A mensagem que os profetas (mensageiros, anjos) anunciavam era tão grandiosa que eles desejavam compreendê-la plenamente (atentar para o evangelho). Eles indagavam sobre os tempos e as ocasiões em que tais maravilhas ocorreriam e quem seriam os beneficiados por elas.

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Os anjos desejaram pregar o evangelho?

“… para as quais coisas os anjos desejam bem atentar.” (1 Pedro 1:12).

Anjos e pregação

É quase consenso no meio protestante e evangélico a ideia de que os anjos desejaram pregar o evangelho. Essa concepção, no entanto, resulta de uma má interpretação do versículo 12, do capítulo 1 da primeira epístola de Pedro. Essa leitura equivocada leva a uma interpretação incorreta do texto. Observe o que o versículo diz:

“Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar“ (1 Pedro 1:12).

Para compreender corretamente este versículo, é essencial formular algumas perguntas sinceras ao texto, levando em consideração o contexto em que ele se encontra. Somente então poderemos analisar adequadamente a questão relacionada aos “anjos” e ao “evangelho”.

Um dos grandes desafios está em determinar quais coisas os “anjos” realmente desejaram entender. Outro ponto crucial é esclarecer se o texto se refere a seres celestiais (anjos) ou aos profetas, que também eram chamados de “mensageiros”, ou seja, ‘aggelos’ em grego.

Tenha uma boa leitura.

 

As Profecias acerca da graça

Primeiramente, é essencial identificar o que foi revelado e, em seguida, a quem essa revelação foi dirigida.

Ao analisar o versículo 10 do primeiro capítulo da primeira epístola de Pedro, fica claro que a revelação diz respeito à graça concedida aos cristãos por estarem em Cristo. Quanto a quem essa verdade foi revelada, o texto se refere aos profetas do Antigo Testamento.

“Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada,” (1 Pedro 1:10).

A graça que os profetas anunciaram de antemão não foi dada a eles, mas aos cristãos. Os profetas, por sua vez, inquiriram e diligentemente investigaram a respeito dessa graça que anunciavam, pois desejavam saber qual seria o tempo, ou a ocasião específica, em que tais eventos ocorreriam.

Mas, que evento é esse que os profetas anteviram e preanunciaram por meio da pré-ciência concedida pelo Espírito de Deus? Trata-se dos sofrimentos de Cristo e da glória que se seguiria.

“Indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.” ( Pedro 1:11).

A graça que os profetas anunciaram não lhes seria concedida diretamente; em vez disso, a mensagem que proclamaram no passado é a mesma que os apóstolos de Cristo estavam agora anunciando aos homens: o evangelho, as boas novas do reino.

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina;” (Efésios 2:20).

Os apóstolos são descritos como mensageiros de Deus, comissionados pelo Espírito de Deus para pregar o evangelho. E o que os apóstolos anunciavam? A mesma mensagem (as mesmas “coisas”) que os profetas haviam anunciado.

“Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pedro 1:12).

• Aos quais – Refere-se aos profetas (1 Pedro 1:10);
• Foi revelado que – O sofrimento de Cristo e a glória que haveria de seguir;
• Não para si mesmos – A mensagem da profecia não era destinada aos próprios profetas, nem ao povo de Israel;
• Mas para nós – A mensagem tinha como objetivo os cristãos;
• Eles ministravam – Refere-se aos profetas;
• Estas coisas que agora vos foram anunciadas – A mensagem dos profetas e dos apóstolos;
• Por aqueles que – Refere-se aos apóstolos;
• Pelo Espírito Santo enviado do céu – O autor da mensagem;
• Vos pregaram o evangelho – Os apóstolos;
• Para as quais coisas – Quais são essas coisas?
• Os anjos desejam bem atentar – O que os anjos realmente desejaram entender?

 

A graça concedida em Cristo

Ao reler o versículo, fica claro que o erro de interpretar que os “anjos” desejaram pregar o evangelho ocorre ao inferir que “as coisas” que os anjos desejaram estão relacionadas a “pregar o evangelho”. Esse equívoco surge devido à proximidade das frases no versículo. No entanto, o que os “anjos” realmente desejaram foi “atentar”.

Ao analisar o texto com mais precisão, percebe-se que “as quais coisas” que os “anjos” desejaram atentar referem-se às mesmas coisas que os profetas investigavam ao ministrar.

“Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pedro 1:12).

Observe que os “anjos” estavam interessados nas mesmas coisas que os profetas. Eles queriam entender como seria a salvação concedida gratuitamente (a graça) e qual seria o tempo ou a ocasião em que ocorreriam os sofrimentos de Cristo e a glória que se seguiria a esses eventos.

Considerando que as coisas que os “anjos” desejaram não se referem a pregar o evangelho, mas sim a “atentar”, surge a pergunta: Qual é o significado de ‘atentar’ neste versículo? Seria pregar ou anunciar o evangelho? Não! O significado de ‘atentar’ aqui é compreender, entender, perscrutar, examinar profundamente, olhar para dentro.

O apóstolo Pedro estava mostrando aos cristãos que a graça que lhes foi concedida é tão extraordinária que os próprios profetas ansiavam por entender o que essa graça significava, como ela se manifestaria e em que ocasião de tempo isso ocorreria. Esse mistério era tão profundo que até os profetas desconheciam as nuances do que anunciavam. Por isso, eles indagavam e tratavam dessa graça com diligência, buscando compreender plenamente o que pregavam.

“Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.” (1 Pedro 1:10-11).

É certo que até as potestades celestiais desconheciam o mistério que há no evangelho.

“A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo, e demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor, no qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele” (Efésios 3:8 -12).

 

Os mensageiros de Deus

Outro equívoco decorrente de uma má leitura do texto é interpretar que “os anjos” que desejaram compreender o evangelho são seres celestiais, quando na verdade o texto se refere aos profetas da Antiga Aliança, que também são chamados de mensageiros.

Esse erro ocorre porque o termo grego ἀγγέλων, transliterado como ‘aggelos’, pode, dependendo do contexto, referir-se tanto a seres angelicais quanto a um mensageiro de Deus, que pode ser um profeta ou um apóstolo.

Considerando que o termo traduzido como ‘anjo’ no Novo Testamento é ἄγγελος (ággelos), o qual pode se referir tanto a um mensageiro humano quanto a um ser celestial, apenas através da análise contextual é possível determinar se são os seres angelicais que desejaram compreender o evangelho ou se são os profetas (mensageiros humanos) que anseiaram entender o mistério do evangelho.

Considerando o contexto que se inicia no versículo 10, é evidente que são os profetas que inquiriram e diligentemente investigaram a respeito da graça. Foram eles que buscaram entender o tempo ou a ocasião em que se dariam os sofrimentos de Cristo e a glória que se seguiria, quando, pelo Espírito Santo que estava neles, profetizavam (1 Pedro 1:10-11).

Foram os profetas que receberam a revelação de que as coisas que ministravam não diziam respeito a eles, mas a outro povo. Agora, após a aparição de Jesus Cristo nosso Senhor, essas mesmas coisas foram anunciadas pelos apóstolos, que pelo Espírito Santo, pregavam o evangelho.

Agora, o evangelho estava sendo anunciado pelos apóstolos, sob a unção do Espírito Santo enviado do céu, e era precisamente sobre esse evangelho que os mensageiros de Deus (os profetas) desejaram atentar, ou seja, compreender. Tanto que eles indagavam diligentemente a respeito dessa graça.

“Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1 Pedro 1:12).

 

Conhecer a multiforme sabedoria é diferente de atentar para o evangelho

Por que “conhecer a multiforme sabedoria de Deus” é algo distinto de “atentar para o evangelho”?

Na passagem de Efésios 3:8-12, o texto aborda o propósito eterno que Deus estabeleceu em Cristo: a Sua preeminência em todas as coisas como cabeça de um corpo, a igreja. Através da igreja, a multiforme sabedoria de Deus foi revelada às potestades nos céus. O propósito eterno de Deus é conduzir muitos filhos à glória, de modo que Cristo Jesus seja o primogênito entre muitos irmãos. Entre irmãos que são semelhantes a Ele em tudo, Cristo é preeminente. A preeminência se manifesta entre iguais; entre desiguais, há superioridade.

No texto de Pedro, a questão em análise é a graça de Deus revelada através dos sofrimentos de Cristo e da glória que se seguiria. Essa graça é a essência do evangelho, e os profetas (mensageiros) ansiavam por compreendê-la.

Um equívoco semelhante ocorre na carta aos Colossenses, quando o apóstolo Paulo faz referência ao “culto dos anjos“. Considerando o contexto histórico do judaísmo, é improvável que houvesse um culto prestado a seres celestiais. No entanto, se levarmos em conta que os judeus veneravam os profetas, é plausível entender que o “culto dos anjos” se refira a essa reverência específica aos mensageiros de Deus da Antiga Aliança.

 

Anunciar o evangelho é missão dada aos homens

Assim como o apóstolo Pedro, Paulo também demonstra que a graça de anunciar o evangelho foi conferida a ele, um dos apóstolos.

E o que significa anunciar o evangelho? É divulgar as riquezas insondáveis de Cristo. É tornar compreensível aquilo que antes era incompreensível. É revelar a todos o conteúdo do mistério que estava oculto em Deus, o Criador de todas as coisas por intermédio de Cristo.

O cristão também é dispenseiro desse mistério que o apóstolo Paulo anunciou ao mundo.

“E por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra com confiança, para fazer notório o mistério do evangelho,” (Efésios 6:19).

O mistério é simples: os gentios são co-herdeiros da promessa pelo evangelho.

“O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; A saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho;” (Efésios 3:5-6).

As coisas que os profetas anunciaram, e que agora estão sendo proclamadas a todos os homens, são o que produz fé naqueles que ouvem. Ao crerem, eles se tornam um com Aquele que criou todas as coisas (Efésios 3:17).

Quando os cristãos se tornam membros do corpo de Cristo, ou seja, a igreja do Deus vivo—“Porque somos membros do seu corpo, da sua carne, e dos seus ossos” (Efésios 5:30)—o mistério é revelado, e eles passam a compreender (atentar para) o que Deus propôs em Cristo: Sua preeminência em todas as coisas.

Para que Cristo alcance a preeminência em todas as coisas, é concedido aos que creem as riquezas insondáveis de Cristo: ser membro do corpo de Cristo e coerdeiro com Ele de todas as coisas.

“Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos;” (Efésios 1:18).

Os cristãos têm a incumbência de anunciar a esperança da vocação e as riquezas da glória. Como esse segredo estava oculto em Deus, nem mesmo os seres angelicais tinham conhecimento do que Deus propusera em Si mesmo (o eterno propósito que realizou em Cristo, por meio de quem todas as coisas foram criadas).

“E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, Segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:9-11).

O apóstolo Paulo estava radiante, pois agora, através da igreja, o mistério que envolvia a multiforme sabedoria de Deus foi revelado até aos principados e potestades nos céus. No entanto, isso não significa que esses seres desejavam pregar o evangelho.

Os anjos compreenderam, por meio da igreja, a multiforme sabedoria de Deus, enquanto os profetas, ao profetizarem, ansiavam por entender (atentar para) o que estavam anunciando.