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O elemento principal do texto do Gênesis é o cuidado de Deus expresso em um mandamento santo, justo e bom ( Rm 7:12 ), e que pelo mandamento justo, santo e bom o pecado achou ocasião no próprio mandamento que dizia ‘certamente morrerás’.  Daí a colocação do apóstolo Paulo que a força do pecado é a lei (dela não comerás), e que o aguilhão do pecado é a morte (certamente morrerás) “Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei” ( 1Co 15:56 ).


Jogo dos sete erros

“Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem” ( 1Co 15:21 )

Encontrei na Web um artigo resposta para a pergunta: “Foi o pecado de Adão e Eva realmente comer um pedaço do fruto proibido?”[1]. O autor apresenta uma resposta em três parágrafos repleta de imprecisões e incongruências, o que me forçou redigir o presente artigo.

 

Fruto proibido

A resposta do artigo tem início com o seguinte parágrafo:

“A frase ‘fruto proibido’ refere-se à história de Adão e Eva no Jardim do Éden. Eles foram proibidos por Deus de comerem o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:9, 3:2). A Bíblia não diz nada sobre que tipo de fruto era. A tradição identificou-o como uma maçã, mas é impossível saber com certeza. Com base no texto de Gênesis, cada indicação é de uma árvore literal com um fruto literal” Portal Got Questions.

Na literatura mundial o nome ‘fruto proibido’ é constantemente utilizado para fazer referência à história de Adão e Eva, entretanto, essa não foi a denominação que Deus atribuiu ao fruto. Na Bíblia é atribuído nome a árvore: árvore do conhecimento do bem e do mal, portanto, o fruto da árvore plantada no meio do jardim não possui o nome de ‘fruto proibido’.

Considerando as nuances da história contida no texto do Gênesis, percebe-se que Deus alertou Adão sobre a consequência de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, o que nos dá uma perspectiva de proteção e plena liberdade ( Gn 2:17 ), diferente da ideia que a serpente destacou à mulher: proibição  “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” ( Gn 3:1 ).

Entender que Deus proibiu o fruto é entender a história da origem do pecado de Adão e Eva da perspectiva proibitiva que o tentador utilizou para apresentar uma mentira a Eva, e não da liberdade que o casal possuia “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” ( Gn 3:1 ).

O alerta divino enfatiza plena liberdade: “De TODA árvore do jardim comerás LIVREMENTE…” ( Gn 2:16 ), já denominar o ‘fruto’ como ‘proibido’ enfatiza proibição, assim como a fala da serpente. Deus disse que Adão podia comer de ‘todas’ as árvores do jardim e garantiu acesso a todas elas, livremente.

O fato de Adão e Eva terem comido da árvore do conhecimento do bem e do mal evidencia que além da liberdade que possuíam, Deus deu garantias para que o homem exercesse a sua liberdade, visto que, o homem obteve acesso a árvore e dela comeu.

Embora tivesse acesso e pudesse comer de todas as árvores, Deus alertou sobre efeito de comer daquela árvore: “… mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que comeres, certamente morrerás( Gn 2:17 ).

A ordem divina não visou restringir a liberdade do homem, e sim alertar as consequências advindas da decisão do homem, ou seja, morte. Quando um pai proíbe o filho de colocar o dedo em uma tomada de energia elétrica, não é para boicotar o filho, antes para protegê-lo do choque.

Se a ênfase da história do Éden fosse a proibição, Deus teria feito com a árvores o mesmo que fez ao expulsar o casal do Éden: Colocou querubins de guarda em volta do jardim e uma espada flamejante que revolvia por todos os lados para impedir o acesso do homem a árvore da vida ( Gn 4:24 ).

Liberdade plena exige cuidado, cuidado este expresso no alerta: ‘dela não comerás’, pois comer do fruto teria uma consequência drásticas: ‘no dia que comeres, certamente morrerás’.

A astucia da serpente se mostra na aparente falta de ciência da ordem divina: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?” ( Gn 3:1 ).Além disto, a serpente colocou proibição com relação a todas as árvores, o que fez Eva trazer à tona o seu conhecimento.

A resposta que Eva deu à serpente deixa de enfatizar a liberdade plena e se concentra na proibição, tanto que agrava a proibição vetando até mesmo tocar o fruto “Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais” ( Gn 3:2 -3).

O autor da resposta enfatiza que Deus nada disse acerca do fruto, porém a Bíblia demonstra que Deus deixou claro que aquela árvore era a árvore do conhecimento do bem e do mal. Apesar de ser agradável à vista e boa para se comer como as demais árvores ( Gn 2:9 ), provar do fruto daquela árvore teria consequências desagradáveis.

O fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal não era uma maçã, e nem é uma alusão velada ao sexo, como muitos interpretam. Diferentemente das demais árvores do jardim, a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal eram exemplares únicos. Se temos acesso hoje as macieiras, certo é que o fruto do conhecimento do bem e do mal não era uma maçã, pois temos inumeráveis macieiras, diferente da árvore do conhecimento do bem e do mal que era única.

Sim! A árvore do conhecimento do bem e do mal e a árvore da vida eram árvores literais, pois causavam as mesmas impressões à vista que as outras árvores ( Gn 3:6 ).

O elemento principal do texto do Gênesis é o cuidado de Deus expresso em um mandamento santo, justo e bom ( Rm 7:12 ), e que pelo mandamento justo, santo e bom o pecado achou ocasião no próprio mandamento que dizia ‘certamente morrerás’.  Daí a colocação do apóstolo Paulo que a força do pecado é a lei (dela não comerás), e que o aguilhão do pecado é a morte (certamente morrerás) “Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei” ( 1Co 15:56 ).

 

O conhecimento do bem e do mal

Analisando o segundo parágrafo da resposta do Got Questions, que diz:

“O elemento principal na passagem não é o fruto em si, mas a proibição de comê-lo. Deus deu a Adão e Eva apenas uma proibição em Suas instruções. Se houve alguma propriedade espiritual no interior do fruto é realmente irrelevante. O pecado estava em desobedecer a ordem de Deus. Ao comer do fruto (um ato de desobediência), Adão e Eva ganharam conhecimento pessoal do mal. Eles já conheciam o bem, mas agora tinham a experiência contrastante do mal da desobediência, da culpa e da vergonha. A mentira de Satanás é que conhecer o bem e o mal os tornaria como deuses (Gênesis 3:5). Na realidade, eles já tinham sido feitos à imagem de Deus e tinham a bênção da Sua boa vontade” Idem.

Faz se necessário destacar que o elemento principal do texto não é a proibição, como a serpente enganou Eva. Deus deu um mandamento que expressava o seu cuidado e a plena liberdade do homem. Somente guardando o mandamento o homem permaneceria sob a proteção de Deus e preservaria a liberdade recebida.

Algo semelhante é quando um médico dá um diagnóstico de uma doença e apresenta um receituário. O receituário médico é como um mandamento, a essência do cuidado. Se o paciente quiser ser curado, terá que sujeitar-se as recomendações medicas.

O pecado decorre da desobediência ao mandamento, pois pela desobediência Adão e Eva morreram, ou seja, passaram à condição de alienados de Deus. A essência do mal estava na desobediência que ergueu uma barreira de separação entre o homem e Deus (pecado), e não no fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.

O mal estava na desobediência, tanto que a exigência da justiça de Deus para reparar o dano de Adão foi que alguém nas mesmas condições, o último Adão obedecesse Deus. Esta verdade é descrita pelo apóstolo Paulo quando disse: “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos” ( Rm 5:19 ).

Afirmar que é irrelevante o fruto possuir alguma propriedade espiritual é errôneo, visto que, além das consequências decorrentes da desobediência (morte), estava no fruto o conhecimento do bem e do mal. Além de sujeitar-se ao pecado como escravo, ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal o casal adquiriu conhecimento do bem e do mal, o que os tornou como Deus ( Gn 3:22 ).

A resposta do Got Questions é equivocada quando diz que Adão e Eva conheciam o bem, e que após comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, ganharam especificamente conhecimento do mal.

O homem tinha comunhão com Deus, que é bom, e conhecedor do bem e do mal. Na verdade o casal não tinha conhecimento do bem, antes comunhão com Aquele que é bom. Após desobedecer perdeu a comunhão com Deus, ou seja, com o bom, e passou a ter comunhão com o mal, o pecado, e somado a isso, alcançou conhecimento do bem e do mal.

Além da comunhão com o pecado, o homem passou a ter conhecimento do bem e do mal. A resposta do ‘Got Questions’ coloca a questão como se fosse possível Adão comer somente o mal do fruto da árvore, que é do conhecimento tanto do bem quanto do mal. O conhecimento bem e mal faziam parte intrinsicamente da árvore, assim como uma laranjeira agre e do doce produzem laranjas agre e doce, ou seja, é impossível chupar uma laranja e saborear somente o ‘agre’ à parte do ‘doce’.

Semelhantemente Adão ao comer do fruto não comeu somente o mal, e nem tinha como escolher somente o bem. O conhecimento da árvore do bem e do mal não é o pecado, pois Deus também é conhecedor do bem e do mal. (Gn 3:22)

Na explicação argumentam que a mentira de Satanás foi afirmar que o casal seria como Deus quando conhecessem o bem e o mal. Deus mesmo afirmou que o homem tornou-se como Ele, sabendo o bem e o mal “Então disse o SENHOR Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal” ( Gn 3:22 ). Esta foi a única verdade na fala de Satanás, pois a mentira estava na negativa de que o casal não havia de morrer: “Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis” ( Gn 3:4 ).

É outro equívoco achar que o mal da desobediência se resume em culpa e vergonha. O mal da desobediência materializou-se na alienação de Deus (morte). A vergonha foi decorrente do conhecimento do bem e do mal, quando descobriram que estavam nus e coseram folhas para fazer aventais. A culpa era explicita, porém, da desobediência resultou medo, de modo que se esconderam no jardim ( Gn 3:10 ).

Outro erro que o autor da reposta comete é que o casal havia sido feito a imagem e semelhança de Deus, quando na verdade o casal foi criado à imagem do Cristo que havia de vir sobre a face da terra, conforme nos explica o apóstolo Paulo:

“No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir ( Rm 5:14 ).

Adão foi criado a imagem de Cristo-homem, pois o Cristo-homem precisava vir a imagem e semelhança dos homens: participante de carne e sangue ( Hb 2:14 e 17). O Verbo eterno que a tudo criou manifestou-se teofanicamente no Éden e deu a sua imagem e semelhança a Adão conforme o corpo que haveria de ter quando introduzido no mundo dos homens.

Adão não foi criado a expressa imagem e semelhança do Deus invisível, pois a expressa imagem do Deus invisível é o Cristo ressurreto dentre os mortos. Adão foi modelado no barro segundo a imagem do Cristo que havia de vir, ou seja, Cristo-homem. O próprio Verbo eterno teofanicamente[2] no Éden modelou o barro com as mãos e soprou o fôlego de vida nas narinas de Adão ( Gn 2:7 ), concedendo a Adão a imagem que Ele mesmo teria ao ser gerado no ventre de uma virgem.

 

Liberdade

Por fim, surge uma orientação aos leitores quanto a obedecer a Deus:

“A lição para nós hoje é que, quando Deus proíbe algo, é para o nosso próprio bem. Desobedecê-lo, seguir o nosso próprio caminho ou decidir por nós mesmos o que é benéfico ou não sempre nos levará ao desastre. O Nosso Pai Celestial, o qual nos criou, sabe o que é melhor para nós e quando Ele proíbe algo, devemos ouvi-lo. Quando escolhemos obedecer às nossas próprias vontades ao invés da Sua perfeita e santa vontade, as coisas nunca vão bem para nós. Adão e Eva fizeram essa triste descoberta depois de comerem o fruto proibido e a humanidade tem sofrido as consequências da sua decisão desde então (Romanos 5:12)” Idem.

O alerta final parece indicar que Deus trabalha com o homem impondo restrições. Asseverar que Deus proíbe algo dá margem para que sejam introduzidas regras perniciosas como ‘não toques, não proves, não manuseies’ “Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies?” ( Cl 2:20 -21 ); “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam” ( 1Co 10:23 ).

Em síntese, podemos concluir que Deus não trabalha com proibições (  1Ts 5:21 ), antes Ele nos deu um mandamento que nos livra da condenação estabelecida no Éden, pois onde o espírito de Deus está, ai há liberdade: “E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento. E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele” ( 1Jo 3:23 -24).

“Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.” (2 Coríntios 3:17)


[1] Foi o pecado de Adão e Eva realmente comer um pedaço do fruto proibido? Got Questions Ministries < http://www.gotquestions.org/Portugues/fruto-proibido.html#ixzz3fJNT7aoF > Consulta realizada em 09/07/2015.

[2] ‘Teofania’ é termo teológico para fazer referência as manifestações físicas de Deus tangível aos sentidos humanos. Diz de uma aparição ou manifestação de Deus através de um anjo, um homem ou algum fenômeno da natureza.

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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