Se a proibição era para as mulheres não pregarem nas igrejas, por que Paulo dá essa determinação aos homens? Mulheres podem pregar?
1 Coríntios 14:34-35 – Podem as mulheres pregar?
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“Orai por nós, porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo querem portar-se honestamente.” (Hebreus 13:18).
Portando-se de modo honesto em tudo
“E, naquele mesmo tempo, houve um não pequeno alvoroço acerca do Caminho.” (Atos 19:23).
A essência do evangelho é Cristo, a graça de Deus revelada, que trouxe salvação a todos os homens (Tito 2:11). Quando se afirma que a salvação é destinada a todos, não se está promovendo o universalismo — a ideia filosófica e teológica de que todos serão salvos independentemente de obedecerem ao evangelho. Essa interpretação contradiz o próprio ensino das Escrituras.
O que Paulo escreve a Tito reflete a promessa feita a Abraão: “Em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 12:3). Assim, a expressão “todos os homens” deve ser entendida como a abrangência universal do evangelho, que alcança pessoas de todas as origens e condições: judeus, gregos, bárbaros, servos, nobres e outros. (Marcos 16:15; Lucas 2:31-32; Mateus 28:19).
Embora o evangelho seja uma mensagem universal, simples e acessível, a missão de “fazer discípulos de todas as nações” envolve uma complexidade significativa devido às diversas “barreiras transculturais”. Jesus, os discípulos e os apóstolos enfrentaram uma série de desafios religiosos, políticos, culturais e sociais, que exigiram profundo conhecimento das Escrituras e sabedoria para evitar armadilhas que pudessem comprometer a proclamação do evangelho.
Um exemplo notável desse tipo de desafio ocorreu quando os religiosos judeus questionaram Jesus sobre a licitude de pagar impostos a César. Eles buscavam colocá-lo em uma situação delicada: caso afirmasse que não era lícito pagar tributo, poderiam incitar uma revolta popular contra Roma, aproveitando-se da aceitação que Jesus tinha entre o povo. Por outro lado, se declarasse que era correto pagar impostos, o acusariam diante da população de ser um traidor da nação, alinhando-o aos publicanos – judeus considerados pecadores por cobrarem tributos de seus próprios compatriotas em benefício do império.
Com uma resposta magistral, Jesus desarmou completamente as intenções dos escribas e fariseus, silenciando qualquer pretensão de acusá-lo.
“Mostrai-me uma moeda. De quem tem a imagem e a inscrição? E, respondendo eles, disseram: De César. Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E não puderam apanhá-lo em palavra alguma diante do povo; e, maravilhados da sua resposta, calaram-se.” (Lucas 20:24-26).
Um dos eventos envolvendo comércio e lucro na propagação do evangelho aconteceu com Paulo e Silas na Macedônia. Eles passaram a ser seguidos por uma jovem adivinha que gerava grande lucro para seus senhores por meio de suas previsões. Por vários dias, a jovem proclamava em alta voz: “Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo” (Atos 16:17). Incomodado com a situação, Paulo voltou-se para ela e, em nome de Jesus, expulsou o espírito que a possuía.
Ao perceberem que sua fonte de lucro havia se perdido, os proprietários da jovem ficaram furiosos. Prenderam Paulo e Silas e os levaram aos magistrados, apresentando acusações baseadas em questões de origem e costumes:
“Estes homens, sendo judeus, perturbam a nossa cidade e nos ensinam costumes que não nos é lícito receber nem praticar, visto que somos romanos” (Atos 16:20-21).
Como resultado, Paulo e Silas foram publicamente açoitados e lançados na prisão. Contudo, durante a madrugada, Deus realizou um milagre: um terremoto sacudiu os alicerces da prisão, abrindo todas as portas e soltando as correntes de todos os prisioneiros. Este evento levou à conversão do carcereiro, que, impactado pela pregação do evangelho, entregou sua vida a Cristo.
Na manhã seguinte, os magistrados enviaram oficiais ao carcereiro com a ordem de libertar Paulo e Silas. No entanto, Paulo se recusou a sair silenciosamente, exigindo que os próprios magistrados os libertassem. Essa atitude não apenas garantiu sua integridade física, evitando uma emboscada ou acusações de fuga, mas também expôs a injustiça cometida contra eles, protegendo o testemunho do evangelho.
Os apóstolos e discípulos eram homens íntegros e justos, mas proclamar o evangelho em um contexto histórico permeado por profundas questões socioculturais era uma tarefa desafiadora. Reconhecendo essas dificuldades, o apóstolo Paulo frequentemente pedia aos irmãos que orassem por ele, para que Deus abrisse portas e criasse oportunidades para o anúncio da mensagem de salvação.
Embora Paulo soubesse claramente qual era o evangelho a ser pregado, ele reconhecia sua dependência de Deus para comunicar a mensagem de forma adequada e no momento oportuno. Ele desejava não apenas falar, mas fazê-lo com sabedoria, graça e eficácia, ajustando-se às necessidades de seus ouvintes. Como ele mesmo escreveu:
“Orando também juntamente por nós, para que Deus nos abra a porta da palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo, pelo qual estou também preso; Para que o manifeste, como me convém falar. Andai com sabedoria para com os que estão de fora, remindo o tempo. A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um.” (Colossenses 4:3-6).
O escritor da carta aos Hebreus, por exemplo, pediu orações por ele e seus companheiros. Apesar de terem a confiança de manter uma boa consciência diante de Deus e o desejo de agir com honestidade em todas as circunstâncias, reconheciam que enfrentariam barreiras impostas pelas complexidades sociais e culturais da época (Hebreus 13:18).
Essas questões socioculturais não apenas representavam entraves para o anúncio do evangelho aos não cristãos, mas também fomentavam problemas dentro das próprias igrejas locais. As diferenças culturais, étnicas, religiosas e sociais frequentemente geravam tensões entre os convertidos, desafiando a unidade do corpo de Cristo.
Os apóstolos e líderes da igreja enfrentavam o desafio de lidar com questões complexas que afetavam a convivência entre os crentes. Entre elas estava a relação entre judeus e gentios, marcada por tensões envolvendo as tradições mosaicas e a liberdade cristã. Enquanto alguns judeus convertidos insistiam na necessidade de observar a lei de Moisés, os gentios experimentavam a liberdade do evangelho, gerando debates sobre circuncisão, alimentos e dias santos.
Além disso, havia diferenças significativas de posição social. Romanos, como dominadores políticos, frequentemente se viam em posição de poder, gregos se destacavam como detentores do conhecimento e da filosofia, enquanto os judeus consideravam sua religião como superior por ser a guardiã da revelação divina. Esses contrastes sociais e culturais desafiavam a unidade da igreja, exigindo dos líderes paciência e sabedoria para ensinar que, em Cristo, todos são iguais e membros de um único corpo. Essas tensões exigiam sabedoria e firmeza para manter o foco na mensagem central do evangelho e promover a paz e a edificação mútua entre os crentes.
Regras de ouro para todos cristãos
“Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus.” (1 Coríntios 10:32).
O comportamento do cristão na sociedade deve ser honesto, evitando causar escândalo a judeus, gregos ou à igreja de Deus, a qual é composta por pessoas chamadas de todos os povos. Para cumprir essa regra de conduta, o apóstolo Paulo fundamentava-se em dois princípios fundamentais: tudo o que for feito deve ser para a glória de Deus (1 Coríntios 10:31) e não buscando o próprio proveito, mas o benefício de muitos, para que sejam salvos (1 Coríntios 10:32).
Paulo se apresenta como exemplo, mostrando que seu objetivo era agradar a todos no que fosse possível, sempre com vistas à salvação das pessoas. Ele, então, exorta os cristãos a seguirem o seu exemplo, pois ele mesmo imitava a Cristo:
“Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (1 Coríntios 11:1).
Esse modelo de vida revela a preocupação com o testemunho cristão e com a missão de alcançar o maior número de pessoas para o evangelho, sempre com amor, renúncia e foco na glória de Deus.
É lícito aos cristãos comer carne de todas as espécies de animais, pois nada, em si mesmo, é impuro (Romanos 14:14). No entanto, entre os cristãos, há quem julgue os outros por suas preferências alimentares, chegando até a colocar tropeços e escândalos no caminho de seus irmãos (Romanos 14:13). Alguns consideram correto comer de tudo, enquanto outros acreditam que é melhor alimentar-se apenas de legumes (Romanos 14:2).
A lição central ensinada por Paulo, contudo, vai além das escolhas individuais: a verdadeira atitude cristã é abster-se de comer carne, beber vinho ou fazer qualquer outra coisa que possa levar um irmão a tropeçar, enfraquecer ou escandalizar, mesmo tendo a certeza de que tudo é limpo (Romanos 14:21).
Essa mesma lição é ensinada aos coríntios, quando Paulo apresenta princípios gerais sobre comer alimentos sacrificados a ídolos. Aqueles que possuem conhecimento entendem que “o ídolo nada é no mundo” e que há apenas um Deus, de quem procede tudo, e um Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas. Além disso, reconhecem que a comida, em si, não torna ninguém mais ou menos agradável a Deus (1 Coríntios 8:4-8).
A liberdade cristã permite que aqueles que possuem esse conhecimento comam alimentos sacrificados a ídolos, pois estes “nada são”. No entanto, o cristão deve estar ciente de que o exercício dessa liberdade não deve se tornar um tropeço para os outros (1 Coríntios 8:9).
Paulo alerta que, se alguém com conhecimento come esse alimento diante de outro cristão que não possui o mesmo entendimento, o comportamento pode levar o irmão de consciência mais fraca a imitar tal prática, mesmo sem estar plenamente convencido. Dessa forma, a consciência do outro seria ferida, e ele poderia tropeçar espiritualmente (1 Coríntios 8:10-12).
Por isso, o apóstolo aconselha:
“Se a comida escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (1 Coríntios 8:13).
As regras de ouro da conduta cristã estão fundamentadas no serviço a Cristo, de modo que seja agradável a Deus e aceito pelos homens. O apóstolo Paulo recomenda seguir essas diretrizes porque elas promovem a paz e a edificação mútua entre os irmãos na fé.
Os cristãos mais fortes na fé devem suportar os fracos, o que significa não impor suas preferências ou liberdades, mas agir com empatia e consideração. Isso implica renunciar ao desejo de agradar a si mesmos, em favor do bem-estar espiritual dos outros. Esse princípio está enraizado no exemplo de Cristo, que não buscou agradar a si mesmo, mas suportou injúrias e perseguições para edificar o Seu corpo, a igreja (Romanos 14:19; 15:1-3).
A liberdade cristã
“E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão;” (Gálatas 2:4).
Ao escrever aos cristãos da Galácia, Paulo os adverte sobre o desvio que alguns estavam cometendo ao abandonar o evangelho de Cristo por um “outro evangelho”. Esse desvio ocorreu porque haviam sido convencidos de que, para serem salvos, precisariam se circuncidar segundo o rito de Moisés.
Paulo deixa claro, ao relatar sua viagem a Jerusalém junto com Tito, um grego convertido a Cristo, que Tito não foi constrangido pelos apóstolos ou pelos líderes da igreja a se circuncidar. Essa atitude reforça que, em Cristo, os gentios não estão obrigados a se submeter à circuncisão ou a qualquer outro preceito da lei mosaica como requisito para a salvação.
Paulo também expõe que algumas pessoas haviam se infiltrado entre os irmãos apenas para espionar a liberdade que tinham em Cristo e tentar impor novamente a escravidão da lei (Atos 15:24), incluindo a prática da circuncisão:
“E isso por causa dos falsos irmãos que se intrometeram com o fim de espiar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, para nos reduzir à escravidão” (Gálatas 2:4).
Após as questões relacionadas à circuncisão terem sido pacificadas e, com os decretos dos apóstolos em mãos, estabelecendo que a prática não deveria ser imposta aos cristãos gentios, Paulo, por causa dos judeus, circuncidou Timóteo. Este era um jovem discípulo, filho de uma judia crente e de pai grego (Atos 16:1-3). Essa decisão não contradizia o princípio da liberdade cristã, mas foi tomada como uma estratégia para evitar barreiras culturais ao evangelho entre os judeus.
Em outra ocasião, para aguardar o ajuntamento de uma multidão e se misturar com os seguidores do judaísmo, Paulo seguiu os ritos judaicos de “santificação” e raspou a cabeça como se tivesse feito votos (Atos 21:22-24). Esse comportamento ilustra o princípio que ele próprio expressou:
“Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.” (1 Coríntios 9:22).
Ao analisar outro episódio, quando Jesus censura a tradição dos anciãos sobre lavar as mãos antes de comer, Ele declara:
“Ouvi-me vós, todos, e compreendei. Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai dele isso é que contamina o homem.” (Marcos 7:14-15).
Aqui, Jesus não estava criticando práticas sanitárias, mas sim o ritual religioso que buscava purificação externa, enquanto ignorava a corrupção interna.
Do ponto de vista sanitário, é evidente que consumir algo contaminado pode causar doenças ou até levar à morte. Contudo, sob a perspectiva de Cristo, nada externo — comida, bebida, vestes, utensílios, ou locais — pode espiritualmente contaminar o homem. O que realmente contamina é aquilo que sai do coração e revela a verdadeira condição humana. Essa explicação foi tão complexa que os próprios discípulos não a entenderam de imediato. Jesus, então, esclareceu que tudo o que entra pela boca passa pelo ventre e é eliminado, tornando todas as comidas puras (Marcos 7:19). Por outro lado, o que realmente torna o homem imundo é o próprio coração (mente), que se revela mentiroso por ser contrário à lei de Deus. A corrupção do coração humano se manifesta na incapacidade de obedecer à lei divina, que expõe a verdadeira condição espiritual do homem.
A lei não apenas instrui, mas também revela a impureza daquele que, apesar de carregar o título de “judeu” e a herança da aliança, é incapaz de cumprir seus preceitos. Como diz o salmista:
“DISSE o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniquidade; não há ninguém que faça o bem. Deus olhou desde os céus para os filhos dos homens, para ver se havia algum que tivesse entendimento e buscasse a Deus. Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um. Acaso não têm conhecimento os que praticam a iniquidade, os quais comem o meu povo como se comessem pão? Eles não invocaram a Deus.” (Salmo 53:1-5).
Essa realidade reflete a condição humana descrita pelo profeta Isaías:
“Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos.” (Isaías 6:5).
O problema de Isaías, bem como de Israel, estava enraizado no coração humano, herdado desde o nascimento. Jeremias enfatiza essa condição:
“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração e provo os rins; e isto para dar a cada um segundo os seus caminhos e segundo o fruto das suas ações.” (Jeremias 17:9-10).
O coração é enganoso no sentido de ser mentiroso e contrário à natureza de Deus, que é verdade:
“Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do SENHOR.” (Isaías 30:9);
“Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras.” (Salmos 58:3);
“Dizia na minha pressa: Todos os homens são mentirosos.” (Salmos 116:11).
Observe que Jesus não falou abertamente à multidão da mesma maneira que falou com os discípulos ao tratar da tradição dos antigos. Esse cuidado estava em consonância com as Escrituras, que profetizavam que o Cristo ensinaria ao povo por meio de parábolas e enigmas:
“E ensinava-lhes muitas coisas por parábolas” (Marcos 4:2), e, mais adiante: “A vós vos é dado saber o mistério do reino de Deus, mas aos que estão de fora tudo se diz por parábolas, para que vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não entendam” (Marcos 4:11-12). Essa abordagem cumpre o que está escrito: “Abrirei a minha boca numa parábola; falarei enigmas da antiguidade” (Salmo 78:2).
Além de cumprir as profecias, esse método de ensino evitava um confronto direto e prematuro entre a doutrina de Cristo e os valores religiosos e culturais dos judeus. Por meio das parábolas, Jesus transmitia verdades espirituais profundas, desafiando aqueles que realmente buscavam compreender o reino de Deus, enquanto ao mesmo tempo mitigava resistências mais severas daqueles que ainda estavam presos às tradições de seus antepassados.
A liberdade cristã guarda semelhança com a liberdade de Adão no Éden, que podia comer livremente de todas as árvores do jardim. Com essa perspectiva, o apóstolo Paulo adverte os cristãos sobre o julgamento baseado em práticas exteriores, afirmando:
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras; mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2:16-17).
A liberdade em Cristo não está sujeita a regras humanas que impõem restrições como: “Não toques, não proves, não manuseies” – práticas baseadas em preceitos e doutrinas humanas, que perecem com o uso (Colossenses 2:20-22). Essas ordenanças, que remetem aos rudimentos do mundo, não podem reger a vida cristã daqueles que estão mortos com Cristo.
A única coisa que o cristão não pode fazer, a semelhança de Adão no Éden, que foi advertido a não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, é não se demover de andar em Cristo. Isso significa permanecer arraigado e edificado n’Ele, mantendo-se firme no evangelho (fé) conforme foi ensinado.
O apóstolo Paulo enfatiza essa necessidade em sua carta aos colossenses:
“Portanto, assim como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele, arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, abundando em ação de graças” (Colossenses 2:6-7).
Permanecer em Cristo é o fundamento da liberdade cristã e da vida espiritual, sendo imprescindível para que o cristão viva em comunhão com Deus produzindo o fruto que glorifica ao Senhor (Hebreus 13:15).
Ao falar da liberdade cristã invariavelmente surge argumentos alertando quanto aos perigos da licenciosidade, o que deve ser observado. Porém, tal argumento faz com que muitos cristãos deixem de apreciar a plenitude da liberdade cristã, bem como algumas implicações.
Na declaração de Paulo: “Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:26-28), fica evidente que não há diferença entre os membros do corpo de Cristo no que diz respeito à sua posição espiritual. No corpo de Cristo, divisões como judeus e gentios, escravos e livres, plebeus e nobres, ou mesmo entre homem e mulher, não têm relevância, pois todos são um em Cristo. O destaque do apóstolo está no termo “nisto”, referindo-se a serem filhos de Deus, batizados em Cristo e revestidos de Cristo.
Contudo, embora espiritualmente iguais, na época do apóstolo Paulo as diferenças sociais e culturais eram evidentes e persistentes. A realidade da sociedade daquele tempo não era abolida pelo evangelho, e questões como escravidão permaneciam uma parte estruturante das relações humanas.
Nesse contexto, um escravo cristão não podia usar a liberdade espiritual que possuía em Cristo como justificativa para reivindicar, na sociedade, igualdade de condição com os livres. Também não poderia se recusar a se submeter ao seu senhor sob o pretexto do evangelho. A mensagem central do evangelho é a libertação da escravidão do pecado, e não uma revolução contra as leis e estruturas sociais da época, como a servidão.
Por esse motivo, os apóstolos não levantaram bandeiras contra a escravidão. O propósito do evangelho não é reformar sistemas políticos ou sociais, mas operar uma mudança de compreensão através do evangelho e reconciliar o homem com Deus. Caso os apóstolos adotassem uma postura militante contra a escravidão, as perseguições que certamente ocorreriam não estariam alinhadas com as bem-aventuranças prometidas por Cristo. Afinal, a bem-aventurança está reservada àqueles que sofrem perseguições por causa do evangelho, e não por ideologias ou reivindicações sociais (Mateus 5:1-12).
Por isso, ao tratarem da questão da escravidão, os apóstolos destacaram a necessidade de os servos se sujeitarem aos seus senhores em tudo, conforme ensinado em Efésios 6:5, Colossenses 3:22, 1 Timóteo 6:1 e 1 Pedro 2:18. Essa instrução não deve ser interpretada como um endosso da escravidão, mas como uma orientação prática para preservar o testemunho cristão em um contexto social onde a servidão era uma realidade.
O apóstolo Paulo não podia fomentar uma campanha abolicionista, mas essa era a recomendação aos escravos:
“Foste chamado sendo servo? não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião. Porque o que é chamado pelo Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo.” (1 Coríntios 7:21-22).
Embora os cristãos fossem livres em Cristo, era de bom alvitre que um cristão gentio tivesse sensibilidade ao conviver com seus irmãos judeus. Por exemplo, não seria adequado um gentio se assentar à mesa com um judeu e insistir que este comesse carne de porco oferecida por ele. Tampouco seria conveniente pressionar um cristão judeu a entrar na casa de um gentio apenas com o argumento de que agora, em Cristo, ele era livre.
Essas situações exigiam sabedoria e amor mútuo, pois o evangelho preza pela edificação do corpo de Cristo e pela unidade entre seus membros. A liberdade cristã não deve ser usada para impor práticas ou preferências pessoais que possam escandalizar ou ferir a consciência de outro irmão. Como Paulo ensina:
“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam” (1 Coríntios 10:23).
O respeito às sensibilidades culturais e religiosas de cada um não significa uma negação da liberdade em Cristo, mas a aplicação prática do amor ao próximo, que busca sempre preservar a unidade e a paz no corpo de Cristo.
Muitas vezes, para contornar entraves culturais, o cristão deve agir com perspicácia. Um exemplo dessa sensibilidade está nas instruções do apóstolo Paulo, nas cartas pastorais, ao determinar que somente fossem constituídos presbíteros (ou bispos) para presidir e diáconos para auxiliar aqueles que fossem “maridos de uma só mulher” (Tito 1:5-7; 1 Timóteo 3:2, 3:12). Essa ordenança está alinhada às leis e costumes culturais da época, particularmente no contexto do Império Romano.
Os romanos, povo dominante naquele período, em geral praticavam a monogamia, especialmente entre as classes superiores e no contexto do casamento oficial (matrimonium). A monogamia era não apenas uma norma social, mas também uma exigência legal no Império Romano, sustentada por leis e tradições que enfatizavam que um cidadão romano deveria ter apenas uma esposa legítima ao mesmo tempo.
Contudo, Paulo não estabeleceu essa regra como requisito para todos os membros do corpo de Cristo. Por quê? Porque colocar barreiras às pessoas que desejam se achegar a Cristo iria contra a essência do evangelho. Embora a monogamia seja prevalente em muitas sociedades, algumas culturas aceitam e até promovem a prática da poligamia. Além disso, no contexto do judaísmo antigo, a poligamia era uma prática comum. Os patriarcas bíblicos, como Abraão, Jacó e Davi, tiveram múltiplas esposas.
Com o passar do tempo, no entanto, a monogamia tornou-se predominante entre os judeus, especialmente após o exílio babilônico (século VI a.C.) e sob a influência de culturas helenísticas e romanas. A transição cultural e religiosa favoreceu a monogamia como norma, mas o evangelho, em sua essência, continua a transcender essas questões culturais, chamando todos à salvação sem entraves desnecessários.
Paulo, portanto, foi estratégico ao enfatizar a monogamia apenas para líderes eclesiásticos, refletindo as expectativas culturais e sociais do ambiente greco-romano, sem transformar isso em um requisito geral para todos os cristãos, preservando a acessibilidade do evangelho.
Deste modo, a liberdade cristã torna todas as coisas lícitas, mas o cristão não pode deixar se dominar por nenhuma delas, pois nem todas convêm ou edificam (1 Coríntios 6:12; 10:23). Assim, as maiores premissas que devem orientar a liberdade em Cristo são:
“Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias:” (Atos 15:28);
“A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens.” (Romanos 12:17).
As mulheres eram proibidas de falarem na igreja
É assente que, em Cristo, nem o homem é sem a mulher, nem a mulher sem o homem. No entanto, como era dever dos cristãos se portarem de modo a não escandalizar os judeus, os gregos ou a igreja de Deus, o apóstolo Paulo precisou prescrever proibições específicas relacionadas às mulheres (1 Coríntios 10:32; 11:11).
A observação de Paulo tem como alvo os homens da igreja em Corinto, apesar de a restrição ser imposta às mulheres:
“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei.” (1 Coríntios 14:34).
Se a proibição era direcionada às mulheres, por que Paulo se dirige aos homens? Porque, à época, competia exclusivamente aos homens exercer autoridade em qualquer esfera pública, como era amplamente observado em várias sociedades da antiguidade. A questão transcendeu as pequenas comunidades cristãs, estando profundamente enraizada nas normas culturais e legais da época.
Na antiguidade, diversas sociedades impunham restrições legais e culturais às mulheres, especialmente no que diz respeito a falar em público. Essas restrições estavam frequentemente codificadas em leis ou reforçadas por normas morais, refletindo expectativas sobre os papéis de gênero.
Em Atenas, as mulheres tinham sua participação pública severamente restringida. Leis que regulavam o acesso às assembleias (ecclesia) e aos tribunais impediam as mulheres de exercer qualquer papel político ou jurídico ativo. Mesmo em situações legais, raramente podiam representar a si mesmas, necessitando de um tutor masculino (kyrios) para falar em seu lugar[1].
Platão e Aristóteles justificavam a exclusão pública das mulheres com base nas impressões próprias dos homens daquelas sociedades. Platão, em A República (Livro 5), sugere que mulheres poderiam participar da vida pública apenas em um sistema ideal, mas na prática, eram relegadas à esfera doméstica. Já Aristóteles, em Política (Livro 1.5; 1.13), argumenta que as mulheres eram naturalmente subordinadas e incapazes de deliberar como os homens. Ele defendia que a voz da mulher deveria ser limitada à gestão do lar.
Na Roma Antiga, as mulheres eram excluídas de debates no Senado e nas comitia, as assembleias públicas romanas, reservadas exclusivamente aos homens. O círculo político era exclusivamente masculino[2]. Nesse sentido, o direito romano impedia as mulheres de representar a si mesmas ou outras pessoas nos tribunais. Um tutor ou curador masculino era obrigatório[3].
Cícero, um defensor da tradição romana, em Sobre os Deveres (Livro 1.34), expressa desprezo pela ideia de mulheres se envolverem em discursos públicos: “É impossível encontrar algo mais vergonhoso do que uma mulher com eloquência pública.”. Juvenal, em sua Sátira VI, critica mulheres que falavam demais ou que eram percebidas como intrometidas em assuntos públicos, reforçando a ideia de que a participação feminina era indesejada.
No judaísmo antigo, as mulheres eram geralmente excluídas do ensino público da Lei ou de qualquer participação em debates religiosos nas sinagogas, ambientes dominados por homens. Filão de Alexandria, Sobre as Leis Especiais (3.169-171), argumenta que o silêncio das mulheres é apropriado e que sua participação deve ser limitada à esfera doméstica. Na sinagoga, mulheres podiam assistir, mas não liderar ou falar publicamente, conforme o Talmude Babilônico, Berachot 20a, onde a restrição ao ensino público por mulheres é reforçada.
O apóstolo Paulo, ao prescrever proibições aos maridos da igreja de Corinto, vedado às mulheres falarem nas igrejas refletia tanto as realidades culturais da época quanto a necessidade de evitar escândalos em uma sociedade amplamente patriarcal. Sua abordagem estava em consonância com as normas legais e sociais da Grécia, de Roma e do judaísmo antigo, onde a voz feminina era geralmente limitada aos domínios privados ou restrita a funções muito específicas.
Da mesma forma que o apóstolo Paulo não podia apregoar a libertação dos escravos que haviam se convertido, apesar de serem livres em Cristo, ele também não podia facultar ou permitir que as mulheres falassem em público. Isso se devia ao contexto cultural da época, no qual a sociedade rejeitava amplamente a figura feminina em posições de fala pública.
Permitir que uma mulher falasse em público, especialmente em ambientes religiosos, seria visto como um ato subversivo e poderia gerar resistência e escândalo. Tal postura se tornaria um obstáculo ao anúncio do evangelho, desviando a atenção da mensagem central para questões culturais e sociais que as pequenas comunidades cristãs não teriam como subsistir.
O posicionamento de Paulo não deve ser interpretado como preconceituoso ou machista, mas sim como uma estratégia pragmática, moldada pelas circunstâncias culturais e sociais de sua época. Sua orientação reflete uma preocupação prática com a preservação da eficácia do anúncio e da propagação do evangelho em um contexto específico da história da humanidade, caracterizado por estruturas patriarcais rígidas.
Dessa forma, as instruções de Paulo devem ser compreendidas dentro do seu contexto histórico e cultural, e não como uma prescrição universal para todos os tempos e lugares. Seu foco estava na expansão do evangelho e na edificação das comunidades cristãs em um mundo onde as normas sociais frequentemente limitavam as oportunidades para as mulheres.
A recomendação de Paulo de que as mulheres permanecessem caladas nas igrejas (“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar” – 1 Coríntios 14:34-35) não reflete preconceito ou machismo, mas está claramente enraizada no contexto cultural e social de sua época. Paulo não estabeleceu essa norma de forma arbitrária; ele a fundamentou em práticas culturais amplamente aceitas, como o ensino de que as mulheres deveriam estar sujeitas aos seus maridos, seguindo o exemplo de Sara, que chamava Abraão de “senhor” (1 Pedro 3:6).
A Lei de Moisés era clara em suas orientações sobre os votos feitos pelas mulheres, refletindo a estrutura social da época, em que a mulher estava normalmente sob a autoridade de um homem — fosse o pai ou o marido. No entanto, havia exceções em casos específicos, como as viúvas ou mulheres repudiadas, que, sem vínculo direto com um homem, tinham maior autonomia. Essa regulamentação está registrada em Números 30:1-15.
Essas leis destacam que, no contexto da sociedade israelita antiga, as mulheres estavam normalmente subordinadas a uma figura masculina em questões que envolviam votos ou promessas solenes. A única exceção ocorria quando a mulher já não tinha um vínculo direto com um homem — como no caso de viúvas ou mulheres repudiadas —, o que lhes conferia maior autonomia em suas decisões.
Em um ambiente de ensino, perguntas[4] ou debates são inevitáveis. Uma mulher perspicaz que questionasse um líder cristão em público poderia envergonhá-lo, caso ele não soubesse responder adequadamente. Isso poderia ser interpretado como uma atitude insurgente para quem estivesse espionando a liberdade dos cristãos, especialmente em uma sociedade onde a mulher não tinha permissão para exercer autoridade ou questionar homens em público. Tal situação poderia gerar comentários negativos, especialmente entre os de fora, enfraquecendo a credibilidade da comunidade cristã.
Paulo orienta que, se as mulheres quisessem aprender, deveriam perguntar a seus maridos em casa (“Se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos” – 1 Coríntios 14:35). Essa recomendação não visava rebaixar a mulher, mas proteger a comunidade cristã de ser mal interpretada em um contexto cultural em que a autoridade masculina era amplamente aceita e esperada.
Lembrando que, em Cristo, não há diferença entre homem e mulher, assim como não há distinção entre judeus e gregos (Gálatas 3:28). Essa igualdade espiritual reflete a verdade de que, em Cristo, todos possuem plena liberdade, pois “todas as coisas são lícitas”. No entanto, essa liberdade precisa ser exercida com discernimento e responsabilidade, considerando que “nem todas as coisas convêm” e “nem todas as coisas edificam” (1 Coríntios 10:23).
O que não convém são aquelas ações que, embora lícitas em Cristo, podem causar escândalo, serem mal interpretadas ou não contribuírem para a edificação da fé. Para aqueles que desejam portar-se honestamente em tudo, é essencial considerar o impacto de suas ações perante os outros, especialmente os que estão “de fora” e que podem observar a liberdade dos cristãos com uma visão crítica.
Somos informados, através de registros históricos fidedignos, que, entre os gregos, a modéstia de uma mulher estava associada ao silêncio em público. Aristóteles, em A Política, cita o poeta grego Sófocles, ao dizer: “… um modesto silêncio é a honra da mulher” (Política, Livro I, capítulo 13). Essa afirmação reflete a visão predominante na sociedade grega de que o papel ideal da mulher era de recato e submissão, com sua participação pública limitada e sua voz restrita ao espaço privado ou doméstico. Essa perspectiva reflete a norma cultural predominante na sociedade grega da época, em que a expressão pública feminina era vista como desonrosa.
Sófocles, dramaturgo da Grécia Clássica, frequentemente expressava em suas obras valores e normas culturais da época, e essa citação exemplifica a expectativa de que a modéstia e o silêncio eram qualidades femininas valorizadas. Aristóteles incorpora essa ideia em sua análise das relações sociais e familiares, reforçando a visão de que a mulher deveria ocupar um lugar subordinado no esquema social e político.
Quando Paulo escreveu a Timóteo sobre a necessidade de as mulheres aprenderem em silêncio (“A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição” – 1 Timóteo 2:11), é importante lembrar que Timóteo estava em Éfeso, uma cidade grega (1 Timóteo 1:3). Conhecedor dos costumes dos povos gentios, Paulo, o apóstolo dos gentios, sabia que uma comunidade cristã em que as mulheres desrespeitassem o que era considerado honroso na sociedade seria rapidamente rejeitada. Assim, sua instrução não se fundamenta em um desvalor da mulher, mas em uma estratégia pragmática para preservar a eficácia do evangelho.
Embora, no Senhor, homem e mulher sejam espiritualmente iguais (Gálatas 3:28), na estrutura social da época a mulher tinha que sujeitar-se ao marido, assim como o escravo ao seu senhor e os cidadãos às autoridades constituídas (Efésios 5:22-24; 1 Pedro 2:18; Romanos 13:1). Essas orientações refletem a necessidade de que a liberdade em Cristo fosse vivida de maneira que não escandalizasse as normas culturais vigentes, possibilitando que a mensagem do evangelho encontrasse aceitação.
A abordagem de Paulo evidencia sua habilidade em equilibrar os valores do evangelho com a realidade cultural de seu tempo, garantindo que a mensagem de Cristo fosse transmitida sem criar barreiras desnecessárias. Essa orientação, portanto, deve ser compreendida no contexto histórico e cultural em que foi dada, e não como uma imposição universal ou permanente.
O apóstolo Pedro, em sua primeira epístola, fez um apelo aos cristãos, destacando sua condição espiritual em Cristo como peregrinos e forasteiros neste mundo, exortando-os a se absterem das concupiscências carnais:
“Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais, que combatem contra a alma.” (1 Pedro 2:11).
A que concupiscências Pedro se referia? Seriam práticas imorais, como lascívia e prostituição? Não necessariamente. A interpretação do texto no contexto da carta sugere que o apóstolo estava se referindo aos desejos carnais de restabelecerem o reino a Israel pela força do próprio braço que incluíam sedições, subversões e desobediência às autoridades constituídas, especialmente apregoadas por grupos judaizantes que buscavam minar a ordem e criar resistência política.
“Mas principalmente aqueles que segundo a carne andam em concupiscências de imundícia, e desprezam as autoridades; atrevidos, obstinados, não receando blasfemar das dignidades;” (2 Pedro 2:10).
Os judaizantes frequentemente promoviam a resistência contra as autoridades romanas, usando a Lei de Moisés como justificativa para sedições políticas e religiosas. Pedro exorta os cristãos a evitarem essa mentalidade, que era contrária ao ensino de Cristo de submissão e obediência às autoridades terrenas, salvo quando estas contradissessem a vontade de Deus (Mateus 22:21; Romanos 13:1-7).
O apóstolo Pedro, ao orientar os cristãos em sua epístola, aborda questões práticas relacionadas ao testemunho e à conduta dos crentes, especialmente aqueles convertidos do judaísmo, conhecidos como “os da circuncisão”. Ele destaca que os “segundo a carne” referem-se aos judaizantes, cujo comportamento revelava a “concupiscência da imundície”, manifestada no desprezo às autoridades constituídas. Esses indivíduos, descritos como “atrevidos e obstinados”, não temiam falar mal das dignidades, agindo em desrespeito às ordens e governantes (2 Pedro 2:10).
Pedro enfatiza que os cristãos deveriam manter um viver honesto entre os gentios, para que suas boas obras fossem testemunho diante daqueles que os observavam. A conduta dos cristãos, particularmente os convertidos da circuncisão, precisava refletir a submissão às autoridades terrenas. Para isso, Pedro instrui:
“Sujeitai-vos, pois, a toda ordenação humana por amor ao Senhor: quer ao rei, como superior; quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores e louvor dos que fazem o bem” (1 Pedro 2:13-14).
Pedro destaca que a liberdade em Cristo não deveria ser usada como pretexto para encobrir a malícia ou promover a desobediência. Os cristãos deveriam respeitar as autoridades e viver de maneira irrepreensível, testemunhando o evangelho com sua conduta.
“Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei” (1 Pedro 2:17).
Pedro aconselha os servos a serem submissos aos seus senhores, mesmo quando enfrentassem injustiças. Ele usa o exemplo de Cristo, que suportou o sofrimento sem revidar, como modelo para os crentes. O objetivo era que a paciência e a justiça dos servos glorificassem a Deus e trouxessem honra ao nome de Cristo (1 Pedro 2:18-25).
Semelhantemente aos servos, Pedro exorta as mulheres a serem sujeitas aos seus maridos. O propósito dessa sujeição era que, pelo bom porte e conduta, as mulheres cristãs pudessem ganhar seus maridos para Cristo, sem a necessidade de palavras. Observe que tal convencimento dos maridos deveria ser sem palavras. O verdadeiro adorno das mulheres não deveria estar em aspectos externos, como penteados elaborados, joias de ouro ou roupas luxuosas, mas em um traje incorruptível de entendimento e um espírito submisso, refletindo a beleza interior (1 Pedro 3:1-4).
O apóstolo Pedro, ao orientar as mulheres cristãs, exorta que seu atavio — ou seja, sua conduta e comportamento — siga o exemplo das santas mulheres do passado, que eram conhecidas por sua confiança em Deus e submissão aos seus maridos. Ele destaca Sara, que se sujeitava a Abraão, chamando-o de “Senhor” (1 Pedro 3:5-6), como modelo de fé, respeito e conduta virtuosa.
A partir da orientação de Pedro, podemos identificar dois entraves específicos relacionados à atuação das mulheres cristãs na época:
- nos lares – As mulheres não podiam ousar ensinar o evangelho aos seus maridos, mas deveriam ganhá-los sem palavras. Pedro instrui: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede submissas a vossos próprios maridos; para que também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte de suas mulheres sejam ganhos sem palavras.” (1 Pedro 3:1). A ideia aqui é que o testemunho da conduta cristã das esposas, com um espírito manso e quieto, teria maior impacto sobre os maridos incrédulos do que o confronto direto ou o ensino verbal. Esse comportamento era considerado precioso diante de Deus e respeitado pela sociedade.
- nas igrejas – As mulheres não podiam falar à comunidade reunida. Essa restrição também é mencionada por Paulo: “As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar” (1 Coríntios 14:34). A proibição era reflexo das normas sociais da época, que consideravam inadequado que mulheres ocupassem posições de ensino ou liderança pública. Permitir tal prática poderia gerar escândalo e prejudicar o testemunho cristão, especialmente entre os gregos, assim como os romanos e judeus que valorizavam a discrição feminina.
Observa-se que, ao instruir os cristãos de Corinto, Paulo destaca a proibição de as mulheres falarem na igreja (1 Coríntios 14:34) e também nos lares (1 Coríntios 14:35). Da mesma forma, Pedro aborda a questão, enfatizando que as mulheres não deveriam ensinar seus maridos nos lares, mas ganhar seus esposos por meio de uma conduta exemplar, sem palavras (1 Pedro 3:1-6).
Ao escrever a Timóteo, a abordagem de Paulo é semelhante à de Pedro, ressaltando a importância de pudor, modéstia e discrição para as mulheres. Ele orienta que o adorno delas não seja apenas externo, com tranças, ouro, pérolas ou vestes luxuosas, mas que reflita boas obras e uma conduta apropriada para aquelas que professam piedade (1 Timóteo 2:9-10). Nesse contexto, Paulo enfatiza o que considera conveniente, determinando que as mulheres aprendam em silêncio, com toda a submissão. O foco da orientação está no lar, onde Paulo declara não permitir que a mulher ensine ou exerça autoridade sobre o marido, mas que permaneça em silêncio. Ele fundamenta essa instrução na ordem da criação, afirmando que “primeiro foi formado Adão, depois Eva” (1 Timóteo 2:11-15).
Em nossos dias, uma mulher pode pregar ou ensinar em uma igreja local?
Muitos líderes cristãos ainda vetam que mulheres preguem nas igrejas, baseando-se em falácias argumentativas — ou seja, utilizam argumentos inválidos que parecem plausíveis.
Por exemplo, alegar que uma mulher hoje não pode pregar a uma comunidade cristã sob o argumento de que, embora Jesus fosse seguido por mulheres que o serviam, Ele escolheu apenas homens como apóstolos (Mateus 27:55), é uma conclusão falaciosa. Outro argumento equivocado é afirmar que, como Jesus, sendo livre de preconceitos, não nomeou uma mulher como apóstola, isso indicaria que a liderança de uma igreja local deve ser restrita apenas aos homens. Esses raciocínios carecem de fundamentação sólida.
O pretexto de que a Bíblia foi escrita para alcançar todas as gerações e, por isso, Deus não deixou orientações para mulheres ocuparem o papel de pastoras, mas apenas de pastores, é igualmente falho. A interpretação de que somente homens podem ser bispos ou presbíteros, com base na exigência de que sejam “maridos de uma só mulher” (1 Timóteo 3:2), é produto de uma inferência que desconsidera o contexto cultural e não encontra sustentação bíblica direta.
Apesar das restrições impostas às mulheres na época, o apóstolo João escreveu a uma irmã em Cristo, identificada como “senhora eleita”, passando-lhe instruções sobre o evangelho, que claramente ela replicaria em seu círculo de amizade e influência (2 João 1:1-13). Isso demonstra que as mulheres desempenhavam papéis significativos na propagação da mensagem cristã, mesmo em sociedades altamente patriarcais.
A questão sobre se mulheres podem pregar em público, seja na igreja ou em particular, não está ligada à licitude ou ilicitude do ato em si. O que tornava a prática de uma mulher ensinar na igreja inadequada era o contexto cultural da época, e não a ação da mulher em si.
Deixando de lado as restrições impostas às mulheres em tempos de sociedades fechadas e patriarcais, o verdadeiro critério para alguém falar à igreja deve ser a capacidade de manejar bem a palavra da verdade, que não tropece na palavra (Tiago 3:2; 2 Timóteo 2:15). Portanto, o gênero não deve ser um fator determinante, mas sim o conhecimento e a competência no ensino da palavra de Deus.
Avaliar eventos históricos com os parâmetros morais e culturais da atualidade é uma abordagem inadequada. A moral da sociedade muda constantemente, e aquilo que hoje é considerado progressista pode ser julgado com outros olhos no futuro. É possível que práticas e atitudes atuais, como a relação com certas classes de pessoas ou até com os animais e o meio ambiente, sejam vistas sob uma nova perspectiva nas gerações futuras.
O texto paulino apresenta orientações específicas aos cristãos de Corinto, que viviam em uma sociedade grega. Paulo recomendou que as mulheres não ensinassem nas comunidades cristãs para evitar choque cultural e, consequentemente, perseguições. Na época, a visão grega sobre as mulheres era clara. Aristóteles, ao citar o poeta Sófocles, afirma que “o silêncio é a honra da mulher, mas não do homem”. Essa perspectiva reflete os valores daquela sociedade, onde a voz feminina era considerada imprópria em espaços públicos.
Nos evangelhos, no entanto, fica evidente que, diante de Cristo, não há diferença entre homens e mulheres, escravos e livres, pobres ou ricos. Essa igualdade espiritual é destacada por Paulo em Gálatas 3:26-28:
“Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
Contudo, essa igualdade espiritual em Cristo não deveria ser usada como pretexto para promover revoltas culturais ou políticas. O foco do evangelho não era transformar estruturas sociais ou estancar preconceitos, mas anunciar a salvação para todos os povos, independentemente dos costumes ou das culturas locais. Promover mudanças sociais abruptas poderia ter consequências desastrosas, como ocorreu com os judeus em 70 d.C., quando a insurreição foi reprimida brutalmente pelo general romano Tito.
Confundir os cristãos com os judaizantes era algo relativamente comum, dado que o cristianismo nasceu dentro do judaísmo e, em seus primórdios, era muitas vezes visto como uma seita judaica. Esse contexto é evidente em eventos relatados no livro de Atos.
Por exemplo, quando os senhores de uma jovem adivinha, em Filipos, conduziram Paulo e Silas aos magistrados, não os acusaram de serem cristãos, mas de serem judeus que estavam perturbando a cidade:
“Estes homens, sendo judeus, perturbam a nossa cidade, propagando costumes que não nos é lícito receber nem praticar, sendo nós romanos” (Atos 16:20-21).
Esse relato reflete a percepção comum de que os cristãos estavam ligados aos judeus, e também evidencia o antagonismo contra práticas religiosas ou culturais que conflitassem com as leis e costumes romanos.
Outro exemplo está relacionado ao alvoroço em Éfeso, provocado pelos artífices que fabricavam imagens de prata da deusa Diana. Quando o tumulto ameaçou fugir do controle, a preocupação principal foi evitar que o ajuntamento fosse considerado uma sedição aos olhos de Roma. O escrivão da cidade advertiu:
“Porque também corremos o risco de sermos acusados de sedição pelo tumulto de hoje, não havendo motivo algum com que possamos justificar este ajuntamento” (Atos 19:40).
Esse episódio deixa claro que Roma era extremamente intolerante a qualquer movimento que pudesse ser interpretado como insurreição ou perturbação da ordem pública.
A associação dos cristãos com os judeus, e a subsequente confusão sobre seus costumes, representava um desafio para a propagação do evangelho. Roma permitia que os judeus mantivessem suas práticas religiosas dentro de limites estritos, mas era implacável contra movimentos que ameaçassem a estabilidade política ou religiosa. Por isso, os apóstolos, especialmente Paulo, eram cuidadosos ao lidar com as acusações e ao contextualizar a mensagem cristã dentro das normas romanas.
As recomendações de Paulo devem ser entendidas como adequações estratégicas ao contexto cultural da época. O objetivo era preservar a integridade e a expansão do evangelho em meio a sociedades hostis, evitando que a mensagem de Cristo fosse ofuscada por questões culturais que poderiam gerar oposição desnecessária. O que muitos veem hoje como uma atitude de inferiorização das mulheres deve ser compreendido como uma tentativa de proteger as comunidades cristãs nascente de perseguições e hostilidades.
É importante reconhecer que muitos que defendem posicionamentos progressistas hoje talvez não tivessem coragem de expressar tais ideias há 100 anos ou em países com culturas restritivas. É mais comum julgar sociedades extintas do que enfrentar questões urgentes da sociedade atual, como tráfico de pessoas, drogas ou segregação social.
O evangelho não trata do que é culturalmente bom ou ruim; ele é a mensagem de salvação para todos os povos em todos os tempos. Assim, questões como fumar, que já foi amplamente aceito entre cristãos, ou possuir escravos, permitido na época dos apóstolos, não são o cerne do evangelho, mas refletem práticas de uma época específica. Afirmar hoje que mulheres não podem falar na igreja com base em uma proibição paulina é desconsiderar que essa restrição estava inserida em um contexto cultural específico, característico da sociedade da época. Não se trata de uma ordenança divina destinada a todos os povos e épocas, mas de uma orientação prática adaptada às circunstâncias culturais e sociais daquele período, com o objetivo de preservar a harmonia e o testemunho da igreja no mundo greco-romano.
[1] Demóstenes, Contra Néera (59.122-123), mostra que as mulheres não tinham permissão para atuar como participantes ativas em tribunais.
[2] Tácito, Anais (Livro 3.34), menciona a proibição de intervenções femininas em debates políticos.
[3] Gaius, Institutas (Livro 1.190-192), detalha as restrições legais impostas às mulheres.
[4] “O método socrático é uma técnica de investigação filosófica feita em diálogo, que consiste em o professor conduzir o aluno a um processo de reflexão e descoberta dos próprios valores. Para isso o professor faz uso de perguntas simples e quase ingênuas que têm por objetivo, em primeiro lugar, revelar as contradições presentes na atual forma de pensar do aluno” Wikipédia.