A parábola das cem ovelhas, encontrada em Lucas 15:3-7, é um convite aos desgarrados ou uma reprimenda àqueles que se consideravam justos?
A parábola das cem ovelhas
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“E chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir.
E os fariseus e os escribas murmuravam dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles.
E ele lhes propôs esta parábola, dizendo: Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e não vai após a perdida até que venha a achá-la? E achando-a, a põe sobre os seus ombros, gostoso; E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.
Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lucas 15:1-10).
As cem ovelhas, as dracmas e o filho pródigo
Em essência, uma parábola é uma narrativa que busca ilustrar uma ideia ou ensinamento de forma vívida e tangível.
O evangelista Lucas registrou três parábolas contadas por Jesus para enfatizar uma mesma lição: as cem ovelhas, as dracmas perdidas e a parábola do filho pródigo.
Essas parábolas compartilham um tema comum: a alegria no céu por um pecador que se arrepende.
Essas histórias têm sido objeto de numerosos sermões e interpretações ao longo dos séculos. Geralmente, os pregadores utilizam-nas para fazer um apelo àqueles que se afastaram da comunhão e da prática religiosa.
Além disso, muitos hinos também fazem referência a essas parábolas. É provável que você tenha em mente alguma canção sobre o filho pródigo ou as cem ovelhas.
Mas qual é a mensagem central que Jesus procurou transmitir por meio dessas três parábolas? O que é enfatizado na parábolas das cem ovelhas?
O público alvo da parábola
“Qual de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai atrás da perdida até encontrá-la?” (Lucas 15:4).
Para interpretar a parábola das Cem Ovelhas, em primeiro lugar é preciso identicar o público alvo da mensagem.
O público que acompanhava e ouvia as palavras de Cristo era diversificado. Às vezes, era uma multidão numerosa, predominantemente composta por judeus religiosos, mas também incluía pessoas de outras nacionalidades, como os gregos. Em outras ocasiões, o público era formado por representantes de diferentes grupos do judaísmo, como os escribas, os fariseus e os saduceus. Além disso, havia a presença frequente de gentios e cobradores de impostos, considerados pecadores pelos líderes religiosos judeus. Por fim, o público de Jesus abrangia seus discípulos mais próximos, conhecidos como “Os Doze”, bem como outros seguidores.
O Evangelho de Lucas destaca que “todos os publicanos e pecadores se aproximavam de Jesus para ouvi-lo” (Lucas 15:1). Os publicanos, judeus encarregados de cobrar impostos, e os pecadores, geralmente gentios ou indivíduos moralmente desviados aos olhos dos líderes religiosos judeus, estavam entre aqueles que buscavam ouvir as palavras de Jesus.
Quando os fariseus e escribas viram Jesus recebendo uma grande quantidade de pessoas consideradas “pecadoras”, começaram a murmurar, dizendo: “Este homem recebe pecadores e come com eles” (Lucas 15:2). Os escribas e fariseus eram considerados justos pelo povo devido à sua estrita observância das tradições, que por sua vez, desprezavam o povo (Mateusa 23:28; João 7 : 49).
A reação dos fariseus e escribas à atitude de Jesus de acolher e compartilhar refeições com “pecadores” foi o que motivou Jesus a dar uma resposta por meio de parábolas.
Quando Jesus ouviu as críticas dos fariseus e escribas sobre sua associação com “pecadores”, ele propôs a parábola das cem ovelhas. Ele não confrontou os pecadores ou os publicanos, mas sim os fariseus e escribas, questionando:
“Qual de vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no deserto e vai atrás da perdida até encontrá-la?” (Lucas 15:4).
Dessa forma, o texto evidencia que Jesus dirigiu a parábola das cem ovelhas especificamente aos escribas e fariseus, tornando o público-alvo claramente definido: os líderes religiosos judeus.
Escribas e fariseus
“Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mateus 23:28).
Para compreender o público-alvo da mensagem, é útil recorrer a outra passagem bíblica que, por meio de uma parábola, contrasta a atitude de um fariseu com a de um publicano, fornecendo um veredicto sobre os fariseus:
“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” (Lucas 18:9-14).
Em Lucas 18:9-14, Jesus conta a parábola do fariseu e do publicano que foram ao templo orar. O fariseu se vangloria de cumprir as prescrições da lei e despreza o publicano, enquanto o publicano reconhece sua própria indignidade diante de Deus e pede misericórdia.
Essa parábola esclarece a natureza do público-alvo da mensagem de Jesus na parábola das Cem Ovelhas. Os fariseus, líderes religiosos judaicos, eram notórios por sua autoconfiança, acreditando-se justos, e por sua tendência a menosprezar os outros. Tanto é que, devido a essas atitudes, as pessoas podiam percebê-los como justos. No entanto, Jesus salienta que internamente eram hipócritas e ímpios.
Portanto, os fariseus e escribas mencionados na parábola das Cem Ovelhas pertenciam a esse grupo de líderes religiosos que, muitas vezes, se consideravam justos e superiores aos outros em sua religiosidade e observância da lei. Eles olhavam com desdém para aqueles que consideravam como pecadores ou menos dignos aos olhos de Deus.
Assim, ao dirigir a parábola das Cem Ovelhas aos fariseus e escribas, Jesus estava confrontando diretamente essa mentalidade de confiar em si mesmos, acreditando que eram justos, e desprezando os outros. Na verdade, eram malditos, pois como homens, confiavam em si mesmos, fazendo da sua origem abraâmica (carne) a sua força (braço), e se apartavam de Deus.
“Assim diz o SENHOR: Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do SENHOR!” (Jeremias 17:5).
Quem se acha justo aos próprios olhos considera não ser necessário mudar de concepção (metanoia). Os fariseus e escribas estavam apegados à ideia de que eram salvos por serem descendentes da carne de Abraão, e por isso dificilmente se arrependiam (mudança de mente).
“E todo o povo que o ouviu e os publicanos, tendo sido batizados com o batismo de João, justificaram a Deus. Mas os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos, não tendo sido batizados por ele.” (Lucas 7:29-30).
As noventa e nove ovelhas
“E ele lhes propôs esta parábola, dizendo: Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e não vai após a perdida até que venha a achá-la?” (Lucas 15:4).
A parábola de Jesus é particularmente relevante porque o povo de Israel tinha uma longa tradição de cuidar de rebanhos de ovelhas. O próprio rei Davi, por exemplo, foi pastor de ovelhas.
Jesus questionou qual seria o comportamento dos seus interlocutores se tivessem cem ovelhas e perdessem uma. A lógica seria deixar as noventa e nove onde estavam e sair em busca da ovelha perdida.
Geralmente, os expositores da parábola das cem ovelhas focam na ovelha perdida, mas o elemento principal da parábola, que evidencia a reprimenda aos escribas e fariseus, são as ovelhas deixadas no deserto.
Portanto, devemos perguntar: a parábola das cem ovelhas é um convite aos desgarrados ou uma reprimenda aos que se consideravam justos? Se fosse um convite aos extraviados, não seria necessário Jesus ter respondido à murmuração dos escribas e fariseus. Bastava Ele continuar comendo e conversando com os publicanos e pecadores.
É claro que Jesus estava reprimindo a atitude dos fariseus e escribas que murmuravam por Ele estar comendo com pecadores. Pertencer ao grupo das noventa e nove ovelhas deixadas no deserto é, portanto, a essência da reprimenda.
“Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lucas 17:7).
Considerando a parábola das cem ovelhas, os fariseus e escribas, por se considerarem justos, representam as noventa e nove ovelhas que permaneceram juntas no deserto. Diante da mensagem: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus” (Mateus 4:17), os escribas e fariseus se mostravam inflexíveis, característica própria de quem tem “dura cerviz” (teimosia e resistência à mudança).
“Porque conheço a tua rebelião e a tua dura cerviz; eis que, vivendo eu ainda hoje convosco, rebeldes fostes contra o SENHOR; e quanto mais depois da minha morte?” (Deuteronômio 31:27).
Note que é impossível, através dos elementos da parábola, inferir que as noventa e nove ovelhas se referem à igreja de Cristo, como alguns pregadores o fazem em seus sermões ou alguns poetas fazem em seus cânticos.
Enquanto os fariseus e escribas não reconhecessem que eram pecadores, seria impossível terem um encontro genuíno com Jesus. Sem reconhecerem que Cristo é o reino dos céus e o motivo do arrependimento (mudança de mente), não produziriam o fruto dos lábios que confessam a Cristo como Senhor (Hebreus 13:15). Enquanto se considerassem justos, jamais produziriam alegria nos céus, pois não haveria mudança de entendimento.
A ovelha perdida
“E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.” (Lucas 15:6).
Se aqueles escribas e fariseus tivessem perdido uma ovelha e a encontrassem, colocariam-na sobre os ombros e a levariam para casa. Pela alegria do encontro, ao chegar em casa, convocariam amigos e vizinhos para comemorar o fato de terem localizado a ovelha que estava perdida.
Com essa parábola, Jesus demonstrou aos escribas e fariseus que, ao comer com os publicanos e pecadores, estava em busca das ovelhas perdidas da casa de Israel.
“E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mateus 15:24).
Se os escribas e fariseus considerassem as Escrituras, perceberiam que os filhos de Israel andavam desgarrados, cada qual seguindo os seus próprios conselhos e os seus corações malvados.
“Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos.” (Isaías 53:6);
“Mas não ouviram, nem inclinaram os seus ouvidos, mas andaram nos seus próprios conselhos, no propósito do seu coração malvado; e andaram para trás, e não para diante.” (Jeremias 7:24).
Qualquer dos publicanos e pecadores que ouvissem as palavras de Cristo perceberiam a sua miserabilidade por serem pecadores e, através da fé em Cristo, alcançariam misericórdia de Deus.
Com a parábola das cem ovelhas, Jesus repreendeu os escribas e fariseus que murmuravam, demonstrando que aquelas pessoas que eles censuravam como pecadoras, na verdade estavam abertas a uma mudança de entendimento (metanoia), e que muitas delas, após ouvirem a mensagem, se arrependiam por causa de Cristo. Essas pessoas, ao se arrependerem, proporcionavam alegria nos céus. Por outro lado, os escribas e fariseus, por acharem que não precisavam mudar seu entendimento acerca das coisas de Deus, permaneceriam juntos no deserto.
“Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lucas 15:7).
Outro ponto importante a ser destacado através da parábola das cem ovelhas é que a igreja é composta por ovelhas que eram perdidas, mas que agora foram encontradas. Isso significa que a única ovelha localizada representa a igreja de Cristo, e não as noventa e nove que permaneceram no deserto.
Como fazer uma exposição da parábola das cem ovelhas
Considerando a mensagem da parábola das cem ovelhas, é inadequado usá-la para persuadir pessoas que não frequentam mais uma determinada denominação, ou para incentivar os cristãos ao evangelismo.
A exposição dessa parábola só será eficaz se o pregador deixar claro que qualquer pessoa que acredita não ser pecadora e que não precisa de Cristo como Salvador está no mesmo grupo dos fariseus e escribas, o rebanho das noventa e nove ovelhas deixadas no deserto.
O pregador pode utilizar a parábola para esclarecer os não crentes que estão presos em sua religiosidade, demonstrando que o arrependimento (mudança de conceito) é a única maneira de ser aceito por Deus. Quando o pecador, após ouvir o evangelho, reconhece que precisa de um Redentor, é porque se arrependeu. Ao mudar sua concepção (metanoia) e enxergar Cristo como Salvador, Deus estende seu braço forte e salva até o mais vil pecador.
É importante observar que o arrependimento não visa corrigir os erros comportamentais das pessoas em desacordo com a moral e os bons costumes. Se fosse assim, os escribas e fariseus não precisariam se arrepender, pois sua conduta social era irrepreensível.
O pregador deve deixar claro que Cristo é o motivo do arrependimento, como pregou João Batista: “Arrependei-vos, porque o reino dos céus está próximo.” O maior equívoco que um pregador pode cometer ao expor a parábola das cem ovelhas é exigir uma mudança comportamental ou de caráter como se fosse o arrependimento bíblico. A essência do arrependimento não está na correção dos erros humanos, mas sim em Jesus ser o Salvador.
É importante estar alerta: muitas mensagens que ouvimos com frequência podem não estar alinhadas com os ensinamentos bíblicos. Mas, como diz o ditado: “Uma mentira repetida várias vezes pode parecer verdade, mas nunca será a verdade”.
Aplique o que você aprendeu com a parábola das cem ovelhas para entender as parábolas das dez dracmas e a do filho pródigo, bem como relacioná-las com o que Jesus discutiu com Nicodemos e o que foi exposto em Lucas 13.
Glória a Deus
muito esclarecedor e sem emocionalismo, a intensão da mensagem deve ser aplicada. DEUS TE ABENÇOE.
Muito bom o estudo