A santificação não está relacionada ao crescimento progressivo do cristão. Na verdade, está intrinsecamente relacionada ao fato de que o cristão, ao tornar-se filho de Deus, é idôneo para a herança dos santos, por compartilhar da natureza divina (Atos 26:18).
Santificação e renovação do entendimento
Conteúdo do artigo
“Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação.” (Romanos 6:19).
Introdução
A doutrina da santificação é fundamental para compreender a importância da transformação do crente pela renovação do entendimento. Através de uma análise de textos bíblicos emblemáticos que tratam da santificação em Cristo, este texto revela a vontade de Deus para o cristão e o que é exigido ao longo da sua jornada de fé.
A base e o propósito da santificação
“Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas.” (1 Pedro 1:2).
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor;” (Efésios 1:3-4).
“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (Romanos 8:1);
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2 Coríntios 5:17).
Conforme o conhecimento antecipado por Deus aos profetas (presciência), os cristãos são eleitos em santificação no evangelho (espírito), o lavar da regeneração. A obediência ao evangelho é necessária para alcançar a remissão dos pecados (aspersão do sangue de Jesus) (1 Pedro 4:17; 2 Tessalonicenses 1:8).
“Purificando as vossas almas pelo Espírito na obediência à verdade, para o amor fraternal, não fingido; amai-vos ardentemente uns aos outros com um coração puro;” (1 Pedro 1:22 cf 1 Pedro 1:2);
“Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo,” (Tito 3:5).
A bênção da eleição é concedida apenas aos gerados de novo em Cristo (nova criatura), não à velha criatura gerada segundo a semente corruptível de Adão. O velho homem não pode ser eleito, pois não pode ser santo e irrepreensível diante de Deus, condição que só é possível aos gerados de novo em Cristo.
Apenas aqueles pertencentes à geração eleita, nascidos da semente incorruptível, que é a palavra de Deus, são eleitos. O velho homem, nascido da semente corruptível de Adão, precisa morrer (ser batizado na morte de Cristo). Portanto, somente a nova criatura desfruta da bênção da eleição.
“Mas vos sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;” (1 Pedro 2:9).
A base da santificação é o novo nascimento, ato de Deus por meio do evangelho (semente incorruptível), que cria o novo homem em verdadeira justiça e santidade, ou seja, para uso exclusivo de Deus. A eleição para ser santo e irrepreensível é ilustrada na figura do vaso para honra:
“Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade. Ora, numa grande casa não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra. De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra.” (2 Timóteo 2:19-21).
Analisando os três versículos acima, certo é que o evangelho é o fundamento de Deus, que certifica que todos que creem em Cristo se tornam um com o Pai e o Filho (conhece os que são seus). O contexto sugere que, qualquer que confessa a Cristo como Senhor (profere o nome de Cristo), deixou a iniquidade (Ἀποστήτω[1] ἀπὸ ἀδικίας πᾶς).
“Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele.” (1 Coríntios 8:3).
O evangelho é o fundamento de Deus, garantindo que todos os que creem em Cristo se tornam um com o Pai e o Filho, pois Deus conhece os que são Seus. O contexto sugere que qualquer um que confessa Cristo como Senhor (profere o nome de Cristo) se afastou da iniquidade (Ἀποστήτω ἀπὸ ἀδικίας πᾶς).
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; No qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor. No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito.” (Efésios 2:19-22).
O selo que decorre do fundamento firme de Deus possui duas premissas: Deus conhece aqueles que pertencem a Ele e aqueles que proferem o nome de Cristo se isenta da iniquidade. Este selo evidencia algo que parte de Deus para o homem, e não que o homem deva fazer algo por si mesmo. O contexto contraria a leitura comum do texto, que sugere uma obrigação de que quem profere o nome de Cristo deve deixar a iniquidade por seu próprio esforço.
De fato, o cristão professa o nome de Cristo porque é Ele quem tira o pecado do mundo, e é por isso que mantém essa esperança. Qualquer um que tem a esperança de ser como Cristo se purificou a si mesmo, o que não significa que o cristão teve que fazer algo para se purificar, mas sim que se deixou purificar pelo lavar regenerador do evangelho.
“E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro.” (1 João 3:3);
“Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado.” (João 15:3);
“Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo,” (Tito 3:5);
“Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra,” (Efésios 5:26).
A base da santificação é a lavagem pela água, equivalente a ser gerado de novo pela semente incorruptível. Isso significa que, através da palavra, a semente incorruptível, uma nova criatura é gerada participante da natureza divina isenta de mácula.
O propósito da santificação é tornar o homem propriedade de Deus e de uso exclusivo para a justiça, sendo criado em justiça e santidade, de modo que seja santo e irrepreensível diante de Deus (Efésios 1:4). Esta santidade não é algo alcançado pelo esforço humano, mas é uma obra de Deus no crente, que é transformado e purificado pela palavra do evangelho.
Para concluir sua exposição a Timóteo, o apóstolo dos gentios utiliza a figura do vaso, demonstrando que, em uma casa, há não apenas vasos de ouro e prata, mas também de ferro e barro, com funções de honra e desonra. Se alguém se purifica das impurezas mencionadas anteriormente, torna-se um vaso de honra.
A “purificação” do verso 21 é o apartar-se da iniquidade do verso 19? Não! A purificação do verso 21 cabe ao cristão, que deve manter-se afastado das contendas de palavras (2 Timóteo 2:14) e dos falatórios profanos (2 Timóteo 2:16), que corroem como gangrena (2 Timóteo 2:17).
O “apartar-se” do verso 19 é algo que Deus realiza naqueles que professam o nome de Cristo, pois eles pertencem a Ele, e Ele os conhece. A tradução do versículo 19 parece impor ao homem uma tarefa que somente Deus pode realizar por meio da fé em Cristo.
“Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei.” (Ezequiel 36:25).
“E não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé.” (Atos 15:9).
“O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras.” (Tito 2:14).
A santificação é um termo teológico que descreve a nova realidade que permeia a vida do cristão. Ela se manifesta tanto como um ato quanto como um estado, jamais como um processo. Através do evangelho, o cristão é separado do mundo e aproximado de Deus, tornando-se templo e morada de Deus. Pela semente incorruptível, o cristão é santo, pois se torna participante da natureza divina.
A santificação sublinha a transformação radical na natureza do crente diante de Deus, e não na existência do crente neste mundo. Pelo poder do evangelho, o cristão é separado do mundo, não em quesitos externos, mas em sua essência, separado para uso exclusivo de Deus. A santidade do cristão é derivada da semente incorruptível do evangelho, que infunde a natureza divina no indivíduo, conferindo-lhe uma nova condição, e não somente um status de santidade.
“Nisto é perfeito o amor para conosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.” (1 João 4:17).
Santificação: novo tempo e livre do mundo
“Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.” (2 Pedro 1:4).
O evangelho é poder de Deus, o conhecimento que concede aos que creem tudo o que diz respeito à vida e a piedade. É por meio do evangelho que os seguidores de Cristo são capacitados a transcender a corrupção deste mundo e compartilhar da natureza divina (Romanos 1:16; 2 Pedro 1:3).
A nova condição e realidade dos cristãos está intrinsecamente ligada ao reino de Cristo, pois foram libertos do domínio das trevas. Unidos com Cristo em Sua morte e ressurreição, os crentes agora desfrutam de uma posição nos lugares celestiais, participando do repouso prometido.
“O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor;” (Colossenses 1:13);
“Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus;” (Efésios 2:5-6);
“Porque nós, os que temos crido, entramos no repouso, tal como disse: Assim jurei na minha ira Que não entrarão no meu repouso; embora as suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo.” (Hebreus 4:13).
Embora ainda estejam no mundo, os salvos em Cristo não pertencem ao mundo.
“Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou.” (João 17:14-16).
A santificação não é o ato de separação que desvincula o ser humano do domínio do pecado; é, na verdade, a condição do homem que nasceu de novo e está agora livre do pecado. O verdadeiro processo de libertação do pecado ocorre ao morrer com Cristo, momento em que o poder do pecado é anulado, visto que o corpo do pecado é desfeito, o que inviabiliza servi-lo.
“Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado. (…) Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.” (Romanos 6:6-7 e 14).
Após a morte do homem e sua libertação do pecado, ele ressurge uma nova criatura, pertencente exclusivamente a Deus e destinada a Seu uso específico. A santificação não se resume a consagrar a Deus, mas sim à condição da nova criatura que vive em um novo tempo.
“Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.” (Romanos 6:17-18).
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2 Coríntios 5:17).
Santos cuja meta é a estatura de Cristo
Uma das áreas frequentemente mal compreendidas na doutrina da santificação é a noção de maturidade cristã.
Como anteriormente destacado, os cristãos são considerados perfeitos em Cristo, conforme estabelecido por Deus:
“A quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria; para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo;” (Colossenses 1:28);
“E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade;” (Colossenses 2:10);
“Perfeito serás, como o Senhor teu Deus.” (Deuteronômio 18:13).
A perfeição mencionada não se refere ao caráter moral do cristão, pois nos termos gregos traduzidos como “perfeito”, não há uma conotação moral específica. Essa perfeição é funcional[2], pois os salvos se tornam instrumentos de justiça, perfeitos para o propósito para o qual foram escolhidos. Assim como Cristo é a cabeça do corpo e cada cristão é um membro individual desse corpo, os cristãos são considerados perfeitos por serem parte de Cristo, o qual é a perfeição em si mesmo.
“No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, pela circuncisão de Cristo; Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos.” (Colossenses 2:11-12);
“Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.” (1 Coríntios 12:27);
“Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.” (Romanos 12:5);
“O discípulo não é superior a seu mestre, mas todo o que for perfeito será como o seu mestre.” (Lucas 6:40).
Aquele que é salvo em Cristo é considerado perfeito, pois, após passar pelo novo nascimento, torna-se automaticamente qualificado para compartilhar da herança dos santos. Não importa se é um adulto maduro na fé ou um recém-convertido, todo aquele que está em Cristo é completamente habilitado para receber essa herança.
“Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz;” (Colossenses 1:12);
“Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo.” (Gálatas 4:7).
A distinção entre os que são como meninos e os que são como adultos na fé em Cristo está no tipo de alimento espiritual que recebem. Assim como bebês são alimentados com leite, os que estão começando na fé necessitam de ensinamentos mais básicos e simples. No entanto, os que são mais maduros na fé são capazes de digerir alimento sólido, isto é, ensinamentos mais profundos e complexos da Palavra de Deus.
“Do qual muito temos que dizer, de difícil interpretação; porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino. Mas o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal.” (Hebreus 5:11-14).
A santificação não está relacionada ao crescimento progressivo do cristão. Na verdade, está intrinsecamente relacionada ao fato de que o cristão, ao tornar-se filho de Deus, é idôneo para a herança, por compartilhar da natureza divina.
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus;” (Efésios 2:19).
O crescimento do cristão, que o conduz à perfeição como um homem formado, está intimamente ligado ao conhecimento de Cristo, cujo objetivo é alcançar a “unidade da fé”. Visto que há apenas uma fé, um batismo e um Senhor, cada cristão deve buscar conhecer plenamente sua fé (o evangelho), que é um todo indivisível, imutável e completo.
“Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;” (Efésios 4:3-4);
“Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.” (1 Coríntios 12:13).
A “unidade do espírito” é essencialmente “unidade da fé”, pois há apenas um evangelho e um único Senhor, cujo batismo é um só, na morte de Cristo. Esta é a razão pela qual os cristãos são caracterizados como ministros do espírito (Novo Testamento), em contraste com os ministros da letra (Antigo Testamento) (2 Coríntios 3:6). Consequentemente, aqueles que andam segundo o espírito (Novo Testamento), estão livres de qualquer condenação (Romanos 8:1).
“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo,” (Efésios 4:13).
Quando nascem de novo, os cristãos são novatos na fé, e seu entendimento da doutrina de Cristo é limitado. Cada um deve se empenhar em seguir a verdade do evangelho com obediência, que é o amor (ágape) do servo para com o seu senhor, crescendo em todos os aspectos em Cristo, até alcançar a plenitude da estatura de Cristo.
“Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e adultos no entendimento.” (1 Coríntios 14:20).
O crescimento dos cristãos tem como objetivo levá-los da infância à maturidade na compreensão do evangelho, o que não pode ser confundido com alcançar a santidade ou a santificação. Para progredir, os salvos em Cristo devem ansiar sinceramente pelo “leite racional”, ou seja, pela Palavra de Deus. Assim como nascem da semente incorruptível, que é a Palavra de Deus, precisam nutrir-se dela para crescer e alcançar a maturidade no entendimento.
“Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino.” (Hebreus 5:13);
“Desejai afetuosamente, como meninos novamente nascidos, o leite racional, não falsificado, para que por ele vades crescendo;” (1 Pedro 2:2).
Quando o apóstolo Paulo aconselha os cristãos a serem “como crianças” em relação à “malícia”, ele está instruindo-os a se afastarem do “fermento da malícia” (1 Coríntios 14:20). O termo grego κακία (kakia), traduzido como malícia, também pode ser traduzido como “maldade”, denotando um mal intrínseco presente em algo.
“Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade. Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem; Isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo.” (1 Coríntios 5:6-10).
O “fermento da maldade” (πονηρία/ponéria) e da “malícia” (κακία/kakia), que se contrasta com a sinceridade (εἰλικρίνεια/eilikrineia) e a verdade (ἀλήθεια/alétheia), refere-se ao fermento dos fariseus, que se opunha ao conhecimento proclamado por Cristo.
“E Jesus disse-lhes: Adverti, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus. E eles arrazoavam entre si, dizendo: É porque não trouxemos pão. (…) Como não compreendestes que não vos falei a respeito do pão, mas que vos guardásseis do fermento dos fariseus e saduceus? Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus.” (Mateus 16:6-7 e 11-12).
A interpretação do termo “malícia” como um vício moral relacionado à habilidade de enganar ou agir com astúcia nas questões do dia a dia é uma leitura comum. No entanto, no contexto das escrituras, a “malícia” tem uma conotação mais ampla, referindo-se não apenas a atos maliciosos, mas a uma compreensão inclinada a obedecer a mandamentos de homens.
Quando o apóstolo Paulo instrui os cristãos a serem “como crianças na malícia”, ele pode estar se referindo tanto a um sistema doutrinário segundo os homens (malícia) quanto a uma mentalidade que está aberta à ventos de doutrina (criança). É uma advertência contra sistemas doutrinários que distorcem ou se opõem à verdadeira fé cristã, que pode desviar os incautos do caminho da verdade.
Portanto, a melhor leitura que se deve fazer da “malícia” aqui não esteja limitado a vícios morais individuais, mas a sistemas doutrinários ou filosofias que se contrapõem à fé cristã, levando os crentes a apostatarem da fé.
Ao contemplar que a lei foi instituída em resposta às transgressões e que qualquer tropeço em um único ponto da lei torna alguém culpado de toda ela (Gálatas 3:19; Tiago 2:10), ao referir-se a alguém como “devasso”, o apóstolo Paulo está-se empregando uma figura para destacar que aqueles que se orgulham de sua observância estrita da lei (os da circuncisão), na verdade são transgressores da lei.
“Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina,” (I Timóteo 1:10);
“E estas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles, conforme está escrito: O povo assentou-se a comer e a beber, e levantou-se para folgar. (…) E não murmureis, como também alguns deles murmuraram, e pereceram pelo destruidor. Ora, tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos.” (1 Coríntios 10:10-11).
Ao aconselhar os cristãos a não se associarem com os que se “prostituem”, o apóstolo não estava se referindo apenas a comportamentos moralmente repreensíveis, mas sim utilizando uma figura de linguagem que representa vividamente os da circuncisão, que são acusados pelas Escrituras como transgressores da lei.
“Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem; Isto não quer dizer absolutamente com os devassos deste mundo, ou com os avarentos, ou com os roubadores, ou com os idólatras; porque então vos seria necessário sair do mundo.” (1 Coríntios 5:9-10).
O apóstolo Paulo estava, de fato, alertando os cristãos contra a associação com aqueles que seguiam doutrinas ou práticas contrárias à fé cristã, em oposição ao fermento dos fariseus e dos que deturpavam o conhecimento ensinado por Cristo. Ele não estava proibindo a interação com pessoas de comportamento moralmente questionável, mas sim advertindo sobre a influência de sistemas doutrinários que poderiam corromper a fé dos cristãos. O foco da reprimenda estava na preservação da pureza da fé e no afastamento daqueles que ensinavam doutrinas distorcidas, e não especificamente na vedação de vícios de ordem moral.
“E disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo.” (Atos 10:28).
O alerta de Tiago carrega um sentido semelhante, pois os cristãos eram instruídos a rejeitar as controvérsias levantadas por aqueles da circuncisão (imundícia e superfluidade de malícia), e, em vez disso, a acolher com humildade a verdade do evangelho.
“Por isso, rejeitando toda a imundícia e superfluidade de malícia, recebei com mansidão a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas.” (Tiago 1:21).
A maldade e a malícia eram representativas do fermento da doutrina dos judaizantes, que procuravam restaurar o reino de Israel pela força e recusavam-se a se submeter à autoridade humana. Os cristãos eram aconselhados a não estabelecer aliança com esses homens insensatos e ignorantes.
“Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos; Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus. Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei.” (1 Pedro 2:15-17).
Os cristãos são livres no Senhor e não devem usar essa liberdade como uma desculpa para encobrir a malícia que caracterizava os judeus, que a pretexto de serem livres por causa de Abraão, se recusavam a obedecer às autoridades estabelecidas. Os judaizantes, ao tentarem estabelecer o reino de Israel através da rebelião contra o governo existente, mostravam desprezo pelas autoridades, uma das características de quem seguem os desejos impuros da carne.
A aliança perniciosa entre cristãos e judaizantes para derrubar as autoridades constituídas não podia ser tolerada à luz do evangelho, daí a instrução para os cristãos se absterem das concupiscências carnais.
“Mas principalmente aqueles que segundo a carne andam em concupiscências de imundícia, e desprezam as autoridades; atrevidos, obstinados, não receando blasfemar das dignidades;” (2 Pedro 2:10);
“Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma;” (1 Pedro 2:11).
Sobre a atitude dos judaizantes, que são chamados de transgressores, adúlteros, maldosos, maliciosos, etc., disse o irmão Judas:
“E, contudo, também estes, semelhantemente adormecidos, contaminam a sua carne, e rejeitam a dominação, e vituperam as dignidades. (…) Estes são murmuradores, queixosos da sua sorte, andando segundo as suas concupiscências, e cuja boca diz coisas mui arrogantes, admirando as pessoas por causa do interesse. Mas vós, amados, lembrai-vos das palavras que vos foram preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo; Os quais vos diziam que nos últimos tempos haveria escarnecedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências. Estes são os que causam divisões, sensuais, que não têm o Espírito.” (Judas 1:8 e 16-19).
Os judaizantes eram aqueles que causavam divisões no corpo de Cristo, seguindo mandamentos humanos, carnais e/ou sensuais, sem possuir o verdadeiro conhecimento revelado em Cristo (Romanos 10:2). Embora demonstrassem zelo por Deus, careciam do entendimento essencial do evangelho.
A instrução do escritor aos Hebreus era para que os cristãos não negligenciassem o evangelho. Apesar do tempo que estavam sendo instruídos, ainda estavam na condição de novatos, necessitando serem ensinados novamente nos princípios básicos do evangelho. O escritor aos Hebreus argumenta que esses princípios básicos são como leite, adequados para os novatos na fé. No entanto, eles deviam progredir além dos rudimentos e buscar alimento sólido, a fim de crescerem espiritualmente.
Por que buscar alimento sólido? Para que não permanecessem como crianças, suscetíveis a serem levados para longe da verdade do evangelho por ensinamentos enganosos e instáveis.
“Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente.” (Efésios 4:14).
Os cristãos são considerados santos por serem parte da família de Deus, mas como filhos recém-nascidos em Cristo, precisam progredir no entendimento do evangelho para alcançar a unidade da fé, tornando-se “homens perfeitos, à medida da estatura completa de Cristo”. É importante distinguir esse crescimento espiritual da doutrina teológica da equivocada que aponta a existência de uma santificação progressiva.
Interpretações equivocadas das palavras gregas “santificar”, “sagrado” e “santo”, que são traduzidas de forma semelhante, deram origem à ideia de três tipos de santificação (passada, presente e futura), muitas vezes referidas como “santificação progressiva”. Isso levou a conclusões de que “santificar” não implica necessariamente purificação ou libertação do pecado, mas simplesmente separação para um serviço exclusivo a Deus. No entanto, como poderia Deus utilizar alguém como Seu instrumento sem purificar ou remover o pecado?
“Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma.” (Gálatas 2:17).
Observe esses posicionamentos:
“A raiz da qual se originam esta e outras palavras correlatas, é o vocábulo grego ‘hagios’. O pensamento mais próximo da santidade de que era capaz o grego secular era “o sublime, o consagrado, o venerável”. O elemento moral está totalmente ausente. Ao ser adotada esta palavra nas Escrituras, entretanto, foi necessário proporcionar-lhe novo sentido. Empregando a palavra ‘santo’ em seu sentido mais elevado, quando aplicada a Deus, os melhores lexicógrafos definem-na como ‘aquilo que merece e exige reverência moral e religiosa’” BANCROFT, Emery. H., Teologia Elementar – 3º Edição 2001, Ed. EBR, p. 261;
“A justificação difere santificação no seguinte: aquela é uma ato instantâneo e que não comporta progressão; esta, é uma crise que visa a um processo – um ato que é instantâneo, mas que ao mesmo tempo traz em si a ideia de desenvolvimento até a consumação. De acordo com 2 Co 3. 18 estamos sendo transformados de um grau de caráter ou de glória para outro. É porque a santificação é progressiva que somos exortados a continuar progredindo cada vez mais (1 Ts 3.12; 4. 1, 9, 10) nas graças da vida cristã. Existe realmente o ‘aperfeiçoamento de santidade’. O dom de Deus à igreja, de pastores e mestres, tem o propósito de aperfeiçoar os santos na semelhança de Cristo até que, finalmente, atinjam o padrão divino (Ef 4. 11- 15; Ef 3. 10 – 15)” BANCROFT, Emery. H., Teologia Elementar – 3º Edição 2001, Ed. EBR, p. 262;
“A santificação é a obra continua de Deus na vida do crente, tornando-o realmente santo. Por ‘santo’ entende-se aqui ‘portador de uma verdadeira semelhança com Deus’. A santificação é um processo pelo qual a condição moral da pessoa é moldada de acordo com sua situação legal diante de Deus.” Erickson, Millard, Introdução à Teologia Sistemática, 1 ª ed. Vida Nova, p. 417;
“Em primeiro lugar, ele depende da união entre o remido e o Redentor (…) Segundo: a santidade deve caracterizar o padrão de vida (…) Produzir um hábito de santidade deve ser desafio prioritário do ministério (…) Terceiro: a santificação, sendo um processo, não deve ser encarada como um alvo que algum dia alcançaremos nesta vida terrestre (…) Em quarto lugar observamos a realidade escatológica. A segunda vinda de nosso Senhor promete completar o que a vinda de Jesus Cristo no primeiro século iniciou” Shedd, Russell P., Lei, Graça e Santificação, 2º edição, Ed. Vida Nova, p. 72 ss.
A tentativa de mesclar a ideia de santificação com um objetivo moral a ser alcançado pelo cristão pode distorcer a ênfase bíblica na condição da nova criatura, nascida da semente divina. A Bíblia destaca a nova condição do crente como resultado da obra de Deus que planta árvores de justiça, o que sublinha a nova existência renovada participante da natureza divina, em vez de retratar um processo de evolução moral e comportamental (Isaías 60:21; 61:3; 2 Pedro 1:4).
“Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus.” (I João 3 : 9).
A glorificação dos santos
A compreensão da doutrina cristã requer uma clara distinção entre glorificação e santificação. A santificação, intrinsecamente enraizada na natureza divina do crente, se evidencia após o novo nascimento em Cristo, concedendo-lhe não apenas a filiação divina, mas também a condição de santo.
O âmago da doutrina da santificação reside na nova natureza do cristão, que, ao ser regenerado, participa da própria essência divina, transcendendo assim as questões meramente comportamentais ou de caráter.
Ao contrário do que comumente se pensa, a santificação não segue um curso progressivo, não visa remodelar o caráter ou a moral do indivíduo como se fosse um projeto divino de transformação sociocultural. Não se trata de um processo gradual de aprimoramento, mas sim de uma obra divina instantânea e completa.
Ademais, é importante salientar que a santificação não deve ser confundida com o amadurecimento intelectual do cristão. Este último é um processo que leva o indivíduo da infância à maturidade espiritual, aproximando-o da medida da estatura de Cristo. Este crescimento, embora vital, não equivale à santificação.
A santificação, por sua vez, destaca-se como um estado de separação e consagração, que singulariza a condição do crente como filho de Deus.
Portanto, é fundamental reconhecer que o amadurecimento intelectual não é sinônimo de santificação, estabelecendo assim a ordem correta: crescer na graça e no conhecimento, buscando aprofundar o entendimento de Sua vontade.
“Vós, portanto, amados, sabendo isto de antemão, guardai-vos de que, pelo engano dos homens abomináveis, sejais juntamente arrebatados, e descaiais da vossa firmeza; Antes crescei na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora, como no dia da eternidade. Amém.” (2 Pedro 3:17-18);
“Para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus;” (Colossenses 1:10).
Outro equívoco comum sobre a santificação é a suposição de que os cristãos são moldados à imagem de Cristo ao longo dessa jornada, através do aprimoramento do caráter e da transformação de suas ações. No entanto, essa não é a proposta central do evangelho.
Na verdade, durante essa jornada, o cristão não está sendo moldado à imagem moral de Cristo, como muitos imaginam. A verdadeira transformação acontecerá quando o crente for arrebatado ou ressuscitado dentre os mortos. Nesse momento, ele não receberá uma imagem moral ou de caráter, mas sim um novo corpo à expressa imagem do corpo glorioso do Cristo ressurreto.
Assim como o homem natural herdou a imagem do homem terreno, Adão, o homem espiritual gerado em Cristo receberá a mesma imagem do homem celestial, que é Cristo, o último Adão. Esta é a promessa que aguarda todos os que são chamados segundo o propósito de Deus.
“O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o SENHOR, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial. E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção. Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados.” (1 Coríntios 15:47-52).
Quando a Bíblia aborda a imagem do cristão, essa referência não está relacionada à sua moralidade ou caráter, mas sim à sua semelhança na forma corpórea. Da mesma forma como Jesus, ao ressuscitar, recebeu um corpo glorioso, feito à semelhança do Altíssimo, tornando-se a expressa imagem do Deus invisível, todos os cristãos também receberão um corpo conforme o de Cristo.
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos.” (1 João 3:2-3).
Assim como os descendentes da semente corruptível são gerados à imagem de Adão, os descendentes de Deus, gerados da semente incorruptível, serão conforme a imagem de Cristo, o último Adão. Enquanto os descendentes de Adão estão destinados a ter a imagem do primeiro homem, os descendentes de Deus em Cristo, a geração eleita, estão predestinados a compartilhar a mesma imagem de Cristo, para que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos.
Essa conformidade diz respeito à semelhança física, não ao caráter. A transformação que aguarda os crentes não é comportamental, mas corporal, refletindo a gloriosa imagem de Cristo ressuscitado. É a obra de Deus que restaurará plenamente Sua imagem em Seu povo, selando sua comunhão eterna com Ele.
“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8:29);
“Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas.” (Filipenses 3:21);
“Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.” (2 Coríntios 3:18);
“E vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;” (Colossenses 3:10).
A glorificação não representa apenas o ápice da jornada da santificação; ela é, na verdade, o cumprimento máximo do propósito estabelecido por Deus em Cristo desde a eternidade. Quando os cristãos forem completamente transformados, recebendo um corpo glorioso semelhante ao de Cristo, esse propósito divino será plenamente realizado.
“E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo; Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:9-11).
O eterno propósito de Deus é reunir todas as coisas na plenitude dos tempos em Cristo, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra. Desde o momento em que Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1:26), deu-se início ao propósito que se concretizou no Cristo ressurreto, descrito como “o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa.” (Hebreus 1:3).
A proposta de Deus ao criar o homem no Éden não foi moldá-lo conforme uma moral ou caráter que lhe era próprio, pois não há ninguém igual a Ele para ter tais características. Moral e caráter são conceitos que pertencem aos seres humanos e fenômenos sociais que sofrem mudanças ao sabor da sociedade e do tempo.
“Descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;” (Efésios 1:9-11).
Somente o Cristo ressurreto é verdadeiramente a expressa imagem e o resplendor da glória de Deus, pois essa é a essência dos bens futuros. Deus, ao estabelecer que Cristo seria o primogênito entre muitos irmãos, iguais a Ele em tudo, elegeu e predestinou todos os que são gerados de novo a serem santos e irrepreensíveis, e a receberem corpos gloriosos à imagem de Cristo.
Essa eleição e predestinação não se limitam à redenção em Cristo, que é operada especificamente através da loucura da pregação, mas abrangem a totalidade da transformação física do crente à semelhança do Cristo ressurreto. Esta é a bênção gloriosa reservada para todos os que são chamados segundo o propósito de Deus, os quais serão transformados em Sua imagem.
Nesse processo, Cristo será elevado à condição de primogênito entre muitos irmãos, compartilhando Sua glória com aqueles que foram predestinados para a conformidade com Sua imagem. Assim, a eleição e predestinação se manifestam na glorificação do corpo, resultando na semelhança com Cristo para todos os crentes.
“Mas, vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação,” (Hebreus 9:11).
Por isso, tanto o Pai quanto o Filho têm trabalhado (João 5:17), pois, em relação à primeira criação, Deus encerrou Sua obra no sexto dia. No entanto, com relação à criação futura, o trabalho somente se concluirá quando os filhos de Deus se manifestarem com Cristo em glória.
A manifestação dos filhos de Deus com Cristo em glória representará a consumação do propósito eterno que Deus estabeleceu em Cristo, quando a plenitude da imagem e semelhança de Cristo será revelada em todos os que foram predestinados para esse glorioso fim.
“O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;” (Colossenses 1:15);
“O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas;” (Hebreus 1:3);
“Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” (Romanos 8:19-23).
Só será glorificado aqueles que são justos e santos, ou seja, os nascidos de novo em Cristo, que foram abertos os olhos e receberam a remissão dos pecados.
“Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em mim.” (Atos 26:18).
Corpos e membros dedicados ao serviço da justiça
“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:2).
Um equívoco comum sobre a santificação é considerá-la como um contínuo embate contra o pecado na busca por uma vida santa. Na verdade, o foco do cristão deve sempre estar na defesa do Evangelho, na fé que foi revelada aos crentes (Judas 1:3; Filipenses 1:27).
O cristão não está em uma batalha constante contra o pecado, pois ele deixou de pertencer ao seu antigo senhor ao morrer com Cristo. O domínio do pecado sobre o crente não é factível, pois o corpo que pertencia ao pecado foi desfeito, não mais servindo ao pecado (Romanos 6:6).
A ideia de lutar contra o pecado é inadequada, pois alguém que é escravo do pecado não tem capacidade de lutar contra seu senhor. Por outro lado, ao morrer com Cristo e não estar mais sob o domínio do pecado, o cristão não pode mais lutar contra ele, pois deixou de existir para o antigo senhor e passou a viver para Deus.
Essa é uma questão fundamental para o cristão, como enfatizado pelo apóstolo Paulo ao continuar seu ensino aos cristãos em Roma:
“ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” (Romanos 12:1).
Com humildade insistente, o apóstolo Paulo pede aos seus leitores que, pela compaixão de Deus revelada em Cristo, ofereçam seus corpos como um sacrifício vivo ao novo Senhor, dedicando seus membros ao serviço da justiça, o que é próprio à santificação.
“Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação.” (Romanos 6:16-19).
Anteriormente, os cristãos, sejam judeus ou gentios, costumavam apresentar seus corpos ao pecado (Romanos 6:6), incluindo aqueles sob a lei (circuncisão). No entanto, após ressuscitarem com Cristo, agora deveriam apresentar seus membros a Deus como instrumentos de justiça.
É importante lembrar que todos os descendentes de Adão foram gerados no pecado, o que significa que seus corpos estavam sujeitos ao pecado. Ao crerem em Cristo, os cristãos crucificaram seu velho homem, resultando na dissolução do corpo do pecado através da morte com Cristo.
Ao serem regenerados pela semente incorruptível, que é a palavra de Deus, eles foram criados como novos homens em verdadeira justiça e santidade, agora possuindo um novo corpo que pertence à justiça. Como servos da justiça, devem agora apresentar seus membros como instrumentos de justiça. No passado, eles apresentavam seus membros para servirem à iniquidade, pois seus corpos eram escravos do pecado.
Para entender melhor a ideia de “instrumento”, que remete aos escravos na antiguidade, podemos considerar o que Aristóteles discutiu sobre a escravidão, o que ajuda a compreender a metáfora utilizada pelo apóstolo Paulo, especialmente adequada àquele contexto histórico.
“… e o escravo é como que uma parte de seu senhor, uma espécie de parte animado do corpo deste, mas uma parte separada.” (Aristóteles, Pol. 1255b 10);
“… o corpo é um instrumento congênito, o escravo é como uma parte e um instrumento do amo, separado dele, e o instrumento é como um escravo sem alma.” (Aristóteles, EE VII 9, 1241b 24);
“… a coisa possuída é um instrumento para viver e a propriedade consiste num conjunto de instrumentos; o escravo é uma espécie de propriedade viva e todo o ajudante é como que o primeiro de todos os instrumentos.” (Aristóteles, Pol. 1253b 25-30);
“O termo “propriedade” emprega-se do mesmo modo que o termo “parte”, a parte não é apenas parte de uma coisa, mas também lhe pertence inteiramente. Assim, também sucede com a propriedade. Do mesmo modo, assim como o senhor somente o é enquanto senhor do escravo, mas não lhe pertence, o escravo não é apenas escravo do seu senhor, pertence lhe inteiramente. Estas considerações tornam evidente o que são a natureza e a faculdade de ser escravo: aquele que, por natureza, sendo humano, não pertence a si próprio, mas a outrem, é escravo por natureza. Um ser humano pertence a outro se, apesar de humano, for um objeto de propriedade; e uma propriedade é um instrumento destinado à ação.” (Aristóteles, Pol. 1254a 10-15);
“… o escravo é uma espécie de propriedade viva e todo o ajudante é como que o primeiro de todos os instrumentos.” (ARISTÓTELES, Pol. 1253b 25-30).
O escravo é um instrumento para executar as tarefas do seu senhor, sendo uma extensão do corpo deste, conforme pontuou Aristóteles. Um escravo não apenas serve ao senhor, mas é considerado parte dele, uma extensão. Consequentemente, tudo o que um escravo realiza pertence, na verdade, ao seu senhor.
Assim, podemos compreender por que o apóstolo Paulo faz referência ao “corpo” e aos “membros” em seus versículos. Assim como a propriedade pertence ao senhor, também os membros são parte dele. Se o corpo está sujeito ao jugo, os membros se encarregam do fardo.
Daí vem a ordem:
“… mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça.” (Romanos 6:13).
O cristão, como servo vivendo entre os mortos, deve apresentar seu corpo ressuscitado com Cristo em sujeição ao seu Senhor, além de colocar seus membros a serviço da justiça, reconhecendo que é o Senhor quem realiza todas as coisas.
“Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.” (João 3:20-21);
“Estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (João 15:4-5).
Quando os judeus perguntaram a Jesus: “Que faremos para executarmos as obras de Deus?” (João 6:28), na verdade estavam perguntando como poderiam se tornar servos de Deus. Pois é impossível realizar as obras de Deus sem se tornar seu servo. E como alguém se torna servo? Ao se apresentar para obedecê-Lo e crer em Cristo.
“Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus? Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:28).
Mas como é possível apresentar o corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus? Isso ocorre através do culto racional, que se realiza por meio do evangelho, o conhecimento revelado em Cristo. Esse culto é racional porque é fundamentado no evangelho, ao contrário dos judeus que adoravam a Deus sem entendimento (Romanos 10:2).
O Salmo 53 deixa claro que os filhos de Israel careciam de entendimento, o que os impedia de oferecer um culto racional. Apesar do zelo por Deus, eles não buscavam verdadeiramente a Deus por falta do conhecimento necessário.
“Porque são gente falta de conselhos, e neles não há entendimento.” (Deuteronômio 32:28);
“Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus.” (Salmos 53:3).
Ao se submeter a Cristo como Senhor, o cristão oferece um culto racional, pois Cristo mesmo ensinou a importância da submissão dos seus seguidores a Ele.
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.“ (Mateus 11:28-30).
O sacrifício só é possível para aqueles que possuem um novo corpo: vivo, por ter ressuscitado com Cristo; santo, por pertencer a Deus; e agradável, por ser aceito por Ele.
Ser conformado com este mundo significa pertencer a ele, estar preso à corrupção (2 Pedro 1:4). Isso contrasta com os cristãos, que não são do mundo porque pertencem a Deus.
“Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno.” (1 João 5:19);
“Do mundo são, por isso falam do mundo, e o mundo os ouve.” (1 João 4:5).
A transformação pela renovação do entendimento só é possível através do conhecimento revelado em Cristo Jesus (2 Pedro 1:3; 2:20). É por meio desse conhecimento de Deus, o evangelho, que ocorre a regeneração que transforma o cristão em uma nova criatura. Somente nesta nova condição é possível ao cristão oferecer um culto racional, pois é nela que se encontra a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Transformação pela renovação do entendimento
Sobre a transformação pela renovação do entendimento, o apóstolo Paulo escreveu aos Efésios enfatizando a verdade em Cristo. Ele instruiu os cristãos a lançarem fora tudo o que pertencia ao velho homem, conforme o acordo passado. Nesse contexto, o apóstolo Paulo abandonou tudo o que antes valorizava, tanto como romano quanto como judeu, considerando essas coisas como insignificantes em comparação com o ganho encontrado em Cristo (Efésios 4:21; Filipenses 3:8).
A transformação genuína acontece no cristão quando há uma renovação na compreensão, permitindo-lhe descartar as práticas do velho homem e revestir-se do que é pertinente ao, criado segundo Deus em verdadeira justiça e santidade.
“Mas vós não aprendestes assim a Cristo, Se é que o tendes ouvido, e nele fostes ensinados, como está a verdade em Jesus; Que, quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe pelas concupiscências do engano; E vos renoveis no espírito da vossa mente; E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.” (Efésios 4:20-24);
“E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo,” (Filipenses 3:8).
É importante distinguir entre “regeneração” e “transformação pela renovação do entendimento”. A “renovação do entendimento” que resulta em regeneração é conhecida como arrependimento, que difere da “renovação do entendimento” daqueles que já se arrependeram (metanoia) e creram em Cristo.
“E dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos, e crede no evangelho.” (Marcos 1:15);
“Mas Paulo disse: Certamente João batizou com o batismo do arrependimento, dizendo ao povo que cresse no que após ele havia de vir, isto é, em Jesus Cristo.” (Atos 19:4).
A renovação do entendimento daqueles que creem no evangelho equivale a “cingir os lombos do entendimento”.
“Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça;” (Efésios 6:14);
“Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo;” (1 Pedro 1:13).
Os cristãos que têm os lombos do entendimento cingidos, assim como as pessoas no deserto que protegiam seus rins do frio, permaneceriam sóbrios, esperando exclusivamente na graça oferecida em Cristo. Por outro lado, os cristãos que não protegessem seus “lombos do entendimento” com a Palavra poderiam se deixar embriagar pelo vinho da contenda, que é a doutrina dos judaizantes.
“E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito;” (Efésios 5:18).
Se o leitor das Escrituras não perceber que o “vinho da contenda” se refere ao veneno cruel das víboras, em contraste com o Evangelho, ele não compreenderá a abordagem dos apóstolos (Deuteronômio 32:33; Romanos 3:13).
O que torna o cristão justo e santificado é a nova criação segundo Deus, e a renovação no espírito da mente proporciona ao cristão compreensão da sua plena liberdade em Cristo. Esta transformação opera no cristão um foco nas coisas celestiais e um anseio por elas.
“PORTANTO, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.” (Colossenses 3:1-3).
Um exemplo claro de transformação pela renovação do entendimento é visto na vida do apóstolo Pedro. Após ter seu entendimento renovado, ele entrou na casa de gentios, abandonou a acepção de pessoas que antes praticava e proclamou o evangelho aos gentios.
“E, falando com ele, entrou, e achou muitos que ali se haviam ajuntado. E disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo. (…) E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas; Mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo.” (Atos 10:27-28 e 34-35).
E a renovação do entendimento deve provocar mudanças profundas na forma de agir do cristão. Um exemplo disso é visto novamente na vida do apóstolo Pedro. Inicialmente, ele comia com os cristãos convertidos dentre os gentios. No entanto, ao chegar alguns cristãos judeus, Pedro agiu de modo vacilante ao se aproximar deles e deixar de lado os gentios.
“E, chegando Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gálatas 2:11-14).
O apóstolo Pedro já era salvo, justo e santo, mas sua transformação pelo conhecimento em Cristo Jesus foi gradual e demandou tempo. Embora estivesse limpo pelo evangelho (João 15:3), seu entendimento precisava ser moldado de acordo com a verdade do evangelho.
O apóstolo Pedro necessitou de uma visão e de uma repreensão severa para se transformar alinhando os seus passos conforme o evangelho de Cristo. Sua dissimulação no convívio com a comunidade já estava arrastando Barnabé e poderia comprometer o crescimento do corpo de Cristo.
O caminhar cristão é um processo contínuo que requer transformação pela renovação do entendimento.
“E, se invocais por Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante o tempo da vossa peregrinação,” (1 Pedro 1:17);
“Como, pois, recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele,” (Colossenses 2:6);
“Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo.” (Colossenses 4:5);
“Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?” (1 Coríntios 3:3);
“Porque noutro tempo éreis trevas, mas agora sois luz no SENHOR; andai como filhos da luz” (Efésios 5:8);
“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como sábios,” (Efésios 5:15).
Crer em Cristo liberta o homem do pecado e o torna santo. No entanto, após a conversão, é necessário andar “bem e retamente conforme a verdade do evangelho” (Gálatas 2:11-14).
Nesse sentido, qualquer grupo que se autodenomine cristão e busque impor aos cristãos comportamentos, práticas e tradições judaicas não está andando de acordo com a verdade do evangelho (Gálatas 2:11). Em vez disso, estão seguindo o caminho dos “néscios” (judeus), não dos sábios (Efésios 5:15). Eles não estão vivendo como filhos da luz, mas como aqueles que caminham em trevas, sem direção (Efésios 5:8; Isaías 59:9-10).
“A noite é passada, e o dia é chegado. Rejeitemos, pois, as obras das trevas, e vistamo-nos das armas da luz. Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências.” (Romanos 13:12-14).
Andar dignamente segundo o evangelho significa não ceder a pressões que desviam os irmãos da verdade do evangelho, assim como fez o apóstolo Paulo ao chegar em Jerusalém.
“Mas nem ainda Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se; E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão; Aos quais nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós.” (Gálatas 2:3-5).
O cristão transformado pela renovação do entendimento não se comporta de maneira desordenada na sociedade, mas procura agir de forma honesta em todas as situações (Hebreus 13:18), como observou o apóstolo Paulo:
“Porque, quando ainda estávamos convosco, vos mandamos isto, que, se alguém não quiser trabalhar, não coma também. Porquanto ouvimos que alguns entre vós andam desordenadamente, não trabalhando, antes fazendo coisas vãs. A esses tais, porém, mandamos, e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando com sossego, comam o seu próprio pão.” (2 Tessalonicenses 3:10-12).
“Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão, aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância.” (Tito 1:10-11).
Aqueles que não experimentam a transformação pela renovação do entendimento continuam ligados às coisas do velho homem. Segundo a perspectiva do velho homem da circuncisão, isso inclui fixar-se nas coisas terrenas e nas sombras das coisas futuras. Um cristão que não passa por essa transformação pode se apegar aos rudimentos do mundo, seguindo preceitos e doutrinas humanas (Colossenses 2:8-23).
No entanto, o apóstolo Paulo adverte que, se os cristãos estão mortos com Cristo (Colossenses 3:3), isso significa que já ressuscitaram com Ele e estão assentados nas regiões celestiais (Colossenses 3:1; Efésios 1:3; 2:6). Nessa nova condição e possuindo um novo corpo que pertence à justiça, os cristãos devem agir como servos, controlando seus membros que estão na terra. Como fazer isso? Não oferecendo seus corpos ao pecado como instrumento de iniquidade, mas apresentando-se a Deus como instrumentos de justiça.
“Nem tampouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade; mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça.” (Romanos 6:13).
E a premissa que fundamenta a necessidade de tomar o jugo de Cristo é a seguinte:
“Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça.” (Romanos 6:16-18).
Ao contrário das “premissas da carne”, que são fracas, aqueles que estão sob o jugo da lei e se gloriam na carne servem à imundície e à maldade para o mal.
“Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação.” (Romanos 6:19).
Como subjugar os membros? A resposta é simples:
“Digo, porém: Andai em espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.” (Gálatas 5:16).
Aqueles que andam segundo o evangelho não cedem às concupiscências da carne, isto porque:
“E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.” (Gálatas 5:24).
Aqui é necessário fazer uma distinção entre “corpo” do pecado e “carne”. A “carne” é um sistema doutrinário que se opõe ao evangelho e essencialmente refere-se aos “rudimentos fracos e pobres” que não podem justificar seus seguidores. Por outro lado, “corpo” refere-se ao estado do homem gerado em pecado devido à ofensa de Adão, sob o domínio do pecado por causa do aguilhão da morte.
“Que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrifícios que, quanto à consciência, não podem aperfeiçoar aquele que faz o serviço; consistindo somente em comidas, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção.” (Hebreus 9:9-10).
Os elementos da carne são fracos porque não passam de alegorias e sombras dos bens futuros, que foram impostas até o tempo da correção, com a vida de Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros. Esses elementos não podiam aperfeiçoar aqueles que praticavam o serviço, que se limitava a questões como comidas, bebidas, ofertas e purificações da carne.
A “carne fraca” refere-se à lei do mandamento carnal, ao passo que o evangelho representa a lei do mandamento espiritual. Com a vinda de Cristo, a lei do mandamento carnal foi abolida por ser fraca e inútil.
“Que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível. Porque dele assim se testifica: Tu és sacerdote eternamente, Segundo a ordem de Melquisedeque. Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade.” (Hebreus 7:16-18);
“Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; Para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (Romanos 8:3-4).
É comum que intérpretes confundam “corpo” quando se refere à matéria orgânica e “carne”, porque ambos são descritos como sendo frágeis. A fragilidade da carne está na sua incapacidade de justificar, enquanto a fragilidade do corpo humano está na sua corruptibilidade.
Os elementos da carne referem-se a tudo o que procede do coração corrupto do homem, como Jesus e o apóstolo Paulo descreveram:
“Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus.” (Gálatas 6:19-21);
“E, chamando a si a multidão, disse-lhes: Ouvi, e entendei: O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem. (…) Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.” (Mateus 15:10-11 e 16-20).
Até os dias atuais, muitos ainda não compreendem a parábola sobre o que contamina o homem, uma censura dirigida aos filhos de Israel. Eles, a pretexto de se purificarem, ensinavam doutrinas de homens que, na verdade, contaminavam seus ouvintes — ensinamentos que procediam de seus corações cheios de engano. Com a boca, diziam estar se aproximando de Deus, mas seus corações estavam longe (Salmos 81:12).
“E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.” (Mateus 15:6-9);
“Todavia lisonjeavam-no com a boca, e com a língua lhe mentiam. Porque o seu coração não era reto para com ele, nem foram fiéis na sua aliança.” (Salmos 78:36-27);
“NÃO tenhas inveja dos homens malignos, nem desejes estar com eles. Porque o seu coração medita a rapina, e os seus lábios falam a malícia.” (Provérbios 24:1-2).
Nesse sentido, mesmo que os religiosos se considerassem cumpridores da lei, como o fariseu que subiu ao templo para orar, o que saía da boca deles contaminava o homem com “maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias”, em virtude da lei do mandamento carnal, pois a lei é feita para transviados (1 Timóteo 1:9-10).
O que deve ser subjugado pelo cristão? Aos cristãos de Colossos, o apóstolo Paulo apresenta uma lista de ações que foram exemplificativas para os cristãos, e que serviram como advertência ao povo de Israel, para que não incorram no mesmo exemplo de desobediência (Hebreus 4:11).
“Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto. E estas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles, conforme está escrito: O povo assentou-se a comer e a beber, e levantou-se para folgar.” (1 Coríntios 10:5-7);
“Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, a afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria; Pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência; Nas quais, também, em outro tempo andastes, quando vivíeis nelas.” (Colossenses 3:5-7).
A lista de ações erráticas descrita pelo apóstolo Paulo já está presente nos Salmos 78, 81 e 106, que narram a apostasia de Israel e a ira de Deus derramada sobre os filhos de Israel, que são os filhos da desobediência. Os Salmos 78, 81 e 106 representam um veredicto divino sobre a incredulidade dos filhos de Israel. Portanto, a reta justiça (João 7:24), o julgamento das Escrituras deve ser considerada pelo crente ao julgar, levando em conta essas questões:
“Pois o provocaram à ira com os seus altos, e moveram o seu zelo com as suas imagens de escultura. Deus ouviu isto e se indignou; e aborreceu a Israel sobremodo. Por isso desamparou o tabernáculo em Siló, a tenda que estabeleceu entre os homens. E deu a sua força ao cativeiro, e a sua glória à mão do inimigo. E entregou o seu povo à espada, e se enfureceu contra a sua herança. O fogo consumiu os seus jovens, e as suas moças não foram dadas em casamento.” (Salmo 78:58-63);
“Porém cedo se esqueceram das suas obras; não esperaram o seu conselho. Mas deixaram-se levar à cobiça no deserto, e tentaram a Deus na solidão. E ele lhes cumpriu o seu desejo, mas enviou magreza às suas almas. E invejaram a Moisés no campo, e a Arão, o santo do SENHOR. Abriu-se a terra, e engoliu a Datã, e cobriu o grupo de Abirão. E um fogo se acendeu no seu grupo; a chama abrasou os ímpios. Fizeram um bezerro em Horebe e adoraram a imagem fundida. E converteram a sua glória na figura de um boi que come erva.” (Salmo 106:13-20).
Nos Salmos 78, 81 e 106, os filhos de Jacó são retratados como promíscuos, impuros, glutões, lascivos e cobiçosos, essencialmente idólatras. Esses salmos revelam a condição de Israel como transgressores diante de Deus, destacando assim a necessidade da lei, dada especificamente para homicidas, adúlteros, entre outros (1 Timóteo 1:9-10; Gálatas 3:19).
Se os cristãos retornassem a observar os mandamentos dos homens conforme a lei de Moisés, estariam, na verdade, apresentando seus membros como instrumentos da iniquidade e se submetendo às práticas dos transgressores. Isso os classificaria como promíscuos, impuros, glutões, lascivos, cobiçosos e idólatras.
Isso significa que estariam cometendo homicídios e adultérios? Não necessariamente. Estariam na mesma condição do fariseu que subiu ao templo para orar, declarando que não cometia assassinato, roubo ou adultério, mas não era justo diante de Deus (Lucas 18:11). Nesse sentido, qualquer um que tropece em um único mandamento da lei se torna transgressor de toda a lei, e consequentemente, promíscuo, impuro, glutão, lascivo, cobiçoso e idólatra.
“Estando cheios de toda a iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” (Romanos 1:29-32).
“Mas o meu povo não quis ouvir a minha voz, e Israel não me quis. Portanto eu os entreguei aos desejos dos seus corações, e andaram nos seus próprios conselhos.” (Salmo 81:11-12);
“Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si; (…) Por isso Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. (…) E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm;” (Romanos 1:24; 26 e 28).
As transgressões enumeradas pelo apóstolo Paulo se assemelham ao juízo emitido pelo profeta Isaías, que se refere ao povo de Israel como o povo de Gomorra e seus líderes como os poderosos de Sodoma, indicando que seriam destruídos.
“Ouvi a palavra do SENHOR, vós poderosos de Sodoma; dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra.” (Isaías 1:10).
Deste modo, os cristãos, estando em Cristo e tendo o corpo do pecado desfeito, devem subjugar seus membros para não os apresentarem à iniquidade como faziam os filhos de Israel.
“ESTAI, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão.” (Gálatas 4:1).
Estar firme na “liberdade” providenciada por Cristo significa estar firme no evangelho (1 Pedro 5:9). Voltar à lei é submeter-se novamente ao jugo da servidão da lei e do pecado. Com o corpo do pecado, o homem se submete ao jugo da servidão e seus membros se tornam instrumentos do pecado.
Na abordagem aos Gálatas, os cristãos que aderiram à loucura de querer se submeter às práticas da comunidade de Israel estavam, na verdade, voltando ao jugo da servidão da lei, tornando-se filhos da escrava (Gálatas 4:21; 25). Ao se deixarem circuncidar segundo a lei de Moisés, estavam colocando seus membros a serviço da iniquidade e obedecendo à concupiscência da carne (Gálatas 5:13 e 16).
Propor guardar dias, meses, tempos e anos é apoiar-se em rudimentos fracos e pobres da carne. Querer incorporar elementos da lei ao evangelho tem o mesmo efeito do fermento, que leveda toda a massa (Gálatas 5:9).
“Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.” (Gálatas 4:9-10).
Se os cristãos queriam verdadeiramente servir uns aos outros, precisavam fazê-lo por meio do amor, e não dando ocasião à carne. Isso significa que ao induzirem os cristãos a se circuncidarem, estavam propondo isso sob o pretexto de servir uns aos outros. Daí o alerta de Paulo: “…toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5:14).
Aqueles que propunham a circuncisão na verdade eram cobiçosos de vanglórias, buscando se gloriar na carne dos outros ou evitar a perseguição dos judeus (Gálatas 5:26).
“Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo. Porque nem ainda esses mesmos que se circuncidam guardam a lei, mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.” (Gálatas 6:12-13).
A instrução dos apóstolos aos cristãos quanto ao comportamento é acolher aqueles que forem surpreendidos em alguma ofensa e instruí-los com mansidão (Gálatas 6:1). Além disso, eles deveriam compartilhar as cargas uns dos outros para cumprir a lei de Cristo, que é a lei da liberdade (Gálatas 6:3).
É importante observar que no evangelho não há espaço para uma lei no estilo da lei mosaica, como “não matarás” ou “não roubarás”. Nesse sentido, os apóstolos decidiram não impor nenhum fardo aos cristãos da incircuncisão.
“Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá. “ (Atos 15:28-29);
“Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência.” (Gálatas 2:10).
Os cristãos eram exortados a suportar uns aos outros com amor, conforme está escrito em Efésios 4:1, buscando preservar a unidade do espírito que é o evangelho. Portanto, não deveriam enganar seus irmãos, pois todos faziam parte uns dos outros. O apóstolo fundamenta sua exortação utilizando duas passagens das Escrituras.
“Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros. Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” (Efésios 4:25-26);
“Estas são as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas.” (Zacarias 8:16);
“Perturbai-vos e não pequeis; falai com o vosso coração sobre a vossa cama, e calai-vos. (Selá.)” (Salmos 4:4).
O apóstolo Paulo, ao dirigir-se aos cristãos de Éfeso, não impõe mandamentos com a severidade da lei, que traz consigo a ameaça de maldição para os transgressores. Em vez disso, ele os exorta a viverem de acordo com os princípios do Evangelho, incentivando:
“Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade. Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem. E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção. Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós, antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo.” (Efésios 4:28-32).
Aos cristãos de Colossos, o apóstolo Paulo faz as mesmas recomendações, que consistem em despojar-se do que é próprio do velho homem: ira, cólera, malícia, maledicência e palavras torpes da boca. Esses são vícios que não devem ser confundidos com a lista das concupiscências da carne (2 Pedro 2:18). Em contraste, os cristãos devem revestir-se do que é próprio do novo homem: entranhas de misericórdia, benignidade, humildade, mansidão e longanimidade (Colossenses 3:8; Efésios 4:25).
Essa é a recomendação aos que são transformados pela renovação do espírito da mente:
“Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; Onde não há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos. Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade; Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.” (Colossenses 3:9-13).
A santificação não deve ser confundida com o crescimento do cristão, que ocorre através de uma alimentação com alimento sólido (Hebreus 5:13-14). Ao se transformarem pela renovação do entendimento, os cristãos estão experimentados na palavra da justiça e têm seus sentidos exercitados para discernir entre o bem e o mal.
Portanto, a lista de vícios descrita pelo apóstolo Paulo não são simplesmente comportamentos que afastam o homem de Deus, mas representam como figura a essência de uma lei baseada em mandamentos carnais. De posse dessa compreensão, cabe aos cristãos viverem em sociedade sem se deixarem dominar por qualquer tipo de comportamento, sem se ater a uma lista de vícios.
Ademais, os cristãos são orientados a não se associarem com os devassos, ou seja, com aqueles imersos no fermento velho deste mundo (1 Coríntios 5:10). Isso não significa que os cristãos devem se abster de interagir com as pessoas deste mundo devido aos seus comportamentos que a moral humana considera erráticos. Pelo contrário, eles são encorajados a se associar a elas para proclamar a verdade do evangelho.
Dessa forma, a orientação do apóstolo Paulo visa lembrar aos cristãos que não devem julgar ou considerar impuras as pessoas deste mundo por causa de seus comportamentos, mas sim mostrar a elas o caminho da verdade e da redenção através de Cristo.
[1] Verbo aoristo imperativo ativo, 3ª pessoa singular.
[2] τέλειος, α, ον (teleios) perfeito – A ideia grega de perfeição é funcional. Uma coisa é perfeita quando se realiza plenamente o propósito para o qual foi planejado, projetado e feito. (Barclay), ou πληρόω (pléroó) completo.
Excelente estudo amado irmão. Muito Obrigado por compartilhar . Estou sempre de olho neste portal para estudar cada estudo novo que você publica.
Eu gostaria muito de compreender as listas do apostolo Paulo daqueles que não herdaram o reino de Deus . Pois quando anuncio que a salvação é aparte das questões comportamentais as pessoas não acreditam e citam essas listas como em 1 coríntios 6:9-12, ou gálatas 5:19-21 ou ,apocalipse 22:15 querendo mostrar que não é somente crer em Cristo , mas não adulterar, não roubar,não fornicar entre muitas outras coisas para ser salvo . Como posso explicar essas listas para os outros amado irmão ?
Olá, amado, a questão foi abordada no próprio artigo.
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