Devaneios segundo a carne
“E, contudo, também estes, semelhantemente adormecidos, contaminam a sua carne, e rejeitam a dominação, e vituperam as dignidades. Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda. Estes, porém, dizem mal do que não sabem; e, naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais se corrompem. Ai deles! porque entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Coré. Estes são manchas em vossas festas de amor, banqueteando-se convosco, e apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas;” (Judas 1.8-12).
Judas passa a descrever os homens ímpios que haviam se infiltrado entre os cristãos dissimuladamente.
Tais homens ímpios destinados à destruição se posicionavam como mestres, pois ao se infiltrarem, passavam a negar a Cristo como Senhor. Eram sonhadores, como que adormecidos, pois com os seus devaneios segundo a carne tudo contaminavam (Eclesiastes 5.3 e 7). Acerca destes impuros, bem falou o apóstolo Paulo a Timóteo:
“Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu; estando debalde inchado na sua carnal compreensão“ (Colossenses 2.18).
Por serem carnais, estavam destituídos do espírito, assim como aqueles que fascinaram os cristãos das regiões da Galácia (Gálatas 3.1-5; Judas 1.19). Ao negarem a Cristo como Senhor rejeitavam a pregação da fé, e dissimuladamente, introduziam rudimentos fracos e pobres (Gálatas 4.9-10).
Vale destacar que as questões da carne estão ligadas a mandamentos de homens, e que se apoiam em questões como nacionalidade, genealogias, tribo, circuncisão, lavar as mãos, jejuns, prolongadas orações, etc., como era o posicionamento de Saulo, antes de ter um encontro com Cristo:
“Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne. Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu: Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo.” (Filipenses 3.3-7).
Quem serve a Deus em espírito é porque serve a Deus por intermédio do evangelho, pois as palavras de Cristo são espírito e vida, e os cristãos são ministros do espírito, ou seja, da Nova Aliança.
“O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.” (2 Coríntios 3.6; João 6.63).
Quem anda segundo a carne anda segundo a letra que mata, ou seja, a lei. Como não utilizam a lei legitimamente, pois a lei foi feita para os injustos e obstinados, cumprem somente mandamentos de homens (1 Timóteo 1.8-11).
Observe que ‘carne’ e ‘espírito’ são antagônicos, e representam duas doutrinas diferentes, de modo que, ao mostrar o antagonismo do evangelho versus a lei, os apóstolos utilizam a ‘carne’ e o ‘espírito’.
Pela descrição de Judas e o apóstolo Pedro, percebe-se que tais homens ímpios, além de judaizantes, eram sediciosos, semelhantes aos Macabeus, judeus que, liderados por Matatias e seus filhos, lutaram contra os reis sírios (selêucidas) e seus aliados judeus, pela libertação religiosa e política da nação, opondo-se aos valores do helenismo. Por falarem das autoridades e dignidades, percebe-se que tal movimento levou a repressão de Roma aos judeus por mãos do general Tito.
“Mas principalmente aqueles que segundo a carne andam em concupiscências de imundícia, e desprezam as autoridades; atrevidos, obstinados, não receando blasfemar das dignidades;” (2 Pedro 2.10).
A pretensão dos homens ímpios fazia com que rejeitassem toda autoridade e blasfemassem das dignidades. O apóstolo Paulo fez um alerta aos cristãos de Roma, para se sujeitarem as autoridades (Romanos 13.1-7), e demonstra em seguida, que aquele que se reveste de Cristo não tem cuidado da carne e das suas concupiscências, o que demonstra que a concupiscência da carne é conhecida e que foi para tais pessoas que a lei foi feita:
“Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja.” (Romanos 13.13);
“Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas,” (1 Timóteo 1.9).
Os falsos mestres queriam a posição de mestre para fazer os cristãos seguirem as suas dissoluções, e com isso fazer dos cristãos negócio (2 Pedro 2.3).
Os homens ímpios não observavam o que preceitua a Escritura, quando ela demonstra que o arcanjo Miguel não ousou pronunciar juízo de maldições contra o diabo.
“Mas o SENHOR disse a Satanás: O SENHOR te repreenda, ó Satanás, sim, o SENHOR, que escolheu Jerusalém, te repreenda; não é este um tição tirado do fogo?” (Zacarias 3.2).
Conforme exposto anteriormente, supõe-se que Judas citou passagem do livro “A Assunção de Moisés”, mencionado por Orígenes (c. 185-254), um livro judeu grego apócrifo que se perdeu.
Podemos aventar mais duas possibilidades: a) talvez tenha se equivocado ao citar a tradição judaica, sendo que o texto base que Judas queria citar fosse o de Zacarias, ou; b) alguém que tenha copilado a carta, equivocou-se e substituiu o texto de Zacarias pelo texto da tradição judaica.
Especulações à parte, a ideia transmitida pelo texto se assemelha a exposição do apóstolo Pedro (2 Pedro 2.11), de que o anjo não proferiu juízo infamatório contra Satanás, quando este se opunha aquele na visão acerca do Sumo Sacerdote Josué, antes disse:
“O Senhor te repreenda, ó Satanás, sim, o Senhor que escolheu Jerusalém…” (Zacarias 3.2).
Devemos ter em mente que Miguel é um dos anjos de Deus, porém, não podemos confundi-lo com o Anjo do Senhor, que é Cristo “O anjo do SENHOR acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra” (Salmos 34.7). Diferente de Miguel, o Anjo do Senhor é onipresente (acampa-se ao redor dos (todos) que o temem, e é temido (o temem). É de Cristo que o apóstolo Paulo disse:
“Porque esta mesma noite o anjo de Deus, de quem eu sou, e a quem sirvo, esteve comigo” (Atos 27.23).
Os homens ímpios apontados por Judas, se não compreendem algo, blasfemam ou difamam (v. 10). Até o que se compreende de modo natural, como animais irracionais, se corrompem.
“Querendo ser mestres da lei, e não entendendo nem o que dizem nem o que afirmam.” (1 Timóteo 1.7).
O irmão Judas apresenta três ‘ais’ em desfavor dos homens ímpios.
Com as heresias dissimuladas percorriam o caminho de Caim, que matou o próprio irmão (Gênesis 4.8). Com essa figura, Judas os declara homicidas, pois procuravam ‘matar’ com o erro os que alcançaram vida em Cristo.
No erro de Balaão se lançaram atrás de recompensa. Resolveram transtornar a verdade do evangelho por questões desta vida (Números 31.16; 2 Pedro 2.15-16 e 18).
Ao falarem contra as autoridades superiores, agiram da mesma forma que Coré, atitude que os condenava assim como os revoltosos que se levantaram contra Moisés (Números 16.1-2).
Nas reuniões solenes de amor, esses homens ímpios são como manchas. Enquanto os cristãos eram filhos, eles não passavam de geração perversa e distorcida.
“Corromperam-se contra ele; não são seus filhos, mas a sua mancha; geração perversa e distorcida é.” (Deuteronômio 32.5).
Não se intimidavam em se fazer como tendo comunhão, descaradamente banqueteavam-se com os cristãos.
“Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais.” (1 Coríntios 5.11).
Esses ímpios tinham cuidado somente de si mesmos (apascentam), cujo deus é o ventre (v. 16).
“Cujo fim é a perdição; cujo deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3.19).