Romanos

Romanos 3 – A justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo

A incredulidade dos judeus evidencia a justiça de Deus, mas o apóstolo Paulo, ao reconhecer sua própria condição de mentiroso, exalta ainda mais a verdade de Deus para o louvor da Sua glória.


Romanos 3 – A justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo

“E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé.” (Gálatas 3:11).

Romanos 2 – O homem cujo sobrenome é judeu

Interpretação e lógica

Alguns dos argumentos do apóstolo Paulo são elaborados com base em princípios lógicos quando ele defende o evangelho. Por exemplo:

“Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, porventura a incircuncisão não será reputada como circuncisão?” (Romanos 2:25-26).

A frase ‘A circuncisão é proveitosa se o circuncidado guardar a lei’ é uma proposição composta devido ao uso do conectivo ‘se’. Esse conectivo liga ideias simples e atribui valores lógicos à proposição, que podem ser verdadeiros ou falsos, dependendo da operação que ele introduz.

O apóstolo Paulo argumenta para os cristãos em Roma que, para que a circuncisão seja considerada válida diante de Deus, os judeus precisariam cumprir totalmente a lei. No entanto, dado que é impossível para o homem cumprir a lei em sua totalidade, conclui-se que a circuncisão, nesse contexto, não tem valor real. O ensino de Paulo está fundamentado em duas considerações principais:

  1. Tropeçar em um único ponto da lei é equivalente a não cumpri-la (Tiago 2:10); e
  2. A natureza da lei é incompatível com a natureza do homem: a lei é espiritual, enquanto o homem é carnal (Romanos 7:14).

Se aceitarmos que a proposição “a circuncisão é proveitosa se o circuncidado guardar a lei” é verdadeira, então, se uma pessoa não circuncidada cumprir a lei, ela será considerada pelos judeus como se fosse circuncidada. A argumentação de Paulo estabelece uma equivalência lógica entre essas proposições.

Paulo utiliza essa equivalência lógica para demonstrar que não há diferença entre judeus e gentios diante de Deus.

Em qualquer interpretação, é fundamental não contrariar ou adaptar o significado das proposições de acordo com perspectivas humanas.

Por exemplo, quando Jesus disse: “Entrai pela porta estreita…”, não podemos alterar a ideia afirmando que “a porta não é estreita” como fez Myer Pearlman. Argumentar que “a porta não é estreita” não é correto, especialmente quando se introduzem elementos que não estão presentes no texto. A frase “A soberba do homem faz com que o caminho fique estreito” não é uma ideia mencionada no texto bíblico.

Jesus não incluiu elementos humanos em suas declarações. Ele falou sobre o caminho (que é estreito), sem fazer referência ao comportamento ou a moral dos ouvintes. Isso mostra que tais elementos não devem ser considerados na interpretação de suas palavras.

Se considerarmos que é o homem quem faz ‘o caminho estreito’, como podemos entender a declaração de Cristo: “Eu sou o caminho…”? Não há equivalência lógica entre as declarações de Cristo (“Eu sou o caminho…”) e a interpretação de que é o homem quem faz o caminho estreito em função do seu orgulho, como argumentou Agostinho.

A declaração de Jesus, “Eu sou o caminho”, e a interpretação de que o homem faz o caminho estreito não se equivalem. Entre essas duas afirmações, não há correspondência lógica. Jesus fez várias declarações sobre quem Ele é, como “Eu sou o bom pastor”, “Eu sou a porta”, “Eu sou o caminho”, “Eu sou a verdade e a vida”, entre outras. Qualquer interpretação que contrarie essas declarações deve ser considerada anátema, uma vez que os falsos profetas frequentemente introduzem heresias que negam a pessoa de Cristo.

A partir do capítulo três da carta de Paulo aos Romanos, encontramos várias proposições que frequentemente são introduzidas pelo conectivo ‘se’, estabelecendo uma equivalência lógica. Quando Paulo usa o conectivo ‘se’, ele não está introduzindo uma dúvida ou uma possibilidade, mas sim estabelecendo uma equivalência lógica entre a argumentação e uma proposição simples.

Por exemplo, a argumentação em “Mas se a nossa injustiça faz surgir a justiça de Deus, que diremos?” (Romanos 3:5) se baseia na proposição “Deus não é injusto” (Romanos 3:6). Com base na proposição “Deus é justo”, Paulo estabelece a nova proposição “Deus não é injusto” e a utiliza para sustentar a argumentação de que “a nossa injustiça faz surgir a justiça de Deus”.

Da mesma forma, ao tentar construir uma argumentação semelhante à de Paulo, não podemos formular uma proposição oposta como “Deus não é justo”, da mesma maneira que não podemos contrariar a declaração de Jesus afirmando que “o caminho não é estreito”.

 

A vantagem do judeu em relação aos gentios

1 QUAL é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?

Após demonstrar que não há distinção entre judeus e gentios, pois ambos são seres humanos e culpáveis diante de Deus, o apóstolo Paulo responde a uma questão que poderia surgir entre seus destinatários: Qual é a vantagem de ser judeu? A circuncisão não tem relevância alguma?

A origem em Abraão e a prática da circuncisão têm importância significativa no contexto da Antiga Aliança. Essa relevância está ancorada na fidelidade e na imutabilidade de Deus, que prometeu bênção a todas as famílias da terra por meio do descendente prometido a Abraão.

Abraão, como patriarca da nação de Israel, e a circuncisão, como sinal da aliança divina, desempenham papéis cruciais na história da redenção. A promessa de Deus a Abraão não apenas estabeleceu a base para a formação do povo israelita, mas também prefigurou a bênção universal que viria através de Cristo, o descendente prometido.

2 Muita, em toda a maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas.

Há uma grande vantagem em ser judeu: a palavra de Deus foi confiada primeiramente a eles. Deus escolheu o povo de Israel para uma missão especial: tornar conhecido o Seu nome em toda a terra e, como parte dessa missão, fez uma promessa aos pais e entregou-lhes as Escrituras.

Enquanto os judeus, com sua circuncisão e a revelação divina recebida através dos patriarcas e das Escrituras, possuíam um conhecimento direto de Deus, os gentios estavam, por sua vez, sem Deus no mundo (Efésios 2:12; Isaías 9:1).

Embora Deus tenha escolhido o povo de Israel para uma missão específica, a salvação é uma questão individual. Cada membro da comunidade de Israel era chamado a circuncidar o coração, conforme a orientação de Moisés, reconhecendo que Deus não predestina quem será salvo, mas sim quem cumprirá uma missão.

 

3 Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?

Alguém poderia questionar ainda: Qual é a vantagem de ter recebido a palavra de Deus e não ser salvo? Paulo responde de forma clara: “Ora, não ser salvo é uma questão de incredulidade, e não de infidelidade da parte de Deus.” A incredulidade humana não afeta os atributos de Deus; Ele permanece fiel, mesmo quando o homem não crê em Sua palavra.

“Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2 Timóteo 2:13).

A fidelidade de Deus está intrinsicamente ligada à Sua palavra, que nunca volta vazia e não depende da crença dos homens para se cumprir. Embora a incredulidade possa impedir a salvação individual, a fidelidade e a imutabilidade de Deus permanecem inalteradas. Portanto, a vantagem de ter recebido a palavra de Deus é significativa, pois ofereceu aos judeus uma base sólida sobre a qual Deus se revelou ao Seu povo e lhes conferiu a missão de serem o povo através do qual Cristo viria ao mundo. Essa missão e revelação se mantiveram firmes, independentemente da resposta individual à mensagem.

Não que a palavra de Deus haja faltado, porque nem todos os que são de Israel são israelitas; Nem por serem descendência de Abraão são todos filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa são contados como descendência.” (Romanos 9:6-8).

 

Deus é verdadeiro e todos os homens mentirosos

4 De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, e venças quando fores julgado.

Deus é a verdade e verdadeiro em sua essência.

“Ele é a Rocha, cuja obra é perfeita, porque todos os seus caminhos justos são; Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é.” (Deuteronômio 32:4).

O apóstolo Paulo, ao tratar da questão sobre se a incredulidade de alguns poderia anular a fidelidade de Deus, nega categoricamente tal possibilidade. Para reforçar seu argumento, ele recorre aos Salmos 51:4 e 116:11, traçando um contraste nítido entre a imutável veracidade de Deus e a falibilidade da humanidade: “Deus é verdadeiro sempre, e todo homem é mentiroso”.

“Dizia na minha pressa: Todos os homens são mentirosos.” (Salmos 116:11);

“Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares.” (Salmo 51:4).

Nesse contexto, o apóstolo não está simplesmente referindo-se ao comportamento reprovável dos homens, que frequentemente mentem uns aos outros. Sua asserção vai mais além, enfatizando que Deus é verdadeiro, no sentido de veraz, real, nobre, contrastando com a humanidade, que é mentirosa, no sentido de baixa, vil, plebe. Não há distinção nesse aspecto, seja entre judeus ou gentios, nobres ou plebeus, servos ou livres. Isso sublinha o fato de que, além de Deus não mentir, pois Ele não pode negar a Si mesmo, Ele é a realidade última, nobre, real e verdadeiro.

O Salmo 116 é messiânico e descreve a aflição do Servo do Senhor. O verso 11 expressa a declaração de Cristo quando aterrorizado pela iminente perspectiva da morte: todos os homens são mentirosos, ou seja, são vaidade (Salmo 116:15). Nesse sentido, é o mesmo que afirmar que todos os homens, inclusive os filhos de Israel, não são, por natureza, filhos de Deus (Salmo 53:3; 58:3).

“Porque este é um povo rebelde, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do SENHOR.” (Isaías 30:9);

“Porque dizia: Certamente eles são meu povo, filhos que não mentirão; assim ele se fez o seu Salvador.” (Isaías 63:8);

“Corromperam-se contra ele; não são seus filhos, mas a sua mancha; geração perversa e distorcida é.” (Deuteronômio 32:5).

A posição social ou a origem dos homens nada significa diante de Deus. Para ser filho de Deus, é necessário nascer da semente incorruptível, a palavra de Deus, tornando-se participante da natureza divina (1 Pedro 1:3, 23-25; 2 Pedro 1:4).

“Certamente que os homens de classe baixa são vaidade, e os homens de ordem elevada são mentira; pesados em balanças, eles juntos são mais leves do que a vaidade.” (Salmos 62:9);

“Em esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos dos séculos;” (Tito 1:2).

Ao contrastar a condição humana com a natureza divina, Paulo usa o Salmo 51:4 para mostrar que, ao reconhecer sua própria condição miserável como pecador e mentiroso, o homem na verdade confirma a justiça e a retidão de Deus, que, mesmo sendo soberano, não oprime ninguém.

“Ao Todo-Poderoso não podemos alcançar; grande é em poder; porém a ninguém oprime em juízo e grandeza de justiça.” (Jó 37:23).

 

A injustiça dos judeus evidencia a justiça de Deus

5 E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.) 6 De maneira nenhuma; de outro modo, como julgará Deus o mundo?

É crucial lembrar que a discussão de Paulo ainda gira em torno da pergunta: “Qual a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?”. Nesse contexto, ao contrastar a injustiça dos judeus com a justiça de Deus, que trouxe a ira sobre a nação de Israel, o apóstolo se inclui na narrativa ao empregar o pronome possessivo “nossa” na primeira pessoa do plural.

Considerando o princípio de que ‘toda ação tem uma reação’, Paulo, como hebreu de hebreus, levanta uma questão: se a nossa injustiça (dos judeus) realça a justiça de Deus, o que podemos dizer? Que argumento utilizar quando se torna evidente que as injustiças dos judeus são o que destaca a justiça divina? Seria Deus injusto por isso? A resposta é enfática: De maneira nenhuma!

O apóstolo Paulo continua abordando a questão dos “homens que detêm a verdade em injustiça”, referindo-se especificamente aos judeus que rejeitaram a verdade do evangelho. Ele deixa claro que, embora alguns judeus tenham sido incrédulos, essa incredulidade não diminui em nada a fidelidade de Deus. Pelo contrário, devido à fidelidade divina, a incredulidade dos judeus apenas realça a justiça de Deus, que trouxe ira sobre a nação, conforme expresso em Romanos 1:18.

Paulo demonstra que seu argumento é diretamente aplicável ao objeto de seu discurso: o homem judeu, a quem a palavra de Deus foi revelada, em contraste com os gentios, que viviam sem Deus no mundo.

“Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo.” (Efésios 2:12).

O apóstolo enfatiza que Deus não é injusto ao manifestar Sua ira contra os incrédulos. Se alguém discordasse da explicação de Paulo, teria que apresentar outra forma pela qual Deus poderia exercer Sua justiça. No entanto, qualquer argumento alternativo deveria estar em plena conformidade com as Escrituras.

O arrependimento e a confissão ressalta a verdade de Deus

7 Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua, por que sou eu ainda julgado também como pecador?

O versículo 7 serve como um contraponto ao versículo 5. No primeiro, a injustiça dos homens que rejeitam a verdade destaca a justiça de Deus ao derramar sobre eles Sua ira; já no segundo, o homem que reconhece sua condição precária como mentiroso realça ainda mais a verdade de Deus para Sua glória, como enfatizado no versículo 4.

“De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, e venças quando fores julgado.” (Romanos 3:4).

A incredulidade dos judeus evidencia a justiça de Deus, mas o apóstolo Paulo, ao reconhecer sua própria condição de mentiroso, exalta ainda mais a verdade de Deus para o louvor da Sua glória. Enquanto os judeus, apegados à ideia de serem filhos de Deus, detinham a verdade em injustiça, Paulo, ao reconhecer que não era filho de Deus — um homem marcado pelo pecado, um mentiroso — justificava a verdade divina, que sempre prevalece em qualquer disputa.

No versículo 5, Paulo descreve a condição dos judeus sem Cristo; já no versículo 7, ele apresenta a condição de quem está em Cristo: não é mais considerado pecador.

Se, pela minha mentira, ou seja, pela condição de sujeição ao pecado que separa o homem da verdade em Deus, a verdade de Deus foi ainda mais exaltada para Sua glória, então por que o apóstolo ainda seria julgado como pecador? Isso levanta uma questão: é possível continuar sendo pecador após se tornar participante da verdade abundante concedida por Deus? Se, no versículo 5, questionava-se a justiça de Deus por ser exercida sobre a injustiça dos judeus, então por que julgariam o apóstolo, e não a Deus, pelo fato de a verdade divina ter sido abundantemente manifestada?

“Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do SENHOR,” (Atos 3:19).

 

8 E por que não dizemos (como somos blasfemados, e como alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens? A condenação desses é justa.

Reconhecer-se como mentiroso, mesmo sendo judeu, era, para os seguidores do judaísmo, equivalente a realizar algo errado na esperança de obter o bem. Esses seguidores acreditavam estar salvos por serem descendentes de Abraão segundo a carne, e admitir que eram servos do pecado era visto como algo negativo, o que os levava a blasfemar contra o apóstolo.

Note quão difícil era para os judeus alterarem a concepção herdada de seus antepassados:

“Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado.” (Romanos 8:33-34);

“Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; E não presumais, de vós mesmos, dizendo: Temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que, mesmo destas pedras, Deus pode suscitar filhos a Abraão.” (Mateus 3:8-9).

Produzir frutos dignos de arrependimento, que é confessar Cristo como Senhor, era algo que os judeus consideravam errado, acreditando ser impossível alcançar qualquer benefício desse ato (Hebreus 13:15).

Para os judeus, a crença era que receberiam o bem simplesmente por serem descendentes de Abraão e cumprirem alguns mandamentos da lei, como no caso do jovem rico e do fariseu que subiu ao templo para orar. No entanto, agir como o publicano que clamava por misericórdia, reconhecendo-se pecador, era visto como algo negativo.

Aqueles que blasfemavam contra os apóstolos, acusando o evangelho de pregar “façamos males, para que venha o bem”, na verdade estavam justissimamente sujeitos à condenação.

 

A condenação

Antes de prosseguirmos, faz-se necessário esclarecermos dois assuntos acerca de alguns temas que iremos estudar no decorrer do capítulo três da carta aos Romanos.

Em certa publicação brasileira, ao falar da justificação pela fé, o escritor recomenda um cuidadoso estudo dos versos 21 ao 31 do capítulo 3 de Romanos, arrematando que, nestes versículos estão contidos toda a doutrina fundamental do evangelho. Não me oponho a esta argumentação, mas não posso concordar com a argumentação seguinte:

“Quando o mundo está com a boca fechada, condenável (mas não condenado) perante Deus, então é que Deus revela uma justiça divina para os homens…” McNair, S. E., A Bíblia explicada – 4ª Ed. – Rj: CPAD, 1983, p. 407, Cap 3, § 4º.

Surge então a pergunta: O mundo é apenas ‘condenável’ ou já ‘está condenado’ perante Deus?

A Bíblia é clara ao demonstrar que o mundo já está condenado perante Deus. No entanto, no que diz respeito às obras, o mundo é condenável, pois as ações dos homens ainda serão submetidas a julgamento.

Quando não se faz a devida distinção entre a condenação em Adão (no passado) e a retribuição das obras (condenável – futuro), torna-se difícil compreender as argumentações de Paulo.

Jesus demonstrou que o mundo já está condenado, conforme se lê:

“Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não crê no nome do unigênito Filho de Deus.” (João 3: 18).

Onde o mundo foi condenado? O mundo foi condenado em Adão, conforme Paulo descreve:

“Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens, para condenação…” (Romanos 5:18).

Por causa da ofensa de Adão, Deus estabeleceu o seu juízo, e todos os homens se tornaram condenados diante Dele.

Essa condenação ocorreu no Éden, e toda a humanidade está sob essa condenação (passado). A condenação em Adão comprometeu a natureza humana: o homem deixou de ser participante da natureza divina, que é vida, e passou à condição de morto, ou seja, separado da vida que há em Deus e que provém Dele. Este é o chamado pecado original.

Se o mundo já está condenado, por que é ele é descrito como condenável diante de Deus? A que julgamento o apóstolo Paulo se refere, e o que será julgado?

Os versículos 19 e 20 do capítulo 3 de Romanos demonstram que o mundo é condenável (em um sentido futuro) diante de Deus, pois ninguém será justificado pelas obras da lei. Apesar de o julgamento futuro será com relação as obras, nem mesmo as obras da lei aproveitará àquele sob julgamento. Isso significa que, no que diz respeito às obras, o mundo é condenável, mas, ao mesmo tempo, todos já estão condenados em Adão:

“…para que toda boca esteja fechada, e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Pois ninguém será justificado diante dele pelas obras da lei” (Romanos 3:19-20).

Paulo, desde o versículo 18 do capítulo 1, destaca as obras reprováveis dos homens que suprimem a verdade em injustiça (judeus), demonstrando que Deus recompensará cada ser humano segundo suas obras (Romanos 2:6). Nesse julgamento, não haverá acepção de pessoas (Romanos 2:11).

O apóstolo aponta para um juízo futuro, no qual os gentios serão julgados, mesmo sem ter recebido a lei, e perecerão; e os judeus, que possuem a lei, serão julgados por ela e, como pecaram, também perecerão (Romanos 2:12).

Vale destacar que os judeus pecaram não simplesmente por cometerem atos contrários à lei, mas porque a morte passou a todos os homens. Eles pecaram estando sob a lei, mas a raiz do pecado está na condição humana herdada de Adão, conforme Paulo explica em Romanos 5:12. Assim, o pecado dos judeus é um reflexo dessa condição universal de morte que afetou toda a humanidade, e não meramente uma questão de desobediência à lei. A lei, portanto, servia para revelar que os judeus, mesmo estando debaixo dela, não se sujeitavam verdadeiramente a Deus. Ela expõe a incapacidade humana de alcançar a justiça por meio das obras, mostrando que a verdadeira sujeição a Deus vai além do mero cumprimento legalista. (Romanos 8:6).

Esse julgamento das obras também trará à luz o juízo que já foi estabelecido em Adão, revelando a todos que estão condenados diante de Deus:

“…entesouras ira para ti no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus” (Romanos 2:5).

O julgamento das obras para os condenados em Adão (judeus e gentios) ocorrerá no Tribunal do Grande Trono Branco, conforme descrito em Apocalipse:

“Os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia, e foram julgados cada um segundo as suas obras” (Apocalipse 20:12-13).

Nesse tribunal, os homens perceberão que estão condenados em Adão, e se dará a eles a plena compreensão do juízo que ocorreu no Éden. No julgamento das obras, receberão o que acumularam para si: ira e indignação (Romanos 2:5, 8).

Os salvos em Cristo também serão julgados quanto às suas obras no Tribunal de Cristo, onde cada um receberá o que fez por meio do corpo (2 Coríntios 5:10). Por isso, Paulo afirma que cada um será recompensado segundo as suas obras, tanto os salvos quanto os perdidos (Romanos 2:6).

Jesus declarou que o mundo já está condenado, e jamais devemos contradizer essa afirmação, como McNair o fez ao dizer: “mas não condenado.” O mundo está condenado e continua condenável por causa de suas más obras, pois estas ainda serão julgadas, e a recompensa de cada um será medida.

Quando Paulo, falando como homem, pergunta: “Será Deus injusto trazendo ira sobre nós?” (Romanos 3:5), essa pergunta revela que os homens desconhecem o juízo estabelecido em Adão e que todos estão condenados. Ela também sugere que eles esperam um julgamento de Deus onde possam receber uma retribuição favorável por suas “boas” ações.

Somente no dia da ira, quando o juízo de Deus se manifestar, os homens entenderão que estão condenados. Ao apresentarem suas obras diante do tribunal, perceberão que elas não são suficientes para justificá-los, pois são como trapos de imundícia (Romanos 2:5; 3:20).

Outro teólogo, Rudolf Bultmann, afirmou:

“Os tempos futuros de Rm 3: 20 (porque ninguém será justificado com base nas obras da lei); 3:20 (Deus que irá justificar) talvez não sejam futuros autênticos, e sim gnômicos (lógicos). O (muitos serão colocados como justos), de Rm 5: 19 naturalmente é dito do ponto de vista da virada dos tempos e, portanto, já vale a respeito do presente (cf. v. 17, 21). Por outro lado também o tempo presente nos enunciados em tempo presente de Gl 2: 16; 3: 11; 5: 4 não é um tempo presente autêntico, e sim presente atemporal do dogma, podendo, portanto, quanto ao assunto em questão, referir-se à sentença de Deus no juízo vindouro” Rudolf, Bultmann, Teologia do Novo Testamento, tradução Ilson Kayser, SP: Ed. Editora Teológica, 2004. (Foi suprimido os versos em grego).

Bultmann, ao contrário de McNair, não negou o que Cristo disse, mas ao ler Romanos 3:20, fez uma leitura equivocada, propondo dois tempos para a justificação: presente autêntico e presente lógico.

Para Bultmann, a justificação não é efetiva na vida do crente hoje, mas refere-se a uma sentença de Deus em um juízo vindouro. Ele parece ignorar o juízo estabelecido em Adão e considera apenas o julgamento futuro das obras.

É importante notar que Bultmann não parece ter certeza de sua própria exposição, utilizando expressões como “talvez” e “podendo”.

Ao empregar o verbo “será” (futuro), o apóstolo Paulo procura demonstrar a ineficácia das obras da lei: “Por isso ninguém…” (v. 20).

Considerando que Paulo está tratando das obras reprováveis dos homens (judeus e gregos); que todo o mundo é condenável (no julgamento futuro das obras); e que o julgamento em Adão já ocorreu (juízo de Deus – passado), segue-se que ninguém será justificado por cumprir os requisitos da lei.

Como o julgamento das obras será no futuro, aqueles que já estão condenados não serão justificados quando suas obras forem julgadas (condenáveis) (Romanos 3:19-20). No entanto, quanto ao juízo em Adão, os cristãos, por meio da fé em Cristo, já estão justificados (são declarados justos e livres da condenação), conforme disse Jesus: “Quem nele crê não é condenado…” (João 3:18).

Utilizando a terminologia de Bultmann, podemos afirmar que a justificação ocorre em um presente autêntico conforme é próprio à natureza da nova criatura gerada em Cristo:

“…pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente…” (Romanos 3:23-24).

A justificação não se dá em um presente atemporal, nem se refere ao ‘juízo vindouro’ (julgamento das obras).

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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