Crítica

A graça de Deus sobre todos os homens

Compartilhar:

Este artigo vai de encontro ao posicionamento teológico de John Owen, que consta de uma versão condensada do seu livro ‘A Morte da morte na morte de Cristo’, sob o titulo ‘Por quem Cristo morreu’.


A graça de Deus sobre todos os homens

“Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti.”  (Gálatas 3:8)

Introdução

Este artigo vai de encontro ao posicionamento teológico de John Owen, que consta de uma versão condensada do seu livro ‘A Morte da morte na morte de Cristo’, sob o titulo ‘Por quem Cristo morreu’.

No prefácio do seu livro, o Dr. John Owen alega que abordou o tema após ter sido consultado por diversas vezes, isto motivado pela exposição de Judas, que diz: “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos” (Judas 1:3).

O irmão Judas ao impor o dever de batalhar pela fé, não estava convocando os cristãos a defenderem as suas crenças pessoais, antes que defendessem a doutrina do evangelho, que muitas vezes no Novo Testamento também é denominado ‘fé’, ‘verdade’.

Em razão dessa ordem, o objetivo deste artigo não é defender questões pessoais, mas sim defender a verdade exarada nas Escrituras acerca da doutrina que uma vez foi dada aos santos.

 

Pressuposto

O Dr. Owen parte do pressuposto[1] de que a ‘Bíblia diz que a morte de Jesus Cristo foi como um pagamento para libertar os homens do pecado’ Owen, John, Por quem Cristo morreu? Editora PES, 2º Ed. 1996, Imprensa da fé, versão eletrônica em PDF. Pág. 13.

E ele conclui que, até essa afirmação esta tudo bem. Daí, pergunto: será? Se a morte de Cristo foi um pagamento, como se deu essa transação comercial? Quem pagou o que para quem? O pecado colocou à venda os seus servos?

Ora, a salvação do homem não se resume em uma transação comercial, como se o pecado fosse um senhor que negocia os seus escravos. Na verdade, a salvação é substituição de ato, obediência pela desobediência, para que Deus seja justo e justificador.

O apóstolo Paulo não aborda transação comercial, antes substituição de ato, de modo que haja justiça:

“Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida.” (Romanos 5:18).

O primeiro Adão desobedeceu a uma lei santa, justa e boa no Éden, e por seu ato ofensivo veio o juízo de Deus sobre todos os homens para condenação. Mas, para reparar este dano, o último Adão, que é Cristo teve que obedecer ao Pai em tudo: entregando-se aos pecadores para ser morto em uma cruz.

A morte de Cristo, apesar do seu imensurável valor em razão do resgate da humanidade, não pode ser confundido como se fosse uma moeda em uma transação comercial, ou um sacrifício que Cristo se propôs fazer. Na verdade, Cristo teve que obedecer a Deus, mesmo contra a sua vontade, e em razão disso se fez servo, morrendo morte de cruz.

Sem a morte de Cristo na havia um caminho pelo qual o homem tivesse acesso a Deus, mas pela sua carne entregue em obediência ao Pai, Cristo deu amplo acesso aos homens a Deus.

Como a morte de Cristo Deus pagou o pecado para deixar livres os homens? Não! Por duas razões: a) os servos do pecado não estavam à venda; b) o vínculo dos homens com o pecado só termina com a morte dos pecadores.

Sem a morte de Cristo, caso alguém morresse fisicamente, estava perdido por causa da condenação em Adão e seguia ao juízo de obras no Tribunal do Grande Trono Branco. Mas, como Cristo morreu, todos os que creem morrem juntamente com Ele para o pecado, e são de novo gerados de semente incorruptível e ressurgem uma nova criatura.

De modo que:

“Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram.” (2 Coríntios 5:14).

Se a morte de Cristo fosse como um pagamento como diz o Dr. Owen, não seria necessário a morte dos pecadores com Cristo. Quando Cristo morreu, não morreu como forma de pagamento, antes morreu para consagrar um novo e vivo caminho pelo véu, ou seja, pela sua carne.

“Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne,” (Hebreus 10:20).

A morte de Cristo não foi uma forma de pagamento, pois é impossível a mulher se ver livre da lei do marido por transação comercial.

“Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver, está-lhe ligada pela lei; mas, morto o marido, está livre da lei do marido.  De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei, e assim não será adúltera, se for de outro marido.  Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro, daquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus.” (Romanos 7:2 -4).

Enquanto o marido viver a mulher estará ligada pela lei ao marido. A mulher só estará livre do marido se este morrer. Não há outra forma. Por isso, pelo corpo de Cristo, os cristãos estão mortos para lei, e assim, passaram a pertencer a Deus.

O segredo para o homem se ver livre do pecado é morrer e ser sepultado com Cristo, pois só os mortos estão livres da servidão ao pecado.

“De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição;  Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado.  Porque aquele que está morto está justificado do pecado.” (Romanos 6:4 -7).

Deus não adquire pecadores para Si através da morte de Cristo. Na verdade, todos os pecadores que crerem no evangelho se conformam com Cristo na sua morte, de modo que o velho homem é crucificado, e o corpo que pertencia ao pecado é desfeito. Após os pecadores morrerem com Cristo, Deus por sua maravilhosa graça os faz ressurgir dentre os mortos uma nova criatura, e são estás criaturas que pertencem a Deus como servos da justiça.

 

A morte de Cristo

Toda a argumentação de Owen parte do pressuposto de que a Bíblia afirma que Jesus morreu como forma de pagamento, sendo que, na verdade, Jesus morreu pelos pecadores.

“Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” (Romanos 5:8).

Deus pagou quem com a morte de Cristo? Não há essa ideia na Bíblia. Na verdade, Cristo morreu a morte física em obediência ao Pai, e a morte física de Cristo é substitutiva, pois os pecadores não precisam morrer uma morte física.

“Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão.” (Isaías 53:10).

Entretanto, apesar de os pecadores não terem que morrer uma morte física, visto que Cristo morreu em lugar dos pecadores, todos os pecadores precisam morrer para o pecado antes que possam viver para Deus.

Do ponto de vista da morte física, a morte de Cristo é substitutiva, mas como está determinado que ‘a alma que pecar essa mesma morrerá’, do ponto de vista espiritual, a pena não pode passar da pessoa do transgressor: o pecador tem que morrer (Ezequiel 18:20).

Sem a morte do pecador não há libertação do pecado, pois o pecado é um senhor que não vende os seus escravos, visto que o salário do pecado é a morte (Romanos 6:23). O servo do pecado só é livre do pecado quando morre para quem estava retido, de modo que quando o pecador morre com Cristo está livre da lei e do pecado.

“Mas agora temos sido libertados da lei, tendo morrido para aquilo em que estávamos retidos; para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra.” (Romanos 7:6).

Para compreender o significado da morte de Cristo, se faz lembrar o ordenado por Deus a Arão após a morte dos seus dois filhos. Arão deveria entrar no santuário com um novilho para expiação do seu pecado e um carneiro para holocausto. Com relação ao povo, Arão precisava de dois bodes para expiação do pecado do povo e um carneiro para holocausto (Levítico 16:5).

Arão deveria lançar sorte sobre os bodes, de modo que um pertenceria ao Senhor para ser imolado, e o outro seria o bode emissário (Levítico 16:6). O bode cuja sorte caiu e que pertencia ao Senhor seria oferecido para expiação do pecado do povo, mas o outro bode seria o emissário, seria apresentado vivo perante Deus para se fazer expiação com ele (Levítico 16:10).

O primeiro bode representa a morte substitutiva de Cristo, pois ninguém precisa ser pendurado no madeiro à semelhança de Cristo para ser liberto do pecado (Levítico 16:15 -16).

Como a transgressão não pode passar da pessoa do transgressor, o sacerdote chamava o bode emissário, e colocava ambas as mãos sobre a cabeça do bode vivo e confessava (admitia) as transgressões, os pecados e as iniquidades de todos os filhos de Israel e, por mão de um homem designado para tal, o bode era conduzido ao deserto (Levítico 16:21 -22).

O que simbolizava o bode emissário? Que cada indivíduo dará conta de si mesmo a Deus, e após admitir que é pecador, deve ser conduzido fora do arraial ao deserto, onde será morto com Cristo.

“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?  De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.  Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição;” (Romanos 6:3 -5).

Observe que o batismo na morte de Cristo é essencial à doutrina do evangelho, pois sem ser plantado juntamente com Ele na semelhança da sua morte não há como ser ressuscitado juntamente com Ele.

“Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer.” (1 Coríntios 15:36).

O valor da morte de Cristo está em que todos que creem n’Ele, igualmente morrem com Ele.

“Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram.” (II Coríntios 5:14).

Isto posto, não podemos aquiescer da premissa do Dr. John Owen de que ‘a morte  de Cristo foi um resgate, ou pagamento’, quer seja por alguns ou por toda a raça humana.

“No qual também estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, a circuncisão de Cristo; Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos.” (Colossenses 2:11 -12).

 

Persuasão

O apostolo Paulo alertou os cristãos a não se deixarem enganar por palavras persuasivas (Colossenses 2:4; Efésios 5:6).

Uma das artimanhas da persuasão é fazer perguntas com base em um pressuposto, de modo que o interlocutor fica sem opções a considerar em razão do pressuposto, e adote o posicionamento que lhe é apresentado.

John Owen apresenta o pressuposto de que a morte de Cristo foi como um pagamento para libertar os homens do pecado, e em momento algum faz referência à necessidade de o pecador ser batizado na morte de Cristo.

Se o leitor do Livro do Dr. Owen não considerar a questão do batismo na morte de Cristo, a pergunta que é introduzida a seguir: “A morte de Cristo libertou todos os homens, ou somente alguns homens, dos seus pecados?”, deixa abertura para qualquer ensinamento divorciado das Escrituras.

Devemos analisar com cuidado, pois mesmo uma premissa verdadeira pode dar azo a inverdades. Como pode ser isso?

Elifaz, um dos amigos de Jó, tendo por base uma pergunta decorrente de premissas verdadeiras, alimentou inverdades acerca da condição de Jó.

Tendo por base o que ouviu em uma visão noturna durante o sono: “Pode o homem mortal ser mais justo do que Deus? Pode o homem ser mais puro do que o seu Criador?” (Jó 4:17), Elifaz equivocadamente acusou Jó de pecado.

As perguntas de Elifaz por causa do ‘mais’ só tem como resposta um sonoro ‘não’, entretanto, mesmo sendo impossível aos homens serem ‘mais’ justos ou ‘mais’ puros que o Criador, tal premissa não autorizava Elifaz acusar Jó de pecado.

Com base na premissa: ‘se a morte de Cristo foi como um pagamento para libertar os homens do pecado’, o Dr. Owen argumenta que, ‘se dissermos que a morte de Cristo foi por todos, então não podemos ao mesmo tempo dizer que foi apenas por aquelas pessoas a quem Deus escolheu’.

Se o posicionamento doutrinário do Dr. Owen, de que não podemos ao mesmo tempo dizer que foi apenas por aquelas pessoas a quem Deus escolheu’ não comporta a verdade de exarada nas Escrituras, de que Cristo morreu por toda humanidade, então tal posicionamento doutrinário deve ser descartado, pois o que importa é o exposto nas Escrituras:

“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens,” (Tito 2:11).

Cristo é a graça de Deus manifesta conforme predito pelos santos profetas, e por Ele foi providenciado salvação a todos os homens, vez que Ele morreu pelos ímpios.

“Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios.” (Romanos 5:6).

Ora, Jesus não morreu somente ‘por aquelas pessoas a quem Deus escolheu’, um pressuposto calvinista, visto que, a seu tempo, Cristo morreu pelos ímpios, o que significa que Jesus morreu por todos os descendentes de Adão, pois todos os descendentes de Adão são ímpios.

O pressuposto seguinte do Dr. Owen é mais esdrúxulo, de que se Cristo morreu por todos, então Deus não precisava escolher um povo especial’, ou, ‘se Deus escolheu um povo especial, então Cristo não precisava morrer por todos’.

Para entender essa questão do Dr. Owen, precisamos verificar a asserção paulina de que Deus escolheu para si um povo especial? Observe:

“Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo; o qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras.” (Tito 2:11 -14).

Primeiro o apóstolo Paulo afirma que Cristo se manifestou e trouxe salvação a todos os homens, cumprindo-se assim as profecias bíblicas de que ‘em Abraão seriam benditas todas as famílias da terra’ (Gênesis 12:3), ou ‘que Deus derramaria do seu espírito sobre toda carne (Joel 2:28).

Devemos nos lembrar do anunciado por Moisés, de que a doutrina de Deus deveria ser gotejada como a chuva e a palavra de Deus como o orvalho, como chuvisco sobre a erva, e como gotas de água sobre a relva (Deuteronômio 32:2), e do alerta de Isaías, de que todos os homens são como a erva, e que o povo é erva (Isaías 40:6 -8), portanto, todos os homens necessitam da palavra de Deus que subsiste eternamente (1 Pedro 1:24 -25).

Ao enfatizar que a graça manifesta trouxe salvação a todos os homens, o apóstolo Paulo estava destacando que Deus não fez acepção de pessoas, manifestando a graça somente aos judeus, antes que a graça foi dada a todos os homens (judeus e gentios).

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15).

Se esse ponto não fica esclarecido, que o evangelho é para toda criatura, todo homem, todos os povos, etc., todos os cristãos convertidos dentre o judaísmo teriam que ter uma visão semelhante a que o apóstolo Pedro teve, quando viu um vaso como toda espécie de animal imundo, para poder chagar a seguinte conclusão:

“E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas; Mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo. A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo (este é o SENHOR de todos);” (Atos 10:34 -36).

A graça revelada em Cristo ensina aos homens (nós) que é necessário renunciar à impiedade e às concupiscências, e que se viva no tempo presente sóbria, justa e piamente esperando a volta de Cristo.

A graça ensina as questões elencadas acima, justamente por que Cristo entregou a si mesmo pelos homens (nós), objetivando remir os homens de toda iniquidade, purificando assim um povo como sua propriedade, o que os torna especial, zeloso de boas obras.

Qual o objetivo do Dr. Owen ao utilizar o termo ‘escolher’ em lugar do termo ‘purificar’, ao dizer ‘então Deus não precisava escolher um povo especial’? Por que a questão que está em voga no seu livro não é ‘Por quem Cristo morreu?’, e sim, enfatizar a doutrina calvinista.

“… o qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras.” (Tito 2:14).

 

Morte como pagamento

Até aqui analisamos os dois primeiros parágrafos da Introdução do livro do Dr. John Owen.

Agora, vamos à aplicação que o Dr. Owen fez do pressuposto de que a morte de Cristo foi um resgate, ou pagamento, por toda a raça humana.

O Dr. Owen alega que, se a morte de Cristo foi um resgate, ou um pagamento por toda humanidade (friso que a Bíblia não diz isto), que resta dois posicionamentos:

  • Todos os homens têm o poder para aceitar ou rejeitar aquela redenção; ou
  • Todos os homens realmente são redimidos por Cristo, tenham eles conhecimento disso ou não.

Em seguida, no último parágrafo da página 13, o Dr. Owen equipara a falácia de que ‘a morte de Cristo foi um resgate, ou um pagamento por toda a humanidade’, como a verdade de que ‘Cristo morreu por todos os homens’, como se ambas as asserções fossem equivalentes, o que não é. A Bíblia afirma que Cristo morreu por todos os homens, mas não afirma que a morte de Cristo é resgate ou pagamento por todos os homens.

Faremos a analise dos dois pontos apresentado por Owen tendo por base o posicionamento bíblico, de que Cristo morreu por todos, e não só pelos ‘escolhidos’, segundo o que apregoa o calvinismo.

O Dr. Owen alega que a morte de Cristo por todos os homens só poderia ser real se um dos dois pontos fosse verdadeiro, posicionamento que aquiesço.

O Dr. Owen afirma que o primeiro posicionamento: ‘Todos os homens tem o poder para aceitar ou rejeitar aquela redenção’, nega o ensino bíblico de que todos os homens estão irremediavelmente perdidos no pecado e em si mesmos não tem poder para se achegar a Cristo.

Há um erro no ensinamento que o Dr. Owen apresenta como bíblico em desfavor do primeiro ponto.

Primeiro, a Bíblia afirma que todos os homens estão perdidos no pecado, porém, essa é uma situação remediável por Deus, pois aos homens é impossível se salvarem, mas para Deus tudo é possível (Marcos 10:27). A Bíblia afirma que todos os homens estão perdidos no pecado, o ‘irremediavelmente’ é acréscimo desnecessário.

Segundo, a Bíblia afirma que em si mesmo o homem não tem poder de se achegar a Deus, e não a Cristo. Como o homem não podia se achegar a Deus em razão do pecado, Deus enviou o seu Filho unigênito como mediador, de modo que Cristo é o caminho pela qual o homem pode se achegar a Deus.

O argumento de que o homem não tem como se achegar a Cristo é invencionice calvinista, pois seria sem propósito ser impossível o homem se achegar a Deus, e Deus enviar um mediador que igualmente fosse impossível ao homem se achegar.

No convite: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11:28), não há qualquer empecilho que impeça o homem de se achegar a Cristo.

“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem.” (1 Timóteo 2:5).

Se fosse impossível ao homem se achegar a Cristo, outro mediador deveria ser interposto entre Cristo e os homens. Se é impossível ao homem se achegar a Cristo, porque era necessário que em tudo Ele fosse semelhante aos irmãos? Como Cristo poderia ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, se Ele foi enviado ao povo que, de alguma maneira estão impedidos de se achegarem a Ele?

“Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados.” (Hebreus 2:17 -18).

Observe que o escritor aos Hebreus enfatiza que devemos nos aproximar com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, o que seria impossível tal convite se fosse impossível aos homens se aproximar de Cristo.

“Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno.” (Hebreus 4:14 -16).

O posicionamento do Dr. Owen acerca da impossibilidade de os homens ir a Jesus decorre de uma má leitura da seguinte passagem bíblica:

“Respondeu, pois, Jesus, e disse-lhes: Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim.” (João 6:43 -45).

Como os judeus murmurarem por Jesus ter dito ser o pão vivo que desceu dos céus, Jesus disse por parábolas e enigmas aos seus interlocutores judeus, que ninguém poder vir a Cristo, se o Pai que o enviou não o trouxer. Isto significa que é impossível aos homens ir a Cristo? Não! Significa que todos que de Deus ouviu e aprendeu, conforme predito pelos profetas, vem a Cristo, mas aqueles judeus, como não haviam ouvido e aprendido de Deus, não puderam vir a Cristo.

Em função do contento e da citação de Isaías: “E todos os teus filhos serão ensinados do SENHOR; e a paz de teus filhos será abundante.” (Isaías 54:13), é evidente que os judeus não puderam ir a Cristo por não serem ensinados do Pai, e que o ensino do pai é o que traz os homens a Cristo.

“E a sua palavra não permanece em vós, porque naquele que ele enviou não credes vós. Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; E não quereis vir a mim para terdes vida. Eu não recebo glória dos homens; Mas bem vos conheço, que não tendes em vós o amor de Deus. Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis.” (João 5:38 -43).

O Dr. Owen com falsas premissas rejeita a verdade de que todos os homens têm o poder para aceitar ou rejeitar a redenção em Cristo, sendo certo que Cristo morreu por todos os homens, mas somente os que creem na mensagem do evangelho serão salvos.

O segundo ponto: ‘Todos os homens realmente são redimidos por Cristo, tenham eles conhecimento disso ou não’, está completamente equivocado, pois tal posicionamento decorre do pressuposto que ser ‘redimido’ é o mesmo que a morte de Cristo ser um pagamento por todos os homens.

O Dr. Owen pressupõe que, enfatizar que Jesus Cristo morreu por todos, decorre de cinco razões:

  1. Parece tornar Deus mais ‘atraente’, se dizer que a morte de Cristo foi por todos;
  2. Parece tornar o amor de Deus ‘maior’, se dizer que Ele ama todos os homens igualmente;
  3. Parece tornar a morte de Cristo de maior ‘valor’, se podem dizer que ela foi um pagamento pelos pecados de todos;
  4. A Bíblia parece usar as palavras ‘mundo’ e ‘todo’ como se significasse todas as pessoas;
  5. Alguns podem querer dizer que a morte de Cristo foi por todos, para que eles possam ser incluídos, embora não queiram mudar a forma ímpia como estão vivendo.

A Bíblia enfatiza que Cristo é o cordeiro de Deus que foi morto desde a fundação do mundo, a e sua morte se deu em favor dos ímpios, dos pecadores, pois Cristo é mediador entre Deus e os homens (Apocalipse 13:8; Romanos 5:6 e 8).

Enfatizar o que a Bíblia diz não é tornar Deus mais atraente. Dizer que Deus demonstrou o seu amor a todos igualmente ao enviar o seu Filho ao mundo não é tornar o amor de Deus maior, antes enfatizar justamente que Ele não fez acepção de pessoas ao enviar o seu Filho como salvador do mundo.

“O SENHOR desnudou o seu santo braço perante os olhos de todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.” (Isaías 52:10).

A morte de Cristo é de valor incomparável, visto que o valor de uma alma é superior às riquezas de todo o mundo. Agora, a ideia de que a morte de Cristo é um pagamento pelo pecado de todos os homens é equivocada.

O problema de interpretação dos termos ‘mundo’ e ‘todo’ depende do contexto em que os termos são utilizados, portanto, não devem ser lidos sob o prisma de um sistema doutrinário.

Agora, o fato de dizer que a morte de Cristo foi por todos não quer dizer que todos estão salvos, pois apesar de Cristo morrer por todos, aprouve a Deus salvar os crentes. Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, mas só será salvo quem crer em Cristo como diz as Escrituras.

 

Cristo, a solução do problema

O apostolo Paulo é enfático acerca da salvação em Cristo:

“Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (1 Coríntios 1:21).

Uma verdade insofismável: par ser salvo é imprescindível crer que Jesus é o Cristo.

O carcereiro que guardava a prisão onde o apóstolo Paulo e Silas, perguntou o que era necessário fazer para ser salvo, e obteve a seguinte resposta:

“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” (Atos 16:31).

Sem crer em Jesus não há como ser salvo:

“Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.” (Marcos 16:16).

E o motivo é apresentado pelo apóstolo Paulo:

“A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido.” (Romanos 10:9 -11).

O termo grego traduzido por ‘crer’ nos versos acima é o verbo πιστεύω, transliterado ‘pisteuó’, que significa ‘acreditar’, ‘depositar confiança’, ‘ter fé em’, ‘convicção’, etc. Crer é uma questão subjetiva, e com relação ao evangelho decorre da verdade. O acreditar para salvação, apesar de ser uma questão subjetiva, tem um elemento objetivo: o Cristo.

Para ser salvo não adianta crer no milagre, no impossível, nos anjos, em Deus, nos santos, nos profetas, etc., pois se não crer que Jesus é o Filho de Deus, não será salvo. ‘Crer’ em Cristo se dá por constatação, admissão de uma verdade, e essa faculdade humana não é o dom de Deus.

Alguém pode argumentar: mas a fé não é dom de Deus? Sim, a fé é dom de Deus, mas o crer não. Neste ponto é imprescindível diferenciarmos ‘crer’ de ‘fé’.

No grego, a ‘fé’ apresentada como ‘dom de Deus’ é tradução do substantivo πίστις, transliterado ‘pistis’, e não significa ‘crer’, ‘acreditar’ ou ‘convicção’. O substantivo πίστις (fé), em função do contexto empregado ganha a conotação de verdade, fidelidade, doutrina, e, em muitos versículos, significa evangelho, Jesus.

O apóstolo Paulo ao acabar a sua carreira, afirmou que guardou a ‘fé’. Essa fé seria ‘acreditar’? Não! Ele guardou o evangelho. Nesse sentido, o irmão Judas disse que devemos batalhar pela fé dada aos santos, ou seja, devemos batalhar pela verdade do evangelho.

Em outras passagens, como Cristo é o autor e consumador da fé, os apóstolos fazem referencia a Cristo como a ‘fé’. Observe:

“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar” (Gálatas 3:23).

A ‘fé’ que havia de manifestar é Cristo, pois por Ele o homem se torna agradável a Deus:

“Ora, sem fé é impossível agradar-lhe” (Hebreus 11:6).

Quando o apóstolo Paulo fala que ‘pela graça sois salvos, por meio da fé – e isto não vem de vós, é dom de Deus’ (Efésios 2:8), Cristo é a ‘fé’ pela qual os homens são salvos, e Ele é o dom de Deus.

“Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.” (João 4:10).

Após diferenciar ‘fé’, o dom de Deus, de crer, uma faculdade humana, analisemos ao exposto pelo Dr. Owen no capítulo 1, do seu livro, sob o titulo ‘Apresentando um problema’.

O Dr. Owen faz várias citações de versículos bíblicos, destacando o motivo pelo qual Cristo veio ao mundo:

“Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.” (Lucas 19:10).

O que se perdeu? A humanidade, ou melhor, todos os descendentes de Adão, que sejam judeus ou gentios.

“Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um.” (Salmos 53:3).

Ele cita outra passagem, em que Jesus deixa claro que veio servir e dar a sua vida em resgate de muitos:

“Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” (Marcos 10:45).

O ‘resgate’ não é uma transação comercial, antes representa uma substituição. Quando é dito que Jesus deu a sua vida, não se pode pensar que a morte de Cristo foi um pagamento, antes que Ele deu a sua vida em substituição, de modo que os resgatados não necessitam dar a sua vida.

Mas, por que Jesus deu a vida em resgate ‘de muitos’ e não ‘de todos’? Porque Jesus como homem é exceção, pois Ele não resgatou a si mesmo, mas os outros. Essa questão também é abordado pelo apóstolo Paulo:

“Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.” (Romanos 5:15).

Geralmente dizemos que, pela ofensa de Adão morreram todos, pois todos pecaram (Romanos 5:12), entretanto, o apóstolo Paulo enfatiza que morreram muitos, pois um homem é exceção: o último Adão. Semelhantemente a graça, que é por Cristo, abundou sobre muitos, pois Cristo é o dom de Deus.

Mas, a redenção em Jesus é para todos os homens? Sim!

“Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem. O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo.” (1 Timóteo 2:4 -6).

O Dr. Owen faz mais três citações das cartas paulinas:

“O qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau, segundo a vontade de Deus nosso Pai,” (Gálatas 1:4);

“O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniquidade,…” (Tito 2:14);

“Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.” (1 Timóteo 1:15).

O Dr. Owen afirma que é evidente o propósito da morte de Cristo: a) salvar as pessoas do pecado; b) libertar as pessoas do mundo mau; c) tornar as pessoas puras e santas, e; d) criar pessoas que façam boas obras.

No meu entender, o fato de Jesus salvar alguém do pecado já abarca todas as outras questões elencadas. Se Jesus morreu para salvar as pessoas do pecado, fica a pergunta: quais pessoas? Todas as pessoas que estavam sujeitas ao pecado.

Novamente o Dr. Owen destaca cinco questões decorrentes da morte de Cristo, e todas as outras são reflexos da primeira: As pessoas são reconciliadas com Deus por intermédio da morte de Cristo (Romanos 5:1), de modo que a reconciliação se deu porque foram justificadas (Romanos 3:24), purificadas e santificadas (Hebreus 9:14), feitos filhos de Deus (Gálatas 4:4 -5), compartilham da glória de Cristo e, por fim, vida eterna (Hebreus 9:15).

Em seguida, o Dr. Owen apresenta um raciocínio por demais simplista: com base nas questões decorrentes da morte de Cristo, se Ele morreu por todos os homens, então todos os homens estão livres do pecado ou Cristo falho no seu propósito.

Neste argumento o Dr. Owen faz uso de uma falácia, conforme categorizado no ‘Guia das falácias de Stephen Downes’, pois ele apresenta um falso dilema, pelo número limitado de opções (na maioria dos casos apenas duas), quando de fato há mais. O falso dilema é um uso ilegítimo do operador “ou”. Pôr as questões ou opiniões em termos de “ou sim ou sopas” gera, com frequência (mas nem sempre), esta falácia.

Primeiro, considerando que Cristo morreu por todos, e que muitos homens permaneceram no pecado, isto não significa que Cristo falhou. Um exemplo está no seguinte fato: nem todos os que são de Israel são de fato israelitas, o que não significa que a palavra de Deus tenha falhado (Romanos 9:6).

Semelhantemente, do mesmo modo que é anunciado o evangelho hoje aos homens, não importando se judeus ou gentios (todos os homens), aos filhos de Israel também foi anunciado boas novas, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou.  Seria o caso de que a palavra anunciada falhou? Não! O problema não estava na palavra, e sim no fato de não estar misturada com a fé naqueles que a ouviram, ou já, ouviram de mal grado.

“Porque também a nós foram pregadas as boas novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram.” (Hebreus 4:2; Mateus 13:15).

Onde Cristo falhou pelo fato de morrer por todos, e, no entanto, muitos se perderem? Há falha em Ele ser fiel e não negar a Si mesmo?

“Palavra fiel é esta: que, se morrermos com ele, também com ele viveremos; Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará; Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2 Timóteo 2:11).

Em segundo lugar, qualquer experiência diária não suplanta a verdade das Escrituras. Cristo morreu por todos, mas nem todos estão livres do pecado! Por que? Porque primeiro Cristo teve que morrer, por isso é cordeiro morto desde a fundação do mundo, para então poder instruir os homens a entrarem pela porta estreita.

Não fujo da questão: Cristo morreu por todos, e nego as duas questões levantadas pelo Dr. Owen: que todos estão livres do pecado ou que Cristo falhou. Além do mais, além de dizer que Cristo morreu por todos, evidencio que era propósito de Deus que todos os homens fossem beneficiados, conforme se lê:

“Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.” (1 Timóteo 2:4).

Não sei quem possa ter dito tamanha besteira, conforme noticiado pelo Dr. Owen, de que ‘o benefício é só para aqueles que produzem uma fé para crer em Cristo’.

Neste ponto, vale destacar que homem algum pode produzir ‘fé’, quer seja salvo ou perdido. ‘Fé’ não é algo que o homem produz, pois a ‘fé’ em questão é Cristo, a verdade, o dom de Deus.

A ‘fé’ possui um único autor e consumador, que é Cristo. Cristo é a ‘fé’ manifesta, pois Ele é proveniente de Deus. Para o homem crer é imprescindível a ‘fé’ noticiada no evangelho. O homem crê porque a ‘fé’ é firme fundamento, pois tem por base a palavra de Deus, que em única instancia remete ao Verbo de Deus, que é Cristo.

Percebe-se que o Dr. Owen não consegue distinguir a ‘fé’ pela qual o justo viverá (Habacuque 2:4), que em essência é a palavra de Deus (Deuteronômio 8:3), do ato de crer, que diz de uma questão subjetiva, quando diz:

“Este ato de fé deve ser algo que alguns homens fazem por si mesmos, tornando-os diferentes dos outros homens. (Se fé fosse alguma coisa obtida pela morte de Cristo, e se ele tivesse morrido por todos os homens, então todos os homens teriam fé!).” Owen, John, Por quem Cristo morreu? Pág. 18.

Se o Dr. Owen pelo menos cogitasse que o evangelho é ‘fé’, a ‘fé’ que foi entregue aos santos para batalharem por ela (Judas 3), saberia que todos quantos ouviram a mensagem do evangelho tiveram a sua disposição ‘fé’, ‘fé’ essa decorrente da morte de Cristo.

Todos quantos ouvirem a verdade do evangelho tiveram à sua disposição ‘fé’, que é definida como firme fundamento, que torna os homens agradáveis a Deus, que é Cristo, que segundo o apóstolo Paulo é a ‘fé’ que havia de se manifestar e que a seu tempo veio (Gálatas 3:23 -25).

O evangelho é a ‘fé’ (crença, doutrina, mensagem) que estava sendo anunciada em todo o mundo (Romanos 1:8), fé essa que era mútua, pois pertencia ao apóstolo e aos cristãos em Roma (Romanos 1:12), ‘fé’ essa que estava em Timóteo e, que habitou na avó, na mãe e em Timóteo (2 Timóteo 1:5).

“Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho.” (Filipense 1:27).

O substantivo grego traduzido por ‘fé’ ganha vários significados no Novo Testamento, pois em essência o termo pistis (fé) decorre da verdade, da fidelidade, e por isso o apóstolo Paulo utilizou o termo para dizer ‘fé do evangelho’, que é o mesmo que ‘verdade do evangelho’.

“Assim que, sabendo o temor que se deve ao Senhor, persuadimos os homens à fé, mas somos manifestos a Deus;” (2 Coríntios 5:11).

O apóstolo Paulo sabendo que era necessário aos homens obedecerem (temor) a Deus, convencia os homens à fé, ou seja, ao evangelho.

A ‘fé’ é decorrente da morte de Cristo, pois sem a morte de Cristo não haveria o escândalo para os judeus e nem a loucura pra os gregos, o tema da pregação do evangelho.

“Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os gregos.” (1 Coríntios 1:23);

“Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado.” (1 Coríntios 2:2).

‘Crer’ não é algo que alguns homens possam fazer por si mesmos, pois a ‘fé’ constitui um mandamento, e crer é obedecer. Sem o mandamento, sem a fé, não existe o crer, a esperança e nem a perseverança.

O apóstolo João é enfático:

“E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento.” (1 João 3:23).

Se Deus não tivesse enviado o Cristo ao mundo para ser levantado, assim como Moisés levantou a serpente de metal no deserto (João 3:14), não haveria mandamento, por conseguinte, seria impossível obedecer a Deus.

Mas, como Deus deu o seu Filho Unigênito, implicitamente estabeleceu um mandamento: ‘para que todo aquele que nele crê não pereça’, de modo que quem crê se faz servo de Deus, pois executou a obra de Deus.

“Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus? Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:28 -29).

Concluo enfatizado que, se o ‘ato de fé’ a que o Dr. Owen se refere diz do substantivo grego pistis, não é algo que os homens possam fazer por si mesmo, pois se refere ao dom de Deus. Por outro lado, se o ‘ato de fé’ tem em vista o verbo grego πιστεύω, igualmente não é algo que os homens fazem por si mesmos, antes devem fazê-lo em obediência a um mandamento.

“Sê tu a minha habitação forte, à qual possa recorrer continuamente. Deste um mandamento que me salva, pois tu és a minha rocha e a minha fortaleza.” (Salmos 71:3);

“Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador;” (Tito 1:3).

O sistema doutrinário do qual o Dr. Owen é adepto, por não compreenderem a essência da ‘fé’ e a natureza do ‘crer’, inferem que se o homem crer na verdade do evangelho sem intervenção direta de Deus, intervenção essa chamada por eles de ‘graça preveniente’, o homem teria méritos ao crer.

Em primeiro lugar, quando o homem crê em Deus por intermédio de Cristo, o mérito é única e exclusivamente de Deus, pois Ele é fiel e imutável, de modo que crer é resultado da fidelidade de Deus.

Em segundo lugar, crer em Cristo é o mandamento de Deus, e não há mérito algum em o homem obedecer, antes, ao obedecer, o homem nega-se a si mesmo, fazendo-se servo. Onde está a jactância em obedecer? Quem se vangloria por obedecer? Onde está o mérito de quem obedece?

Abraão saiu do meio da sua parentela em obediência. Qual o mérito de Abraão? Abraão ofereceu o seu único filho em obediência. Qual a jactância de Abraão? Na verdade Abraão foi tido como amigo de Deus por ter cumprido todos os mandamentos de Deus.

“Porquanto Abraão obedeceu à minha voz, e guardou o meu mandado, os meus preceitos, os meus estatutos, e as minhas leis.” (Gênesis 26:5).

Ao enviar o Cristo, a fé (verdade, fidelidade) foi manifesta, e a essência da fé é o mandamento de Deus: crer em Cristo, e quem crê, torna-se servo, portanto, não tem do que se vangloriar, pois em se fazer servo não há mérito.

“Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando.” (João 15:14).

 

Os agentes da salvação

Deus enviou o seu Filho como salvador do mundo, e foi dado mandamento aos homens para crerem nele para serem salvos, e como a doutrina calvinista não adota o posicionamento das Escrituras, o Dr. Owen para enfatizá-la busca atribuir as pessoas da divindade papeis distintos na questão da salvação do homem.

“Portanto assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse.” (Isaías 28:16).

O Dr. Owen infere que Deus como agente da salvação do homem agiu de duas maneiras: a) Deus enviou o seu Filho para morrer, e; b) puniu o Cristo por causa dos nossos pecados.

Temos dois problemas nestas afirmações, pois com relação à primeira, Deus enviou o seu Filho na condição de servo para obedecer, de modo que Cristo teve que sujeitar-se a vontade do Pai: bebendo o cálice (Mateus 26:42).

“E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.” (Filipenses 2:8);

“Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu.” (Hebreus 5:8).

Com relação a segunda colocação, Cristo não foi punido pelos nossos pecados, antes foi do agrado do Pai moê-lo, fazendo-O enfermar (Isaías 53:10). Cristo foi ferido por causa das nossas transgressões, mas isso não significa que Ele foi punido por causa dos nossos pecados (Isaías 23:5), pois punir o inocente em lugar do culpado não reflete a justiça de Deus “Então disse o SENHOR a Moisés: Aquele que pecar contra mim, a este riscarei do meu livro.” (Êxodo 32:33).

Ora, a redenção da humanidade dependia da obediência do Cristo, pois por uma ofensa veio o juízo sobre todos os homens, e por um ato de justiça veio a graça sobre todos os homens (Romanos 5:18), de modo que a humilhação e sofrimento de Cristo demonstra quão efetivamente Cristo foi obediente, o que é diferente da ideia de punido. Cristo não foi desobediente, portanto, não podia ser punido, entretanto, foi tentado e padeceu (Hebreus 2:18).

Abro aqui um parêntese: o juízo que veio sobre todos os homens, efetivamente refere-se a toda humanidade, por isso é dito que todos pecaram. Semelhantemente a graça veio sobre todos os homens, mas segundo a doutrina calvinista, todos não são todos.

Certo é que Deus enviou o seu Filho ao mundo como salvador (João 3:16: Gálatas 4:4 -5), por isso o sangue de Cristo é precioso, como de um cordeiro sem defeito e sem macula, conhecido antes da fundação do mundo (1 Pedro 1:19 -20).

O que foi concedido pelo Pai ao Filho para realizar a obra de Deus foi mandamentos (João 10:18; João 12:49), e não habilidades, pois em tudo Cristo foi semelhante aos seus irmãos, mas sem pecado.

Deus não prometeu ajuda ao Cristo, antes a fidelidade e imutabilidade de Deus era segurança para o Cristo desempenha a sua missão. A palavra de Deus era o bastante para Cristo se fazer servo:

“Porquanto tão encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei em retiro alto, porque conheceu o meu nome. Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei.  Fartá-lo-ei com longura de dias, e lhe mostrarei a minha salvação.” (Salmo 91:14 -16).

Após destacar que Deus é o agente na salvação, no item 2, da página 20, novamente o Dr. Owen enfatiza que Deus puniu o Cristo por causa dos nossos pecados, e cita o seguinte versículo:

“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Coríntios 5:21).

Em seguida, enfatiza que Cristo sofreu e morreu em nosso lugar, para depois questionar, alegando ser estranho, que Cristo tivesse sofrido em lugar daqueles que vão sofrer por causa dos seus próprios pecados.

Certo é que Cristo em obediência ao Pai sofreu e morreu fisicamente em nosso lugar, entretanto, novamente o Dr. Owen ignora o fato de que, não basta o Cristo ter sofrido em nosso lugar para sermos salvos, visto que é imprescindível aquele que vai ser salvo ser crucificado com Cristo, morto, sepultado, para ressurgir com Cristo.

Cristo sofreu e morreu em nosso lugar para estabelecer um novo e vivo caminho pela qual o homem tem acesso a Deus, porém, Deus não tem comunhão com o homem nascido segundo a carne, pois antes se faz necessário ao homem morrer para o pecado, para então viver para Deus.

Embora Cristo tenha morrido por todos, pois a graça veio sobre todos os homens (Romanos 5:18), como muitos não se fizeram servos obedecendo ao mandamento de Deus, sofrerão em razão dos seus próprios pecados.

“Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador;” (Tito 1:3).

Devemos nos atentar que o amor de Deus não é sentimento, mas mandamento:

“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados.” (1 João 5:3);

“E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me.” (Marcos 10:21).

Observe que Deus é Senhor, e como Senhor tem uma obra a realizar, obra essa que fica a cargo dos seus servos, de modo que crer em Cristo é o mandamento que Deus deu aos seus servos, obra essa que o homem na condição de servo deve realizar:

“Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29).

Diante do que já expusemos, as conjecturas do Dr. Owen colocadas em três opções são um despautério, pois o pecado pela qual Cristo morreu diz de uma condição inerente à natureza dos homens gerados de Adão, e não de questões de cunho comportamental, moral ou legal.

A ideia de que Cristo morreu por alguns dos pecados de todos os homens contraria a exposição do escritor aos Hebreus, que Cristo pela sua morte aniquilou (tornar indolente, desempregado, inativo, inoperante, fazer uma pessoa ou coisa não ter mais eficiência, privar de força, influência, poder) o diabo, que tinha o império da morte (Hebreus 2:14), e livrasse todos que, com medo da morte, estivessem sujeito a servidão.  ‘Alguns dos pecados’ é ideia de pecados comportamentais, sendo que o pecado que Jesus morreu para redimir o homem, diz da condição do homem em sujeição ao pecado e a morte.

Certo é que Cristo morreu para expiar o pecado do povo, ou seja, Ele morreu pelos pecados de todos os homens.

“Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo.” (Hebreus 2:17).

O Dr. Owen pergunta: Se Cristo morreu pelos pecados de todos, por que não estão todos os homens livres do pecado? A resposta é objetiva: por causa da incredulidade.

Ao perguntar se a incredulidade é pecado, para tentar negar a verdade de que Cristo veio para expiar os pecados do povo, percebe-se que o Dr. Owen desconhece a natureza do pecado pelo qual Cristo morreu, e a natureza da desobediência, ofensa pela qual Cristo não morreu.

Cristo morreu pelo ‘pecado’ que entrou no mundo em função da ofensa de Adão, e pelo pecado também entrou no mundo a morte, pois Adão desobedeceu à lei que tinha como consequência a morte (certamente morrerás). Como a consequência da ofensa de Adão passou a todos os homens, ou seja, a morte passou a todos, por isso é dito que todos pecaram, ou seja, estavam separados, alienados de Deus.

“Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram.” (Romanos 5:12).

Cristo morreu por causa do pecado que é a separação que há entre Deus e o homem, separação essa também denominada ‘morte’. A morte de Cristo visa reparar a separação que há entre Deus e os homens, e não remediar a desobediência de Adão. Para reparar a separação que havia entre Deus e os homens, Cristo teve que obedecer ao Pai em tudo, estabelecendo assim uma oportunidade de salvação.

“Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram;” (Hebreus 2:3).

Ora, todos os descendentes de Adão são por natureza filhos da ira e da desobediência, e para serem salvos precisam obedecer ao evangelho de Cristo.

“Pelo qual recebemos a graça e o apostolado, para a obediência da fé entre todas as gentes pelo seu nome,” (Romanos 1:5);

“Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé;” (Romanos 16:26).

A incredulidade com relação à mensagem do evangelho, de que Cristo é o Filho de Deus, não é um pecado pelo qual Cristo morreu, pois esse é um pecado contra o mandamento de Deus: a obediência da ‘fé’.

“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.” (João 3:36);

“Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece.” (João 9:41);

“Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados, porque se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados.” (João 8:24).

O pecado pelo qual Cristo morreu visa livrar o homem da ira de Deus, de modo que a incredulidade não está inclusa no pecado pela qual Cristo morreu. A incredulidade faz com que o homem pereça na condição que nasceu, sujeito a ira de Deus.

Ao argumentar que, se a incredulidade é um pecado,então deve estar incluída entre os pecados que Cristo morreu, no afã de refutar a premissa de que Cristo morreu pelos pecados de todos os homens, não atentou para o fato de que a incredulidade dos homens não aniquila a fidelidade de Deus.

“Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma; sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, E venças quando fores julgado. E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.)  De maneira nenhuma; de outro modo, como julgará Deus o mundo?” (Romanos 3:3 -6).

Deus sendo fiel enviou o seu Filho ao mundo para remir a todos os pecadores, mas se alguns ou muitos forem incrédulos, Deus permanece fiel e verdadeiro. E se a injustiça desses incrédulos for causa da justiça de Deus, que trará ira sobre eles, não há injustiça em Deus.

“Para que sejam julgados todos os que não creram a verdade, antes tiveram prazer na iniquidade.” (2 Tessalonicenses 2:12);

“Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.” (2 Coríntios 4:4).

A incredulidade é o modo pela qual o homem nega a Cristo, por isso Jesus não morreu pelo pecado da incredulidade, antes Ele morreu para que pudéssemos morrer com Ele e, então, com Ele vivermos.

“Palavra fiel é esta: que, se morrermos com ele, também com ele viveremos; Se sofrermos, também com ele reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará; Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo.” (2 Timóteo 2:11 -13).

No quesito Cristo como agente da salvação, entendemos que Cristo é o autor e consumador da ‘fé’, pois na eternidade sendo uma das três pessoas da divindade, acordou que abriria mão do seu poder e glória, e passaria a habitar no mundo dos homens na posição de Filho de Deus (2 Samuel 7:14).

No mundo dos homens, ainda que fosse Filho, se fez servo, não usurpando a condição de Deus, antes aprendeu a obediência, isto em vista do que Ele padeceu (Filipenses 2:6 -7).

Como filhos tem que ter vínculo de carne e sangue, Cristo também participou de carne e sangue, para que pudesse chamar os homens de irmãos, e assim tornou-se sujeito à morte, para poder aniquilar o que tinha o império da morte. Por isso era conveniente que em tudo Cristo fosse semelhante aos homens, para ser sumo sacerdote e misericordioso, e assim expiar o pecado do povo (Hebreus 2:14 -17).

O Dr. Owen afirma que a prontidão de Cristo não tinha em vista a raça humana, e sim ‘os filhos que Deus lhe deu’, uma citação do profeta Isaías, que são humanos (Hebreus 2:13; Isaías 8:18).

Evidente que não é isso que diz o texto de Hebreus, visto que Cristo se fez homem por causa da paixão da morte, para que pudesse experimentar a morte por todos. E, como os filhos participam de carne e sangue, Cristo teve que participar de carne e sangue, para poder chamar aqueles que Deus o deu de irmãos, e pudesse pela sua morte aniquilar o diabo.

“Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos.” (Hebreus 2:9).

O Dr. Owen não considera que tudo o que Jesus fez foi em obediência, e não voluntariamente. Cristo, sem pecado, se apresentou ao Pai como sacrifício e em obediência, e por isso o seu sofrimento e morte teve valor diante de Deus. Qualquer outro que se prontificasse a morrer não teria valor diante de Deus, primeiro por ter sigo gerado em pecado e, portanto, pecador; e segundo, porque Deus não requereu tal obediência de ninguém, a não ser dos seu Filho aquém Ele elegeu.

A interpretação que o Dr. Owen faz da oração sacerdotal de Jesus, para alegar que Jesus não morreu por todos os homens, pelo fato de Cristo não ter rogado pelo mundo todo, é no mínimo leviana.

Cristo veio ao mundo com a missão de revelar o Pai (João 1:10 e 18), mas o mundo não O conheceu (João 17:25). Após completar a sua missão, Jesus roga ao Pai pelos seus discípulos e por todos os que pela palavra de Deus haveria de crer em Cristo (João 17:20).

O fato de Jesus rogar somente pelo seu corpo, que é a Igreja, não depõe contra o fato de que Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, a graça sobre todos os homens “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” (João 1:29; Romanos 5:18).

Quando na página 24, o Dr. Owen diz que a entrega voluntária e a intercessão de Cristo destinam-se a trazer muitos filhos a glória de Deus, citando Hebreus 2, verso 10, percebesse uma má leitura do versículo, que diz:

“Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles.” (Hebreus 2:10).

Como o que santifica como os que são sanificados pertencem todos a Deus (Hebreus 2:11), Cristo é o príncipe da salvação daqueles filhos que foram conduzidos à gloria, porém, o texto destaca que a consagração de Cristo se deu pelas aflições. No texto citado não há qualquer referência a uma voluntariedade de Jesus, pois Ele é o servo cego e surdo (Isaías 42:19), portanto, só agiu em obediência ao Pai, e nem faz referência à intercessão.

Certo é que Cristo morreu por todos os homens, e todos que crerem receberá eterna salvação.

Apesar de no capítulo 6 o Dr. Owen enfatizar que o seu argumento destrói completamente o ensino de que Cristo morreu por todos, no capítulo 7 o mesmo argumento volta à tona.

Enquanto o texto bíblico enfatiza que com o seu ‘conhecimento’, o Cristo, justificará a muitos, o Dr. Owen alega que Jesus justifica aqueles cujas iniquidades levou sobre si.

“Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniquidades deles levará sobre si.” (Isaías 53:11).

O Dr. Owen procura ignora a verdade de que toda a humanidade andava desgarrada como ovelhas, cada qual pelo seu caminho, mas Deus fez cair sobre Cristo a iniquidade de todos.

“Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.” (Isaías 53:6).

Quando Cristo derramou a sua alma na morte, levou sobre si o pecado de muitos, e neste ato intercedeu por todos os homens, pois todos eram transgressores.

“Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores.” (Isaías 53:12).

Alegar que Cristo intercedeu somente por aqueles cujos pecados levou sobre si é leviano, pois além de Deus fazer cair sobre Cristo a iniquidade de todos que andavam desgarrados, intercedeu por eles.

Alegar com base em Romanos 4, verso 25: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”, que Cristo ressurgiu dos mortos para justiçar aqueles pelos quais Ele morreu, é deturpar a essência do texto.

Cristo foi entregue pelos nossos pecados para que pudéssemos morrer com Ele, pois somente aqueles que morrem com Cristo estão justificados do pecado “Porque aquele que está morto está justificado do pecado” (Romanos 6:7). Agora, como Cristo ressurgiu dos mortos, os que são mortos e sepultados com Ele, ressurgem uma nova criatura, quando são declarados justos por Deus: justificação.

‘Justificado do pecado’ é questão diferente de ‘justificação’. Justificação é uma declaração de Deus de que o homem gerado de novo pela palavra da verdade foi criado em verdadeira justiça e santidade, portanto, é justo. Já o ato de ser justificado do pecado ocorre no momento em que o velho homem é crucificado com Cristo, quando o corpo que pertencia ao pecado é desfeito.

Cristo morreu por todos os homens, para que por meio da pregação da fé pudessem crer em Deus por meio de Cristo “E é por Cristo que temos tal confiança em Deus;” (2 Coríntios 3:4), pois sem Cristo não há como o homem exercer confiança em Deus.

O Dr. Owen procura de várias maneiras enfatizar a intercessão de Cristo como essencial à salvação, e se esquece que o evangelho de Cristo é poder de Deus para salvação de todo que crê (Romanos 1:16 -17; 1 Coríntios 1:18). Basta ouvir o evangelho da salvação e crer para ser salvo (Efésios 1:13), pois crer no evangelho é crer na encarnação virginal, que Jesus veio sem pecado, habitou entre os homens, foi morto, sepultado, ressurgiu dentre os mortos e está assentado a destra de Deus nas alturas.

Cristo é o único meio para salvação dos homens, pois não há outro nome dado entre os homens pela qual devamos ser salvos (Atos 4:12). Dizer que Cristo associou a sua morte e sua intercessão como o único meio para a nossa salvação é ignorar que, para o homem ser salvo é necessário crer em Cristo como diz as Escrituras, e crer em Cristo é crer em toda a mensagem do evangelho: na encarnação virginal, que Jesus veio sem pecado, habitou entre os homens, foi morto, sepultado, ressurgiu dentre os mortos e está assentado a destra de Deus nas alturas.

O Dr. Owen quer fazer valer tanto a premissa da morte e intercessão, que se utiliza de um texto bíblico que fala da ressureição para enfatizar a intercessão.

“E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsas testemunhas de Deus, pois testificamos de Deus, que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém, não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados.” (1 Coríntios 15:13 -17).

Ora, sabemos que Cristo é nosso intercessor junto ao Pai, e que o Espírito Santo intercede com gemidos inexprimíveis, no entanto, quando enfatiza que há ressurreição dos mortos, o apóstolo Paulo não estava frisando que Jesus ressuscitou para interceder, antes que, se não há ressurreição dos mortos, Jesus não ressuscito, e se Ele não ressuscitou, a pregação dos cristãos era inócua e a crença (fé) deles também.

 

De tudo o que analisamos na primeira parte do livro ‘Por quem Cristo morreu?’, do Dr. Owen, alguns argumentos utilizado por ele decorrem de má leitura dos textos bíblicos, ou a interpretação de vários versículos é tendenciosa, de modo a dar suporte à doutrina reformada calvinista.

 

 

[1] “Pressuposto – aquilo que se supõe antecipadamente; pressuposição, conjectura, suposição”.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *