perceba que Paulo concluirá esta exposição inicial acerca do evangelho no capítulo 3, versículo 21 e 22:

“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé (…) Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem; porque não há diferença” (Romanos 1:16-17 e Romanos 3:21-22).

O leitor da carta aos Romanos precisa estar atento às argumentações e à ideia principal que está sendo desenvolvida. Qual é a ideia básica desenvolvida por Paulo? O evangelho é o poder de Deus para a salvação de todos quantos crerem! Esta ideia será mantida por toda a carta. Paulo a apresenta no capítulo primeiro, versos 16 e 17, e continua no capítulo três, versos 21 e 22.

Porém, entre as exposições da ideia principal, há argumentações que dão sustentação a essa ideia central.

O estudo que se segue aborda uma das argumentações de Paulo que dá suporte à ideia da salvação por meio do evangelho de Cristo e que desmente a concepção de que Paulo era libertino (sensual, lascivo ou devasso).

 

A Depravação da Humanidade

Como entender a declaração dos versículos dezoito e dezenove? Em primeiro lugar é necessário ter em mente que as declarações de Paulo foram direcionadas aos cristãos. Somente os cristãos conhecem a verdade sobre a ira de Deus: há um dia específico para a ira de Deus e a manifestação do juízo de Deus ( Rm 2:5 ); somente os cristãos compreendem que a ira de Deus se manifesta contra a impiedade e injustiça.

Paulo reitera aos cristãos que a ira de Deus se manifesta contra a impiedade e injustiça, porém os descrentes não sabem desta realidade descrita no versículo dezoito. Os cristãos conhecem e entendem que a ira de Deus é a retribuição pelas injustiças e impiedades praticadas pelos homens; também compreendem que o juízo de Deus se deu em Adão, porém, no dia da ira também será dado a conhecer o juízo de Deus que se deu em Adão, e que os homens desconhecem ( Rm 2:5 ).

Aprendemos em Habacuque que o maior problema do homem está na falta de fé em Deus, e não nas impiedades e injustiça praticadas pelos homens; esta verdade é repetida por Paulo ao demonstrar que o maior problema do homem persiste quando ele detém a verdade pela injustiça.

Com base nestas informações iniciais a estrutura de ideia destes dois versículos fica assim:

“Do céu se manifesta a ira de de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade pela injustiça, visto que o que de Deus se pode conhecer, neles se manifesta, porque Deus lhes manifestou” (v. 16 e 17).

Da mesma forma que os cristãos entendiam que o evangelho é poder de Deus para salvação, eles também entendiam que a ira de Deus se manifesta desde os céus sobre as impiedade dos homens que não creem em Deus (homens que detêm a verdade em injustiça).

A oração ‘visto que o que de Deus se pode conhecer’ na gramática portuguesa é uma Oração Subordinada Adverbial Causal, caracterizada pela conjunção ‘visto que’, pois funciona como uma adjunto adverbial de causa. A ideia que foi exposta na primeira oração é complementada pela oração seguinte que expõe o que deu causa à ideia. Ou seja, a ira de Deus se manifesta sobre os homens que detém a verdade em injustiça porque esta é a única coisa que eles podem conhecer de Deus.

Devemos ter em mente que todas as colocações de Paulo foram feitas a cristãos, e portanto, dentro da compreensão que era pertinente a todos eles.

 

18 Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça.

O que aprendemos com a citação de Habacuque também se aplica deste versículo até o versículo trinta e dois: a depravação da humanidade é uma evidência da falta de fé em Deus, e não o pior problema da humanidade. A depravação que Paulo descreve em linhas gerais não é o pior mal da humanidade, antes indica algo de maior gravidade e que aprisiona a humanidade: o pecado da incredulidade!

Da mesma forma que Habacuque se ocupava em questionar a justiça de Deus por causa de questões sociais, éticas e morais, hoje muitos questionam a justiça de Deus por causa dos problemas da sociedade. Por que tantas injustiças? Por que tanta violência? Será que Deus não está vendo? ( Hc 1:3 -4).

Da mesma forma que a justiça de Deus se manifesta por meio da verdade do evangelho e os homens não conseguem ver, a ira de Deus se manifesta sobre a impiedade e injustiça dos homens, e eles também não conseguem ver.

Os homens que detém a verdade em injustiça são a peça chave na leitura deste capítulo. A fé é o elemento pelo qual o homem alcança a justiça de Deus, e a incredulidade é o elemento que detém a ação da verdade, permanecendo a injustiça. O evangelho de Cristo revela a justiça de Deus aos homens, e estes, quando não creem em Cristo, detêm a verdade em injustiça.

 

19 Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.

Somente aqueles que creem na mensagem do evangelho descobrem a justiça de Deus, pois é isto que o evangelho manifesta a todos quantos creem. Já aos incrédulos é dado conhecer a ira de Deus, pois mesmo eles não sabendo, a ira de Deus se manifesta neles. Deus manifestou a sua ira sobre os homens que detém a verdade de Deus em injustiça.

Visto que os homens vivem em impiedade e em injustiças, a eles compete a ira de Deus. Neles se manifesta a ira de Deus porque é a única coisa de Deus que eles ‘podem’ conhecer. Os justo não conhecerão a ira, antes terão gozo e paz no espírito Santo, pois não é pertinente a eles conhecer a ira.

Aqueles que não creem terão contato única e exclusivamente com a ira de Deus, pois é isto que eles tem entesourado para si. A ira de Deus se há manifestado entre eles, visto que Deus deixou todos eles entregues as concupiscências de seus corações impenitentes (v. 24). Compete a eles a ira de Deus por serem filhos da ira e vasos da ira, preparados para a perdição ( Rm 9:21 -23). Não podemos perder de vista que a culpabilidade dos homens é em decorrência da condenação em Adão, e não por questões morais e comportamentais (impiedade e injustiças).

Permanece a condenação e serão alvos da ira de Deus por não crerem na verdade, conforme o exposto por Cristo: “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no unigênito Filho de Deus” ( Jo 3:18 ).

 

A Natureza

Paulo expõe aos cristãos de Roma que os atributos de Deus, bem como o seu eterno poder e sua divindade são facilmente perceptíveis por tudo quanto está criado por Deus.

Ao analisarmos esta declaração de Paulo, devemos ter em mente que ele estava escrevendo a cristãos e que é próprio a eles ver os atributos de Deus na criação.

Paulo destaca que Deus ‘manifesta’ a sua ira sobre a impiedade e a injustiça, é que a ira é algo que somente os injustos podem conhecer. Porém, os ímpios à época de Paulo tinham ciência, ou melhor, sabiam que a ira de Deus se ‘manifestava’ neles? Os descrentes desconheciam esta verdade! Por que? Porque o texto é uma explanação do apóstolo que demonstra aos cristãos uma realidade pertinente aos injustos. Os injustos são sujeitos da ira de Deus (neles se manifesta a ira), porém, este não é um conhecimento pertinente aos incrédulos. Eles não sabem, ou melhor, não têm ciência de que são sujeitos da ira.

Lembre-se que há o conhecer de ‘ciência’, ou ‘estar informado a respeito de’, e o conhecer cristão, que é ‘Deus em nós e nós nele’. O conhecer do cristão refere-se a união com Cristo.

Quando Paulo fala que as evidências presentes na criação depõe contra os homens que detêm a verdade em injustiça, ele fala de um conhecimento (ciência) que não é de total domínio dos incrédulos. Os incrédulos não conseguem perceber que a natureza depõe contra eles quando revela a existência de Deus.

O papel da natureza é duplo:

a) revela a existência de Deus e desperta a curiosidade de conhecê-lo melhor, e;
b) depõe contra aqueles que souberam da existência de Deus e não se importaram de ter conhecimento de Deus (v. 28).

O conhecimento proveniente da natureza não condena o homem. A condenação é proveniente da queda em Adão, e o conhecimento da existência de Deus através da natureza somente depõe contra os homens, deixando-os sem qualquer desculpa pelo proceder inconveniente que adotaram neste mundo.

Os incrédulos, ao observarem a natureza, souberam da existência de Deus, ou seja, ‘pelas coisas que foram criadas’. Já o entendimento dos cristãos é mais amplo diante das mesmas coisas criadas; os cristãos conseguem ver claramente e entender ‘os atributos invisíveis de Deus, a criação do mundo, o eterno poder de Deus e a divindade’. Ver e entender claramente é algo pertinente aos cristãos, já os incrédulos tem contato com as coisas criadas, e por isso são inescusáveis quando agem em impiamente.

Ao olhar a natureza é possível ‘entender’ e ‘ver’ os atributos de Deus e o seu eterno poder? Observe que os atributos de Deus são invisíveis! É possível entender e ver a criação do mundo? É possível entender e ver que o poder de Deus é eterno? Não! Este conhecimento é restrito aos cristãos, que são informados destas verdades através das Escrituras.

Agora, o que os cristãos claramente viam e entendiam (a manifestação da ira, os atributos invisíveis de Deus, o eterno poder), os incrédulos também adquiriram ‘conhecimento’ de Deus por meio das coisas criadas. O conhecimento deles não equivale ao conhecimento dos cristãos: através da natureza somente é possível perceber a existência de Deus, o que não os livra da condenação em Adão! O conhecimento que os incrédulos adquiriram da natureza não os conduz a Deus, antes, os seus raciocínios tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram e não buscaram a Deus.

Os homens que detêm a verdade em injustiça já estão debaixo de condenação herdada de Adão, e se mantém inescusáveis quanto as suas ações, visto que souberam da existência de Deus por meio das coisas que foram criadas, mas não deram a devida importância a tal conhecimento e não buscando a Deus. Antes, as suas ações se diversificaram segundo os seus corações e pensamentos, e somente entesouram ira para si ( Rm 2:5 ).

A ira de Deus a se manifestar é quanto as ações dos homens, visto que o juízo já foi estabelecido quanto à queda de Adão. A queda trouxe o juízo de Deus, mas as ações dos homens trará a ira e a indignação de Deus.

Por que eles se mantém culpáveis diante de Deus? Porque a natureza evidencia que Deus existe, dando aos homens a primeira condição para que creiam em Deus, conforme foi demonstrado aos cristãos Hebreus: “…é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe…” ( Hb 11:6 ). A criação apresenta a primeira condição necessária para que o homem se aproxime de Deus: dá a conhecer a existência de Deus.

A criação nunca substituiu o evangelho e não tem condição de ‘revelar’ a plenitude de Deus aos homens. Somente Jesus, o unigênito de Deus, revelou e revela Deus aos homens ( Jo 1:18 ), dando as condições necessárias para que se creia que ‘Deus existe’, e é ‘galardoador dos que o buscam’ ( Hb 11:6 ).

Saber que Deus existe não livra ninguém da condenação eterna; saber que Deus existe não livra ninguém da condenação do pecado (vide o caso de Caim, que mesmo sabendo da existência de Deus, matou o seu irmão).

A natureza ‘revela’ que Deus existe, porém ela é limitada. A natureza não faz o homem se aproximar de Deus! Somente aqueles que aceitam a verdade do evangelho é que tem acesso a Deus, visto que Jesus é o caminho a verdade e a vida “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” ( Jo 14:6 ). O conhecimento evidenciado pela natureza jamais conduzirá homem algum a Deus.

Entender que é possível alguém ser salvo através da ‘revelação’ da natureza é temerário, pois:

1ª) Os judeus tinham conhecimento impar de Deus através do que revelava o Antigo Testamento, e mesmo assim, muitos se desviaram após outros deuses;
2ª) Esta ideia não coaduna com o exposto por Paulo: “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição” ( Rm 9:22 ); muitos questionam a justiça de Deus, visto que nem todos os homens ouviram a mensagem do evangelho. Porém, estes esquecem que os vasos da ira foram preparados para a perdição. “Que diremos? Há injustiça da parte de Deus?” ( Rm 9:14 );
3ª) Alegar que Deus julgará o homem com relação as suas obras através do conhecimento recebido não é bíblico, visto que só o fato de ir a julgamento já demonstra a culpabilidade do homem ( Rm 2:12 ).

A ação dos homens, mesmo tendo conhecimento (‘ciência’) da existência de Deus, foi o de criarem deuses para si.

 

20 Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;

Os homens que detêm a verdade pela injustiça permanecem no estado de culpabilidade diante de Deus, mesmo quando é perfeitamente possível entender e ver por meio das coisas criadas, que existe um Deus. A culpabilidade da humanidade se deu em Adão, onde os homens passaram a ser filhos da desobediência e da ira.

Os homens que detém a verdade em injustiça permanecem na perdição (culpáveis). A incredulidade dos homens que detém a verdade em injustiça não depõe somente contra o evangelho de Cristo, que é a verdade. A incredulidade se opõe até em coisas por demais evidentes, como as que foram criadas por Deus.

O leitor deve perceber que a argumentação de Paulo é direcionada a cristãos. Dentro desta ideia, Paulo demonstra que observar a natureza e entender que Deus existe não absolve o homem de sua culpa. Constatar que Deus existe através das coisas criadas por Deus serve somente para que os homens que detém a verdade em injustiça fiquem inescusáveis.

O homem tornou-se culpável em Adão, e quando ele entende que Deus existe através da coisas criadas, torna-se indesculpável. Os elementos que a natureza apresenta, apresenta tão somente para que o homem permaneça inescusável diante de Deus.

 

21 Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. 22 Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. 23 E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis.

Os homens poderiam inquirir a respeito de Deus quando em contato com as coisas criadas, porém, permaneceram inescusáveis, pois souberam da existência de Deus por meio de suas obras e não lhe renderam graças e nem a glória devida.
Este versículo deve ser analisado com a ideia que a carta aos Hebreus apresenta: “Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” ( Hb 11:6 ).

Ora, se é necessário crer que Deus existe para poder se aproximar dele, a natureza é uma grande aliada, pois o que ela apresenta declara que há um Deus. Apesar dos homens terem conhecimento da existência de Deus, acabaram criando discursos fúteis e seguiram o curso de um coração impenitente herdado em Adão. O ato de renderem adoração as imagens de escultura demonstra o quanto o homem se distanciou do Criador.

A natureza apresenta uma verdade, porém, ela não consegue aproximar o homem de Deus. Somente a verdade do evangelho pode reconciliar o homem com Deus.

A sabedoria do homem, as suas questões filosóficas os faz inculcar que são sábios, porém, a sabedoria dos homens é loucura perante Deus. As investigações dos homens se demonstram ineficazes, e só distancia o homem de Deus. Eles tornaram-se loucos por concluírem que não precisam de Deus, visto que criam deuses para si.

 

24 Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; 25 Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém.

A ira de Deus começa a revelar-se nos homens que detém a verdade em injustiça pelo fato de estarem entregues as concupiscências de seus corações.

 

26 Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. 27 E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro.

O apóstolo Paulo descreve o comportamento dos homens que rejeitaram a Deus e seguem as concupiscências de seus corações. As dissoluções, rebeldias e infâmias é resultado da entrega as concupiscências do coração e abandono às paixões infames.

 

28 E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm; 29 Estando cheios de toda a iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; 30 Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; 31 Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia;

O maior problema da humanidade reside em não se importar em ter conhecimento de Deus. Enquanto o homem não considera em seu coração que Deus existe e que é galardoador daqueles que o buscam, ficam entregues a um sentimento perverso. A disposição mental daqueles que desprezam o conhecimento de Deus é totalmente reprovável.

 

32 Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.

Mesmo não se importando em ter conhecimento de Deus os homens não podem negar o testemunho da consciência. Mesmo sabendo que são passíveis de morte quem pratica as ações descritas acima, quem não se importa em ter conhecimento de Deus não somente as fazem, como também consentem com quem as pratica.

Os homens cheios de malignidade conhecem a justiça de Deus através de uma lei interna e da consciência ( Rm 2:15 ). Eles sabem que as suas ações são reprováveis diante de Deus, porém permanecem na prática desenfreada da maldade.

Este trecho da carta aos Romanos (v. 18- 32) tem o objetivo de demonstrar que jamais Paulo apregoou que é necessário fazer o mal, para que o bem venha ( Rm 3:8 ). Este trecho depõe contra a malignidade da humanidade, demonstrando que quem pratica tais coisa são reprováveis perante Deus.

O capítulo seguinte apresenta homens que se escudam em acusar o semelhante, mas a condição deles é a mesma que os mais infames dos homens; eles também são reprováveis diante de Deus.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

3 thoughts on “Romanos 1 – O poder de Deus para salvação

  • Esse estudo foi revelador para mim. Antes de abri -lo pedi por graça e misericórdia de Deus para me deixar conhecer a vontade Dele. E assim foi, hoje eu posso dizer que entendi o que é aceitar Cristo como Senhor e Salvador da minha vida.

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  • Gostei muito desse estudo queria receber mais estudos

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  • Paz do Senhor. Foi muito edificante para mim entender a dimensão da promessa feita a Davi. Essa promessa nao se realizou em Seu filho Salomão. Mas quem rergueu o templo foi Cristo.

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