Crítica

Salvos e chamados com santa vocação

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Além de Deus salvar por meio do evangelho (fé), Ele também chamou esses que foram salvos com santa vocação, conforme o Seu próprio propósito, concedendo aos salvos as riquezas insondáveis de Cristo.


Salvos e chamados com santa vocação

Um Sermão pregado por João Calvino, intitulado “A doutrina da eleição’, na catedral de São Pedro, em Genebra. Este sermão possui vários erros de interpretação bíblica, e neste artigo, apontaremos alguns desses erros.

 

Erro sobre a misericórdia

A primeira abordagem do sermão já é um erro: rotular a misericórdia de Deus como livre, como se pudesse ser de outra forma.

O que sabemos sobre a misericórdia de Deus? Que Deus é misericordioso e concede misericórdia a qualquer um que obedeça aos seus mandamentos.

“E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.” (Êxodo 20:6).

Há uma trava lógica na exposição do Êxodo, própria das poesias hebraicas, que é o paralelismo, no qual a segunda frase enfática a ideia da primeira. Guardar os mandamentos é o mesmo que amar, e vice-versa. Essa trava lógica impede que o texto seja alterado ou corrompido.

“Se me amais, guardai os meus mandamentos.” (João 14:15);

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (João 14:21).

A importância da misericórdia é repetida a Saul:

“Porém Samuel disse: Tem porventura o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do SENHOR? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros.” (1 Samuel 15:22).

Como o ensinamento de Deus é precioso, novamente a consideração do profeta sobre a palavra de Deus ganha contornos da poesia hebraica, e as frases se complementam através do paralelismo sinônimo: ‘obedecer’ está para ‘anteder’, assim como ‘holocausto’ está para ‘gordura de carneiros’.

No Antigo Testamento, a misericórdia de Deus se revela em um mandamento que demanda obediência, e no Novo Testamento, como a misericórdia se revela? Na pessoa de Cristo!

“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, (…) Mas quando apareceu a benignidade e amor de Deus, nosso Salvador, para com os homens,” (Tito 2:11 e 3:4)

Quando Cristo foi manifesto, Deus deu um mandamento à humanidade: que creiais naquele que Ele enviou, um mandamento que requer obediência. Deus deu o Seu Filho unigênito para que os homens cressem e fossem salvos por Ele (João 3:16).

Sem mandamento, é impossível o homem humilhar-se a si mesmo, ou seja, se submeter ao senhorio de Deus. Sem mandamento, não há salvação, pois é necessário ao homem se sujeitar a Deus como servo para que possa ser salvo, e por isso Jesus disse:

“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.” (Mateus 11:28-30).

Por que se fez necessário explicar a misericórdia de Deus? Porque Calvino equivocadamente afirmou que:

“… se quisermos conhecer a livre misericórdia de nosso Deus em nos salvar, temos de ir até o Seu conselho eterno, pelo qual Ele nos escolheu antes da fundação do mundo.” Calvino, João[1], A doutrina da eleição, Sermão pregado em Genebra, catedral de São Pedro.

 

O conselho eterno difere da misericórdia

Se quiser conhecer a misericórdia de Deus, basta olhar para o Cristo manifesto aos homens na plenitude dos tempos. Se olhar para a eternidade (antes da fundação do mundo), o cristão verá o beneplácito da vontade de Deus, ou seja, o Seu conselho eterno!

O Conselho eterno de Deus está atrelado à Sua vontade, e o homem perdido não é a questão central deste conselho.

“… conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;” (Efésios 1:11).

Por que o homem perdido não é o alvo do conselho? Porque o conselho diz do beneplácito que Deus propusera em si mesmo, ou seja, diz de algo próprio à divindade, e não de algo concernente às criaturas.

“Descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra;” (Efésios 1:9-10).

Embora o mistério tenha sido desvendado aos cristãos nos dias atuais (plenitude dos tempos), o beneplácito de Deus foi estabelecido na eternidade, antes de todas as coisas serem criadas. Na eternidade, quando ainda não existia mundo, Deus estabeleceu que, na plenitude dos tempos, congregaria em Cristo todas as coisas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra.

Ao olhar para o conselho eterno, o homem não verá a misericórdia de Deus, mas sim o eterno propósito estabelecido na pessoa de Cristo Jesus. O propósito eterno de Deus estabelecido em Cristo não tem as mesmas bases da misericórdia divina, visto que a misericórdia visa resgatar o homem da escravidão do pecado, e o propósito, a preeminência de Cristo em todas as coisas.

“Segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:11).

Como o propósito de Deus foi estabelecido na pessoa de Cristo, o Verbo eterno encarnado, o propósito é firme porque Deus O escolheu, e os salvos em Cristo, na qualidade de membros do Seu corpo, a Igreja, são chamados a este propósito.

A misericórdia de Deus é um convite à redenção, e se o homem crer no evangelho, que é poder de Deus para salvação, será resgatado da maldição do pecado, tornando-se uma nova criatura, livre de toda e qualquer condenação.

A misericórdia é uma ordem/convite, que demanda do homem obediência. Por isso é dito: entrai pela porta estreita, ou seja, é necessário obedecer para nascer de novo. O homem não exerce uma escolha entre perdição e salvação, antes está perdido e precisa se decidir pela salvação. Nesse sentido, não foi eleito e nem predestinado à perdição ou salvação, antes está na perdição porque um só homem pecou, Adão, e ele é a porta larga pela qual todos os homens entram quando veem ao mundo, e por isso todos os seus descendentes estão em um caminho que os conduz à perdição.

Nenhum descendente de Adão foi eleito ou predestinado à perdição ou salvação, antes todos os que descendem de Adão, ou seja, nascidos do sangue, da vontade da carne e da vontade do homem, foram alienados de Deus pela decisão de um só homem que pecou, Adão (João 1:13).

De igual modo, nenhum descendente de Adão, que está morto em delitos e pecados, foi eleito ou predestinado à salvação, antes pela misericórdia de Deus manifesta em Cristo que trouxe salvação a todos os homens, precisa obedecer a Cristo como Senhor, e assim, torna-se participante da sua morte e ressurreição.

Ao morrer com Cristo, aquele que creu é justificado (livre) do pecado, e ao ressurgir com Cristo, recebe a justificação, sendo declarado justo e livre de toda condenação, e como pertence à justiça, para uso exclusivo de Deus, é santificado.

A misericórdia de Deus foi manifesta a todos os homens conforme a promessa feita a Abraão: ‘e em ti serão benditas todas as famílias da terra’, mas só alcança misericórdia aqueles que creem no testemunho que Deus deu acerca do Seu Filho.

A misericórdia de Deus está relacionada à necessidade humana de salvação, diferente do conselho eterno de Deus estabelecido em Cristo, que visa algo próprio à divindade: a preeminência de Cristo.

Todos que obedecem ao mandamento de Deus, que é crer em Cristo, por terem sido gerados de novo pela palavra da verdade (evangelho), são chamados ao propósito que Deus estabeleceu em Cristo: a preeminência de Cristo sobre todas as coisas.

“E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.”  (Colossenses 1:18).

Na eternidade, o único Deus, Eloim (cuja majestade é o vínculo de três pessoas, iguais em poder e coeternas), segundo o conselho da sua vontade, criou todas as coisas. Na eternidade essas três pessoas acordaram entre si, que uma delas abriria mão de seu poder e majestade e se tornaria uma de suas criaturas, de modo que pudesse elevar essas criaturas a uma condição de semelhança com essa pessoa quando retomasse à sua glória.

O acordo foi estabelecido nos seguintes termos:

Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; e a minha benignidade não retirarei dele, como a tirei daquele, que foi antes de ti.” (1 Crônicas 17:13).

Na eternidade não havia relação de filiação e paternidade entre as pessoas da divindade, mas quando o Verbo eterno fosse encarnado, ou seja, introduzido no mundo, a relação de paternidade e filiação seria estabelecida.

Quando o Verbo eterno despido do seu poder e glória fosse gerado, a relação Pai e Filho se concretizou:

“Porque, a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, Hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho? E outra vez, quando introduz no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem.” (Hebreus 1:5-6);

“Proclamarei o decreto: o SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.” (Salmos 2:7).

O acordado firmado entre as pessoas da divindade envolvia tanto a entrada quanto a saída do Verbo eterno do mundo dos homens, e que Ele estariam sob a tutela da divindade.

“O SENHOR guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para sempre.”  (Salmos 121:8).

Ao deixar a Sua glória, o Verbo eterno foi introduzido no mundo em tudo semelhante as suas criaturas, participante de carne, sangue e fraquezas, pois só assim poderia chama-los irmãos (Hebreus 2:14-17). Ao se fazer semelhante aos homens, quando tomou a forma de servo, se se arrogou ser igual a Deus, ainda que fosse o Verbo eterno, antes se humilhou a si mesmo sendo obediente.

“Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” (Filipenses 2:7-8);

“E, indo segunda vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade.” (Mateus 26:42).

Ao tomar a forma de Servo, o Verbo eterno somente se fez homem, mas para se tornar servo, Cristo teve que abrir mão de sua vontade e humilhar a si mesmo, obedecendo ao Pai.

“O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi ouvido quanto ao que temia. Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu.” (Hebreus 5:7-8).

Observe que Cristo é o leito de Deus desde a eternidade, mas isso não significa que Ele estava predestinado a obedecer, ou seja, que ele não tinha opção ou que não exerceu sua vontade. Humilhar-se a si mesmo é abrir mão da própria vontade para se sujeitar a vontade de outrem, se fazendo servo.

Ser sujeitado à força, ou por dívida, ou de nascimento, não é humilhar-se a si mesmo. Só se humilha a si mesmo quem é livre e pode decidir por fazê-lo, abrindo mão da própria vontade.

Um exemplo de quem se humilhou a si mesmo temos em Agar, que podia fugir de sua senhora, e voltou a se sujeitar a ela.

“Então lhe disse o anjo do SENHOR: Torna-te para tua senhora, e humilha-te debaixo de suas mãos.” (Gênesis 16:9).

Outro exemplo é o servo liberto pelo seu senhor no ano do jubileu que, querendo continuar servindo ao seu senhor voluntariamente, deveria ter a orelha furada diante dos juízes com uma sovela.

“Porém se ele te disser: Não sairei de ti; porquanto te amo a ti, e a tua casa, por estar bem contigo; Então tomarás uma sovela, e lhe furarás a orelha à porta, e teu servo será para sempre; e também assim farás à tua serva.” (Deuteronômio 15:16-17).

Em humilhar-se a si mesmo não há jactância, e nem é possível gloriar de se fazer servo. Cristo é o exemplo perfeito de obediência, pois ainda que era Filho, rogou ao Pai com grande clamor e lágrimas, orações e súplicas que não lhe fosse dado a beber o cálice da aflição, e por tudo que sofreu, é possível verificar que efetivamente Ele obedeceu.

Por ser obediente ao Pai em tudo, Cristo ao ressuscitar foi glorificado e honrado soberanamente, pois se assentou à destra da Majestade nas alturas. E foi dado a Cristo um nome que está acima de todos os nomes que se nomeia no presente século ou no vindouro. Aquele que abriu mão da sua glória, ao se glorificado, tornou-se cabeça de um corpo, que é a igreja, posição acima de todo principado e potestade.

“E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.” (Colossenses 1:18).

A conclusão do propósito eterno está expressa nesses versos:

“Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro; E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.” (Efésios 1:20-23).

Observe a posição privilegiada da igreja, que é hierarquicamente acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e Cristo, por sua vez, é cabeça desse corpo. Entre Cristo, a cabeça, e todas as coisas a seus pés, temos a igreja.

Quando a Bíblia utiliza com relação à igreja os termos ‘eleição’, ‘predestinação’, ‘chamado’, o que está em voga é o cumprimento do conselho de Deus estabelecido em Cristo, pois para ser cabeça de um corpo, Deus chama os salvos pelo evangelho ao seu propósito: serem membros do corpo. Ou, sendo Cristo a pedra angular do templo, cada cristãos se torna uma pedra viva desse templo (1 Pedro 2:5; 1 Coríntios 12:27).

Como a igreja é constituída de filhos de Deus, esses filhos precisam ter a mesma imagem e semelhança corporal de Cristo, e por isso mesmo, por terem sido gerados de novo pela palavra da verdade, pertencentes à geração eleita, como corpo de Cristo, são predestinados a terem a mesma imagem do Cristo glorificado.

É por isso que a eleição e a predestinação figuram como bênçãos, ou riquezas da glória, e não como dádiva, misericórdia. A misericórdia se alcança por crer em Cristo, e as bênçãos são concedidas aos salvos que creram.

Nos textos bíblicos, a eleição está vinculada a santidade, o que só é próprio aos gerados de novo por serem uma nova criatura: santos e irrepreensíveis. A predestinação é para ter a mesma imagem e semelhança corporal com Cristo para que Ele seja primogênito entre muitos irmãos.

É por isso que o apóstolo Paulo relata:

“O primeiro homem, da terra, é terreno; o segundo homem, o SENHOR, é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15:47-49).

Observe que estes veículos não tratam de salvação ou perdição, e sim, de imagem. Todos os homens são gerados à semelhança de Adão, o homem terreno e natural. Todos aqueles que creem em Cristo e são gerados de novo, trarão a imagem do homem espiritual e celestial, que é Cristo, nosso Senhor.

É nesse sentido que toda a criação geme na expectativa da revelação dos filhos de Deus, o que só ocorrerá quando Cristo se manifesta, vez que quando Ele se manifestar, os filhos de Deus se manifestarão com Ele em glória.

“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos.” (1 João 3:2);

“Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com ele em glória.” (Colossenses 3:4);

“Porque a ardente expectação da criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. (Romanos 8:19).

A salvação segundo a misericórdia de Deus demonstrada em Cristo ocorre antes da eleição e predestinação. A eleição e predestinação visa a manifestação dos filhos de Deus, quando da volta de Cristo para arrebatar a igreja, quando o proposito eteno de Deus se concretizará: os salvos são santos e irrepreensíveis e, quando da manifestação de Cristo herdarão um corpo glorioso semelhante ao de Cristo, dádiva que ninguém poderá se vangloriar.

 

Salvou e chamou

O texto base utilizado por Calvino é segunda Timóteo, capitulo 1, versos 9 a 10, mas a leitura contextualizada inicia nos versos anteriores:

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso SENHOR, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus, que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos;” (2 Timóteo 1:8-9).

O apóstolo Paulo exorta Timóteo a ter o mesmo sentimento: não te envergonhes do evangelho (Romanos 1:16). Timóteo não deveria se envergonhar do evangelho e nem pelo fato de o apóstolo Paulo ser prisioneiro.  Se Timóteo não se envergonhasse do evangelho e nem do apóstolo Paulo, seria participante das aflições do evangelho, que é poder de Deus para salvação.

“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.” (Romanos 1:16).

O apóstolo Paulo evidencia que ambos foram salvos pelo testemunho de Cristo, o evangelho, que é poder de Deus para salvação. Por isso, Timóteo não podia se envergonhar do que proporcionou salvação, ou seja, do evangelho que os salvou, assim como foi dito pelo apóstolo Paulo aos cristãos em Roma:

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso SENHOR, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus, que nos salvou…” (2 Timóteo 1:8).

A salvação por meio do evangelho, a fé dada aos santos, é a essência da misericórdia de Deus manifesta aos pecadores, pois por intermédio do evangelho a morte foi destruída e foram concedidos aos homens: luz, vida e imortalidade (Judas 1:3; Filipenses 1:27; Gálatas 3:23).

Mas, além de Deus salvar por meio do evangelho (fé), Ele também chamou esses que foram salvos com santa vocação, conforme o Seu próprio propósito. Qual era o propósito? O Seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra (Efésios 1:9-10).

O propósito de Deus não repousa em indivíduos, e sim, em um corpo, que é a igreja. Indivíduos são resgatados do pecado por meio do evangelho segundo a misericórdia de Deus, mas o propósito se concretiza no corpo formado de indivíduos de todas as tribos, línguas e nações.

Acima de todos os principados e potestades, poderes e dominações, Deus estabeleceu a igreja, e acima de todas as coisas, Deus constituiu Cristo como a cabeça a igreja: o mais Sublime entre os sublimes, pois tal qual Ele é, são os que n’Ele creram já neste mundo!

“Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor,” (Efésios 3:10-11);

“Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus;” (Hebreus 7:26);

“Nisto é perfeito o amor para conosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.” (1 João 4:17).

Deus salva os perdidos decorrentes da ofensa de Adão através da obediência de Cristo, o último Adão (Romanos 5:19), e chama todos eles, sem exceção, ao seu propósito com uma santa vocação.

“… e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos;” (2 Timóteo 1:8-9).

A vocação não é segundo as obras, e sim, segundo o propósito estabelecido em Cristo na eternidade, do qual é participante aqueles que estão em Cristo. Por que o chamado não é segundo as obras? Porque os cristãos são novas criaturas, criados em verdadeira justiça e santidade, ou seja, na qualidade de nova criatura não fizeram nem bem nem mal. O propósito é firme por causa daquele que chama: Deus, o qual concedeu que os cristãos façam parte do corpo de Cristo.

A misericórdia, por sua vez, demanda obra, conforme se lê:

“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29);

“Responderam, e disseram-lhe: Nosso pai é Abraão. Jesus disse-lhes: Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão.” (João 8:39).

Sem realizar a obra exigida por Deus, não há salvação:

“Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecidiço, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito.” (Tiago 1:25);

“Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra.” (Tito 1:16);

“Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.” (1 João 3:18).

Um homem de fé, assim como Abraão, deve realizar da obra de Deus. Os judeus se diziam homens de fé tendo por pretexto a lei de Moisés, e diziam que conheciam a Deus, mas somente realizavam mandamentos de homens.

“E ele, respondendo, disse-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens.” (Marcos 7:6-7).

É por isso que o apóstolo Paulo enfatiza:

“A circuncisão é nada e a incircuncisão nada é, mas, sim, a observância dos mandamentos de Deus.” (1 Coríntios 7:19).

Os judeus diziam ter fé em Deus, mas não realizavam a sua obra:

“Não vos deu Moisés a lei? e nenhum de vós observa a lei. Por que procurais matar-me?” (João 7:19);

“Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu ele.” (João 5:46).

Os judeus diziam crer em Deus e em Moisés, mas não realizavam a obra de Deus, que é crer em Cristo. Eles deveriam crer em Deus e crer também em Cristo, mas rejeitavam a Cristo dizendo que tinham Abraão por pai (João 14:1; 8:33).

O irmão Tiago, ao censurar os judaizantes que se intrometiam entre as doze tribos que estavam dispersas, questiona se havia proveito em alguém dizer que tinha fé, mas que não tinha as obras, e se tal fé poderia salvá-lo. Ora, se a fé fosse em Cristo, evidente que tal fé podia salvar, pois essa é a obra de Deus exigida.

“Para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em mim.” (Atos 26:18).

Mas, como a fé que tais pessoas professavam era em Deus, vez que criam que só existia um Deus (Tiago 2:19), Tiago evidencia que a fé deles era morta, pois faltava a obra: crer que Jesus é o Filho de Deus.

Nesse contexto, o homem é justificado pelas obras, e não somente por dizer que crê em Deus.

“E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus.” (Tiago 2:23).

Quando as Escrituras que dizia que Abraão creu em Deus se cumpriram, e foi-lhe isso imputado como justiça? (Tiago 2:23) Foi quando Abrão obedeceu a ordem de Deus! (Tiago 2:21).

A Bíblia diz que Abraão creu em Deus por causa da palavra anunciada (Gênesis 15:5-6), mas a evidencia de que Abraão creu em Deus está no fato de ter oferecido Isaque em holocausto em obediência a ordem divina.

“Então o anjo do SENHOR bradou a Abraão pela segunda vez desde os céus, e disse: Por mim mesmo jurei, diz o SENHOR: Porquanto fizeste esta ação, e não me negaste o teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; e em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz.” (Gênesis 22:15-18).

Sem a obediência de Abraão, a promessa não se efetivaria, pois Deus mesmo diz:

“Saberás, pois, que o SENHOR teu Deus, ele é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos.” (Deuteronômio 7:9).

A Escritura de Gênesis 15, versos 5 a 6, se cumpriu após o evento de Gênesis 22, evidenciando que a justificação é por obra, e não somente por dizer que crê em Deus (pela fé). Semelhantemente, Raabe, a meretriz, só foi justificada porque escondeu os espias em sua casa (Tiago 2:25).

Deus também fez promessa a Saul, mas como Saul não obedeceu a voz do Senhor, foi rejeitado, evidenciando que a fé (dizer que crê em Deus), sem obra (obediência) é uma crença morta.

“Porém Samuel disse: Tem porventura o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do SENHOR? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e o porfiar é como iniquidade e idolatria. Porquanto tu rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (1 Samuel 15:22-23);

Isso significa que há contradição entre Tiago e o apóstolo Paulo? Não! Ambos afirmam o mesmo, pois, o apóstolo Paulo afirma que só é justificado aquele que obedece.

“Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” (Romanos 2:13);

“E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural;” (Tiago 1:22-23).

Esse era o alerta do profeta Ezequiel:

“E eles vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra; pois lisonjeiam com a sua boca, mas o seu coração segue a sua avareza. E eis que tu és para eles como uma canção de amores, de quem tem voz suave, e que bem tange; porque ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra.” (Ezequiel 33:31-32).

Dai o posicionamento do apóstolo Paulo:

“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei.” (Romanos 3:28).

Nessa conclusão paulina tem um elemento que difere do discurso de Tiago: a fé!

O apóstolo Paulo destaca a fé através do substantivo grego πίστις (pistis), para dar a entender que o homem é justificado pelo evangelho, pois é no evangelho que se descobre a justiça de Deus (Romanos 1:16-17).

Tiago também fez uso do substantivo grego πίστις (pistis), entretanto, destaca o que a pessoa diz, ou seja, que acredita em Deus (tenho fé em Deus), e não o que justifica o homem: o evangelho (fé). Tiago utiliza o substantivo πίστις (pistis), para enfatizar o verbo πιστεύω (pisteuó), que é acreditar, e o apóstolo dos gentios utiliza o termo para destacar a causa da justificação.

Quem diz acreditar em Deus, como era o caso dos judeus, e busca estabelecer a sua própria justiça por meio da lei, não se sujeita à justiça de Deus. Se sujeitar é acatar, obedecer, consequentemente, se fazer servo. Israel buscou a lei da justiça, mas não alcançou a lei da justiça, pois tropeçaram na pedra de tropeço, Cristo, a fé manifesta (Romanos 9:31-32; Gálatas 3:23).

“Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus, e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê.” (Romanos 10:3-4).

Na abordagem paulina, o termo πίστις (pistis) é utilizado para contrapor dois sistemas doutrinários: a lei de Moisés (obras da lei) e o evangelho (pregação da fé), diferentemente da abordagem de Tiago, que o substantivo πίστις (pistis) destaca o que a pessoa diz acreditar.

“Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? Será em vão que tenhais padecido tanto? Se é que isso também foi em vão. Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?” (Gálatas 3:2-5).

Por que o apóstolo destaca a inutilidade da lei aos cristãos da Galácia? Porque a lei trás somente a consciência do pecado, e não tem em si poder para resgatar o homem do pecado.

“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada.” (Gálatas2:16);

“E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê.” (Atos 13:39).

 

A pregação da fé

Como é próprio a Calvino, em meio as suas explicações, ele não poupa os seus opositores de termos deletérios como: vazios, tolos, sofistas, etc. Mas, aqui se faz necessário questionar: Quem Deus salva? Qual o meio de salvação?

Segundo o apóstolo Paulo, Deus salva especificamente os crentes, e o meio de salvação é a doutrina do evangelho.

“Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (1 Coríntios 1:21).

A ‘loucura da pregação’ é um modo de se referir ao evangelho, que também é nomeado: Cristo, a palavra da cruz, o poder de Deus, Cristo crucificado, sabedoria de Deus, testemunho de Deus, etc.

“Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus (…) Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus.” (1 Coríntios 1:18 e 23-24; 2:1-4).

Apesar de Deus salvar os crentes, nem todos obedecem ao evangelho, como se lê:

“Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: SENHOR, quem creu na nossa pregação?” (Romanos 10:16).

Isso significa que o evangelho é um mandamento que deve ser acatado, obedecido:

“Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador;” (Tito 1:3).

Os crentes obedeceram a pregação da fé, e por isso foram chamados ao propósito que Deus estabeleceu em Cristo, sendo, portanto, eleitos e predestinados. Isso significa que Deus escolheu os crentes, ou seja, os fiéis, pois ao obedecerem ao evangelho, foram gerados de novo. Na condição de geração eleita, as novas criaturas foram chamados ao propósito eterno.

Calvino afirma que não é dessa forma:

Há um grande número nestes dias que dirão: “Quem Deus escolheu, a não ser os fiéis?” Eu concordo com isso, mas eles tiram uma maligna consequência disso e dizem que a fé é a causa, sim, a primeira causa de nossa salvação. Se eles a chamassem de causa intermediária, isso seria, certamente, verdadeiro, pois a Escritura diz: “Pela graça sois salvos mediante a fé” (Ef 2:8). Mas devemos ir mais alto, pois se eles atribuem a fé ao livre-arbítrio dos homens, eles blasfemam contra Deus perversamente, e cometem um sacrilégio. Devemos ir ao que a Escritura nos demonstra, a saber, que quando Deus nos dá a fé, devemos saber que não somos capazes de receber o evangelho, a não ser que ele nos molde pelo Espírito Santo.” Idem.

Calvino não compreendeu as Escrituras. A fé é a causa da salvação, e não, como ele afirma, que a fé é a causa intermediária da salvação.

Quando o apóstolo Paulo afirma que pela graça sois salvos mediante a fé (Efésios 2:8), o que está sendo destacado é o evangelho na qualidade de pregação da fé. O que está sendo enfatizado é a fé πίστις (pistis) como doutrina, e não a fé πιστεύω (pisteuó) como crença.

Salvo por meio da fé πίστις (pistis) significa ser salvo por Cristo ou, pela palavra da cruz ou, pelo poder de Deus ou, por Cristo crucificado ou, pela sabedoria de Deus ou, pelo testemunho de Deus, ou pela loucura da pregação, etc.

“Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” (Efésios 1:13).

Calvino confunde a causa da salvação, a fé como pregação, com a consequência do mandamento, que é acreditar. Não coaduno com a doutrina arminiana, entretanto, verdade seja dita, a fé pela qual os homens são salvos diz da fé dada aos santos, que deve ser defendida com grande combate e guardada imaculada (Judas 1:3; Filipenses 1:23).

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.”  (2 Timóteo 4:7).

O combate do apostolo Paulo foi se postar em defesa do evangelho (Filipenses 1:17), a morte era o fim da carreira, e a fé, que ele guardou, diz do evangelho (1Coríntios 16:13; 1 Tessalonicenses 3:8).

“Se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé, e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro.” (Colossenses 1:23).

Calvino desconhece um recurso linguístico conhecidíssimo, metonímia, que é destacar o autor pela obra. Quando é dito ‘salvos mediante a fé’, o apóstolo Paulo destaca o autor, Cristo, pela sua obra!

“Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus.” (Hebreus 12:2).

Como não há outro nome pela qual os homens devam ser salvos, e Cristo é o autor e consumador da fé, conclui-se que os cristãos são salvos por meio da fé, Cristo, o dom gratuito de Deus.

A fé (evangelho) é a única causa da salvação, por isso, não há como crer se não houver quem pregue. Em decorrência dessa verdade, foi anunciado primeiramente o evangelho a Abraão.

“Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” (Romanos 10:14);

“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.” (Gálatas 3:8).

Erro primário de Calvino achar que Efésios 2, verso 8, trata da questão ‘acreditar’, o que seria, segundo a ótica dele, a causa intermediária da salvação. Fica evidente o erro de Calvino ao consubstanciar que a fé que salva tem relação com o livre-arbítrio do homem, bem como, que a fé concedida por Deus difere do evangelho recebido.

Enquanto o apóstolo Paulo destaca que os cristãos são salvos por intermédio de Cristo, a fé manifesta na plenitude dos tempos (Gálatas 3:23), Calvino, equivocadamente, atribui a capacidade de acreditar do indivíduo a uma ação secreta do Espírito Santo. A pregação do evangelho, na visão de Calvino, não é o testemunho de Deus acerca do Seu Filho, e sim, a voz do homem.

“Não é suficiente para nós ouvirmos a voz do homem, a menos que Deus trabalhe dentro de nós, e fale em nós de uma forma secreta pelo Espírito Santo, e a partir daí vem a fé.” Idem.

Calvino contraria o exposto pelo apóstolo dos gentios:

“Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes.” (1 Tessalonicenses 2:13).

Para dar suporte ao seu erro, Calvino lança mão de outro versículo:

“E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna.” (Atos 13:48).

Grande celeuma envolve esse versículo, mas, geralmente, desconsideram o seu contexto ao interpretá-lo.

O apóstolo Paulo e Barnabé fizeram uma exposição em uma sinagoga em Antioquia, da Pisídia (Atos 13:14), e ao final, alertou os ouvintes sobre o que estava escrito nos profetas:

“Vede, pois, que não venha sobre vós o que está dito nos profetas: Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei; Porque opero uma obra em vossos dias, obra tal que não crereis, se alguém vo-la contar.” (Atos 13:40-41).

Os ‘desprezadores’ a que o profeta Habacuque fez alusão refere-se aos filhos de Israel, que deveriam olhar entre os gentios e ver a obra que Deus estava realizando. À época de Habacuque tal obra era o suscitar os caldeus como vara da correção de Deus para punir os filhos de Israel (Habacuque 1:6), e à época dos apóstolos, outra obra estava sendo realizada por Deus.

Após saírem os judeus da sinagoga, os gentios cercaram o apóstolo Paulo e Barnabé e pediram que lhes fosse anunciado as mesmas palavras do discurso. Como houve grande confluência de pessoas no sábado seguinte à sinagoga, os judeus ficaram com inveja e, enquanto o apóstolo fala, eles contradiziam o que era dito pelo apóstolo (Atos 13:44-45).

Diante da rejeição dos judeus, o apóstolo Paulo fez a seguinte declaração:

“Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós se vos pregasse primeiro a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios;” (Atos 13:46).

O apóstolo destaca que era necessário pregar aos judeus primeiramente, mas como rejeitaram a palavra de Deus, agora seria anunciado o evangelho aos gentios, e apresenta uma justificativa nas Escrituras:

“Porque o Senhor assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até os confins da terra.” (Atos 13:47).

Diante da passagem do profeta Isaias que autorizava o apóstolo Paulo anunciar o evangelho aos gentios, os gentios, por sua vez, ‘se alegraram e glorificavam a palavra do Senhor’ (Isaias 49:6).

Perceba que o verso em comento possui duas partes:

  1. “E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e…”
  2. “… creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna.” (Atos 13:48).

A parte ‘a’ decorre da citação do profeta Isaias, vez que, os gentios se alegraram glorificaram pelo fato do que Deus havia mandando os apóstolos pregarem aos gentios.

A parte ‘b’ refere-se aos gentios, visto que, diferentemente dos judeus que rejeitara, todos os gentios creram na palavra do Senhor, segundo o que estava estabelecido: Eu te pus para luz dos gentios! O verbo grego τάσσω (tassó) não se refere a indivíduos designados para salvação, antes que Deus designou os gentios para salvação, visto que Jesus é apresentado como luz para os gentios, o que não ocorre com os judeus.

“Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que por mim fosse cumprida a pregação, e todos os gentios a ouvissem; e fiquei livre da boca do leão.” (2 Timóteo 4:17).

Olha que confusão:

“Ele não diz que Deus nos escolheu porque temos ouvido o evangelho, mas por outro lado, Ele atribui a fé que nos é dada como a mais alta causa, a saber, porque Deus tem preordenado que Ele iria nos salvar, vendo que estávamos perdidos e rejeitados em Adão.” Idem.

Como desfazer a confusão de uma mente tão perturbada, que acha que a natureza do ‘evangelho ouvido’ é diferente da ‘fé que é dada’? O ‘evangelho ouvido’ é o mesmo que a ‘fé dada’, o firme fundamento para os que creem na pregação da fé.

 

[1] Disponível em: https://reformedsermonarchives.com/cal8.htm, traduzido por Emerson Campos Pinheiro.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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