Polêmicos

É possível um crente carnal?

Toda carne é como a erva e não pode herdar o reino de Deus, mas, todo que é gerado de novo, da semente incorruptível, a palavra de Deus, permanecerá para sempre. Agora, surge a questão: É possível a alguém que crê em Cristo, conforme as Escrituras, ser carnal? É possível existir um crente carnal? É possível ser carnal, quem foi gerado da água e do espírito?


É possível um crente carnal?

“O que é nascido da carne, é carne e o que é nascido do Espírito, é espírito” (Jo 3:6)

Interpretação bíblica: nível avançado

 

Introdução

Nicodemos, um mestre em Israel, desconhecia que não tinha direito a entrar no reino dos céus e Jesus teve de ensiná-lo que, para ter direito a ver o reino dos céus, ele tinha que nascer de novo.

Nicodemos ficou sem compreender o que seria nascer de novo e especulou se era possível um homem velho voltar ao ventre materno e nascer novamente, quando Jesus lhe explicou que o novo nascimento se dá, através da água e do espírito (Jo 3:3-5).

Por que Nicodemos não podia entrar no reino dos céus? Porque “… o que é nascido da carne, é carne e o que é nascido do Espírito, é espírito”, de modo que este tem direito ao reino dos céus, mas aquele não, pois, carne e sangue não herdarão o reino dos céus.

“E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção” (1 Co 15:50).

Ter sido gerado da carne, tornava Nicodemos carnal, consequentemente, o fato de ser carnal, impedia Nicodemos de entrar no reino dos céus. Por que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus? Porque a carne é efêmera, ou seja, não permanece para sempre.

Quando disse que ‘o que é nascido da carne, é carne’, Jesus estava enfatizando a mesma verdade anunciada pelos profetas: toda carne é erva e a sua beleza efêmera, como a flor.

Moisés deixou registrado:

“Goteje a minha doutrina como a chuva, destile a minha palavra como o orvalho, como chuvisco sobre a erva e como gotas de água sobre a relva” (Dt 32:2).

Como os filhos de Israel achavam que estavam em melhor condição, diante de Deus, em relação aos outros povos, por intermédio de Isaías, Deus esclarece que toda carne (homens), sem exceção (judeus e gentios), são como a erva:

“Uma voz diz: Clama e alguém disse: Que hei de clamar? Toda a carne é erva e toda a sua beleza, como a flor do campo. Seca-se a erva e cai a flor, soprando nela o Espírito do SENHOR. Na verdade, o povo é erva. Seca-se a erva e cai a flor, porém, a palavra de nosso Deus subsiste eternamente” (Is 40:6-8);

“Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre. Porque toda a carne é como a erva e toda a glória do homem, como a flor da erva. Secou-se a erva e caiu a sua flor; Mas a palavra do SENHOR permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada” (1 Pe 1:23-25).

Toda carne é como a erva e não pode herdar o reino de Deus, mas, todo que é gerado de novo, da semente incorruptível, a palavra de Deus, permanecerá para sempre. Agora, surge a questão: É possível a alguém que crê em Cristo, conforme as Escrituras, ser carnal? É possível existir um crente carnal? É possível ser carnal, quem foi gerado da água e do espírito?

 

Espírito

O que se entende por ‘espírito’?

Dependendo do contexto bíblico, o termo espírito é utilizado para fazer referência ao homem, como indivíduo, aos seres angelicais ou, a Deus.

Por definição, Deus é espírito (2 Co 3:17), ou seja, um ser pessoal. Da mesma forma, os seres angelicais, também, são espíritos.

A palavra espírito, também, é utilizada para contrastar o que é terreno, material, físico, de algo que é intangível e imperceptível aos sentidos humanos: realidade espiritual ou, mundo espiritual.

Em algumas passagens bíblicas, o termo ‘espírito’ é utilizado para fazer referência às condições psicológicas do indivíduo (Gn 26:35) ou, a uma habilidade especifica, etc.

Entretanto, o termo ‘espírito’, na Bíblia, é mais utilizado para se referir a uma mensagem, doutrina, pensamento, ideia, etc., do que para fazer referência a uma pessoa. Por exemplo:

“AMADOS, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 Jo 4:1)

O cristão não deve crer em toda mensagem, doutrina, pensamento, antes deve analisar se pertence a Deus ou não.

Como é purificado o homem? Pela palavra falada por Cristo.

“Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15:3).

Por intermédio dessas comparações e das relações entre as expressões dos versos, podemos analisar o seguinte verso:

“Purificando as vossas almas pelo Espírito, na obediência à verdade, para o amor fraternal, não fingido; amai-vos, ardentemente, uns aos outros com um coração puro” (1 Pd 1:22).

Isso significa que, purificar a alma pelo ‘espírito’, é o mesmo que ser purificado pela ‘palavra de Cristo’. O meio utilizado para a purificação do homem é o evangelho e o modo é pela obediência à verdade do evangelho. O autor da purificação é Deus e o meio utilizado é a sua palavra.

“Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra” (Ef 5:26);

“Então, aspergirei água pura sobre vós e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei” (Ez 36:25).

Certa vez, Jesus anunciou que a sua palavra (espírito) é o que concede vida e que a carne, para nada servia, arrematando: “As palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6:63).

Em função dessa verdade, o apóstolo Paulo explicou que Cristo é espírito vivificante (palavra que concede vida), o último Adão, diferentemente do primeiro homem, Adão, que foi feito alma vivente (1 Co 15:45).

Ora, os crentes são limpos pela palavra que Cristo proferiu (Jo 15:3), o que nos permite compreender a declaração do apóstolo Pedro: ‘Purificando as vossas almas pelo espírito’, ou seja, pela verdade do evangelho! A purificação se dá por intermédio do evangelho, mas, para ser purificado, o homem precisa obedecer ao evangelho (mandamento de Deus), crendo que Jesus é o Cristo (1 Jo 3:23).

“E, sendo ele consumado, veio a ser a causa da eterna salvação para todos os que lhe obedecem (Hb 5:9; 2 Ts 1:8; At 5:32).

Dependendo do contexto, percebe-se que a palavra espírito significa ou, remete, à verdade do evangelho, de modo que os apóstolos eram ministros do ‘espírito’, ou seja, do Novo Testamento (2 Co 3:6).

A santificação se dá pelo espírito, ou seja, pela ‘fé’ que é a verdade, a mesma fé que foi dada aos santos:

“Mas, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do SENHOR, por vos ter Deus eleito, desde o princípio, para a salvação, em santificação do Espírito e fé da verdade” (2 Ts 2:13; Jd 1:3; Fl 1:27; Gl 3:23).

“Porque nós, pelo Espírito da fé, aguardamos a esperança da justiça” (Gl 5:5).

O termo ‘fé’ foi utilizado pelo apóstolo para fazer referência à doutrina do evangelho como fiel, firme, verdade e não a uma crença de cunho subjetivo (Gl 1:11 e 23). ‘Espírito da fé’ é o mesmo que ‘mensagem do evangelho’, ‘mensagem de Cristo’, a fé manifesta, que é firme fundamento e torna os homens agradáveis a Deus (Hb 11:1 e 6).

Com base no que analisamos até aqui, acerca do ‘espírito’ e da ‘fé’, podemos compreender o que o apóstolo Paulo disse aos cristãos da região da Galácia:

“Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou, pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? Será em vão, que tenhais padecido tanto? Se é que isso, também, foi em vão. Aquele, pois, que vos dá o Espírito e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei ou, pela pregação da fé?” (Gl 3:2-5).

O apóstolo queria que os cristãos explicassem como haviam recebido o Novo Testamento (espírito): pelas obras da lei ou, pela pregação da fé?

É loucura desmedida alguém começar a servir a Deus, através do Novo Testamento, e acabar voltando à carne, ou seja, servir a Deus, através das obras da lei!

Diferentemente das obras da lei, o espírito é decorrente da promessa, pois, tem por base, a Cristo, o Descendente que foi chamado em Isaque, o filho de Abraão e Sara, segundo a promessa:

“Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência. Porque a palavra da promessa é esta: por este tempo virei e Sara terá um filho” (Rm 9:7-9).

 

Carne

No grego temos o substantivo σαρξ (sarx) e os adjetivos σαρκικος (sarkikos) e σαρκινος (sarkinos), comumente traduzidos por carne e carnal. Quando empregados pelos apóstolos, no Novo Testamento, esses termos assumem vários significados, em função do contexto onde são usados.

Muitos entendem que a palavra “carnal”, tradução da palavra grega “sarkikos”, significa “mundano”, porém, esquecem que é necessário considerar o significado que o texto atribui ao termo.

“4559 σαρκικος sarkikos de 4561; TDNT – 7:98, 1000; adj 1) corpóreo, carnal 1a) que tem a natureza da carne, i.e., sob o controle dos apetites animais 1a1) governado pela mera natureza humana, não pelo Espírito de Deus 1a2) que tem sua sede na natureza animal ou, despertado pela natureza animal 1a3) humana: com a ideia implícita de depravação 1b) que pertence à carne 1b1) ao corpo: relativo ao nascimento, linhagem, etc.” Dicionário Bíblico Strong.

Por exemplo, o termo σὰρξ (carne) pode ser utilizado para fazer referência à matéria orgânica que compõe o organismo humano.

“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24:39).

O termo σὰρξ (carne), também, pode ser utilizado para fazer referência à humanidade, sem distinção de nacionalidade, língua, povo, nação, etc., pois todos os homens possuem um corpo constituído de matéria orgânica.

“E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que, do meu Espírito, derramarei sobre toda a carne (At 2:17; 1 Pd 1:24; Lc 3:6; Jo 17:2).

O termo σὰρξ (carne),  ainda, é utilizado para fazer referência à união entre o homem e a sua mulher, significando um corpo:

“Assim, não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19:6)

O mesmo termo grego σὰρξ (carne) pode ser utilizado para fazer referência ao nascimento natural, em contraste com o nascimento, segundo a promessa:

“Todavia, o que era da escrava nasceu, segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa” (Gl 4:23).

Ismael, filho da escrava, foi o fruto da relação sexual entre Abrão e Agar, a escrava egípcia, daí a designação: nasceu segundo a carne, ou seja, de uma relação sexual.

Isaque, filho da livre, também foi fruto da relação sexual entre Abraão e Sara, mas a diferença entre o nascimento de Ismael e de Isaque decorre do fato de Sara, mãe de Isaque, ser estéril. É em função de Deus ter anunciado ao patriarca Abraão que Ele teria um filho com Sara, que se diz que Isaque nasceu segundo a promessa, mesmo Isaque sendo fruto da conjunção carnal entre Abraão e Sara (Gn 17:16-19).

Como o homem, ao unir-se à sua mulher, ambos deixam de ser dois e tornam-se ‘uma só carne’, é dito que o nascimento natural se dá segundo a carne, ou seja, da união entre o homem e a sua mulher:

“E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne” (Mt 19:5).

O termo grego σὰρξ (carne), também, é utilizado para fazer referência à circuncisão, pois, como a circuncisão é realizada no prepúcio, ou como diziam: ‘na carne do prepúcio’, o termo carne passou a ser utilizado em substituição ao termo prepúcio:

“E circuncidareis a carne do vosso prepúcio; e isto será por sinal da aliança entre mim e vós (…) Com efeito, será circuncidado o nascido em tua casa e o comprado por teu dinheiro; e estará a minha aliança na vossa carne, por aliança perpétua” (Gn 17:11 e 13)

O termo σὰρξ (carne), ainda, é utilizado para fazer referência à linhagem de alguém ou, para demonstrar de quem a pessoa descende e os seus direitos:

“Sendo, pois, ele profeta e sabendo que Deus lhe havia prometido, com juramento, que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar sobre o seu trono” (At 2:30; Rm 1:3).

Como pela ofensa de Adão o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, também, veio a morte, e a morte alcançou a todos os homens (Rm 5:12), conclui-se que todos pecaram e não tem comunhão com Deus (Rm 3:23). O que define todos os homens como pecadores é o fato de a morte ter alcançado a todos e não as ações inconvenientes dos homens, do ponto de vista da moral e do comportamento humano.

O pecado, na condição de senhor, não tem força, antes a força do pecado decorre do que está estabelecido no Éden, através de um mandamento santo, justo e bom. Pelo fato de Adão ter se vendido como escravo ao pecado, a morte afetou a natureza da humanidade, de modo que a força do pecado decorre da lei, que estabeleceu: “Certamente morrerás” (Gn 2:17; 1 Co 15:56; Rm 7:14).

O homem em sujeição ao pecado também é designado de ‘carnal’, através do adjetivo grego σαρκινος (sarkinos), pois a carne do homem, ou seja, o seu corpo, pela lei (certamente morrerás), pertence ao pecado. Enquanto o homem viver, estará ligado pela lei, ao pecado, de sorte que o seu corpo, gerado segundo a semente de Adão, pertence ao pecado. Todo descendente da carne e do sangue de Adão é carnal, pelo fato de estar sob o domínio do pecado, pois o que é nascido da carne, é carne, vendido como escravo ao pecado.

Os filhos de Jacó, por descenderem da carne de Abraão, entendiam que eram melhores do que os gentios (Rm 3:9), no entanto, Moisés, através do seu cântico, protestou contra Israel, dizendo que os filhos de Israel eram como erva e como a relva (Dt 32:2). Se os filhos de Israel foram designados erva e relva por Deus e toda carne é como a erva, certo é que os judeus também são carnais, portanto, corruptíveis como a flor do campo e, da mesma forma que os gentios, não podem herdar o reino dos céus (Is 40:6; 1 Co 15:50).

Os filhos de Israel, por serem descendência de Abraão, achavam que eram salvos, por compartilharem da carne e do sangue de Abraão. Por causa desse pensamento, o profeta Jeremias protestou contra os filhos de Jacó, pois eles fazem da carne (descendência de Abraão) o seu ‘braço’ (força, salvação), ou, em outras palavras: ‘se gloriam da carne’.

“Assim diz o SENHOR: maldito o homem que confia no homem e faz da carne o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jr 17:5).

O substantivo σαρξ (sarx) e os adjetivos σαρκικος (sarkikos) e σαρκινος (sarkinos), também, são utilizados para fazer referência àqueles que, por terem Abraão por pai, confiam que são filho de Deus (Jo 8:33 e 39) e se esquecem de que, até das pedras, Deus pode suscitar filhos a Abraão (Mt 3:9).

O apóstolo Paulo, por servir a Deus, através do evangelho (espírito), se gloriava em Cristo, ou seja, não confiava na ‘carne’, diferentemente dos seus concidadãos que se gloriavam da carne e se escudavam nas obras da lei.

O que é confiar na ‘carne’? Servir a Deus, através de questões como circuncisão (oitavo dia), linhagem (Abraão, Isaque, Jacó), tribo (Benjamim), nacionalidade (judeu), religiosidade (fariseu), etc.

“Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito e nos gloriamos em Jesus Cristo e não confiamos na carne. Ainda que, também, podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; Segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível”  (Filipenses 3:3-6).

Os judeus achavam que eram circuncisos diante de Deus, porém, o apóstolo Paulo demonstra que não, pois a verdadeira circuncisão não é na carne (prepúcio), mas, no coração.

“Porque não é judeu o que o é, exteriormente, nem é circuncisão a que o é, exteriormente, na carne. Mas é judeu o que o é no interior e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm 2:28-29).

Quem serve a Deus, através da ‘carne’, pode até servir a Deus com zelo, porém, o seu serviço é sem entendimento (Rm 10:1-2; Dt 32:28). Os judeus tinham zelo da circuncisão, linhagem, tribo, lei, etc., mas tal zelo não dá direito à justiça de Deus.

O apóstolo Paulo, por sua vez, deu graças a Deus, pois, com o entendimento (conhecimento do evangelho), servia à lei de Deus, mas, qualquer que busca servir a Deus com a carne, na verdade, não serve à lei de Deus, mas, sim, serve à lei do pecado (Is 53:11).

“Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim que eu mesmo, com o entendimento, sirvo à lei de Deus, mas com a carne, à lei do pecado” (Rm 7:25).

 

Carne ‘versus’ espírito

Mas, apesar dos mais variados usos para os termos σαρξ (sarx), σαρκικος (sarkikos) e σαρκινος (sarkinos), traduzidos por ‘carne’ e ‘carnal’, os apóstolos utilizaram tais termos para evidenciar a finalidade da lei e do evangelho, contrapondo-os.

Enquanto a finalidade da lei é conduzir o homem a Cristo, a finalidade do evangelho é revelar a justiça de Deus: Cristo!

“Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10:4);

“Alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas” (1 Pe 1:9; Rm 1:17).

Da mesma forma que contrapõe o ‘espírito’ que vivifica e a ‘letra’ que mata, em Romanos 2, verso 28, o apóstolo Paulo contrapõe ‘carne’ e ‘espírito’, no capítulo 8, verso 1, da epístola aos Romanos:

“PORTANTO, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas, segundo o Espírito (Rm 8:1)

A conclusão do apóstolo Paulo, de que não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Cristo, decorre da definição de que, quem está em Cristo, é nova criatura (2 Co 5:17). E como alguém se torna nova criatura? Abraçando a verdade do evangelho, ou seja, deixando se persuadir (convencido) à fé (doutrina do evangelho) (2 Co 5:11), sendo criado, segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4:24).

O evangelho é denominado ‘palavra da reconciliação’ (2 Co 5:19) ou, ‘ministério do espírito’ (2 Co 3:6 e 8):

“O qual nos fez, também, capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica (…) Como não será de maior glória o ministério do Espírito?” (2 Co 3:6);

“E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo, por Jesus Cristo e nos deu o ministério da reconciliação(2 Co 5:19).

O Novo Testamento é espírito vivificante, o que contrasta com a lei: o ministério da morte. Dai o contra ponto ‘letra’ versus ‘espírito’, pois a lei de Moisés (letra) mata, mas o espírito (evangelho) vivifica.

Não há condenação para os que estão em Cristo porque são novas criaturas, gerados de novo, segundo a semente incorruptível, ou seja, gerados do espírito, ou seja, da palavra de Deus, o evangelho (1 Pe 1:23).

“Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre. Porque toda a carne é como a erva e toda a glória do homem, como a flor da erva. Secou-se a erva e caiu a sua flor; Mas a palavra do SENHOR permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada (1 Pe 1:23-25).

Conclui-se que os que ‘andam no espírito’ são aqueles que nasceram de novo e, que permanecem no evangelho, ou seja, aguardando inteiramente na graça que foi ofertada através da revelação de Jesus Cristo (1 Pe 1:13).

Qualquer que aguarda inteiramente na graça (evangelho), não se socorre de elementos da lei, ou seja, não se sobrecarrega de ordenanças próprias ao mundo, tal como: não proves, não toques e não manuseies.

“Se, pois, estais mortos com Cristo, quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não proves, não toques e não manuseies” (Cl 2:20-21);

“Consistindo somente em comidas, e bebidas, e várias abluções e justificações da carne, impostas até ao tempo da correção” (Hb 9:10).

Segundo a perspectiva do apóstolo Paulo, ao escrever aos Romanos, quem são os que andam segundo a carne? Os nascidos da carne, ou melhor, os escravos do pecado, visto que só podem andar no espírito, os nascidos do espírito. No entanto, o apóstolo Paulo não aborda a questão dos que andam na carne, da perspectiva de todos que nascem da união do homem com a mulher (judeus e gentios), mas, sim, trata, especificamente, daqueles que se gloriam da carne (judeus).

Vale destacar que, ao falar dos que andam na carne, o apóstolo Paulo, também, não está tratando da questão ‘carne’, sob o prisma moral ou, do comportamento humano.

O apóstolo Paulo deixa claro que a observância do mandamento do espírito de vida, que foi instituído em Cristo, é o que livra o homem da lei do pecado, ou seja, da separação (morte) entre Deus e o homem.

O que era impossível ao mandamento dado por intermédio de Moisés, por não possuir poder (domínio) sobre a carne (quem domina a carne é o pecado), Deus preparou um corpo constituído de carne ao seu Filho, semelhante em tudo aos homens, sob domínio do pecado (Hb 10:5; Hb 2:14), de modo que, ‘por causa do’[1] pecado,  condenou o pecado na sua carne (no corpo, em semelhança da carne do pecado).

O pecado é uma barreira que impede de o homem ter comunhão com Deus, mas, Cristo, pela sua carne (pelo véu) ofertada no calvário, consagrou o novo e vivo caminho pelo qual o homem volta à comunhão com Deus.

“Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10:20).

Cristo tornou-se participante de carne e sangue (corpo carnal), sujeito à morte física, para que, pela sua morte física, aniquilasse o adversário que detinha o império da morte, livrando os homens que, com medo da morte, estavam sujeitos à servidão do pecado (Hb 2:14-15).

Ora, Cristo morreu e ressurgiu, para que a justiça da lei fosse dada aos que andam segundo o evangelho, ou seja, que andam segundo o espírito vivificante. O apóstolo já havia afirmado que, no evangelho, se descobre a justiça de Deus: Jesus Cristo, a justiça de Deus, a qual os filhos de Israel não quiseram se sujeitar (Rm 1:17; Rm 10:3) e que, por isso mesmo, tornou-se pedra de tropeço às duas casas de Israel.

O homem só alcança a justiça da lei se fizer todas as coisas nela prescritas, conforme se lê:

“Ora, Moisés descreve a justiça, que é pela lei, dizendo: O homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Rm 10:5; Gl 3:12).

“Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os, o homem, viverá por eles. Eu sou o SENHOR” (Lv 18:5).

A lei não é o meio de se obter vida, antes, como sombra, aponta (objetivo) para Cristo (Gl 3:23; Hb 10:1), a justiça de Deus para todo o que crê (Rm 10:4).

Enquanto a lei exige que o homem observe todos os seus estatutos, a justiça que é por Cristo, a ‘fé’ manifesta na plenitude dos tempos (Gl 3:23), conforme a leitura que o apóstolo Paulo fez de Deuteronômio 30, versos 12 à 14, foi estabelecida nos seguintes termos:

“Mas, a justiça que é pela fé, diz assim: Não digas em teu coração: quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo.) Ou: quem descerá ao abismo? (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo.) Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos” (Rm 10:6-8).

A justiça da fé refere-se ao Descendente prometido (Gl 3:8), que segundo a profecia de Moisés viria ao mundo dos homens, descendo dos céus (trazer do alto a Cristo) e que Deus haveria de tirá-Lo da sepultura, ressuscitando-O (trazer dentre os mortos a Cristo).

A justiça imputada ao crente Abraão, que consta do Gênesis, decorre da sua crença no evangelho, a mensagem anunciada por Deus, de que, em Seu Descendente, as famílias da terra seriam benditas, o que se concretizou quando o Verbo eterno desceu dos céus para habitar com os homens e, por fim, ressurgiu dentre os mortos pelo poder de Deus.

Os que existem (são) como novas criaturas, é porque estão em Cristo (2 Co 5:17), portanto, não andam segundo a carne, mas, segundo o evangelho (espírito). Já os que existem (são), segundo a carne, pensam segundo o entendimento (conhecimento) que é próprio à carne e não de acordo com o entendimento (conhecimento) segundo o espírito.

“Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito, para as coisas do Espírito” (Rm 8:5).

Através da exposição acima, verifica-se que, na abordagem do apóstolo Paulo, o termo carne está para a lei mosaica, assim como o termo espírito está para o evangelho de Cristo, de modo que os homens que ‘existem’, segundo a carne, pensam em circuncisão, linhagem, tribo, nação, religião, sábados, festas, luas, etc., (Fl 3:5 -6) e os que existem, segundo o espírito, pensam nas coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus (Cl 3:2).

O verso 5 de Romanos 8 aponta respectivamente para as pessoas que seguem a lei e o evangelho. Já, os versos seguintes, contrapõem o pensamento dos seguidores da lei e o pensamento dos seguidores do evangelho:

“Porque a inclinação da carne é morte; mas a inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto, a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois, não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:6-7).

O que é próprio à mente (inclinação) carnal é morte, enquanto que, o que é próprio à mente espiritual, é vida e paz. O modo de pensar da carne é inimizade contra Deus (inimigos no entendimento), vez que a carne não se sujeita à lei de Deus, pois lhe é impossível sujeitar-se (Cl 1:21; Rm 11:28).

Quem são os da carne que não podem agradar a Deus? Ora, os que se gloriam da carne, fazem dela a sua força (salvação) e se esquecem de Deus:

“Assim, diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem,  faz da carne o seu braço e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jr 17:5).

Qualquer que confessa que ‘nunca foi escravo de ninguém’ e apresenta, como motivo, o fato de ‘ser descendente de Abraão’ ou ‘temos por pai Abraão’, na verdade são (existem) segundo a carne e se inclinam para as coisas da carne: circuncisão, lei, sábados, tribo, nação, religião, etc.  (Jo 8:33; Mt 3:9)

Os judeus estavam na carne, portanto, não se sujeitaram à justiça de Deus (Cristo) e, tampouco, podiam agradar a Deus, pois, só é possível agradar a Deus, por intermédio de Cristo: a fé manifesta aos homens.

“ORA, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem (…) Ora, sem fé é impossível agradar-lhe” (Hb 11:1 e 6);

“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar (Gl 3:23).

Pelo fato de os cristãos em Roma serem crentes em Cristo, conforme a verdade do evangelho, o apóstolo Paulo deixa claro que eles ‘não estavam na carne’, mas, sim, ‘no espírito’ (Rm 8:9). Em seguida, o apóstolo argumenta: “… se é que o Espírito de Deus habita em vós”.

O espírito, nesse contexto, diz da palavra de Deus, conforme se lê:

A palavra de Cristo habite em vós, abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao SENHOR, com graça em vosso coração” (Cl 3:16).

Percebe-se, através dessa abordagem do apóstolo Paulo, que o crente espiritual é aquele que crê em Cristo, conforme a verdade do evangelho, e não que o crente espiritual é aquele que jejua, ora, vai ao monte, faz sacrifícios, dizima, etc.

Qualquer que não tem o evangelho (espirito) de Cristo, não pertence a Deus (Rm 8:9). O apóstolo Paulo argumenta que, se Cristo habita o cristão, por causa do pecado, o seu corpo está morto, vez que foi crucificado com Cristo. Em contrapartida, vive no espírito, por causa da justiça de Deus! (Rm 8:10)

O corpo do pecado está morto vez que foi crucificado com Cristo (velho homem gerado, segundo Adão). Ao ser crucificado com Cristo o corpo do pecado é destruído, portanto, finda o domínio do pecado (Rm 6:6). É por isso que o apóstolo Paulo afirma que estava crucificado com Cristo, de modo que o seu velho homem (eu) não mais vivia, antes, Cristo vivia nele (Gl 2:20).

No verso seguinte, o apóstolo argumenta que, se a palavra (espírito) de Deus (Aquele que dentre os mortos, ressuscitou a Jesus) habita o crente, o mesmo Deus que ressuscitou a Cristo, vivificará o corpo mortal do cristão, pelo espirito (poder) que habita o crente. Não podemos esquecer que o evangelho é o poder de Deus!

Do verso 12 em diante, o apóstolo Paulo procura conscientizar os cristãos de que nada deviam à carne, para viver segundo o pensamento dela. Ora, o pensamento da carne é pertinente a quem vive no mundo, de modo que os que vivem, segundo a carne, se sobrecarregam de ordenanças como: “Não toques, não proves, não manuseies?” (Cl 2:21).

Se um crente em Cristo procurar viver segundo a carne, morrerá! Como isso é possível? Se alguém que está em Cristo buscar se circuncidar, sob o argumento de salvar-se, passa a viver segundo a carne, portanto, morrerá (At 15:1-2; Gl 5:2). Ou seja, quem busca ser justificado pelas obras da lei, volta a edificar aquilo que havia destruído! (Gl 2:18)

Este é o alerta para os que queriam viver segundo a carne:

“ESTAI, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. E de novo protesto a todo o homem que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei. Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído” (Gl 5:1-4).

Os cristãos deveriam se deixar guiar pelo evangelho (Rm 8:14), o espírito de Deus, pois os que creem em Cristo, de fato, são filhos de Deus (Gl 3:26; 1 Jo 3:1-2). Ser guiado pelo espirito é o mesmo que esperar, inteiramente, na graça que se oferece na revelação de Jesus Cristo (1 Pe 1:13).

O espírito (palavra) da lei é o espirito de servidão, pois sujeita o homem ao medo, visto que não é um perfeito obediente (amor) e tem medo da pena. Quem tem medo, é porque não obedece plenamente e, com medo da pena (morte), se sujeita à servidão:

“No amor não há temor, antes o perfeito amor lança fora o temor; porque o temor tem consigo a pena e o que teme não é perfeito em amor” (1 Jo 4:18).

“E livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb 2:15).

Devemos lembrar a seguinte relação:

“Todavia, o que era da escrava, nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa(Gl 4:23).

A carne gera escravos e isso se depreende da alegoria que há na pessoa de Agar. Da mesma forma que Sara e Agar são alegorias das duas alianças: ‘espírito’ versus ‘carne’, ou ‘Novo Testamento’ versus ‘Velho Testamento’, entende-se que, os nascidos segundo a carne, correspondem aos judeus e o filhos da livre, à Igreja de Cristo.

Os judeus correspondem à Jerusalém que agora existe, um monte da Arábia, enquanto a Jerusalém que é de cima, que Abraão tinha esperança de alcançar, pertence aos filhos da promessa: a Igreja (Hb 11:10).

“O que se entende por alegoria; porque estas são as duas alianças; uma, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar, é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos. Mas, a Jerusalém que é de cima, é livre; a qual é mãe de todos nós” (Gl 4:24-26).

Os cristãos da Galácia foram censurados pelo apóstolo Paulo, por se deixarem persuadir por outro evangelho (Gl 3:1; Gl 5:7-8). Eles haviam começado a carreira proposta por Deus no evangelho (espírito), mas, por aderirem às concepções judaizantes, estavam se aperfeiçoando nas questões da carne (Gl 3:3).

Aos cristãos da Galácia, o apóstolo Paulo contrapõe ‘obras da lei’ versus ‘pregação da fé’, da mesma forma que contrapôs ‘carne’ versus ‘espírito’, ao escrever aos cristãos de Roma (Gl 3:2 e 5).

O apóstolo estava abismado pelo fato de os cristãos terem servido a Deus em espírito, portanto, conhecendo a Deus (ou antes, sendo conhecidos d’Ele), no entanto, estavam voltando a abraçar os preceitos frágeis da lei, como guardar dias, meses e anos (Gl 4:9-10).

Os cristãos, pelo evangelho (espírito), aguardam a esperança da justiça, que provém de Cristo (Gl 5:6), a parte das obras da lei. Como a graça concedida pelo evangelho (fé) atua pela obediência (amor), voltar ao jugo da escravidão (lei) é desligar-se de Cristo (Gl 5:4).

Um pouquinho da lei corrompe a verdade do evangelho, assim como um pouquinho de fermento leveda toda massa (Gl 5:9). Como cada cristão foi chamado à liberdade, tinha que ter o cuidado de jamais dar ocasião à carne, algo semelhante ao comportamento que o apóstolo Pedro adotou, quando foi repreendido pelo apóstolo Paulo.

O apóstolo Pedro se fez repreensível, pois comia com os gentios, mas com a chegada dos judeus, se afastou dos gentios ao dissimular com os judeus, de modo que arrastou até mesmo Barnabé. A atitude do apóstolo Pedro deu ocasião à carne, ou seja, àqueles que se gloriam da carne!

Ou seja, o apóstolo Pedro, naquele momento de dissimulação, não estava andando dignamente, segundo a verdade do evangelho (Gl 2:14). Pelo fato de os cristãos serem irmãos em Cristo, não podia dar ocasião à carne, se ensoberbecendo uns contra os outros. Na verdade, deveriam ser servos uns dos outros, ou seja, considerar o outro como superior a si mesmo (Gl 5:13).

A lei se cumpre em um só mandamento: ‘Amarás o teu próximo, como a ti mesmo’ (Gl 5:14), entretanto, os cristãos da Galácia estavam se mordendo e se devorando mutuamente (Gl 5:15). Como? Alguns estavam se gloriando da circuncisão e menosprezando os da incircuncisão, em vez de se gloriarem na cruz de Cristo (Gl 6:15). E o pior: queriam circuncidar os cristãos da incircuncisão, para gloriarem-se na carne dos que se deixassem circuncidar (Gl 6:12).

É, em função desses erros doutrinários introduzidos sorrateiramente por alguns que perturbavam os cristãos, que o apóstolo Paulo os orienta a andarem no evangelho, ou seja, a procederem corretamente, segundo a verdade do evangelho. Ora, se o crente proceder segundo o evangelho, jamais satisfará as exigências da carne (Gl 5:16).

É ação e reação e não uma ação dupla! Quem anda segundo a verdade do evangelho (espírito), não satisfaz às concupiscências da carne. A reciproca, também, é verdadeira, pois quem satisfaz as concupiscências da carne, não anda segundo o espírito.

Da mesma forma que a alegoria em Sara e Agar demonstram que as duas alianças são antagônicas, de modo que o filho da escrava perseguia o filho da livre, no tempo presente a carne batalha contra o espírito e o espírito contra a carne.

Quando o apóstolo Paulo afirma: “Porque a carne cobiça contra o Espírito e o Espírito contra a carne; e estes se opõem um ao outro, para que não façais o que quereis” (Gl 5:17), demonstra que o evangelho é antagônico às obras da lei e vice-versa.

Isso significa que o crente não tem que lutar contra a carne e nem contra o sangue (Gl 6:12). Muitos, ao lerem que ‘a carne milita contra o espírito’, entendem que é o crente que deve militar contra a carne, por não compreenderem a abordagem paulina.

O crente é posto para defesa da fé, ou seja, do evangelho (Jd 1:3) e isso é feito quando o crente maneja bem a palavra da verdade e não dá ocasião às inclinações da carne, ou seja, se rendendo aos preceitos fracos da lei.

A carne e o espirito militam entre si para que o crente não faça o seu próprio querer, antes, se sujeite ao espírito ou, à carne (Gl 5:17). Nessa luta, o crente não tem como figurar como soldado, pois o embate apresentado pelo apóstolo se dá entre as duas alianças.

O crente em Cristo é guiado pela palavra do evangelho (Gl 5:18), ou seja, pelo espírito, o que se conclui que não está sob a lei. O crente é gerado de novo, segundo o poder da palavra de Deus, que dá vida incorruptível, diferente da lei do mandamento carnal: “Que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível” (Hb 7:16).

Ao escrever aos cristãos de Éfeso, o apóstolo Paulo os alerta para que analisem como andavam: ‘não como néscios, mas como sábios’ (Ef 5:15). Os sábios são os que andam segundo o conhecimento que há no evangelho, enquanto os ‘néscios’ diz dos não entendidos, os filhos de Jacó.

“Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não entendidos; são sábios para fazer mal, mas não sabem fazer o bem” (Jr 4:22; Dt 32:6)

O crente em Cristo não pode ser insensato, antes, deve entender a vontade de Deus em Cristo. Mas, para entender a vontade de Deus, não deve se embriagar na doutrina dos judaizantes (vinho da contenda), mas ser pleno do espírito (evangelho).

Quando o apóstolo Paulo diz que as obras da carne são conhecidas, geralmente, se interpreta o verso do ponto de vista moral, como se ele estivesse recriminando condutas contrárias à boa moral e aos bons costumes. Porém, se o leitor compreender que as obras da carne conhecidas e enumeradas, referem-se ao posicionamento dos judeus diante da lei, percebe-se que o apóstolo Paulo se utilizou de figuras.

De qual adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, que eram conhecidas, às quais o apóstolo fez referência?

A resposta depreende-se do que foi dito aos cristãos de Corinto, a respeito dos filhos de Israel:

“E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto. E estas coisas foram-nos feitas por figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles, conforme está escrito: O povo assentou-se a comer e a beber e levantou-se para folgar. E não nos prostituamos, como alguns deles fizeram; e caíram num dia vinte e três mil. E não tentemos a Cristo, como alguns deles, também, tentaram e pereceram pelas serpentes. E não murmureis, como também alguns deles murmuraram e pereceram pelo destruidor. Ora, tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já é chegado os fins dos séculos” (1 Co 10:4-11).

Ao ler a lei e a história dos filhos de Israel, conhecemos quais são as obras da carne e porque eles não têm direito a herdar o reino dos céus, se não nascerem de novo (Jo 3:3-5).

É, em função das obras da carne já ‘conhecidas’, que o apóstolo Paulo disse:

“Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios, por causa de vós” (Rm 2:21-24).

O julgamento que o apóstolo Paulo faz acerca das obras da carne não é segundo a aparência, mas, sim, segundo a reta justiça, ou seja, com base no exposto nas Escrituras. São as Escrituras que designam os filhos de Israel de adúlteros, homicidas, promíscuos, idólatras, feiticeiros, etc.

“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (Jo 7:24).

Os fariseus pareciam justos aos olhos dos homens, em função da aparência (Mt 23:28), e quando o apóstolo Paulo apresenta as obras da carne como: adúlteros, homicidas, promíscuos, idólatras, feiticeiros, etc., não o faz baseado no comportamento diário dos escribas e fariseus.

Apesar de os filhos de Israel possuírem uma moral superior à dos gentios, contudo, são apontados por Deus, nas Escrituras, como transgressores, adúlteros, homicidas, promíscuos, idólatras, feiticeiros, etc.

“Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto, tu rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei” (1 Sm 15:23);

“Oh! se tivesse no deserto uma estalagem de caminhantes! Então, deixaria o meu povo e me apartaria dele, porque todos eles são adúlteros, um bando de aleivosos” (Jr 9:2);

“Como o prevaricar e mentir contra o SENHOR e o desviarmo-nos do nosso Deus, o falar de opressão e rebelião, o conceber e proferir do coração palavras de falsidade” (Is 59:13);

“Como se fez prostituta a cidade fiel! Ela que estava cheia de retidão! A justiça habitava nela, mas agora (habitam) homicidas” (Is 1:21).

A lei foi instituída para os roubadores, homicidas, devassos, sodomitas, etc., ou seja, para os filhos de Israel, visto que o que a lei diz, diz aos que estão debaixo da lei (Rm 3:19).

“Sabendo isto, que a lei não é feita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros e para o que for contrário à sã doutrina” (1 Tm 1:10).

Como o crente não está sob a lei, pois agora pertence a Cristo, visto que crucificou a carne com as suas concupiscências, agora vive em novidade de vida em amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, etc.

Para quem pertence a Cristo não há lei, visto que foi chamado para a liberdade (Gl 5:23). O que o espírito (evangelho) proporciona (fruto) ao homem? Amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança e para essas coisas não há lei!

“Contra estas coisas não há lei” (Gl 5:23).

Se o crente vive pelo poder que há no evangelho, ou seja, no espírito, deve portar-se (andar) no espírito: não se deixando possuir de vanglória, provocando uns aos outros ou, invejando uns aos outros, por questões próprias à carne, como: circuncisão, tribo, língua, genealogia, festas, sábados, luas novas, etc.

Quando o apóstolo Paulo apresenta esses elementos: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, etc., como ‘obras da carne’, muitos pensam na depravação moral dos gentios.

Entretanto, tais obras identificam os filhos de Israel, povo que se auto intitulava povo de Deus. Inúmeras vezes, Deus chamou os filhos de Israel de adúlteros, idolatras, feiticeiros, impuros, etc. Inúmeras vezes, Deus os chamou de Sodoma e Gomorra, perversos, idólatras, feiticeiros, mancha, rebeldes, infiéis, homicidas, invejosos, altivos, etc. e, por isso, foram presenteados com a lei, nivelando os filhos de Israel com os gentios (Rm 3:9).

“Porque as nossas transgressões se multiplicaram perante ti e os nossos pecados testificam contra nós; porque as nossas transgressões estão conosco e conhecemos as nossas iniquidades; Como o prevaricar e mentir contra o SENHOR, o desviarmo-nos do nosso Deus, o falar de opressão e rebelião e o conceber e proferir do coração palavras de falsidade” (Is 59:12-13).

 

Má leitura

Após a releitura dos textos bíblicos que fazem referência à carne e ao espírito, resta responder à questão: existe crente carnal?

A ideia de que existe “cristão carnal” foi difundida por Lewis Sperry Chafer, através da Bíblia de Referência Scofield, quando fez um comentário à carta de Judas, com relação ao verso 23: ‘… até a roupa manchada pela carne’ (Jd 1:23).

“Carne, Resumo: “Carne no sentido ético é todo homem natural ou não regenerado – espírito, alma e corpo – centralizado no ego, inclinado a pecar e oposto a Deus (Rm 7:18). O homem regenerado não está “(na esfera da) carne, mas (na esfera do) no Espírito” (Rm 8:9); mas, a carne ainda está nele e ele pode, segundo a sua escolha, “andar na carne” ou “no Espírito” (1 Co 3:1-4; Gl 5:16-17). No primeiro caso, ele é um cristão “carnal”; no segundo, um cristão “espiritual”. A vitória sobre a carne será a experiência habitual do Cristão que anda no Espírito (Rm 8:2, 4; Gl 5:16-17).”

A carne, da qual a Bíblia trata, não possui aspecto ético. Nesse sentido, à parte da ética, o homem não regenerado é todo em pecado, ou seja, não há nele uma ‘inclinação’ para pecar, antes está no pecado, pois é escravo do pecado e, por isso, peca.

Outro equivoco de Lewis é entender que é possível ao homem estar no espírito e, ao mesmo tempo, a carne estar nele, sendo possível transitar entre o espírito e a carne. A vitória sobre a carne não é moral e nem ética e não se dá no dia a dia, antes, a vitória sobre a carne se dá quando o velho homem é crucificado com Cristo.

Com base no exposto acima, claro está que é impossível a um crente em Cristo, segundo a verdade do evangelho, ser carnal, pois seria um contra senso. Quem crê em Cristo é espiritual, pois é nascido do espírito e é impossível ser carnal, após ter sido gerado de novo. O crente espiritual jamais anda segundo a carne, ou seja, seguindo as obras da lei.

O que pode ocorrer com o cristão espiritual é não andar ‘bem’ e ‘direitamente’, conforme a verdade do evangelho, ou seja, de modo digno da vocação a que foi chamado. A dissimulação do apóstolo Pedro não era de acordo com o evangelho, porém, tal conduta não o tornava carnal e nem mesmo estava ele andando segundo a carne.

“Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente, conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2:14).

A conduta do apóstolo Pedro, em não andar ‘bem’ e ‘direitamente’, segundo o evangelho, poderia se tornar um tropeço para os fracos, ou seja, para aqueles que ainda não estavam exercitados na palavra da verdade.

Outro equívoco, esse segundo a visão reformada, é a de que o homem salvo anda segundo o Espírito, como o padrão geral de sua vida, mas que, ocasionalmente, também, anda segundo a carne em áreas particulares de sua vida. Considerar os erros diários (tropeço) como sendo andar na carne não é o que as Escrituras ensinam, pois o irmão Tiago deixa claro que TODOS os cristãos, sem exceção, tropeçam em muitas coisas.

“Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito e poderoso para, também, refrear todo o corpo” (Tg 3:2).

Ser carnal ou andar segundo a carne, não possui relação com comportamentos ou desvios de conduta. Mesmo um cristão que tropeça em muitas coisas, permanece espiritual, pois a sua perfeição decorre de não tropeçar na palavra da verdade.

Há, também, quem aponte para o corpo constituído de matéria orgânica, como se a matéria fosse a carne da qual o apóstolo Paulo fala. Esse erro deriva de um pensamento platônico, e por isso, alguns cristãos se desviaram da verdade, ao anunciarem que Jesus não veio em carne (1 Jo 4:3).

O corpo humano é sujeito a emoções, sentimentos, desejos, necessidades, prazeres, etc., e não é essa gama de sensações que definem o homem como ‘carnal’, antes, é o que o torna humano. Jesus, ao vir ao mundo, veio participante de carne e sangue, sujeito às mesmas fraquezas pois, ao participar da natureza humana, Cristo, em tudo, se fez semelhante aos homens (Hb 2:14 e 15).

Carnal diz de um posicionamento, de um pensamento, da ideia que surge de uma má compreensão da lei mosaica. Carne remete a um conhecimento que é contrário à verdade do evangelho, no entanto, muitos pensam que a carne está vinculada às questões sensoriais do corpo físico.

Ao falar da carne, o apóstolo Paulo não trata do corpo físico. O crente não tem que lutar contra o seu próprio corpo, negando suas emoções, sentimentos, desejos, necessidades, prazeres, etc., o que muitos fazem ao trilhar o caminho do ascetismo pessoal, através de jejuns, votos, castidade, reclusão, flagelo, etc.

Se o apóstolo Paulo recomenda a moderação em tudo, certo é que buscar satisfazer as necessidades pessoais ou, deleitar-se nos prazeres próprios ao corpo físico, não é o que torna o homem carnal. O fato de o crente andar na carne, ou seja, possuir um corpo físico, constituído de matéria orgânica e sujeito às mesmas paixões que os demais homens, não o torna carnal.

O crente não milita segundo a carne, ou seja, não batalha segundo o entendimento derivado das obras da lei. As armas da milícia do apóstolo Paulo não eram carnais, pois a sua arma era a palavra da verdade, ou seja, o poder de Deus (2 Co 6:7), diferentemente dos judaizantes, cujas  armas eram a lei, a circuncisão, o culto aos profetas, as luas novas, as festas, etc.

“Porque, andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus para destruição das fortalezas” (2 Co 10:3-4).

O crente não luta contra a carne, antes, é o espírito que luta contra a carne e vice versa. A concepção equivocada do fariseu que foi ao templo orar, mas que justificava a si mesmo, através das obras da lei é o que define o homem como carnal e não as suas emoções, sentimentos, desejos, necessidades prazeres, etc. (Lc 18:9-14).

Mas, há quem diga que existe crente canal, à vista do que o apóstolo Paulo disse aos cristãos de Corinto:

“E EU, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a meninos em Cristo. Com leite vos criei e não com carne, porque ainda não podíeis, nem, tampouco, ainda, agora podeis, porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?” (1 Co 3:1-3).

A exposição do apóstolo Paulo, nesses versos, é argumentativa, portanto, demanda interpretação para uma compreensão segura e verdadeira.

Um crente em Cristo é espiritual, pois é nascido da água e do espírito. O apóstolo Paulo argumenta que não pode falar a eles como a ‘espirituais’, ou seja, como a quem já eram discípulos de Cristo.

Quando o apóstolo Paulo fala que teve que falar a eles como a ‘carnais’, significa que o discurso do apóstolo tinha o viés de convencê-los da verdade do evangelho, assim como quando se anuncia o evangelho a um judaizante.

É o tom da abordagem que está sendo apresentado, ou seja, de que a argumentação utilizada pelo apóstolo, ao falar aos cristãos de corinto, era próprio a ‘carnais’. Essa argumentação é semelhante ao exposto aos Gálatas:

“Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós; Eu bem quisera agora estar presente convosco e mudar a minha voz; porque estou perplexo a vosso respeito” (Gl 4:19-20).

O apóstolo queria mudar sua voz ao falar aos cristãos da Galácia, o que se percebe que ocorreu o mesmo com os cristãos de Corinto, uma vez que o apóstolo não podia falar como a quem era discípulo de Cristo, somente lembrando o que já haviam sido ensinados, antes tinha que falar de modo a convencê-los da verdade.

As práticas reprováveis, do ponto de vista da moral, que o apóstolo Paulo censurou acerca dos cristãos de corinto, não os tornavam carnais, antes, o perigo estava no partidarismo que havia surgido na comunidade, em função do ensinamento dos judaizantes, que era segundo as obras da lei.

Embora os cristãos de corinto fossem membros do corpo de Cristo (Igreja), santificados em Cristo e nomeados santos (1 Co 1:2), em função do partidarismo existente na comunidade local (1 Co 11:12), o apóstolo Paulo não pode falar a eles como a espirituais.

O problema não estava no apóstolo, mas, nos cristãos, visto que, apesar de terem sido alimentados com leite racional (ensinamento próprio a meninos), ainda não estavam prontos para serem alimentados com alimento sólido (carne).

“Do qual muito temos que dizer, de difícil interpretação; porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite e não de sólido mantimento. Porque, qualquer que ainda se alimenta de leite, não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino. Mas, o mantimento sólido é para os perfeitos, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal” (Hb 5:12-14; 1 Pe 2:2).

O apóstolo Paulo não pode falar como a ‘espirituais’, ou seja, como a ‘seguidores’ do evangelho, antes teve que falar aos cristãos, como se eles fossem seguidores das obras da lei (canais), ou seja, como a meninos em Cristo (recém-nascido), na tentativa de convencê-los da verdade.

Como o apóstolo Paulo falava aos cristãos espirituais? Relembrando (instrução, ensinamento, etc.) e falando as mesmas coisas que já haviam ouvido (Fl 3:1). E como o apóstolo Paulo falava aos seguidores das obras da lei? Tentando cativá-los à obediência de Cristo!

“Destruindo os conselhos e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo” (2 Co 10:5)

Mas, apesar de os cristãos terem sido alimentados com leite, ainda não estavam prontos para o alimento sólido, pois muitos estavam seguindo as concupiscências da carne (carnais), vez que havia entre eles inveja e contendas decorrentes das questões pertinentes à lei (1 Co 3:3).

Ora, invejas e contendas são inclinações próprias aos carnais, ou seja, aos homens do mundo, o que leva a concluir que os cristãos de corinto estavam agindo como carnais, ou seja, estavam agindo da mesma forma que o apóstolo Pedro, quando dissimulou com os judeus. Eles ainda se gloriavam nos homens e não inteiramente em Cristo (1 Co 3:3 e 21).

Ao falar que os cristãos de corinto tinham preferência entre Paulo, Apolo e Cristo, na verdade, o apóstolo Paulo empregou a si mesmo e às pessoas de Apolo e de Cristo, figurativamente, ou seja, ele fez uso do seu nome e do irmão Apolo, somente para ilustrar o partidarismo existente entre eles (1 Co 4:6), partidarismo que surgiu, em virtude de outros homens que queriam colocar outro fundamento, além de Cristo (1 Co 3:11).

Ora, quem propõe outro fundamento, além do que está posto, que é Cristo, essencialmente, é carnal, pois, apresentará as obras da lei como fundamento. Mas, qualquer que crê em Cristo, que Deus o ressuscitou dentre os mortos e confessa que Ele é o Cristo, jamais é carnal. Mesmo que não compreenda algum ponto do evangelho e dê ocasião às questões da carne, se não se deixar levar, a ponto de viver por elas, mas, acatar a instrução das Escrituras, quando alertado, não é um crente carnal.

O grande erro, quando se considera o ensino do apóstolo Paulo, está em entender que, ser carnal, é o mesmo que ser mundano, no sentido de moralmente reprovável.  Traduzir o termo grego “sarkikos”, simplesmente, para ‘mundano’, resulta em erro, pois, mesmo o fariseu que foi ao templo orar, sendo moralmente irrepreensível, não desceu justificado, pois a sua moral ilibada não o tornava espiritual.

Uma concepção equivocada, acerca do que é ser carnal, resulta em julgamentos segundo a aparência, pois, se busca no outro, evidências comportamentais que possam defini-lo como espiritual ou, carnal.

Enquanto um cristão genuíno se identifica pelo fruto, ou seja, pelo que ele confessa a cerca de Cristo, pois a boca fala do que está cheio o coração, muitos olham para a aparência (comportamento) e são ludibriados por lobos, que se vestem de ovelhas.

O ser carnal segundo a abordagem do apóstolo Paulo não guarda relação com questões de ordem comportamental, ou segundo a moral humana, antes ao que é próprio à lei. Se alguém abraça os rudimentos do mundo, tais como, não toques, não proves e não manuseeis, é carnal, e qualquer cristão que pauta a sua vida à luz desses mandamentos carnais volta à escravidão, torna-se carnal e Cristo de nada aproveita.

O que define o homem carnal é estar vendido ao pecado. O crente em Cristo é liberto do pecado e servo de Deus, portanto, é impossível ser servo da justiça e ser carnal.

“Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado (Rm 7:14).

“Mas, graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça (…) Mas, agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação e, por fim, a vida eterna” (Rm 6:17 -18 e 22).

O ‘eu’ carnal que o apóstolo Paulo apresenta, como servo do pecado, diz do seu velho homem, que foi crucificado com Cristo, de modo que agora o antigo ‘eu’ não mais vivia, mas,  sim, Cristo, que vivia nele.

“Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2:20).

Embora, com um corpo constituído de carne, o apóstolo vivia uma nova vida, crendo no Filho de Deus e não nas obras da lei.

“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas, pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da lei; porquanto, pelas obras da lei, nenhuma carne será justificada (Gl 2:16).

As ‘obras da lei’ se contrapõem à ‘pregação da fé’, assim como o ‘espirito’ se contrapõe à ‘carne’:

“Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou, pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?” (Gl 3:2-3).

Conclusão: É impossível a quem crê no evangelho (espírito) ser carnal!

 

Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto


[1] “περι peri da raiz de 4008; TDNT – 6:53,827; prep. 1) a respeito de, concernente a, por causa de, no interesse de, em torno de, junto a” Dicionário Bíblico Strong.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

2 thoughts on “É possível um crente carnal?

  • 2CORINTIOS 3:17 (DEUS E espirito) – nao seria- DEUS E ESPIRITO—ESPIRITO MAIUSCULO——————————– OBRIGADO

    Resposta
    • Olá, Manny..

      Apesar de espírito estar grafado em várias Bíblias em maiúsculo, não significa que nos manuscritos gregos o termo ‘espírito’ era grafado em maiúsculo.

      Quando se define que ‘Deus é espírito’, não necessariamente o termo tem que estar em maiúsculo, como Deus é amor, ou Deus é luz.

      “E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas.” (I João 1 : 5);
      “Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor.” (I João 4 : 8)

      No mesmo capítulo, o termo espírito vem grafado em muitas Bíblia em minusculo e maiúsculo:

      “O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica. E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, a qual era transitória, Como não será de maior glória o ministério do Espírito?” (2 Co3. 6-8).

      O cristão é ministro do espírito ou do Espírito? Perceba que o tradutor não tem como seguir uma regra especifica, antes o entendimento dele é que faz a norma dele.

      Analise esse verso:

      “Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens. Porque já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração.” (2 Co 3.2-3).

      Os cristãos eram a carta de Cristo e ministrados pelos apóstolos. E como essa ‘carta’ foi escrita? Não com tinta e nem em tábuas de pedras. Foi escrita nas tábuas de carne do coração e com o espírito do Deus vivo, ou seja, o espírito de Cristo, a palavra, a mensagem, o evangelho.

      Att.

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