O evangelho é a revelação divina capaz de operar uma transformação profunda no homem, concedendo-lhe um novo coração, o que essencialmente significa uma mudança de mente. Essa mudança é a metanoia, traduzida como arrependimento, que envolve a renovação do entendimento e da compreensão.
Um novo coração e um novo espírito
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“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne.” (Ezequiel 36:26).
A promessa de uma nova vida
Quando Deus, por meio do profeta Ezequiel, prometeu dar um novo coração e um novo espírito, não estava se referindo às disposições internas do indivíduo determinadas pela biologia da espécie humana ou pelas influências do ambiente que moldam sua psique. O novo coração e o novo espírito não dizem respeito à razão, às emoções ou aos sentimentos, tampouco estão relacionados a questões comportamentais, de caráter ou de moralidade.
Ao prometer um novo coração e um novo espírito, o termo “coração” não alude ao órgão que bombeia sangue pelo corpo. Na Bíblia, esse termo raramente é usado com esse sentido literal (como em 2 Samuel 18:14 e 2 Reis 9:24). Em algumas passagens, “coração” remete à existência humana ou serve para indicar a sede dos pensamentos (Gênesis 6:5; 2 Coríntios 3:15); em outras, refere-se às emoções, embora com menos frequência (Romanos 9:2).
A promessa divina é dupla: antes de dar o novo coração e o novo espírito, Deus arranca o coração de pedra e, em seu lugar, coloca um coração de carne. Essa nova criação simboliza uma mudança radical na natureza e na condição do homem diante de Deus. Quando Deus substitui o coração de pedra pelo de carne, surge uma nova criatura, criada segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade. Para esse novo ser, tudo se torna novo, pelo fato de estar em Cristo!
Para compreender plenamente o significado de ter o coração de pedra substituído pelo de carne, é necessário analisar a condição da nova criatura em contraste com a velha, bem como o processo pelo qual essa transformação ocorre.
“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2 Coríntios 5:17);
“PORTANTO, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito.” (Romanos 8:1);
“Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” (Efésios 1:13).
A Condição da Velha Criatura
Queda de Adão
A velha criatura refere-se ao homem nascido da semente corruptível de Adão, que, desde o nascimento, encontra-se sujeito ao pecado e condenado à morte. Todos os que vêm ao mundo entram por Adão, a “porta larga”, e estão destinados a percorrer um caminho que conduz à perdição (Romanos 5:12). Assim, independentemente de suas ações ou desejos, estão destinados a percorrer um caminho largo que inevitavelmente conduz à perdição.
Consequência do Pecado Original
A condição de sujeição ao pecado não deriva de atos individuais, mas é consequência direta da transgressão de Adão, que introduziu o pecado e a morte no mundo. Por meio de sua desobediência, todos os seus descendentes foram afetados, de modo que a morte passou a toda a humanidade. Como resultado, é dito que “todos pecaram” em Adão, pois nele todos foram julgados e apenados (Romanos 5:16).
Essa realidade é comum a toda a humanidade, tanto judeus quanto gentios. O apóstolo Paulo declara: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus.” (Romanos 3:23), reafirmando a universalidade da queda. Por causa da ofensa de Adão, o pecado entrou no mundo e, como consequência, a morte passou a todos os homens. É por isso que se afirma: “Todos pecaram” (Romanos 5:12). A morte, como resultado final do pecado, tornou-se uma condição universal, evidenciando a condenação que alcançou toda a descendência de Adão.
Os gentios, além de estarem na condição de pecadores, viviam sem esperança, pois estavam sem Deus no mundo. Eram estranhos às alianças feitas com Abraão, alheios às promessas divinas e separados da comunhão com a nação de Israel (Efésios 2:11-12). Para eles, não havia qualquer base que lhes garantisse acesso à redenção.
Os judeus, por outro lado, possuíam privilégios únicos: a adoção como filhos, a glória, as alianças, a lei, o culto e as promessas. Além disso, eram descendência física de Abraão. No entanto, esses privilégios, embora valiosos, não os tornavam filhos de Deus no sentido espiritual. Como Paulo enfatiza, “nem todos os que são de Israel são israelitas; nem por serem descendência de Abraão são todos filhos” (Romanos 9:4-8). Isso evidencia que, apesar de sua linhagem e da posse da lei, os judeus também compartilhavam da mesma condição de condenação herdada de Adão.
Embora os gentios parecessem estar à margem do plano de Deus, a intenção divina sempre foi a salvação deles. Desde o princípio, Deus anunciou a Abraão que, por meio de sua descendência, todas as nações seriam benditas. O apóstolo Paulo esclarece isso ao dizer:
“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.” (Gálatas 3:8).
Essa promessa se concretizou em Cristo, o descendente de Abraão, que veio trazer justiça não apenas para Israel, mas também para os gentios. O profeta Isaías anunciou essa verdade ao registrar que o Cristo, o eleito de Deus, seria dado como aliança ao povo e luz para os gentios, trazendo-lhes justiça e salvação:
“Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu eleito, em quem se compraz a minha alma; pus o meu Espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios.” (Isaías 42:1,6; ver também Mateus 12:17-21).
A rejeição dos judeus e a salvação dos gentios
Quanto à salvação oferecida aos judeus, o evangelho inicialmente foi pregado a eles, pois Jesus veio para o que era seu. No entanto, como João registra, os seus não o receberam (João 1:11). Essa rejeição, embora trágica, já estava prevista nas Escrituras. Paulo, em seu discurso final em Atos, cita o profeta Isaías para destacar a dureza do coração de Israel:
“E alguns criam no que se dizia; mas outros não criam. E, como ficaram entre si discordes, despediram-se, dizendo Paulo esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías, Dizendo: Vai a este povo, e dize: De ouvido ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; E, vendo vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Porquanto o coração deste povo está endurecido, e com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que nunca com os olhos vejam, nem com os ouvidos ouçam, nem do coração entendam, e se convertam, e eu os cure. Seja-vos, pois, notório que esta salvação de Deus é enviada aos gentios, e eles a ouvirão.” (Atos 28:24-28).
A teimosia e a dureza de coração dos filhos de Israel eram temas recorrentes nas palavras dos profetas. Os israelitas eram frequentemente descritos com adjetivos que refletiam sua obstinação e rebeldia. Por exemplo:
- Louco e ignorante – “Recompensais assim ao Senhor, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai, que te adquiriu, te fez e te estabeleceu?” (Deuteronômio 32:6);
- Poderosos de Sodoma e povo de Gomorra – “Ouvi a palavra do Senhor, vós poderosos de Sodoma; dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra.” (Isaías 1:10);
- Surdos e cegos – “Fazei sair o povo cego, que tem olhos, e os surdos, que têm ouvidos.” (Isaías 43:8); “Apalpamos as paredes como cegos; sim, como os que não têm olhos andamos apalpando; tropeçamos ao meio-dia como no crepúsculo; entre os robustos somos como mortos.” (Isaías 59:10);
- Filhos da agoureira, descendência adulterina e de prostituição – “Mas chegai-vos aqui, vós, filhos da agoureira, descendência adulterina e de prostituição.” (Isaías 57:3);
- Bêbados – “Tardai, e maravilhai-vos; cegai-vos, e clamai: estão bêbados, mas não de vinho; andam cambaleando, mas não de bebida forte.” (Isaías 29:9);
- Rebeldes e mentirosos – “Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do Senhor.” (Isaías 30:9);
- Duro de cerviz (teimoso) – “Conheço a tua teimosia e o teu pescoço duro, e sei que és obstinado.” (Êxodo 32:9; Deuteronômio 9:6, 9:13);
- Povo sem entendimento – “Porque é nação perdida de conselho, e neles não há entendimento.” (Deuteronômio 32:28);
- Ingratos – “Criou filhos e os engrandeci, mas eles se rebelaram contra mim.” (Isaías 1:2);
- Povo carregado de iniquidade – “Ai da nação pecadora, do povo carregado de iniquidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores!” (Isaías 1:4)
Essas expressões, de fato, revelam a profundidade da apostasia de Israel, demonstrando como, apesar de todos os privilégios espirituais e da eleição divina, o povo continuamente se desviava dos caminhos do Senhor. Todos os versículos citados até aqui referem-se especificamente ao povo de Israel, descrevendo sua condição de infidelidade e rebeldia diante de Deus.
É importante destacar que esses adjetivos e descrições não se aplicam à condição da velha criatura de forma universal, mas são endereçados diretamente aos filhos de Jacó. Esses termos remetem à nação de Israel como povo escolhido, que, por sua posição de aliança com Deus, estava sob maior responsabilidade e, consequentemente, sujeita a maior reprovação em sua infidelidade.
Os gentios, embora também fossem descritos como pecadores, estranhos às promessas e separados de Deus (Efésios 2:11-12), não são caracterizados com os mesmos adjetivos usados para os israelitas. Isso se dá porque os gentios não estavam sob a aliança da Lei nem tinham recebido a revelação específica de Deus, como ocorreu com Israel. Assim, a dureza de coração, a cegueira espiritual e os demais adjetivos mencionados são aplicados exclusivamente ao povo judeu em função de sua rebeldia diante da luz que lhes foi dada.
Portanto, é essencial fazer essa distinção: enquanto os gentios compartilham da condição de velha criatura em Adão, os adjetivos negativos citados nos textos bíblicos refletem a condição específica de Israel como nação eleita, mas infiel ao pacto estabelecido com o Senhor.
“Estendi as minhas mãos o dia todo a um povo rebelde, que anda por caminho, que não é bom, após os seus pensamentos;” (Isaías 65:2);
“Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do SENHOR.” (Isaías 30:9).
A Condição da Velha Criatura Nascida de Adão
A condição da velha criatura, nascida do primeiro homem, Adão, é descrita nas Escrituras como sujeita ao pecado, com a morte servindo como o aguilhão que perpetua esse estado. Em outras palavras, a separação de Deus é o que mantém o homem sob o domínio do pecado, incapaz de se libertar por meios próprios. Em 1 Coríntios 15:47, o apóstolo Paulo descreve Adão como “o primeiro homem, da terra, terreno”, destacando sua origem natural e suas limitações intrínsecas. Todos os que nascem sob essa linhagem natural, como descendentes de Adão, são identificados como o “velho homem”. Essa velha natureza, caída e corrompida, está irrevogavelmente sujeita ao domínio do pecado, vivendo distante do propósito divino e incapaz de alcançar, por si mesma, a justiça e a comunhão com Deus.
Mortos para Deus, mas vivos para o pecado
O velho homem, com um corpo sujeito ao pecado, é descrito nas Escrituras como pecador, morto em delitos e pecados, devido à sua natureza pecaminosa herdada de Adão. Estar morto, neste contexto, significa estritamente estar alienado de Deus, uma separação resultante da condenação pronunciada no Éden. Assim, afirmar que o homem está morto para Deus é o mesmo que dizer que ele está vivo para o pecado.
Ao dizer que a natureza herdada de Adão é corruptível, significa que o homem é efêmero, pois está fadado a perecer assim como a flor da erva (1 Pero 1:24). Ao dizer que o homem está morto, significa estritamente que ele vive para o pecado. Nesse sentido, não é cabível aplicar à velha criatura os adjetivos utilizados pelos profetas para descrever a nação de Israel.
Por esse motivo, não é apropriado aplicar à velha criatura os adjetivos ou qualificações que os profetas usaram para descrever a nação de Israel, já que os contextos e os significados espirituais divergem. A velha criatura é definida por sua natureza decaída e alienação de Deus, enquanto os profetas frequentemente abordavam a condição espiritual de Israel em relação à sua aliança com Deus e suas transgressões como povo escolhido.
As figuras do povo de Israel não se aplicam a velha criatura
Embora a condição do velho homem seja estar separado de Deus, não é adequado descrevê-lo como possuidor de um coração de pedra ou como alguém de dura cerviz, insensível às coisas de Deus, surdo, cego, bêbado, louco, ignorante ou resistente à Sua vontade. Esses adjetivos são usados nas Escrituras para caracterizar especificamente os filhos de Israel, que, apesar de Deus estender continuamente Sua mão por meio de Seus profetas e ministros, rejeitavam-No por causa da incredulidade de seus corações.
A aplicação dessas descrições a Israel reflete o contexto de uma relação de aliança em que Deus buscava continuamente reconciliá-los consigo mesmo. Entretanto, a recusa obstinada em ouvir Sua voz e a resistência em cumprir Sua vontade são características que apontam para a rejeição deliberada de um povo que conhecia a Deus, mas escolhia desobedecê-Lo. Por outro lado, o velho homem, descendente de Adão, é descrito nas Escrituras como morto em delitos e pecados, alienado de Deus não por rejeitar uma oferta contínua de reconciliação, mas por causa da sua natureza pecaminosa herdada. Assim, os adjetivos usados para Israel não se aplicam de forma geral ao velho homem, pois refletem uma condição distinta e um contexto específico de rejeição dentro da aliança entre Deus e Israel.
Equivocadamente, muitos utilizam versículos citados por Paulo, que descrevem a apostasia de Israel, como se esses textos se referissem à velha criatura em geral. Quando Paulo escreve em Romanos 3:10-12: “Não há justo, nem sequer um. Não há ninguém que entenda, não há ninguém que busque a Deus”, ele está se dirigindo especificamente aos judeus. Apesar de considerarem-se superiores aos gentios, por serem descendentes de Abraão, as Escrituras testificavam contra eles.
É verdade que tanto judeus quanto gentios pecaram e foram destituídos da glória de Deus em Adão, como afirma Romanos 3:23. No entanto, quando as Escrituras declaram: “Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Romanos 3:12), o contexto imediato aponta para os judeus como o principal alvo.
Paulo, ao citar essa passagem, busca desconstruir a presunção de justiça dos judeus, que confiavam em sua linhagem como descendentes de Abraão e na posse da Lei para reivindicar superioridade moral e espiritual. Eles se consideravam justos por serem o povo da aliança, mas Paulo utiliza as próprias Escrituras para mostrar que, mesmo sob o privilégio da Lei e das promessas, eles estavam igualmente sujeitos ao pecado.
Essa passagem, retirada do Salmo 14, é usada por Paulo para demonstrar que, em termos de condição espiritual diante de Deus, judeus e gentios compartilham da mesma realidade: todos são pecadores e carecem da graça divina. Ao enfatizar que “não há quem faça o bem”, Paulo confronta a falsa segurança dos judeus em sua descendência carnal de Abraão, mostrando que a verdadeira justiça não vem da carne, mas de Deus, por meio da fé.
A condição dos judeus e a dos gentios
Os gentios, embora pecadores e frequentemente entregues aos ídolos mudos (1 Coríntios 12:2), não são descritos nas Escrituras com termos como “garganta como sepulcro aberto”, “línguas que tratam enganosamente”, ou “peçonha de áspides debaixo de seus lábios”. Essas expressões são aplicadas especificamente aos judeus, particularmente aos líderes religiosos, como os escribas e fariseus, que Jesus frequentemente repreendia com palavras severas, chamando-os de “sepulcros caiados”, “víboras” e “hipócritas”. Tais adjetivos ressaltam a duplicidade e a corrupção espiritual daqueles que, apesar de aparentarem santidade, estavam distantes de Deus.
Embora muitos gentios fossem conhecidos por sua violência física, as descrições como “cuja boca está cheia de maldição e amargura”, “os seus pés são ligeiros para derramar sangue”, “em seus caminhos há destruição e miséria”, e “não há temor de Deus diante de seus olhos” não são direcionadas a eles de forma geral. Essas expressões, retiradas do contexto de Romanos 3, aplicam-se principalmente aos filhos de Israel, que possuíam a Lei, mas viviam de maneira contrária ao temor de Deus.
O motivo pelo qual “não havia temor de Deus diante dos olhos dos filhos de Israel” era porque o temor que professavam era vazio, baseado apenas em mandamentos de homens e tradições recebidas de seus pais, como descrito em Isaías 29:13:
“Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído;”.
O povo que buscava se aproximar de Deus era o povo de Israel. Contudo, apesar de sua intenção aparente de honrá-lo, erravam porque não eram instruídos conforme o verdadeiro temor ou mandamento de Deus, mas segundo mandamentos de homens (Isaías 29:13; Mateus 15:8-9).
Os gentios, por outro lado, não tinham a Lei nem essas tradições, e portanto, não estavam sujeitos ao mesmo tipo de hipocrisia e formalismo religioso que caracterizava muitos entre os judeus. Isso evidencia que as descrições severas de Paulo em Romanos 3 refletem um julgamento específico sobre aqueles que confiavam em sua religiosidade exterior, mas estavam espiritualmente distantes de Deus.
A Disposição do Homem Sujeito ao Pecado
O posicionamento calvinista da depravação total descreve o pecador como morto, cego e surdo para as coisas de Deus, totalmente incapaz de ouvi-Lo e responder ao Seu chamado. Além disso, erroneamente atribui ao pecador uma inclinação inata e irresistível para o pecado, abrangendo pensamento, vontade e emoções, como se fossem inerentemente orientados para o mal.
Entretanto, a disposição do homem para o bem e para o mal decorre do conhecimento adquirido da árvore do conhecimento do bem e do mal, conforme descrito em Gênesis 3:22: “Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal.” Esse conhecimento, que tornou o homem “como Deus” no sentido de discernir entre bem e mal, não é o que o torna pecador. O que define a condição de pecado é a ofensa de Adão, que deliberadamente desobedeceu ao comando divino ao tomar do fruto apesar do alerta divino.
O conhecimento adquirido do fruto, que influencia os pensamentos, desejos e emoções humanas, não deve ser confundido com o pecado em si. Essa disposição é algo intrínseco à natureza humana, presente tanto no homem nascido de Adão quanto no nascido de Deus. Essa realidade foi prevista pelo profeta Isaías ao descrever o Messias: “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. Na verdade, antes que este menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra, de que te enfadas, será desamparada dos seus dois reis.” (Isaías 7:14-16), reconhecendo a existência dessa capacidade humana. O apóstolo Paulo também aponta para essa disposição ao falar sobre a recompensa dos salvos, que, embora redimidos, ainda possuem a capacidade de discernir e agir conforme o bem e o mal.
“Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal.” (2 Coríntios 5:10).
Condição de Servidão ao Pecado
A velha criatura é apresentada como tendo um corpo que pertence ao pecado, e por isso, é serva do pecado (Romanos 6:6). Essa condição não resulta de atos moralmente errados ou de comportamentos individuais, mas é consequência direta da transgressão de Adão. Como Paulo afirma em Romanos 5:16, por causa de um só homem que pecou, todos os seus descendentes foram julgados e condenados, trazendo a morte como sentença. Essa morte não se limita ao aspecto físico, mas refere-se, sobretudo, à separação espiritual de Deus.
A Origem do Pecado e a Morte
No Éden, a lei dada a Adão era clara: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:17). Essa lei, santa, justa e boa (Romanos 7:12), tinha o objetivo de preservar a comunhão entre o homem e Deus. No entanto, o pecado, excessivamente maligno, aproveitou-se do mandamento para enganar e prender o homem. Como Paulo explica:
“Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e por ele me matou.” (Romanos 7:11).
O pecado utilizou a força do mandamento para tornar a transgressão de Adão um ato de desobediência que resultou na separação definitiva entre o homem e Deus. Assim, a morte entrou no mundo por meio do pecado e passou a todos os homens, pois todos estavam incluídos na sentença dada a Adão (Romanos 5:12).
“Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.” (1 Coríntios 15:56).
A condição da Velha Criatura
A velha criatura é caracterizada pela corrupção herdada da semente corruptível de Adão, descrita como:
- Nascida da carne: O que é nascido da carne é carne, indicando sua natureza caída e incapaz de agradar a Deus (João 3:6; Romanos 8:8).
- Prisioneira do pecado: A velha criatura está atrelada ao corpo sujeito à lei do pecado, que atua em seus membros e a mantém em escravidão (Romanos 7:23).
- Condenada à morte: Sob a sentença de morte espiritual e física, não tem comunhão com Deus por causa da transgressão de Adão (Romanos 6:23).
- Separada de Deus: A morte espiritual implica ausência de comunhão com Deus, o que define a condição da velha criatura sujeita ao pecado por causa da morte (Hebreus 2:15).
Portanto, a velha criatura, nascida do primeiro homem, Adão, refere-se ao corpo do pecado, condição decorrente da condenação e que trouxe a separação de Deus. Essa condição não é fruto de ações individuais, mas da herança de Adão, cujo pecado trouxe juízo e morte a todos os seus descendentes. O pecado se aproveitou do mandamento para aprisionar o homem, e essa prisão só pode ser rompida pela obra redentora de Cristo, o segundo homem, celestial, que traz a vida e a reconciliação com Deus (1 Coríntios 15:47-49).
A Nova Criatura: Uma Nova Criação de Deus
A nova criatura é resultado de uma nova criação, uma obra do poder criativo de Deus, que traz à existência algo totalmente novo, em plena comunhão com Ele. Não se trata de uma reformulação, reforma ou transformação da velha criatura, mas de uma nova criação gerada pelo poder que há no evangelho.
Por meio do novo nascimento, decorrente da semente incorruptível, que é a palavra de Deus, o novo homem permanecerá para sempre. Em relação aos gentios, Deus concede um coração novo e um novo espírito. Da mesma forma, nos filhos de Jacó, que são de dura cerviz, Deus opera a substituição do coração de pedra por um coração de carne (Ezequiel 36:26).
A Mudança de Coração: Metanoia e Compreensão
A mudança de coração refere-se à mudança de mente, ou seja, à transformação do entendimento e da compreensão. Esse processo é chamado de metanoia, traduzido como arrependimento. A mensagem do evangelho é comparada à água pura aspergida sobre os homens, purificando-os de toda impureza. Por isso, Jesus declarou que Suas palavras são espírito e vida, e que os discípulos estavam limpos por Sua palavra (Ezequiel 36:25; João 6:63; 15:3).
A palavra de Cristo é o espírito derramado sobre toda carne, que permite ao homem arrepender-se e converter-se ao Senhor. Importante destacar que o motivo do arrependimento e da conversão não são as condutas moralmente reprováveis, mas o próprio Senhor. Ele é o centro da mensagem do evangelho (Mateus 3:2).
A Lei no Entendimento e no Coração
A nova aliança estabelecida em Cristo difere da antiga, pois a lei de Deus, antes escritas em tábuas de pedra, agora são inscritas no entendimento, no coração. O apóstolo Paulo compara os cristãos a cartas vivas, escritas pelo espírito do Deus vivo, evidenciando que a nova criatura é fruto dessa aliança renovada.
“Porque esta é a aliança que depois daqueles dias farei com a casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei; e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo.” (Hebreus 8:10).
“Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração.” (2 Coríntios 3:3).
O salmista também reflete essa realidade ao dizer:
“Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti.” (Salmos 119:11).
Quando a palavra de Deus é posta no coração, ela transforma o entendimento do homem, permitindo que a confissão brote naturalmente, como fruto de um coração cheio da verdade divina. Essa confissão, por sua vez, revela a confiança autêntica em Cristo:
“Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.” (Romanos 10:9-10).
A Confissão e a Identidade da Nova Criatura
A confissão é o fruto dos lábios que identifica a árvore, revelando se ela é nascida da semente incorruptível, que é o evangelho, ou da semente corruptível, Adão. A confissão genuína demonstra que a mudança de entendimento ocorreu, permitindo que os ouvintes julguem se o espírito é de Deus (1 João 4:1-2).
Criada em Verdadeira Justiça e Santidade
A nova criatura é criada em verdadeira justiça e santidade, sendo santa, justa e inculpável. Essa santidade não se refere a uma disposição para andar em santidade, mas a uma identidade intrínseca, criada para o uso exclusivo de Deus:
“E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.” (Efésios 4:24).
A nova criatura não é apenas transformada, mas inteiramente recriada, pertencendo ao Senhor e destinada a refletir a Sua glória.
A Condição da Nova Criatura: Obra do Poder de Deus no Evangelho
A condição da nova criatura é alcançada pelo poder que há no evangelho, que é o mandamento de Deus para a salvação, conforme Romanos 1:16: “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.” Assim como Adão, estando livre do pecado e em plena comunhão com o Criador, teve sua natureza transformada pela desobediência ao mandamento dado no Éden, os seus descendentes, mesmo como escravos do pecado, podem ter sua natureza transformada pela obediência ao mandamento de Deus no evangelho.
O mandamento no Éden trouxe a possibilidade de queda pela desobediência, revelando a consequência do afastamento de Deus. Já o evangelho é o mandamento que traz redenção e vida, demonstrando o poder de Deus para restaurar a comunhão perdida. Enquanto o pecado de Adão resultou na corrupção de toda a humanidade, a obediência ao evangelho por meio da fé em Cristo possibilita a regeneração, transformando o homem em uma nova criatura.
O Papel do Mandamento na Transformação de Naturezas
Adão, em sua condição original, não possuía em si mesmo o poder de corromper sua própria natureza, nem o pecado, por si só, tinha a capacidade de criar a velha criatura caída. No entanto, ao tornar-se incrédulo e desobedecer ao mandamento divino, o poder contido nesse mandamento operou em Adão, resultando na morte de sua natureza original e na transformação de sua condição diante de Deus.
O mandamento dado no Éden carregava consigo não apenas uma instrução, mas também a consequência de sua violação: “Certamente morrerás” (Gênesis 2:17). Ao desobedecer, Adão não apenas transgrediu a ordem de Deus, mas experimentou o poder condenatório do mandamento, que trouxe à existência uma nova condição para a humanidade: uma natureza corruptível e condenável, separada de Deus e sujeita à morte.
Essa transformação não foi fruto de um poder inerente ao pecado, mas da força do mandamento divino, que revelou e aplicou a justiça de Deus diante da desobediência. Assim, a velha criatura não é uma obra do pecado em si, mas a consequência direta da transgressão de Adão contra o mandamento de Deus, que operou em conformidade com a sua santidade e justiça. Essa mudança na natureza de Adão tornou-se a condição herdada por toda a humanidade, estabelecendo a necessidade de um novo mandamento, o evangelho, para restaurar o homem à comunhão com Deus.
Como Paulo explica, o pecado usou o mandamento para enganar Adão, e o resultado foi a morte espiritual e a corrupção de sua natureza:
“Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele me matou. (…) Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno.” (Romanos 7:11 e 13).
É possível traçar um contraste claro e significativo entre a velha e a nova criação, evidenciando como ambas são resultado de ações que transcendem o esforço humano ou qualquer mérito próprio.
Na nova criação, tudo é inteiramente obra da graça divina. Não há contribuição ou esforço humano que possa gerar o novo nascimento; ele é operado exclusivamente por Deus, através do poder que há no evangelho, que é o mandamento de Deus para a salvação (Romanos 1:16). A regeneração é um ato soberano de Deus, que transforma o homem caído em uma nova criatura, restaurando a comunhão perdida com o Criador.
Por outro lado, a corrupção da natureza de Adão no Éden também não foi fruto de esforço ou mérito próprio, mas da incredulidade que o levou a desobedecer ao mandamento divino. Bastou que Adão deixasse de dar ouvidos à ordem de Deus – que fora dada para preservar sua vida – e se lançasse na incredulidade, para que o poder contido no mandamento operasse em sua natureza. O aviso “certamente morrerás” revelou-se verdadeiro, e o resultado foi uma transformação profunda: a perda da comunhão com Deus e o surgimento de uma condição corruptível e condenável.
Assim, enquanto a velha criação surgiu da incredulidade e da rejeição ao mandamento que era para preservação, a nova criação surge da fé e da obediência ao evangelho, que é o mandamento para salvação. Em ambos os casos, o poder está no mandamento de Deus: no Éden, para condenação; no evangelho, para redenção. Esse contraste destaca tanto a gravidade da desobediência quanto a profundidade da graça que restaura o homem à vida eterna.
Muitos não compreendem que a queda de Adão foi resultado de uma criação espúria, operada pelo poder contido no mandamento santo, justo e bom, acompanhado do juramento divino: “certamente morrerás” (Gênesis 2:17). Esse mandamento, em sua santidade e justiça, interveio com tal força que, da mesma massa (barro) com a qual Deus havia formado o homem no Éden, matou a sua natureza original e trouxe à existência uma nova condição, que é chamada de “velho homem”.
Ao morrer para Deus e passar a viver para o pecado, a única mudança perceptível imediata que o homem experimentou foi a consciência de sua nudez. Esse reconhecimento refletia o início de sua alienação espiritual, mas externamente, no corpo físico, nada indicava a hegemonia do pecado que agora detinha domínio sobre sua vida. Nem mesmo a morte, como aguilhão do pecado, parecia ser plenamente compreendida ou vislumbrada por ele naquele momento.
Essa transformação interna foi profunda e decisiva: o homem, criado para a comunhão com Deus, agora vivia sob o domínio do pecado, separado de seu Criador. No entanto, essa nova condição, embora invisível ao olhar físico, era irreversível sem a intervenção divina. Assim, a queda não foi apenas um evento de desobediência, mas o início de uma nova realidade espiritual que afetaria toda a humanidade.
O Evangelho: O Mandamento com Poder Regenerador
Quando a Bíblia afirma que é impossível ao homem vendido ao pecado salvar a si mesmo, isso se deve ao fato de que o homem não possui, em si, o poder para desfazer o “velho homem” que se originou da ofensa no Éden, nem para trazer à existência uma nova criatura. O “velho homem” é o resultado de uma condição que só pode ser transformada por uma obra soberana de Deus.
No Éden, o mandamento dado por Deus a Adão estava associado a uma penalidade: “certamente morrerás” (Gênesis 2:17). O poder desse mandamento revelou a santidade e a justiça de Deus, trazendo morte e condenação ao homem quando desobedecido. Em contraste, no evangelho de Cristo, Deus concede ao homem um mandamento com promessa: a regeneração e a vida eterna. Esse mandamento, diferente daquele dado no Éden, não traz uma pena, mas contém o poder regenerador que opera a transformação espiritual do homem.
No evangelho, o poder de Deus está presente para criar um novo homem, libertando o pecador do domínio do “velho homem” e trazendo à existência uma nova criatura em Cristo. Como Paulo declara: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17).
Essa obra não é alcançada por esforço humano, mas pela graça divina que opera por meio da fé no evangelho. Assim, enquanto o mandamento no Éden revelou a incapacidade do homem de se manter na presença de Deus, o mandamento do evangelho revela a suficiência do poder de Deus para salvar e regenerar, trazendo o homem de volta à comunhão com o Criador.
“Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé;” (Romanos 16:26);
“Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador;” (Tito 1:3).
A Nova Vida e a Morte do Velho Homem
Por meio do evangelho, para que o homem alcance a nova vida, é imprescindível que o “velho homem”, cujo corpo está sujeito ao pecado, seja morto. Contudo, o pecador não possui meios em si mesmo para eliminar sua natureza caída, morta em delitos e pecados. Ele é incapaz de dar cabo de sua existência que vive para o pecado, pois está preso a uma condição da qual apenas Deus pode libertá-lo.
Entretanto, o evangelho carrega em si o poder necessário para matar o velho homem e trazer a existência um novo homem. Para isso, Cristo ensina que é preciso que o homem “coma da carne e beba do sangue” d’Ele para ter vida eterna (João 6:54). Isso significa participar plenamente de Sua obra redentora, crendo no sacrifício que Ele realizou e tornando-se unido a Ele pelo evangelho.
No Éden, o homem falhou ao ser incrédulo diante do mandamento de Deus, que o alertava a não comer do fruto do conhecimento do bem e do mal, o qual trazia morte. Agora, Cristo se apresenta como o “pão vivo que desceu do céu” (João 6:51), o alimento enviado por Deus para dar vida eterna. O mandamento do evangelho é para que o homem creia e se torne participante d’Ele, recebendo assim o poder regenerador que mata o velho homem e traz à existência a nova criatura.
Enquanto a incredulidade no Éden levou à morte, a fé em Cristo conduz à vida. Por meio desse novo mandamento, o homem não apenas é reconciliado com Deus, mas também se torna uma nova criação.
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. (…) Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida.” (João 6:54-55).
Ao tornar-se participante da carne e do sangue de Cristo, o homem é unido a Ele em Sua morte, crucificando o corpo do pecado. Esse ato significa que o corpo do pecado é desfeito, e o pecado perde o domínio sobre ele. Como Paulo declara: “Pois quem morreu está justificado do pecado” (Romanos 6:7). Apenas aquele que está morto para o pecado pode ser verdadeiramente livre.
O batismo na morte de Cristo simboliza essa realidade espiritual: o homem está morto para o pecado e é sepultado com Cristo. Esse sepultamento marca o fim da velha vida e do domínio do pecado. Como Paulo ensina:
“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo ressuscitou dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.” (Romanos 6:3-4).
Nesse sepultamento, a graça de Deus opera poderosamente, transformando o homem. Assim como Cristo ressuscitou dos mortos para a glória de Deus, o mesmo poder divino traz à existência novas criaturas, regeneradas pela semente incorruptível que é a Palavra de Deus (1 Pedro 1:23). Essas novas criaturas, libertas do domínio do pecado, não mais vivem para si mesmas, mas para a glória de Deus.
Esse processo de morte e ressurreição espiritual é inteiramente obra da graça, revelando o plano soberano de Deus para redimir e regenerar o homem, tornando-o participante de Sua natureza divina e apto a viver em comunhão com Ele por toda a eternidade.
A Regeneração: Obra do Poder de Deus Pelo Evangelho
Após o sepultamento com Cristo, a graça de Deus opera de maneira poderosa, trazendo à existência uma nova criatura – um processo conhecido como regeneração. Assim como Deus ressuscitou Cristo dentre os mortos para Sua glória, Ele traz à existência uma nova criação, gerada pela semente incorruptível da Palavra de Deus (1 Pedro 1:23). Essa nova vida não é fruto de esforço humano ou mérito, mas é inteiramente obra da graça divina, realizada segundo o poder que há no evangelho (Romanos 1:16).
A nova criatura é criada em verdadeira justiça e santidade, conforme Efésios 4:24, sendo declarada justa (justificação) e separada para Deus como propriedade exclusiva (santificação). Não se trata de uma reforma ou melhoria da velha natureza, mas de uma nova criação, viva para Deus e serva da justiça, livre do domínio do pecado (Romanos 6:18). Por meio do evangelho, o homem não apenas experimenta a redenção do pecado, mas também é integrado a uma nova criação, reconciliada com Deus e destinada a viver em comunhão eterna com Ele.
O Poder do Mandamento: Do Éden ao Evangelho
No Éden, o mandamento de Deus trouxe à existência o “velho homem” alienado de Deus. Quando Adão desobedeceu ao mandamento, experimentou o poder contido na ordem divina “certamente morrerás” (Gênesis 2:17). Esse poder não apenas confirmou a penalidade pela desobediência, mas também transformou sua condição. A natureza de Adão foi alterada, gerando uma criatura culpável, corruptível e separada de Deus, incapaz de restaurar por si mesma a comunhão perdida. Como Paulo explica:
“Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele me matou.” (Romanos 7:11).
Por outro lado, o mandamento do evangelho, dado em Cristo, o último Adão, possui um poder regenerador. Ele traz à existência uma nova criatura reconciliada com Deus, justificada e santificada. Sobre o poder que há no evangelho escreveu o evangelista João:
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (João 1:12-13).
Basta crer na verdade do evangelho, que é uma palavra fiel e digna de toda aceitação (1 Timóteo 1:15), para que o homem tome posse do poder capaz de torná-lo um dos muitos filhos de Deus. O homem, antes morto para Deus e em sujeição ao pecado, ao ouvir a mensagem do evangelho e crer, torna-se participante de Cristo (Hebreus 3:14).
Ser participante de Cristo significa morrer para o pecado, sendo crucificado e morto com Ele. Essa morte espiritual simboliza o fim do domínio do pecado sobre a vida do homem, conforme Paulo declara: “Fomos, pois, sepultados com Ele pelo batismo na morte” (Romanos 6:4). No sepultamento espiritual, o “velho homem” é desfeito, e pela operação poderosa de Deus, o homem ressurge como uma nova criatura, gerada pelo poder divino.
A Doutrina Calvinista da Regeneração: Uma Análise Crítica
A necessidade de destacar a verdade do evangelho, conforme exposto anteriormente, surge em oposição à perspectiva calvinista sobre a incapacidade total do homem e sua relação com as doutrinas da eleição e predestinação. Segundo o calvinismo, o homem, devido à sua total depravação, é completamente inábil para se aproximar de Deus, compreender o evangelho, interessar-se por ele, arrepender-se ou crer. Essa visão só faz sentido dentro do esquema calvinista de eleição e predestinação.
De acordo com essa doutrina, para que uma pessoa seja salva, é necessário que ela tenha sido eleita e predestinada por Deus à salvação. Assim, eles afirmam que, sendo o homem espiritualmente morto, sua condição é semelhante à de um cadáver, e, portanto, ele não pode responder ao chamado do evangelho a menos que Deus primeiro o regenere. Essa regeneração, segundo o calvinismo, é uma graça irresistível, um ato soberano de Deus que antecede a fé e concede ao eleito a capacidade de crer.
Os calvinistas atribuem essa regeneração ao Espírito Santo, que, por meio de um chamado especial, atrai irresistivelmente o eleito a Cristo. Essa chamada é eficaz e inevitável, de modo que todos os que a recebem necessariamente alcançarão a salvação. A fé, nesse esquema, não é uma resposta espontânea do homem ao evangelho, mas é considerada um dom de Deus, infundido pelo Espírito Santo nos eleitos.
A concepção calvinista exposta por John Piper[1], ao afirmar que “se uma pessoa se torna humilde ao ponto de submeter-se a Deus, isso acontece porque Deus lhe deu uma natureza nova” (2014, p. 32), reflete o entendimento de que a regeneração precede a fé. Essa “infusão de uma nova natureza” é descrita pelos calvinistas como a graça irresistível, definida por Piper como “a obra soberana de Deus de vencer a rebelião de nosso coração e trazer-nos à fé em Cristo, para que sejamos salvos” (2014, p. 31).
O equívoco de tal concepção é significativo, especialmente quando tentam fundamentá-lo em textos como Efésios 2:1: “Ele vos deu vida, estando vós mortos em vossas transgressões e pecados.” A interpretação calvinista de que este versículo descreve a concessão de uma “graça irresistível” distorce o significado do texto.
O ato de “dar vida” que Paulo menciona em Efésios 2:1 refere-se à restauração da comunhão com Deus, e não à concessão de uma regeneração que precede a fé. Os interlocutores de Paulo estavam mortos em suas transgressões e pecados, ou seja, alienados de Deus. A “vida” que Deus lhes deu foi o restabelecimento dessa comunhão, possível por meio de sua fé no evangelho. Esse ato não exige uma regeneração prévia, mas é o resultado da graça operando mediante a fé:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus” (Efésios 2:8).
A tentativa calvinista de inserir a ideia de uma graça irresistível anterior à fé contradiz o próprio fluxo do argumento de Paulo. Ele não afirma que a regeneração antecede a fé, mas que a fé é o meio pelo qual a graça divina atua, levando o homem à salvação e à comunhão com Deus.
No entanto, essa visão ignora um ponto crucial: o homem “morto” para Deus vive para o pecado. Como Paulo declara:
“Sabemos que a nossa velha natureza foi crucificada com ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não mais sejamos escravos do pecado. Pois quem morreu está justificado do pecado.” (Romanos 6:6-7).
A regeneração calvinista assume que Deus regenera o homem que está morto no pecado antes de ele morrer para o pecado. Isso entra em contradição com a mensagem do evangelho, que ensina que o homem deve morrer com Cristo, crucificando o corpo do pecado, para então ser ressuscitado como uma nova criatura. A regeneração, portanto, ocorre após a morte do velho homem, e não antes.
O pensamento calvinista sobre regeneração apresenta um problema lógico e teológico significativo ao não considerar que o pecador, por causa do corpo do pecado, vive para o pecado, e que apenas o salvo em Cristo, por causa da justiça, vive para Deus. A doutrina da graça irresistível, conforme definida pelos calvinistas, sustenta que a regeneração é concedida a um homem considerado “morto”, ou seja, insensível às coisas de Deus por ser um cadáver, e que, por essa razão, o Espírito Santo precisa operar essa regeneração irresistível, concedendo-lhe arrependimento e fé.
O ponto negligenciado por essa doutrina é que o homem considerado “morto” no sentido bíblico não é inativo ou insensível em um sentido absoluto, mas vive para o pecado. Essa é a condição descrita por Paulo: “Pois quando éramos escravos do pecado, estávamos livres em relação à justiça” (Romanos 6:20). O homem natural vive para o pecado, e apenas aquele que morre com Cristo está livre do domínio do pecado (Romanos 6:6-7).
Assim, surge a pergunta capciosa: a regeneração calvinista é concedida ao homem que vive para o pecado ou ao homem que está morto para Deus? A resposta inevitável, considerando o raciocínio calvinista, é que a regeneração é dada ao homem que está morto para Deus. Mas, ao mesmo tempo, esse homem morto para Deus é também aquele que vive para o pecado. Portanto, segundo a lógica calvinista, a graça irresistível seria concedida a alguém que ainda vive e está sob o domínio do pecado.
O problema aqui é duplo:
- Teológico: A Bíblia ensina que a libertação do pecado ocorre por meio da morte com Cristo. “Se morremos com Cristo, cremos que também com Ele viveremos” (Romanos 6:8). A regeneração, então, não pode ocorrer antes dessa morte espiritual. Somente o homem que é crucificado com Cristo e morto para o pecado pode experimentar a vida nova.
- Contradição lógica: Se a regeneração é concedida a alguém que vive para o pecado (ou seja, está morto para Deus), como pode tal regeneração ser eficaz antes de o homem ser morto para o pecado? Isso coloca a doutrina calvinista em um círculo lógico que não se sustenta biblicamente.
A regeneração, biblicamente entendida, não antecede a fé, mas é o resultado da obediência ao evangelho. O homem ouve a mensagem, crê no sacrifício de Cristo e, através do batismo na morte de Cristo, participa de Sua morte e ressurreição (Romanos 6:4). É nesse processo que ocorre a regeneração: após o velho homem morrer, uma nova criatura é trazida à existência pelo poder de Deus (2 Coríntios 5:17). Assim, a regeneração não é um ato isolado imposto irresistivelmente ao homem que vive para o pecado, mas o resultado da obra redentora de Cristo, poder acessado quando se crê n’Ele.
O pensamento calvinista apresenta uma tensão significativa ao não considerar plenamente a condição bíblica do pecador: ele vive para o pecado por causa do corpo do pecado, e só ao morrer com Cristo pode viver para Deus por causa da justiça (Romanos 6:6-7). Essa omissão cria um contrassenso lógico e teológico dentro da própria ideia de graça irresistível. Segundo essa doutrina, a regeneração é concedida a alguém ainda vivendo para o pecado e que precisa morrer, sujeitando-se ao batismo na morte de Cristo.
A regeneração calvinista parte da premissa de que o homem está espiritualmente morto e, portanto, insensível às coisas de Deus. Por isso, é necessário que Deus opere uma regeneração irresistível antes que o homem possa crer. Nesse entendimento, o Espírito Santo concede arrependimento e fé ao indivíduo para que ele seja salvo. No entanto, o que essa visão não aborda adequadamente é que o homem considerado “morto” no contexto bíblico, na verdade, está vivo para o pecado. Ele não é um cadáver inerte, mas alguém que age sob o domínio do pecado, como Paulo descreve: “Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, nos quais andaram no passado” (Efésios 2:1-2). Esse “morto” é alguém que vive para o pecado, sujeito à sua escravidão.
Portanto, surge a pergunta provocativa: a regeneração calvinista é concedida ao homem que vive para o pecado, ou ao homem que está morto para Deus? A resposta lógica seria que, ao ser dada ao homem “morto para Deus”, essa regeneração é, na verdade, concedida ao homem que ainda vive para o pecado. Isso cria uma incoerência, pois a regeneração pressupõe transformação, e a transformação bíblica só ocorre quando o homem morre para o pecado, sendo crucificado com Cristo.
Problema teológico e bíblico
- Contradição da ordem bíblica: A Bíblia ensina que o homem só pode ser livre do pecado se morrer para ele (Romanos 6:7). Essa morte ocorre quando o pecador, por crer em Cristo, participa do sacrifício de Cristo, sendo sepultado com Ele pelo batismo na sua morte e ressuscitando para uma nova vida (Romanos 6:3-4). Se a regeneração antecede essa morte, como propõe o calvinismo, ela seria concedida a alguém que ainda vive sob o domínio do pecado.
- Fé precede a regeneração: A regeneração não é um pré-requisito para crer, mas o resultado da fé em Cristo. O homem ouve o evangelho, a fé dada aos crentes (Judas 1:3; Filipenses 1:27), crê e, pela obra da graça, é transformado em uma nova criatura. “Pois sois salvos pela graça, por meio da fé” (Efésios 2:8). Não há base bíblica para afirmar que a regeneração ocorre antes de crer, que é a obediência ao evangelho.
- Nova vida pela morte com Cristo: A libertação do pecado é resultado de participar da morte e ressurreição de Cristo, algo que ocorre pelo evangelho. Sem morrer com Cristo, o homem não pode ser regenerado. Assim, o evangelho ensina que a morte do “velho homem” é um processo que depende da obediência ao chamado do evangelho, e não de uma regeneração irresistível imposta antes de crer.
O argumento calvinista de que Deus regenera aqueles que estão “mortos para Deus” para conceder-lhes arrependimento e fé falha em reconhecer a condição bíblica do homem como alguém que, embora morto para Deus, vive para o pecado. Essa condição é descrita nas Escrituras como uma escravidão completa: “O pecado jamais liberta os seus servos” (Romanos 6:16), e o salário que paga é a morte (Romanos 6:23). Esse domínio é tão absoluto que o medo da morte mantém os servos do pecado em constante escravidão por toda a vida (Hebreus 2:15).
A Solução em Cristo: A Morte que Liberta
O pecado não abre mão voluntariamente de seus servos. Por isso, a libertação do domínio do pecado requer um ato extraordinário de Deus: a morte com Cristo. Jesus, o último Adão, consagrou um novo e vivo caminho pela sua carne (Hebreus 10:20): Sua própria morte. Todos os que creem tornam-se participantes dessa morte, que Paulo chama de “a circuncisão de Cristo” – o despojar do corpo do pecado (Colossenses 2:11-12).
Essa participação na morte de Cristo é o que desfaz o vínculo com o pecado. Como Paulo ensina: “Sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com Ele, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos” (Romanos 6:6). É somente ao morrer com Cristo que o vínculo com o pecado é rompido, permitindo que os que estavam mortos em transgressões e pecados sejam regenerados, recebendo comunhão com Deus (Efésios 2:1).
O Contrassenso do Argumento Calvinista
A doutrina calvinista da regeneração antes da fé gera uma incoerência lógica e teológica:
- Sem Morte, Não Há Libertação do Pecado
O pecado não liberta os seus servos voluntariamente. Para que alguém seja libertado do pecado, é necessário morrer com Cristo, o que significa participar de Sua morte por meio da fé. Regenerar alguém antes que tenha morrido para o pecado seria incoerente, pois o vínculo com o pecado ainda não teria sido desfeito.
- Como o Morto Pode Morrer?
O calvinismo afirma que Deus regenera os “mortos” antes de eles poderem crer. No entanto, se esses “mortos” para Deus ainda vivem para o pecado, como podem morrer para o pecado se, segundo a doutrina calvinista, já foram regenerados? Isso cria uma contradição: a regeneração só pode ocorrer após a morte espiritual do velho homem, que acontece ao participar da morte de Cristo.
- O Papel do Evangelho e da Fé
O evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Romanos 1:16). Ele não apenas chama o pecador à fé, mas também opera a morte do velho homem. É pela fé no evangelho que o homem participa da morte de Cristo, sendo sepultado com Ele e ressuscitado em novidade de vida. Regenerar antes da fé ignora o papel central do evangelho como o meio pelo qual Deus transforma o pecador.
A Solução Bíblica: Fé Antecede a Regeneração
O ensino bíblico deixa claro que:
- Morte Antecede Regeneração: Para ser regenerado, o homem precisa primeiro morrer para o pecado, o que ocorre quando crê no evangelho e se une a Cristo em Sua morte (Romanos 6:3-4).
- A Fé Não é Consequência da Regeneração: A fé é a resposta do homem à graça de Deus por meio do evangelho. É pela fé que o homem entra no processo de regeneração, e não o contrário.
- A Regeneração É o Resultado da União com Cristo: Apenas após morrer com Cristo, o vínculo com o pecado é rompido, e a regeneração acontece, trazendo nova vida e comunhão com Deus (2 Coríntios 5:17).
A doutrina calvinista de regeneração antes da fé ignora que o homem vive para o pecado e precisa morrer com Cristo para ser regenerado. Sem essa morte espiritual, o vínculo com o pecado permanece, tornando impossível a regeneração. A regeneração é um resultado da fé no evangelho, pela qual o homem morre para o pecado, é sepultado com Cristo e ressuscita como uma nova criatura, reconciliada com Deus. Assim, a verdadeira ordem bíblica preserva a centralidade do evangelho como mandamento que ordena ao homem crer.
A doutrina da graça irresistível calvinista falha em reconhecer que a regeneração só pode ser aplicada a um homem que já morreu para o pecado. O ensino bíblico deixa claro que essa morte ocorre em união com Cristo, por meio da fé e do batismo. Portanto, a regeneração não pode ser concedida a alguém que ainda vive para o pecado, mas é o resultado da obra de Deus na vida de alguém que, pela fé, morreu com Cristo e foi ressuscitado para uma nova vida.
O Papel da Palavra (pregação) da Fé e da Fé (crer)
A resposta é clara e bíblica: o fato de o pecador crer em Cristo é mérito exclusivo da Palavra de Deus, que é fiel, digna de toda aceitação e imutável. A fé exercida pelo homem em Cristo não tem origem em sua capacidade ou mérito, mas é gerada pela Palavra de Deus, que opera eficazmente em quem a ouve e crê. Como Paulo ensina:
“A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.” (Romanos 10:17).
Essa crença em Cristo não é algo que o homem possa produzir por si mesmo, nem implica que a salvação dependa de seu esforço. Pelo contrário, essa fé tem origem no testemunho que Deus deu acerca de Seu Filho nas Escrituras, o qual é proclamado pelo evangelho. Quando o homem, morto em delitos e pecados, ouve a mensagem do evangelho, algo extraordinário acontece: ele crê, não porque tem mérito, mas porque a Palavra de Deus, viva e eficaz, penetra profundamente em seu coração e opera a transformação necessária.
Ao crer em Cristo, o homem, que vive para o pecado, morre para ele e é sepultado com Cristo. Esse processo de morte e sepultamento é espiritual, mas absolutamente real. A partir daí, o poder que há no evangelho, o mesmo poder que ressuscitou Jesus dentre os mortos, opera nele, trazendo-o à vida como um novo ser. Esse ato de Deus é chamado regeneração, um novo nascimento que não é fruto da carne, mas do Espírito (João 3:6).
Regeneração, portanto, é uma obra inteiramente divina, realizada por meio do evangelho, que transforma o pecador em uma nova criatura: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17). A fé do homem é uma resposta à Palavra de Deus, que é o verdadeiro agente da salvação e da regeneração. Assim, a glória da salvação pertence exclusivamente a Deus, que chama, transforma e ressuscita o pecador por meio do poder do evangelho.
O argumento de que o pecador é incapaz de crer sem uma graça irresistível desconsidera o poder da palavra de Deus. A fé não é uma habilidade natural do homem, mas uma resposta ao testemunho das Escrituras sobre Cristo. Como Paulo escreve:
“Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.” (Romanos 10:17).
O evangelho revela a virtude poderosa de Deus, aquele que chama os homens das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pedro 2:9). Essa virtude divina, manifesta no evangelho, é suficientemente eficaz para alcançar o coração humano, convencendo-o da verdade e levando-o à fé em Cristo. Essa fé não é uma produção do homem, mas o resultado da eficácia do evangelho. Ao ouvir a mensagem da cruz e crer, o pecador torna-se participante de Cristo, morre para o pecado e é sepultado com Ele. Essa obediência ao evangelho é o meio pelo qual Deus opera a regeneração:
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados.” (Efésios 2:1).
Deus dá vida ao homem que estava alienado Dele, mas que, pela fé no evangelho, morre para o pecado e é reconciliado com Ele.
Conclusão: A Regeneração Pelo Evangelho
O evangelho é a revelação divina capaz de operar uma transformação profunda no homem, concedendo-lhe um novo coração, o que essencialmente significa uma mudança de mente. Essa mudança é a metanoia, traduzida como arrependimento, que envolve a renovação do entendimento e da compreensão. A mensagem do evangelho é comparada à água pura aspergida sobre os homens, simbolizando a purificação de toda impureza (Ezequiel 36:25).
A regeneração é um ato exclusivo de Deus, que ocorre após o homem crer no evangelho e morrer para o pecado. Ao ser sepultado com Cristo pelo batismo, o velho homem é crucificado, e pelo poder de Deus, uma nova criatura é trazida à existência. Essa transformação não é resultado de uma graça irresistível ou de uma regeneração anterior à fé, mas do poder contido na palavra de Deus, que é viva, eficaz e poderosa para transformar (Hebreus 4:12).
O evangelho não apenas chama o pecador à fé, mas também provê o poder necessário para que ele morra para o pecado e renasça como uma nova criatura. Essa morte do velho homem, simbolizada no batismo na morte com Cristo, rompe os laços com o pecado e traz o homem a uma nova vida em Cristo, reconciliando-o com Deus.
Assim, aquele que antes estava alienado de Deus é agora regenerado, uma nova criatura destinada a viver em comunhão eterna com o Criador. Essa obra divina é realizada por meio do evangelho, que é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Romanos 1:16).
[1] PIPER, J. Cinco pontos: em direção a uma experiência mais profunda da graça de Deus. Tradução de Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos: Fiel, 2014.
A paz de Cristo.
Obrigado por mais um excelente estudo bíblico, explicado de forma clara e coerente.