Romanos

Romanos 2 – Os que ouvem a lei não são justos diante de Deus

Os judeus consideravam-se superiores aos gentios por serem os ouvintes da lei “Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” (Romanos 2:13). No entanto, encontravam-se na mesma condição que os gentios, pois não cumpriam a lei. Assim, não eram considerados justos diante de Deus.


Romanos 2 – Os que ouvem a lei não são justos diante de Deus

“Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” (Romanos 2:13).

Romanos 1 – As iniquidades do povo de Israel

Lógica como ferramenta de interpretação

Antes de avançarmos na análise do capítulo 2 da Epístola aos Romanos, é essencial compreendermos alguns conceitos fundamentais de interpretação bíblica, com um enfoque na linguagem lógica.

O apóstolo João nos revela sobre a natureza divina ao afirmar: “Deus é luz” e que “nele não há trevas alguma” (1 João 1:5). Vamos explorar essas declarações à luz da lógica formal.

Primeiramente, a proposição “Deus é luz” é uma afirmação simples e declarativa com valor lógico verdadeiro. Na lógica, uma proposição pode ser classificada como verdadeira ou falsa, e o uso de operadores lógicos nos auxilia na interpretação, especialmente quando analisamos proposições argumentativas.

Os princípios básicos da lógica que se aplicam aqui são:

1. Princípio da Identidade: Se uma proposição é verdadeira, então ela é verdadeira.
2. Princípio da Não-Contradição: Nenhuma proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa.
3. Princípio do Terceiro Excluído: Uma proposição é, ou verdadeira, ou falsa; não há uma terceira possibilidade.

Assim, a proposição “Deus é luz” é verdadeira e, portanto, não pode ser falsa. Essa proposição não pode assumir dois valores lógicos simultaneamente.

Quando aplicamos o conectivo “não” a uma proposição, formamos sua negação. Por exemplo, “Deus não é luz” é uma proposição simples e declarativa com valor lógico falso, dado que contradiz a afirmação original.

A segunda proposição, “não há em Deus trevas alguma”, embora contenha o conectivo “não”, mantém o valor lógico verdadeiro, pois reforça a ideia de que “Deus é luz”.

Embora as cartas bíblicas sejam redigidas com base em princípios lógicos, elas raramente seguem definições e conceitos formais como nos textos didáticos. Definir envolve determinar a extensão ou os limites de um conceito e explicar seu significado, enquanto conceituar é a formulação de uma ideia em palavras.

Consideremos também o versículo: “Do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (Romanos 1:18). Esta proposição, simples e declarativa, possui um valor lógico verdadeiro. Com base nisso, podemos construir novas proposições substituindo certos elementos.

Da mesma forma que a ira de Deus se manifesta do céu, também se manifesta a bondade de Deus. Reconhecida a bondade divina, resta a questão: sobre quem essa bondade se manifesta?

No estudo do segundo capítulo da carta aos Romanos, aplicaremos os princípios lógicos descritos para uma análise mais aprofundada do texto.

 

Os judeus são inescusáveis

1 PORTANTO, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo.

O capítulo dois de Romanos começa com a conjunção “portanto”, indicando uma conclusão em relação ao que foi dito anteriormente. No capítulo 1, foi afirmado que:

  1. Os homens que detêm a verdade em injustiça são alvos da ira de Deus (Romanos 1:18);
  2. A ira de Deus se abateu sobre os homens ímpios e injustos (Romanos 1:19);
  3. É possível ver nas coisas criadas o eterno poder de Deus, mas como eles detêm a verdade em injustiça, é como se negassem a soberania da divindade, portanto, são inescusáveis (Romanos 1:20; Salmo 53:1);
  4. Apesar de terem conhecido a Deus, não o honraram como Deus e nem lhe renderam graça. Em virtude de seus raciocínios fúteis e corações insensatos e obscuros, criaram deuses para si (Romanos 1:21);
  5. Eles se arrogam sábios, mas são loucos, pois mudaram a glória do Deus incorruptível em imagem de coisas corruptíveis (Romanos 1:22-23);
  6. Eles foram abandonados à mercê das suas concupiscências (Romanos 1:24), que em essência é imundície, e se desonram entre si (Romanos 1:24);
  7. Em vez de honrarem o Criador, honraram e serviram mais a criatura, pois obedeciam mandamentos de homens (Romanos 1:25);
  8. Abandonados às próprias paixões, foi-lhes dada uma lei em virtude das transgressões que depõem contra tais homens como injustos (Romanos 1:26-27);
  9. O que procede do coração deles é pleno de imundície e contamina os outros (Romanos 1:28);
  10. A lista de ações reprováveis emana das proibições da lei, que é contrária aos judeus que não a cumprem (Romanos 1:29-31);
  11. Apesar de saberem que quem transgride a lei é digno de morte, eles transgridem e apoiam aqueles que também transgridem (Romanos 1:32).

No capítulo 2 da Epístola aos Romanos, Paulo dirige sua mensagem especificamente aos judeus, que são o mesmo grupo referido no capítulo 1, descritos como aqueles que “detêm a verdade em injustiça” (Romanos 1:18). A conexão entre os capítulos é evidente pela utilização das conjunções “ora” e “portanto”, que aparecem, respectivamente, no final do capítulo 1 e no início do capítulo 2, sinalizando uma relação de conclusão e continuidade entre os textos.

O versículo 32 do capítulo 1 esclarece que, apesar de os judeus conhecerem a sentença divina — a lei que declara que aqueles que desobedecem a Deus são dignos de morte —, eles não só praticam essas transgressões, mas também aprovam os que as cometem. Portanto, mesmo que alguém se considere em uma posição de privilégio ou superioridade para julgar os outros, essa pessoa continua sendo inescusável diante de Deus, conforme afirmado em Romanos 1:20.

Ao concluir que qualquer homem que julga a outro é inescusável, pois condena a si mesmo ao fazer aquilo que reprova no outro, o apóstolo Paulo implicitamente aponta para os judeus. Os judeus consideravam-se superiores aos gentios por serem os ouvintes da lei.

“Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” (Romanos 2:13).

No entanto, encontravam-se na mesma condição que os gentios, pois não cumpriam a lei. Assim, não eram considerados justos diante de Deus.. Os judeus, por causa do vínculo de sangue, aprovavam os seus concidadãos, ou seja, não somente desobedeciam à lei, mas também consentiam com os demais que desobedeciam. Entretanto, se sentiam justos e em posição de julgar aqueles que não tinham a lei.

 

2 E bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem.

Paulo reitera que os cristãos estão cientes de que o juízo de Deus é segundo a verdade. Ele enfatiza: “Bem sabemos…”. A verdade à qual o apóstolo se refere é a verdade do evangelho, ou seja, à sã doutrina.

Para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina, (1 Timóteo 1:10).

Através dessa afirmação, Paulo demonstra que, pelo conhecimento da verdade, os cristãos não julgam aqueles que estão fora da comunidade cristã. No entanto, é de conhecimento comum que o juízo de Deus é certo sobre quem é apontado pela lei como transgressor.

“E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te julgará porventura a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei?” (Romanos 2:27).

O conhecimento que o cristão possui é baseado na verdade do evangelho, enquanto o “conhecimento” dos homens que detêm a verdade em injustiça é do juízo de Deus decorrente da justiça proveniente da lei.

 

Julgando segundo a aparência

3 E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus?

Paulo volta a questionar o “homem” que detém a verdade em injustiça e aponta que seu comportamento é questionável. Ele questiona se basta julgar aqueles que não têm lei para se ver livre do juízo de Deus. Será que esse é o modo de se livrar da ira futura, sentir-se superior aos gentios por ser descendente da carne de Abraão?

“E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu batismo, dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?” (Mateus 3:7).

O juízo segundo a verdade já foi estabelecido no Éden, e a atitude desse homem, que julga os gentios, visa se esquivar da condenação do juízo de Deus (Romanos 5:16-18).

O escritor aos Hebreus é claro:

“Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram” (Hebreus 2:3).

Note que é impossível ao homem inescusável escapar ao juízo de Deus, pois a condição de reprovável diante de Deus decorre da ofensa de Adão, algo irreparável através da obediência a mandamentos humanos. Fazer como o fariseu que foi ao templo orar, alegando não ser como os demais homens, é um posicionamento fútil. Enquanto o fariseu utilizava a lei para julgar os demais homens (gentios e publicanos), a própria lei o acusava de transgressor, utilizando a mesma lista de ações que ele empregava para condenar os outros.

O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.  Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.” (Lucas 18:11-12).

Do juízo de Deus em retribuição a ofensa de Adão resulta a condição do homem sujeita ao pecado, pois a condenação afetou a natureza do homem. Da sentença e condenação divina surgiu a semente corruptível de Adão, cuja natureza é morte. As figuras da semente e da árvore ilustram essa triste realidade dos descendentes de Adão, pois a semente corruptível de Adão faz com que os frutos dos homens sejam maus (João 3:19-20). A árvore que tem origem na semente de Adão só produz o mal, visto que uma árvore não pode produzir dois tipos de frutos (Mateus 7:17).

Qual é o fruto do homem gerado de Adão? A mentira, desde que nasce, e as Escrituras não excluem os judeus dessa condição.

Acaso falais vós, deveras, ó congregação, a justiça? Julgais retamente, ó filhos dos homens? Antes no coração forjais iniquidades; sobre a terra pesais a violência das vossas mãos. Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras.” (Salmo 58:1-3).

Jesus alertou que o julgamento não pode ser feito segundo a aparência, mas com base na reta justiça (João 7:24). O julgamento dos judeus, no entanto, era baseado em aspectos externos como a origem, a genealogia, a circuncisão, os sábados e outras observâncias cerimoniais.

Todavia bem sabemos de onde este é; mas, quando vier o Cristo, ninguém saberá de onde ele é. Clamava, pois, Jesus no templo, ensinando, e dizendo: Vós conheceis-me, e sabeis de onde sou; e eu não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou é verdadeiro, o qual vós não conheceis.” (João 7:27-28).

 

4 Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?

O apóstolo Paulo lembra que a base da misericórdia de Deus, conforme as Escrituras, é temer (obedecer) a Deus. As riquezas da benignidade, paciência e longanimidade constavam do juramento que Ele estabeleceu com Abraão. No entanto, os judeus não confiaram no juramento que Deus fez aos patriarcas, e uma aliança foi feita para conduzi-los ao Descendente, em quem a promessa de bem-aventurança foi feita.

“Porque desprezou o juramento, quebrando a aliança; eis que ele tinha dado a sua mão; contudo fez todas estas coisas; não escapará. Portanto, assim diz o Senhor DEUS: Vivo eu, que o meu juramento, que desprezou, e a minha aliança, que quebrou, isto farei recair sobre a sua cabeça.” (Ezequiel 17:18-19);

“Todas as veredas do Senhor são misericórdia e verdade para aqueles que guardam a sua aliança e os seus testemunhos.” (Salmo 25:10);

E faço misericórdia a milhares dos que me amam e guardam os meus mandamentos.” (Deuteronômio 5:10).

O homem que julga os demais homens por praticarem coisas reprováveis pensa que pode escapar ao juízo de Deus dessa maneira. No entanto, essa atitude evidencia algo ainda mais grave: o desprezo pela benignidade de Deus, expressa na aliança, que, em função da Sua longanimidade e benignidade, não tratou a nação de Israel segundo os seus pecados e iniquidades, pois Ele não imporá a Sua ira para sempre.

Misericordioso e piedoso é o Senhor; longânime e grande em benignidade. Não reprovará perpetuamente, nem para sempre reterá a sua ira. Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos recompensou segundo as nossas iniquidades. Pois assim como o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem.” (Salmo 103:8-11).

Vale destacar que a misericórdia de Deus sobre a nação de Israel tem por base o juramento de Deus a Abraão. No entanto, os membros da comunidade de Israel precisavam compreender que, para alcançarem a misericórdia de Deus, era necessário obedecê-Lo. Somente ouvir a lei ou julgar os outros não dá direito à misericórdia de Deus. Obedecer aos mandamentos de homens que, por tradição, receberam dos pais, também não confere esse direito.

 

A figura das duas portas e dos dois caminhos

Antes de prosseguirmos no estudo, é essencial compreender a seguinte afirmação de Jesus:

“Entrai pela porta estreita. Pois larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. Mas estreita é a porta, e apertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que a encontram” (Mateus 7:13-14).

Na passagem mencionada, Jesus enfatiza a presença de duas opções distintas: uma porta estreita e uma porta larga, assim como um caminho apertado e um caminho espaçoso.

O texto destaca duas grandes diferenças em relação aos destinos dos dois caminhos: um deles conduz à vida, enquanto o outro leva à perdição.

É importante que o leitor perceba a clareza da instrução: “Entrai pela porta estreita”. Cristo claramente adverte seus ouvintes a entrarem pela porta estreita, não como uma simples opção de escolha, mas como uma decisão consciente por parte do ouvinte. Para alcançar a vida, é essencial optar pela porta indicada por Cristo.

Por que é necessário entrar pela porta estreita? Jesus esclarece: “Porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que leva à perdição.” A partir da explicação de Jesus, compreende-se que não é necessário que o homem tome uma decisão para entrar pela porta e seguir o caminho que leva à perdição. Mas por que isso acontece? O que essa explicação realmente significa?

A fala de Jesus revela implicitamente que todos os seres humanos, ao nascerem, entram por uma porta larga, representando Adão. Essa porta larga dá acesso a um caminho espaçoso, cujo destino é a perdição. O nascimento natural, portanto, é a entrada por essa porta larga, e não requer uma decisão consciente do homem para ser atravessada. Todos os homens que vêm ao mundo entram por essa porta e seguem um caminho que os conduz à perdição.

Para acessar o caminho da vida, é necessário que o homem, que entrou no mundo através de Adão, tome a decisão de entrar pela porta estreita, que é Cristo, e que o conduzirá a Deus. Para atravessar essa porta, é preciso um novo nascimento, gerado pela semente incorruptível, que é a palavra de Deus. Ao crer na mensagem de Cristo, o homem é gerado de novo e, embora ainda esteja no mundo, não pertence mais a ele, mas ao mundo vindouro.

A figura das duas portas e dos dois caminhos é análoga à imagem da árvore boa e da árvore má (Mateus 12:33), ao bom tesouro e ao mau tesouro (Mateus 12:35), e às fontes de água doce e água amarga (Tiago 3:11-12). Cada uma dessas comparações compartilha uma ideia central e ilustra diferentes aspectos da salvação em Cristo.

Essas figuras apontam para Adão e o evento da queda. Em Adão, todos os homens foram julgados e condenados, e a penalidade da morte foi imposta à humanidade. Para Deus, todos os homens nascidos de Adão, por perderem a comunhão com Ele, estão mortos em delitos e pecados. A queda de Adão comprometeu a natureza humana: ao separar o homem de Deus, que é a fonte da vida, ele passou a estar na condição de morto. Assim, o homem perdeu a essência da natureza divina, tornando-se espiritualmente morto.

Todos os homens nascem sem participar da natureza divina, carregando a natureza corrompida de Adão. O pecado entrou no mundo por meio de Adão, e as consequências dessa ofensa— a morte—se espalharam a todos. Para se livrar da condenação herdada de Adão, é necessário que o homem morra com Cristo e nasça de novo. Ele precisa nascer da vontade de Deus para se tornar um filho de Deus (João 1:12).

Com base nessas informações, observa-se que todos nascem sob condenação, e sobre eles pesa o juízo de Deus. Assim, todos os que vêm ao mundo “entram pela porta larga” e estão no caminho espaçoso (Mateus 7:13). Ao nascerem, todos os homens entram pela porta larga e seguem um caminho largo que conduz à perdição. Essa figura evidencia a necessidade de o homem decidir pela oferta de salvação em Cristo, uma vez que não teve a decisão ou escolha de entrar pela porta larga.

Para entrar pela porta estreita, que é Cristo, é necessário um novo nascimento. O nascimento natural é, portanto, a “porta” de entrada que dá acesso ao caminho que leva à perdição eterna. Por outro lado, o nascimento espiritual dá acesso ao caminho para a vida eterna.

Todos os seres humanos descendem da semente de Adão (semente corruptível) e, portanto, são árvores más cujo fruto é mau. Como pesa sobre eles a condenação de Adão, as árvores originadas da semente corruptível precisam ser cortadas e lançadas no fogo. Assim como as árvores produzem frutos segundo a sua espécie, as árvores que descendem de Adão só podem produzir frutos maus. Diferentemente da figura da porta e do caminho, que destaca a impossibilidade de estar no caminho estreito que leva à vida sem uma escolha consciente, a figura da árvore ilustra que é impossível para os homens nascidos de Adão produzirem o bem (Mateus 12:34).

Os corações dos homens nascidos sob a condenação de Adão são intrinsecamente maus, e, por mais que se esforcem, só podem produzir o mal que há em seu mau tesouro. Essa figura ilustra que o problema do homem pecador reside em seu coração, ou seja, em sua natureza. Para se livrar dessa condição, é necessário um processo de circuncisão espiritual realizado por Cristo, uma circuncisão que não é feita por mãos humanas.

Os homens nascidos de Adão têm uma existência restrita a este mundo, vivendo para si mesmos e para o pecado. Após aceitarem a Cristo, o velho homem é crucificado e morto, dando lugar a um novo homem que vive para Deus (2 Coríntios 5:15; Romanos 14:7).

A figura da árvore demonstra que, sem a transformação proporcionada por Cristo, os homens permanecem na condição herdada de Adão: serão “cortados” e lançados no inferno devido ao juízo de Deus (Romanos 2:3; Mateus 3:10). Assim como uma árvore produz frutos de acordo com sua espécie, as árvores oriundas da semente corruptível de Adão só podem produzir frutos maus. Mesmo que o homem nascido de Adão tente fazer o bem, é impossível, pois suas obras não são realizadas em Deus nem preparadas por Ele.

Por produzirem o mal, os homens acumulam para si a ira. A condenação em Adão resulta da retidão e justiça de Deus, sem qualquer referência direta à ira. O homem, ao se deixar levar pela concupiscência dos olhos e se entregar ao pecado, foi condenado à morte. No entanto, Deus julgará todas as ações dos homens, sem acepção de pessoas. As ações dos nascidos de novo serão avaliadas e recompensadas no tribunal de Cristo, enquanto as ações do velho homem serão julgadas e recompensadas no grande trono branco.

Com esta introdução, estamos preparados para interpretar os versículos seguintes.

 

Entesourando ira

5 Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus;

A “dureza” refere-se à ação de resistir à verdade em injustiça, enquanto o “coração impenitente” diz respeito à natureza pecaminosa herdada de Adão.

Todos os homens nascem com um coração impenitente. No Antigo Testamento, mesmo após a entrega da Lei, Moisés exorta o povo de Israel a praticar a circuncisão do coração:

“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz.” (Deuteronômio 10:16).

A circuncisão do prepúcio do coração alude à necessidade de lidar com o coração impenitente herdado de Adão, enquanto o endurecimento da cerviz simboliza a incredulidade.

No Novo Testamento, a circuncisão recomendada é a de Cristo, que é a remoção do corpo da carne. A circuncisão do Antigo Testamento é equiparada à circuncisão de Cristo no Novo Testamento, pois qualquer tipo de incisão no coração que não seja a de Cristo leva à morte. A morte em Cristo é descrita como o despojar do corpo da carne:

“No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão, no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo.” (Colossenses 2:11).

A circuncisão de Cristo no Novo Testamento, assim como a circuncisão do coração no Antigo Testamento, não é realizada por mãos humanas. Além disso, tanto a circuncisão de Cristo quanto a circuncisão do prepúcio do coração podem ser realizadas tanto em homens quanto em mulheres.

Analisando o versículo 5 do capítulo 2 em relação ao versículo 18 do capítulo 1, percebe-se que a ira de Deus manifesta-se dos céus tem como alvo a nação de Israel, e o ato de entesourar ira para o dia da ira e da manifestação do juízo de Deus refere-se a ações específicas de indivíduos dentro dessa nação. Compare:

“Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça.” (Romanos 1:18);

“Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus;” (Romanos 2:5).

Em Romanos 1:18, a ira de Deus é revelada dos céus contra toda impiedade e injustiça dos homens que suprimem a verdade pela injustiça. O termo “homens” no plural sugere uma coletividade. No contexto de Romanos, isso pode ser interpretado como referindo-se aos judeus, cuja impiedade e injustiça resultaram em manifestações de ira divina, evidenciadas pelo exílio na Babilônia e pela diáspora sob o domínio de nações gentílicas.

Já em Romanos 2:5, o foco é mais específico e individual. O versículo menciona que indivíduos com corações impenitentes estão entesourando ira para si mesmos para o dia da ira e da manifestação do justo juízo de Deus. Neste contexto, a ênfase está nas ações de indivíduos que, embora façam parte da nação de Israel, persistem na injustiça e na falta de arrependimento.

Assim, Romanos 1:18 aborda a ira de Deus em um contexto coletivo, aplicando-se à nação de Israel como um todo e refletindo-se em eventos históricos como o exílio na Babilônia e a diáspora sob domínio de nações gentílicas. Por outro lado, Romanos 2:5 foca na responsabilidade individual dentro dessa nação, destacando que a ira de Deus será cobrada no futuro devido à resistência ao evangelho.

Portanto, a ira de Deus é manifestada tanto no coletivo — como resultado da desobediência nacional — quanto no pessoal, sendo acumulada por meio da persistência na incredulidade.

O judeu que persiste em deter a verdade em injustiça, mantendo-se insensível ao convite de salvação e propagando o judaísmo, continua a entesourar ira para si mesmo. Para compreender esta declaração de Paulo, é importante considerar os seguintes pontos:

  1. Condenação Universal em Adão: Todos os homens estão condenados em Adão (Romanos 5:18). A condenação é universal e se aplica a toda a humanidade, independentemente de suas ações individuais, como resultado da queda de Adão;
  2. Natureza da Condenação: A condenação da humanidade em Adão decorre da justiça e retidão de Deus, sem referência à ira. Deus não se irou contra o homem no momento da queda, mas fez justiça conforme a determinação dada a Adão (Romanos 3:23). A ira de Deus é manifestada em resposta às ações dos homens, não como uma reação à queda em si;
  3. Impacto na Natureza do Homem: A condenação afetou a natureza do homem, o que torna todas as suas ações reprováveis diante de Deus (Mateus 12:34);
  4. Obras Não Feitas em Deus: As ações dos homens que não estão em Deus são reprováveis, pois não são realizadas conforme a vontade divina e não foram preparadas por Deus (João 3:19-21);
  5. Juízo das Ações: Todas as ações de todos os homens serão julgadas em um juízo específico, independentemente de sua condição de salvos ou perdidos (Romanos 2:11);
  6. Tipos de Juízo: Haverá o juízo do Trono Branco para os perdidos e o juízo do Tribunal de Cristo para os salvos (2 Coríntios 5:10; Apocalipse 20:13);
  7. Prática do Mal e Falta de Arrependimento: Os homens que detém a verdade em injustiça, praticam o mal e realizam obras que não são feitas em Deus e não foram preparadas por Ele (João 3:21; Efésios 2:10);
  8. Retribuição das Obras: As obras más serão retribuídas com indignação e ira de Deus, enquanto as obras feitas em Deus serão recompensadas com glória, honra e paz.

Há um dia predeterminado para a ira de Deus, como mencionado em Apocalipse 6:17: “Pois é vindo o grande dia da ira deles, e quem poderá subsistir?” Nesse dia específico, será manifesto o juízo de Deus aos perdidos, e cada qual receberá a retribuição correspondente às suas obras.

Embora o juízo de Deus tenha sido estabelecido desde a queda de Adão, muitos homens ignoram essa verdade fundamental. No dia da ira, será revelado a todos os perdidos que estão debaixo de condenação e que estão eternamente perdidos. Nesse dia, as obras de cada um serão pesadas e avaliadas, trazendo à tona a justiça e a retidão de Deus em relação a todas as ações humanas.

“O que é, já foi; e o que há de ser, também já foi; e Deus pede conta do que passou.” (Eclesiastes 3:15).

 

Recompensa segundo as obras

6 O qual recompensará cada um segundo as suas obras; a saber: 7 A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção; 8 Mas a indignação e a ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade;

Assim como é possível acumular tesouros no céu, também é possível acumular ira para o dia da ira, pois Deus recompensará cada pessoa de acordo com suas obras (Mateus 6:20).

Todos que vivem neste mundo serão recompensados conforme suas ações. Os critérios são os seguintes:

  1. Vida eterna será concedida àqueles que, com perseverança em fazer o bem, buscam glória, honra e incorruptibilidade; e
  2. Indignação e ira serão reservadas para aqueles que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade.

Observe que a vida eterna será concedida àqueles que buscam glória, honra e incorruptibilidade. Isso é distinto de simplesmente realizar boas ações, pois as boas ações segundo a moral humana não garantem o verdadeiro bem. O bem autêntico só pode ser praticado em Cristo, assim como glória, honra e incorruptibilidade são encontradas somente em Cristo. Portanto, após encontrar essas virtudes em Cristo, o crente deve perseverar na fé e em fazer o bem. É importante destacar que, embora boas ações para com os semelhantes sejam valiosas, elas não garantem a vida eterna.

Em primeiro lugar, é essencial buscar o reino de Deus e sua justiça, que é Cristo. Como Deus recompensará cada um segundo suas obras, é prudente que o cristão persevere em fazer o bem. No entanto, as boas ações do cristão são realizadas com a expectativa de uma recompensa futura e não como meio de alcançar a salvação, que é exclusivamente concedida através do evangelho de Cristo — o poder de Deus para a salvação.

Deus também recompensará as obras daqueles que têm acumulado ira e indignação para si mesmos. A ira e a indignação de Deus recairão sobre aqueles que desobedecem à verdade. A indignação e a ira não provêm apenas das más ações, mas da desobediência à verdade e da obediência à iniquidade (Romanos 6:16). Enquanto alguém estiver obedecendo à iniquidade, não poderá ser considerado filho de Deus e permanecerá sob a condenação resultante da transgressão de Adão.

As boas ações realizadas por aqueles que permanecem no pecado, como é o caso dos judeus sem Cristo, são descritas por Isaías como ‘trapos de imundície’ (Isaías 64:6) e não são reconhecidas por Deus como boas obras.

Quando o apóstolo Paulo afirma que a indignação e a ira de Deus serão reservadas para os contenciosos e desobedientes à verdade, ele está se referindo especialmente aos religiosos judeus que se opunham à verdade do evangelho. Embora os gentios, que estão sem Deus no mundo, também sejam julgados de acordo com suas obras, a sua condenação decorre da ofensa original de Adão. Os gentios, por estarem na ignorância das coisas de Deus, enfrentam um julgamento diferente. Por outro lado, os judaizantes, que conhecem a verdade, mas a detêm com injustiça, são considerados contenciosos e desobedientes à verdade, e por isso enfrentam uma condenação mais severa.

“Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti.” (Mateus 11:24);

“Os ninivitas ressurgirão no juízo com esta geração, e a condenarão, porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é mais do que Jonas.” (Mateus 12:41).

 

9 Tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que faz o mal; primeiramente do judeu e também do grego; 10 Glória, porém, e honra e paz a qualquer que pratica o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego; 11 Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas.

O apóstolo Paulo esclarece que não há diferença entre judeus e gentios no que diz respeito à prática do mal. Tanto judeus quanto gentios, quando desobedientes à verdade do evangelho, cometem iniquidade diante de Deus. É importante lembrar que uma árvore má não pode produzir frutos bons. A natureza corrompida do homem, que se entrega à iniquidade, impede que ele faça o bem.

Assim como o pecado escraviza tanto judeus quanto gregos, também não há diferença entre eles quando ambos se tornam escravos da justiça. Todos que aceitam a Cristo passam a praticar o bem, pois, ao adquirirem um novo coração em Cristo, possuem um bom tesouro, e suas ações são boas, pois são feitas em Deus.

Aqueles que aceitam a Cristo têm a capacidade de praticar tanto o bem quanto o mal, mas suas ações não os condenarão ao inferno, pois Deus já os aceitou como Seus. Da mesma forma, os descrentes podem realizar boas ações, mas, para Deus, essas ações são vistas como más, pois eles não pertencem a Deus. Como todas as obras que decorrem da natureza pecaminosa pertencem ao pecado, igualmente, as realizações que provêm dessa natureza também pertencem ao pecado. Isso significa que, sem uma transformação genuína proporcionada por Cristo, qualquer ação, por mais aparentemente boa que seja, é inevitavelmente contaminada pelo pecado, pois reflete a natureza corrompida de onde provém.

Praticar boas ações não faz com que o homem seja considerado bom diante de Deus. Os escribas e fariseus, por exemplo, eram conhecidos por suas boas ações aos semelhantes, mas ainda assim eram considerados maus diante de Deus.

“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?” (Mateus 7:11).

Sobre a condição do homem sem Cristo, escreveu o evangelista João:

“E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.” (João 3:19-21).

A condenação dos judeus resulta do fato de terem preferido a condição em que estavam, sob o pecado, a morte e a lei, rejeitando Cristo, a luz que ilumina o mundo (João 1:4-5). Eles rejeitaram Cristo porque estavam obedecendo a mandamentos de homens, o que gerava obras más. Aqueles que praticam o mal odeiam a luz e evitam a proximidade com Cristo, pois Ele reprova suas ações. Em contraste, quem crê no testemunho de Deus sobre Seu Filho nas Escrituras, ou seja, quem pratica a verdade, se aproxima de Cristo para que suas obras possam ser manifestas e reconhecidas.

Se um judeu e um grego praticam o bem, entendendo-se aqui o “bem” como a prática vinculada à crença em Cristo, não há distinção entre eles perante Deus (2 Coríntios 5:10; Romanos 14:10). Deus recompensará cada um segundo suas obras, concedendo glória, honra e incorruptibilidade, pois em Deus não há acepção de pessoas.

Por outro lado, se um judeu e um grego praticam o mal, que decorre da obediência à iniquidade, Deus não faz distinção entre eles. Ambos receberão a recompensa correspondente ao mal e herdará indignação e ira.

“E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante de Deus, e abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida. E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras.” (Apocalipse 20:12).

Romanos 2 – O homem cujo sobrenome é judeu

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

One thought on “Romanos 2 – Os que ouvem a lei não são justos diante de Deus

  • Muito bom! Dá uma base para alguns que ainda guardam a Lei, mesmo com Jesus Cristo já ter vindo. Não que Ele veio acabar com a Lei, mas aperfeiçoara nEle. Só por Cristo Jesus seremos salvos.

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