E possível escravizar a vontade de um indivíduo? Na história da humanidade nunca se ouviu falar que os escravos tiveram as suas vontade sujeitadas, embora fossem impossibilitados de serem livres por questões legais.
A escravidão da vontade
Conteúdo do artigo
A questão
– “Pode um ser humano, voluntariamente e sem qualquer ajuda, voltar-se para Cristo para ser salvo de seus pecados”?
Há um problema quanto à formulação da questão acima. A pergunta, diante da verdade do evangelho, é descabida e não comporta uma resposta correta, pois, invariavelmente, todos quantos se propuser a respondê-la, seja com um sim ou um não, serão induzidos a erro.
Questão histórica
Diante desta pergunta, tanto a resposta de Lutero quanto a de Erasmo foram equivocadas, pois a pergunta contém um erro na sua formulação que não corresponde à verdade do evangelho.
Uma pergunta que ficou sem resposta da parte de Cristo foi: “O que é a verdade?”. Ora, Jesus havia dito a Pilatos que veio dar testemunho da verdade, e Pilatos, cheio de conhecimento filosófico, questionou de modo sarcástico: Que é a verdade?
Qualquer resposta que Cristo estabelecesse diante da pergunta, seria inócua, pois Cristo estava testemunhando de Deus e Pilatos estava focado em questões de ordem filosóficas. Portanto, a melhor resposta é o silêncio, pois aquele que responde ao tolo segundo a sua tolice é semelhante ao tolo “Não respondas ao tolo segundo a sua estultícia; para que também não te faças semelhante a ele” ( Pv 26:4 ).
Se Jesus se detivesse e respondesse Pilatos segundo a filosofia, seria tão somente mais um filósofo, o que é diferente de dar testemunho da verdade. Pilatos não achou crime algum em Cristo, porém, a pergunta ‘Que é a verdade’ foi um modo de desprezar a pessoa de Cristo “Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum” ( Jo 18:38 ).
Certa feita Jesus foi abordado por um ‘doutor’ da lei que lhe perguntou: “Mestre, qual é o grande mandamento na lei?” ( Mt 22:36 ). Jesus respondeu segundo a lei: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento” ( Mt 22:37 -38).
Como se verifica através do testemunho do evangelista Marcos, nada Jesus declarava aos homens a não ser por parábolas “E sem parábolas nunca lhes falava; porém, tudo declarava em particular aos seus discípulos” ( Mc 4:34 ), e a resposta de Jesus foi uma parábola, visto que o mestre da lei seguia tais ensinamento, porém, ainda não havia se achegado a Deus com entendimento. A resposta que Jesus deu ao mestre da lei era uma resposta ao ‘tolo’ segundo a sua estultícia “Responde ao tolo segundo a sua estultícia, para que não seja sábio aos seus próprios olhos” ( Pv 26:5 ).
Ao interrogar a Cristo, o doutor da lei queria experimentá-lo, porém, a resposta foi a altura da sua tentativa de experimentá-lo. A resposta de Cristo agradou o mestre da lei, o mestre legalista permaneceu em pecado, pois apesar de ‘ver’ não enxergava “Para que, vendo, vejam, e não percebam; e, ouvindo, ouçam, e não entendam; para que não se convertam, e lhes sejam perdoados os pecados” ( Mc 4:12 ); “E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar …” ( Mt 22:35 ).
Mas, analisemos a questão:
“Pode um ser humano, voluntariamente e sem qualquer ajuda, voltar-se para Cristo, para ser salvo de seus pecados?”.
- Observe que a humanidade estava alienada de Deus e que Cristo foi enviado para desfazer a barreira de separação que havia entre Deus e os homens. Observe também que Cristo é o caminho que conduz o homem a Deus ( Mt 7:13 ). Ele é o novo e vivo caminho ( Hb 10:20 ). Ele mesmo disse: “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” ( Jo 14:6 ).
Ou seja, a pergunta deveria ser a seguinte: Pode um ser humano, voluntariamente e sem qualquer ajuda, voltar-se para Deus, para ser salvo de seus pecados? Neste caso a resposta é não, pois sem Cristo-homem, que é o medidor entre Deus e os homens, não há como o homem, mesmo que voluntariamente, alcançar, voltar-se para Deus.
Ou seja, o pecado é uma barreira de separação erguida entre Deus e os homens por causa da desobediência de Adão, e Cristo é o mediador entre Deus e os homens, portanto, o homem só pode achegar-se a Deus por intermédio de Cristo. Não é o homem que se achega a Cristo, antes é Ele que veio até os homens anunciando boas novas de salvação. Ele é o advogado, o mediador, a ajuda que o homem necessita para ‘voltar-se’ para Deus.
Um exemplo claro é o povo de Israel, que se escudavam na lei mosaica na tentativa de se voltarem para Deus, porém, não conseguiam, pois lhe faltava o entendimento necessário, que é Cristo ( Rm 10:2 ).
- O povo de Israel é um exemplo claro de que o homem pode, voluntariamente e até mesmo com a ajuda de outros semelhantes e da lei voltar-se para Deus, mais isto não significa que, por meio da voluntariedade irá alcançá-lo.
Ou seja, a pergunta deveria ser específica, inquirindo se é possível a alguém que busque voltar-se para Deus sem a compreensão (boas novas do reino, evangelho, etc.) fornecida pelo mediador, que é Cristo, alcançar a Deus e ser salvo da condenação do pecado.
A descrição do salmo 49 aplica-se ao povo de Israel, pois eles confiavam em suas riquezas e que poderiam salvar aos seus semelhantes “Aqueles que confiam na sua fazenda, e se gloriam na multidão das suas riquezas, Nenhum deles de modo algum pode remir a seu irmão, ou dar a Deus o resgate dele (Pois a redenção da sua alma é caríssima, e cessará para sempre)” ( Sl 49:6 -8).
Qual era a fazenda de Israel? A sua descendência segundo a carne de Abraão. Esta era a ‘riqueza’ na qual o povo de Israel estava confiado que haviam adquirido a salvação.
- De que pecado a pergunta faz referência? A condição herdada de Adão, que alienou todos os homens de Deus? Ou diz de questões comportamentais provenientes da moral dogmática platonista e aristotélica introduzida no cristianismo por Santo Agostinho e São Tomas de Aquino? O pecado refere-se aos sete pecados capitais, ou a condição decorrente da queda de Adão?
Ora, se o homem for um seguidor da filosofia de Platão e de Aristóteles, pelo ascetismo conseguirá livrar-se dos ‘pecados’ que foram classificados em capitais, que inicialmente eram oitos. De igual modo, se for um seguidor do budismo, hinduísmo, judaísmo, ver-se-á salvo de tais práticas de cunho moral. Mas, seria isto salvação do pecado? Não! Salvação do pecado não se dá por ascese, antes se dá pelo lavar regenerador: novo nascimento.
A pergunta que cabe uma resposta é a seguinte: Pode um ser humano, voluntariamente e sem a mediação de Cristo, voltar-se para Deus, para ser salvo da condenação herdada de Adão? A resposta é não, pois não há outro nome pelo qual devamos ser salvos! “E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” ( At 4:12 ).
As bases do argumento de Lutero contra o livre-arbítrio
Lutero tomou como base o verso 18 do capítulo 1 de Romanos para introduzir o seu primeiro argumento: ‘A culpa universal da humanidade prova que o “livre-arbítrio” é falso’.
O que diz Romanos 1, verso 18? Para compreender a abordagem paulina faz-se necessário analisar o contexto onde foi inserido o verso 18 do capítulo 1.
O contexto mostra que o apóstolo Paulo escreveu aos cristãos em Roma, porém, devemos visualizar dois subgrupos de cristãos: os convertidos dentre os gentios e os convertidos dentre os judeus.
Após a apresentação inicial e louvor ao evangelho de Cristo ( Rm 1:1 ao 17), o apóstolo demonstra a condição reprovável dos gentios, exposição que os judeus plenamente acatavam ( Rm 1:18 à 32). Porém, no capítulo 2, verso 1 em diante, o apóstolo Paulo direciona as suas observações de modo a demonstrar que a condição dos judeus em nada é diferente da dos gentios, mesmo sendo descendentes da carne de Abraão e possuidores da lei mosaica.
Ou seja, a base de argumentação do apóstolo fixa-se em demonstrar que, embora os judeus tenham recebido a lei e a circuncisão da carne, em nada eram diferentes dos gentios, e que tudo o que a lei dizia, dizia aos que estavam sob a lei, com um único objetivo: demonstrar ao judeus que, ambos os povos, judeus e gentios, eram escusáveis diante de Deus “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” ( Rm 3:19 ).
Em suma, segue o exposto pelo apóstolo: “Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado” ( Rm 3:9 ).
Analisemos o exposto por Lutero:
“Em Romanos 1.18, Paulo ensina que todos os homens, sem qualquer exceção, merecem ser castigados por Deus (…) Se todos os homens possuem ‘livre-arbítrio’, ao mesmo tempo que todos, sem qualquer exceção, estão debaixo da ira de Deus, segue-se daí que o ‘livre-arbítrio’ os está conduzindo a uma única direção — da ‘impiedade e da iniquidade’. Portanto, em que o poder do ‘livre-arbítrio’ os está ajudando a fazer o que é certo? Se existe realmente o ‘livre-arbítrio’, ele não parece ser capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação, porquanto os deixa sob a ira de Deus” Lutero, Martinho, versão condensada e de fácil leitura do clássico de Martinho Lutero, A Escravidão da Vontade, publicada inicialmente em 1525. Preparado por Clifford Pond Editor Geral: J.K. Davies, B.D., Th.D. EDITORA FIEL da MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA (grifo nosso).
Há várias imprecisões no parágrafo acima que invalida a proposição inicial. Vejamos:
a) Todos os homens merecem ser castigados por Deus– A Bíblia demonstra que todos os homens estão destituídos da glória de Deus, ou seja, todos formam julgados e apenados com a morte. Todos já foram julgados e apenados, e do julgamento e condenação adveio a pena: perdição “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação…” ( Rm 5:18 ). O castigo não será impingido no futuro, antes já houve um juízo e já foi atribuída uma pena: condenação, morte, alienação. A asserção ‘os homens (…) merecem ser castigados por Deus’ é descabida, pois um só pecou e todos pecaram. Um só morreu e todos morreram, ou seja independente de merecimento ou não, todos quanto nasceram segundo a carne de Adão já foram apenados com a separação de Deus: morte ( 1Co 15:21 – 22).
b) O ‘livre-arbítrio’ os está conduzindo a uma única direção – A Bíblia demonstra que todos os homens, exceto Cristo, entraram por uma porta larga (Adão), e estão em um caminho largo que os conduz à perdição, ou seja, não é o ‘livre-arbítrio’ que conduz os homens a perdição, antes é o caminho em que estão, após terem entrado pela porta larga, que os conduz à perdição ( Mt 7:13 -14);
c) Em que o poder do ‘livre-arbítrio’ os está ajudando a fazer o que é certo – Ora, a salvação não se vincula ao que é certo ou errado, antes em aceitar a verdade do evangelho. Tudo que o homem faz pode ser certo e errado, no entanto, seus erros e acertos não contribui para salvação ou contribuíram para a perdição, pois a perdição vincula-se ao caminho em que o homem está após ser gerado segundo a carne; os homens se perderam por nascerem segundo a carne de Adão, e não por fazerem coisas erradas;
d) O ‘livre-arbítrio’ não parece ser capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação – Nada ajuda o homem a atingir a salvação, e o livre arbítrio também não. Primeiro porque o único que se perdeu em decorrência de exercer o livre-arbítrio foi Adão e, em segundo lugar, todos os seus descendentes foram condenados a perdição sem a necessidade de exercerem o livre-arbítrio. O único que conduz os homens a Deus é Cristo, a porta e o caminho estreito que conduz o homem a vida;
e) O ‘livre arbítrio’ (…) os deixa sob a ira de Deus – Estar ou não sob a ira de Deus não é uma questão de ‘livre-arbítrio’, antes uma questão de filiação. Todos os filhos da desobediência são filhos da ira, ou seja, os filhos da ofensa de Adão é o que estabeleceu a ira de Deus sobre os homens. Havia um livre-arbítrio capaz de livrar o homem da condenação, o que Adão possuía antes da ofensa. Após o julgamento e a condenação, livrar-se da ira não é uma questão de livre-arbítrio, mas de mediador.
Quando o apóstolo Paulo diz no verso 18, do capítulo um que a ira de Deus se manifesta sobre a impiedade e injustiça dos homens que detém a verdade em injustiça, ele faz referencia a todos os homens que não conhecem o evangelho de Cristo, sendo que os cristãos, já não estão sob a ira, visto que são um com a Verdade “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça ( Rm 1:18 ).
Porém, a ira de Deus ainda não é manifesta aos homens, pois os homens desconhecem que estão sob a condenação de Adão. Somente por meio do evangelho é possível o homem entender que o juízo já foi estabelecido por Deus no Éden. Mas, há um dia reservado para que se dê a conhecer aos homens o juízo de Deus, que será também o dia da ira, quando os homens descobrirão que estão sob condenação (morte) e, que cada um será retribuído segundo as suas obras “Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus” ( Rm 2:5 ).
Portanto, o julgamento que condenou Adão e todos os seus descendentes já ocorreu no Éden. Haverá um julgamento futuro, mas refere-se as obras dos homens ímpios, que de nada lhes aproveitarão, visto que estão condenados pela ofensa de Adão.
No capítulo um de Romanos, a partir do verso 18, o apóstolo Paulo demonstra que todos os homens estão sob condenação, tanto judeus quanto gentios. No verso 16 ele declara que o evangelho é poder de Deus, salvação a todos os que creem. Isso significa que, embora os judeus estivessem voltados a buscar a Deus, não teriam êxito, pois buscavam sem entendimento ( Rm 10:2 ).
Eles tinham forças, vontade, zelo, cuidado, etc., para voltar-se para Deus, porém, a despeito de tudo, em nada eram diferente dos gentios, ou seja, o apóstolo Paulo não condenava o ‘livre-arbítrio’ ou a falta de voluntariedade em buscarem a Deus, antes condenava a falta de ‘conhecimento’ ( Mc 12:24 ). Sobre este quesito, o apóstolo Paulo dá testemunho que, como judeu, o seu homem interior tinha prazer na lei de Deus ( Rm 7:22 ), e queria fazer o bem ( Rm 7:21 ), demonstrando a sua livre-vontade e voluntariedade, porém, embora a vontade fosse livre a escolha não é.
O próprio conceito de ‘livre-arbítrio’ que Lutero debate é descabido. Por quê? Porque em todos os tempos o homem teve somente livre-vontade, e a escolha nunca foi livre, pois se restringe ao que lhe é oferecido. Através da vontade é possível desejar tudo, até o impossível, porém, a escolha limita-se a um conjunto pré-definido.
Adão, antes da queda, possuía livre-vontade, pois podia desejar comer de todas as árvores do jardim, inclusive a do conhecimento do bem e do mal, porém, a escolha era restrita ao número de árvores disponíveis no jardim.
Com a ofensa, ele permaneceu com a livre-vontade, porém, a livre-escolha de permanecer livre da morte (condenação) foi-lhe retirada quando lhe foi imposta a pena: separação de Deus. A vontade de salvar-se surgiu, porém, foi posto um anjo com uma espada protegendo a entrada no jardim para que Adão não voltasse e comesse do fruto da árvore da vida. Isto indica que, apesar do pecado, a vontade de Adão era livre, o que motivou Deus colocar um anjo para proteger a árvore da vida “E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida” ( Gn 3:24 ).
Se considerarmos que ‘livre-arbítrio’ refere-se à vontade, temos que o homem possui livre-arbítrio. Se considerarmos que ‘livre-arbítrio’ refere-se à escolha, temos que o homem não possui livre-arbítrio. Mas, o que demonstra Gêneses três, verso vinte e quatro, é que o homem tinha o desejo livre para voltar e querer livrar-se da morte, porém, o caminho de acesso a Deus não era esse.
Portanto, para as considerações ulteriores, sempre falaremos de livre-vontade e de livre-escolha.
Quando se lê: “Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus” ( Rm 3:10 -11), temos que pensar nos judeus, que apesar de entenderem que buscavam a Deus, as Escrituras depunham contra eles, visto que ela diz que ‘não há um justo’ e que ‘não há ninguém que busque a Deus’, pois tudo o que a lei dizia, dizia aos que estavam sob ela, e não aos gentios “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” ( Rm 3:19 ).
Vale salientar o contexto do Salmo 53 que o apóstolo Paulo cita aos judeus convertidos que estavam em Roma: “Acaso não têm conhecimento os que praticam a iniquidade, os quais comem o meu povo como se comessem pão? Eles não invocaram a Deus” ( Sl 53:4 ). Quem são os obreiros da iniquidade? Quem comia o povo de Deus como se fosse pão? Não é uma referência aos lideres de Israel? Claro que sim, pois o que lhes faltava era o conhecimento ( Rm 10:2 ), portanto, não invocavam a Deus, se invocassem, por certo que seriam salvos “Porque todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo” ( Rm 10:13 ).
A conversão de qualquer pessoa acontece quando Deus envia o ‘mediador’, que é Cristo-homem, para que tudo que ele revele acerca de Deus possa desfazer a ignorância. A ignorância só é debelada quando é revelada a verdade do evangelho, que é poder de Deus. Sem o Mediador (Cristo) e o conhecimento (evangelho) que Ele apresenta, ninguém jamais poderia ser salvo.
Ninguém, durante toda a história humana, conceberia por si mesmo a realidade da ira de Deus sobre os filhos da ira, conforme nos ensina nas Escrituras: de que todos os homens entraram por uma porta larga e que estão sendo conduzidos à perdição.
Ninguém jamais sonhou em estabelecer a paz com Deus por intermédio da vida e da obra de um Salvador singular, o Mediador entre Deus e os homens, pois somente através de um mediador é que os homens são conduzidos a Deus através de um novo e vivo caminho.
O evangelho do mediador foi primeiramente anunciado a Abraão “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” ( Gl 3:8 ), mas os descendentes da carne de Abraão passaram a confiar na carne de Abraão, e não tiveram a mesma confiança (fé) que o crente Abraão, que teve por base da confiança o evangelho que lhe foi anunciado.
Confiar o povo judeu confiava, porém, não confiava que a salvação viria do Descendente, antes confiava que eram filhos de Deus por serem descendentes da carne de Abraão. A confiança (fé) deles não lhes aproveitou, pois ela não repousava sobre o Descendente, antes na carne de Abraão. Portanto, a salvação é pela fé, mas a confiança (fé) na fé que havia de se manifestar “Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” ( Gl 3:23 ).
Deus tomou a iniciativa de revelar-se aos homens, e assim o fez a Abraão. Ora, como o evangelho foi por revelação, segue-se que jamais o homem descobriria por si só como se salvar. E a revelação de Deus está no Mediador, o Descendente, alguém que o homem não poderia providenciar.
Aproximar-se de Deus não tem relação com o ‘livre-arbítrio’, pois os judeus procuravam aproximarem-se de Deus, o que indica que possuíam livre-vontade, porém, a escolha que fizeram em confiar da carne e na lei fez com que rejeitassem o Mediador estabelecido por Deus.
Por fim, a conclusão de Lutero não é acertada:
“Ora, se todos os homens são possuidores de ‘livre-arbítrio’, e todos os homens são culpados e estão condenados, então esse suposto ‘livre-arbítrio’ é impotente para conduzi-los à fé em Cristo. Por conseguinte, a vontade dos homens, afinal, não é livre” Idem.
A vontade do homem é livre, pois se assim não fosse, Deus não havia posto um querubim na entrada do jardim para impedi-lo de comer da árvore da vida. A vontade do homem é livre, pois os judeus buscavam a Deus, porém, sem conhecimento, e não alcançaram a salvação por rejeitarem a revelação de Deus. A vontade do homem é livre, porém, não há uma escolha de salvação fora da que Deus propôs em Cristo.
O segundo argumento de Lutero foi: “O domínio universal do pecado prova que o ‘livre-arbítrio’ é falso”.
A relação que Lutero procurou estabelecer entre ‘domínio universal do pecado’ e ‘livre-arbítrio’ não é prova.
O domínio universal do pecado prova, diferente do proposto por Lutero, que todos entraram neste mundo por Adão, evento que os sujeitou ao pecado, o que em nada depõe contra a livre-vontade daqueles que estão sendo conduzidos pelo caminho largo à perdição.
O que o apóstolo Paulo diz em Romanos 3, verso 9: “Que se conclui? Temos nós [os judeus] qualquer vantagem [sobre os gentios]? não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado”, tem o fito de demonstrar aos cristãos convertidos dentre os judeus que todos os homens, sem exceção, estão sob condenação.
A condenação da humanidade é uma condição semelhante à condição dos escravos: os escravos possuíam a ‘livre-vontade’ de serem livres, porém, a escolha não lhes era possível. A colocação de Lutero a seguir carece ser revista:
“Não somente são todos os homens, sem qualquer exceção, considerados culpados à vista de Deus, como também são escravos desse mesmo pecado que os torna culpados” Idem.
Os homens não são ‘considerados’ culpados, como disse Lutero, antes já foram julgados e apenados e estão sob condenação. Estar sob condenação é totalmente diferente de ser considerado culpado. A concepção de que ser escravo do pecado é o que torna o homem culpado é distorcida, visto que, o homem está sob condenação, uma condição que é ilustrada como escravidão ao pecado.
O fato de ser evidente que sem Deus não há quem faça o bem “…torna-se evidente que no homem não há poder que o capacite a praticar o bem” (Idem), não guarda relação com a incapacidade de se livrar da servidão ao pecado. Primeiro porque não é a prática do bem que tornar o homem livre do pecado, antes a liberdade do pecado só é possível através do evangelho como poder de Deus, a fé manifesta aos homens. Em segundo lugar, a prática do bem só é possível aos que estão em Deus, portanto, se o homem não está em Deus não há o que se falar em ‘poder que o capacite’.
Fazer o bem é condição ‘sine qua non’ dos servos da justiça, assim como é condição dos servos do pecado fazer o mal. O fazer o bem e o mal decorre da natureza, e além do mais, o bem e o mau em tela não guarda relação com questões de ordem moral, antes decorre da essência do ser. Assim como a árvore boa produz fruto bom, os servos da justiça praticam a justiça e o que é bom.
A escravidão ao pecado é universal porque todos os homens foram gerados de Adão, não importando se são retos ou melhores que seus semelhantes. Como já dissemos, ao nascer o homem entrou por uma porta larga que deu acesso a um caminho largo que conduz a perdição. Neste caminho não importa a razão, a vontade, a bondade, pois o que conduz a perdição é o caminho e não as escolhas do homem.
Ao fazer referência à passagem de Romanos 3, verso 10 a 12, Lutero diz que o significado do texto é perfeitamente claro, porém, fez uma leitura equivocado. Ora, se Deus é conhecido através da razão e vontade do homem, por que a natureza do homem deve ser levada em conta?
“O significado dessas palavras é perfeitamente claro. Deus é conhecido através da razão e da vontade humanas. Porém, nenhum ser humano, somente por sua natureza, conhece a Deus. Precisamos concluir, por conseguinte, que a vontade humana está corrompida e que o homem é totalmente incapaz, por si mesmo, de conhecer a Deus ou de agradá-Lo” Idem.
Lutero parece amalgamar razão e vontade com natureza. A natureza humana é imutável do ponto de vista dos homens, pois jamais um homem pode deixar de ser homem para ser anjo, ou até mesmo ser outro homem. Mas, o mesmo não se pode dizer da razão e da vontade, que são entes maleáveis e moldáveis.
Quando Deus se revelou na pessoa de Cristo, o Verbo encarnado, Ele deu a conhecer a verdade do evangelho que, quando compreendido muda a razão e a vontade do homem. A esta mudança dá se o nome de ‘arrependimento’ (metanóia), mudança de concepção, mudança de pensamento. Porém, a mudança de natureza só se dá através da regeneração, que é algo que somente Deus pode realizar, momento em que o homem passa a ‘conhecer’ (ter comunhão intima) a Deus, pois tornam-se um só corpo.
A ‘metanóia’ é transformação da razão, porém, conhecer a Deus não se dá através da razão, antes só é possível conhecer a Deus quando o homem torna-se um só corpo com o Filho. Conhecer a Deus é tornar-se um com Ele, portanto, é ser participante da natureza divina ( Jo 17:21 ; 2Pe 1:4 ).
Continua…
Muito bom esse comentário a respeito desse ( a escravidão da vontade) livro de Lutero. Gostaria do nome do seu canal no YouTube se possível ?
Graça e a Paz do Senhor Jesus. Amém
Lutero negou o ‘livre arbítrio’ como era empregado pelo seu grande oponente Erasmo e também pelos pelagianos e sofistas da sua época; e, com toda a sua perspicácia, supondo erradamente que o uso feito de ‘livre arbítrio’ por estes grupos era o único sentido da expressão, opôs-se ao seu emprego. Não obstante, ele atribuiu à vontade uma liberdade tal como é atribuída por outros reformadores e autores, definindo-a nas seguintes palavras: “Vontade, quer divina ou humana, faz o que faz, seja bem ou mal, não por qualquer compulsão senão por mero querer ou desejo, como se fossem totalmente livres” (Cativeiro da Vontade, pág. 41).
Olá Márcio..
A análise foi feita dentro do contexto da obra de Lutero.
Nesse sentido, vale destacar ainda mais o que você citou, vez que são colocadas em equivalência a vontade divina e a humana. Isto é próprio aos seres livres terem a vontade livre, fazerem o que fazem, isto desde que disponham do conhecimento do bem e do mal. Some-se a isso que fazem o que querem por quererem ou desejarem, ou seja, sem qualquer tipo de compulsão. Agora, vem a virgula! ‘Como se fossem totalmente livres’???? Deus não é livre? Deus é como se fosse totalmente livre? Se Deus é como se fosse livre, isso significaria que Ele não é livre, consequentemente ser livre seria uma falácia.
Neste diapasão, se a vontade de Deus é plenamente livre, e a do homem também, só pode significar que de fato ambas as vontades são livres. O que difere a vontade de Deus da do homem é que este não tem poder para realizar todas as suas vontades, o que inclui fantasias e Aquele dispõe de todo poder, inclusive e especialmente o criativo.
Agora, considerando o que diz um calvinista:
“Deus é auto-determinado, assim o homem, em todos os tempos. Deus sempre age segundo Sua escolha e faz como Lhe apraz, assim também o homem. Deus não pode transcender-se e agir contrário ao Seu caráter. Nem o homem o pode. Deus está sempre determinado para o bem. O homem natural está sempre determinado para aquilo que é espiritualmente mau.”,
Resta pontuar que os calvinistas sempre apresentam a auto-determinação, escolhas e ações de Deus e dos homens em pé de equivalência, como pontuou Thomas Paul Simmons, D.Th., na citação acima; mas, ao pontuar que o homem natural destoa de Deus em um quesito, dizendo que Deus sempre está determinado para o bem e o homem natural para o que é espiritualmente mal, evidencia-se um equivoco! Adão ao ser criado era carnal, terreno e natural, e, segundo Deus ‘bom’! Como Adão pode contrariar o seu caráter que era bom, se nem mesmo possuía o conhecimento do bem e do mal? Como adão tirou da sua perfeição algo imperfeito?
O grande erro está em achar que há problema na vontade do homem, como se a vontade do homem estivesse corrompida. Ora, Deus faz o mal e nem por isso dizemos que a sua vontade é má (Is 45:7).
O problema não estava na vontade de Adão, mas na lei, pois o pecado se mostrou excessivamente maligno quando pelo bem (lei) matou o homem!
“Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele me matou. E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno.” (Romanos 7 : 13).
O pecado não achou brecha na vontade, e sim, no mandamento que dizia: certamente morrerás. O aguilhão do pecado é a lei, e não a vontade do homem!
“Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.” (I Coríntios 15 : 56)
Att.
A citação foi tirada de: https://sites.google.com/site/mackenzietextos/livre-arbitrio-ou-livre-agencia?overridemobile=true