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Um dos erros da concepção de que o livre arbítrio é um mito é aplicar uma figura utilizada para descrever a condição dos filhos de Israel e de seus líderes (condutores cegos que guiam cegos) e aplica-la a humanidade para estabelecer a inabilidade do homem em crer em Cristo “Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova” ( Mt 15:14 ).


O livre-arbítrio não é mito

“Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações” ( Jr 26:3 )

 

Introdução

O presente artigo não é uma abordagem filosófica acerca do que é ‘livre-arbítrio’, nem mesmo se propõe abordar suas implicações morais, religiosas, psicológicas, científicas, sociais, econômicas, politicas, ideológicas, etc.

A abordagem não é de cunho religioso, pois não visa impor questões éticas e morais, ou seja, não é prescritivo, não visa responder se o indivíduo é moralmente responsável por suas ações e nem se o homem é capaz de exercer escolhas genuínas.

A análise deste artigo tem por base princípios e figuras que a Bíblia apresenta.

 

Qual é o mito?

Deparei-me com um artigo na web com o título “O mito do livre-arbítrio” que fortemente me compeliu a comentá-lo. Para contextualizar a abordagem do tema, se faz necessário transcrever alguns pontos do artigo que está assinado pelo Pr. Walter Chantry.

Nos dois primeiros parágrafos do artigo temos a seguinte exposição:

“Ninguém pode negar que o homem tem vontade – que é a faculdade de escolher o que deseja dizer, fazer e pensar. Mas, já refletiu sobre a lastimável fraqueza da sua vontade? Embora tenha a capacidade de tomar uma decisão, você não tem o poder de realizar o seu propósito. A vontade pode projetar um curso de ação, mas não tem em si mesma a capacidade de realizar o que intenta. Os irmãos de José o odiavam e venderam-no como escravo. Mas Deus utilizou o que eles fizeram para torná-lo um governante sobre eles mesmos. Eles escolheram, com o seu curso de ação, prejudicar a José, mas Deus, em Seu poder, dirigiu os acontecimentos para o bem de José, que disse: “Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem” (Gn 50.20)” (grifo nosso) O mito do livre-arbítrio, Walter Chantry, pastor da Grace Baptist Church em Carlisle, PA, EUA – Traduzido por: Wellington Ferreira – Copyright© Walter Chantry, Editora Fiel, Traduzido do original em inglês: The Myth of Free Will extraído do site: www.the-highway.com/Myth.html.

O Pr. Chantry afirma que o homem possui a faculdade de ‘escolher o que desejar dizer, fazer e pensar’, ou seja, ele faz referência à vontade do homem, porém, em seguida, perde a lógica, pois faz algumas conjecturas sobre ‘decisão’ e ‘poder de realizar’ como se estivesse analisando a vontade. Para dar apoio à argumentação, que confunde ‘vontade’ com ‘decisão’ e ‘capacidade de realização’, cita os irmãos de José como prova de que o homem não tem a capacidade de realizar o que intenta sob a alegação de que a vontade do homem é fraca.

Nesta abordagem há uma distorção gravíssima sobre o que é ‘vontade’ e ‘decisão’, quando argumenta que a vontade não possui capacidade de realização. Propositadamente ou não, o que o Pr. Chantry propôs deriva do mesmo princípio do argumento do ‘paradoxo da pedra’, argumentação filosófica que contrapõe a onipotência divina com força física.

O paradoxo da pedra firma-se no argumento de que, se Deus tem poder para realizar qualquer ação, então teria que criar uma pedra que Ele mesmo não pudesse levantar. A argumentação não leva em conta que as leis da física não se aplicam a Deus.

Sem adentrar na seara do paradoxo da pedra que contrapõe indevidamente elementos que possuem naturezas completamente distintas como ‘força física’ e ‘poder criativo’, é inegável que Deus é livre e todo poderoso.

Na tentativa de encontrar uma impossibilidade em Deus, os homens se apoiam na lógica e em eventos físicos, mas a Bíblia revela abertamente e sem qualquer rodeio que Deus não pode mentir, ou seja, que Deus não pode negar a si mesmo “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” ( 2Tm 2:13 ; Tt 1:2 ).

Apesar de ser todo poderoso, a Bíblia apresenta várias impossibilidades em Deus, como: Deus não pode mentir, não pode ter o culpado por inocente, não pode justificar o ímpio, não pode aceitar suborno, não pode fazer acepção de pessoas, não pode mudar, etc. Ora, todas estas impossibilidades é segurança para os que creem!

A impossibilidade de mentir depõe contra a onipotência divina? Não! A impossibilidade seria uma fraqueza da vontade divina? Não! Se tal impossibilidade não depõe contra os atributos da divindade, de igual modo temos que considerar que a incapacidade humana de realizar algum desejo não depõe contra o seu livre arbítrio.

É aberrante tentar amalgamar ‘vontade’ com ‘capacidade de ação’, ou, abordar ambas como se fosse um só ente. A natureza da vontade e a natureza da capacidade de ação são completamente distintas, pois ‘capacidade de ação’, mesmo quando limitada por fatores externos ao homem, não o impede de desejar.

A vontade é algo inerente ao indivíduo e é definida como a ‘capacidade de autodeterminação’, ‘intencionalidade definida’, ‘anseio da alma’, o que diverge do conceito apresentado pelo Pr. Walter, de que vontade é ‘a faculdade de escolher o que deseja dizer, fazer e pensar’.

Há imprecisão na asserção apresentada, pois vontade não é o mesmo que escolha.

Temos que divisar bem. Estamos abordando o problema do livre-arbítrio, questão diferente da livre agencia, embora muitos trabalhem as duas questões como se fosse apenas uma. Na livre agencia há o problema das opções de escolha, que é fator limitador externo ao agente, mas a opção de escolha não limita a vontade. A livre agencia é condicionada a fator externo ao agente, já o livre-arbítrio não.

A vontade do homem não possui limites por não estar sujeita a fatores externos ao indivíduo, mas quando o homem se depara com opções de escolha, exercerá a sua liberdade dentro de parâmetros pré-estabelecidos, o que se denomina de livre agencia. Quando no exercício da escolha dentro das opções ofertadas não podemos aduzir que, em função do limite de opções há fraqueza na vontade do homem.

Nada há que limite a capacidade do homem de desejar e pensar e, se não há o que limite o homem quanto a esta capacidade, certo é que o homem possui livre-arbítrio. Faça você mesmo um exercício desta faculdade neste momento. Escolha o que você quiser pensar e resolva desejar o que você quiser desejar. Há qualquer fraqueza quanto a esta faculdade? Você não conseguiu pensar o que quis pensar, ou houve algum empecilho quanto àquilo que você quis desejar?

Uma pessoa pode desejar comer o doce que quiser, mas se for diabético, apesar do desejo livre, as suas escolhas quanto a comer doces estará condicionada a preservar a sua existência.

O Pr. Walter inicialmente abordou a vontade como faculdade, que em outras palavras é aptidão indissociável das disposições internas do indivíduo, em seguida procurou estabelecer a vontade como fraca em função de questões externas ao indivíduo, porém as questões externas estão relacionadas à capacidade de ação e não à vontade.

Quando se fala em vontade, fazemos referência à autodeterminação e tal capacidade não está investida de poderes mágicos, ou de onipotência. Há uma grande diferença entre vontade e capacidade de realização. Por exemplo: Deus quer que todos os homens se salvem e que venham ao conhecimento da verdade, porém, apesar de possuir todo poder (capacidade de realização), poucos são os que entram pela porta estreita “Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” ( 1Tm 2:4 ); “E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem” ( Mt 7:14 ).

Há incapacidade na vontade de Deus? Não!

O pastor Walter começa seu texto fazendo uma definição de vontade, e no afã de anular o livre arbítrio faz a seguinte colocação:

“Se a vontade do homem é tão potente, por que não desejar vivendo sempre e sempre? Mas você certamente vai morrer” Idem.

Quem, algum dia afirmou que há potencia na vontade? O termo livre arbítrio não trás a ideia de potência, mas a liberdade de julgamento íntimo!

Ora, a vontade do homem não é potente e nem impotente. Entretanto, se a premissa acima foi lançada no texto para demonstrar que o homem não tem mérito quanto a aceitar a salvação, ela é inócua, porque o mérito da salvação não se baseia em vontade, mas no agir de Deus segundo o seu propósito.

Embora a vontade não tenha em si mesmo o poder de realização, contudo, ela impulsiona o indivíduo a agir (trabalhar) em favor da realização. A ação é a fonte que possibilita a concretização do desejo. Pensar a vontade sem levar em conta que é no trabalho que está o poder de realização, promove confusão no trato do livre arbítrio.

Não há poder de realização quando se deseja ter uma casa, porém, o desejo é a chama que motiva o homem a trabalhar e construir uma casa para si. No trabalho encontra-se o poder de realização.

De igual modo, não há poder na vontade do homem quando deseja ser salvo. Quando se trata de uma casa, o homem pode trabalhar para conquistar seu desejo, mas com relação à salvação isto lhe é impossível alcançar através do labor.

Quando o discípulo Pedro perguntou: “Quem poderá, pois salvar-se?” ( Mt 19:25 ), Jesus respondeu: “Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível” ( Mt 19:26 ). Jesus apontou uma impossibilidade de realização, e não uma impossibilidade de desejar.

Com relação à salvação o homem pode desejar ser salvo, porém não pode conquistar tal desejo em si mesmo, mas como Deus deu garantia expressa que trabalha para aqueles que n’Ele esperam, basta esperar naquele que é poderoso para cumprir o que prometeu que será salvo, pois o evangelho anunciado por Cristo é poder de Deus para salvação dos homens “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele espera” ( Is 64:4 ); “E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” ( Jo 5:17 ); “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego” ( Rm 1:16 ).

Sem a vontade o homem fica apático às questões existenciais, não haverá valoração íntima quanto a exercer escolhas, o que o reduzirá a uma subespécie.

A vontade do indivíduo é para sua autodeterminação, ou seja, serve para nortear o curso da sua própria vida. A vontade não serve para direcionar o curso da vida alheia, quanto menos para alterar uma lei física.

Utilizar a passagem de José como exemplo para demonstrar que a vontade do homem é fraca não serve ao propósito, visto que, os irmãos de José desejaram traçar o curso da vida alheia. Os irmãos, por inveja, desejaram se livrar do “queridinho” do pai, mas cada qual do seu jeito. Uns queriam matá-lo, outros vendê-lo, e até mesmo houve quem desejou devolvê-lo ao pai. Cada um dos irmãos de José possuíam desejos distintos.

Quanto ao que os irmãos de José desejaram não há que se falar em fraqueza, pois cada um deles teve seu desejo livre dentro de si. Mas no que tange à capacidade de realizar havia obstáculos. Dentro das alternativas que dispunham, conseguiram afastar José da convivência familiar, pois primeiro lançaram José no poço e depois o venderam como escravo.

A vontade dos irmãos de José guiava o curso da vida deles, porém, a vontade deles jamais poderia guiar o curso da vida de José. Quando se fala de vontade, diz-se de faculdade que se restringe ao indivíduo, e jamais passa da pessoa do indivíduo.

Deus deseja que todos os homens se salvem, porém, muitos se perdem. A vontade de Deus é fraca, visto que Ele não leva a efeito o que deseja? Não! Embora Deus seja onipotente, contudo, não impõe a sua vontade às suas criaturas “Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade ( 2Co 3:17 ).

Quando Deus age, ninguém pode impedir, mas isto não se aplica à Sua vontade, pois quando Deus manda, a luz vem a existência, o mar obedece, o universo para, mas, diversas vezes na Bíblia vemos Deus pedindo obediência ao homem.

Quando Deus criou o homem, vê-se que Ele tem poder sobre o barro. Mas não impôs sua vontade sobre o vaso.

Não era da vontade de Deus que Adão o ofendesse, porém, Adão O ofendeu. A vontade de Adão tornou-se superior à vontade de Deus? Não! Deus simplesmente respeitou a decisão de Adão. Isto significa que não há como afirmar que a vontade é fraca ou forte. Não alcançar o que se deseja não torna a vontade fraca, e alcançar, não torna a vontade forte.

Embora os irmãos de José tenham intentado o mal e deram vazão à vontade que possuíam, contudo, pela ação de Deus em cumprir sua promessa feita a Abraão, José foi preservado tendo-se em vista a linhagem de Cristo, conforme o testemunho de José: “Pelo que Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande livramento” ( Gn 45:7 ).

Não quero aqui menosprezar a soberania de Deus, categoricamente na condição de Juiz supremo, ninguém há que possa escapar das mãos de Deus. Nesse quesito, agindo Deus, não há quem possa impedir. O supremo juiz tem poder sobre as suas criaturas “Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá?” ( Is 43:13 ). Mas no afã de exaltar a soberania de Deus, não devemos menosprezar Sua longanimidade.

Quando li esse parágrafo do artigo “O mito do livre-arbítrio”, fiquei impressionado com a confusão que se faz com livre-arbítrio (livre vontade), poder de decisão e capacidade de realização:

“Quantas das suas decisões são miseravelmente frustradas? Você pode desejar ser um milionário, mas é possível que a providência de Deus impeça isso. Você pode desejar ser um erudito, mas uma saúde comprometida, um lar instável, ou insuficiência financeira pode frustrar a sua vontade. Você pode querer sair de férias, mas um acidente de automóvel pode mandá-lo para o hospital” Idem.

A frustração nada mais é do que prova de que a vontade do homem é livre, pois o homem pode desejar o impossível, o que certamente trará frustração. A liberdade de desejar é faculdade diferente do poder de decisão, que por sua vez é diferente do poder de realizar.

Muitos desejam ser milionários, mas desejar ser milionário e ser milionário é o resultado de uma decisão?

Afirmar que a vontade de Deus impede um homem de ser milionário é contestar a palavra de Deus que diz que o sol nasce sobre os justos e injustos, é negar que a sorte foi lançada ao regaço de todos.

Não sei se fico triste ou alegre por Friedrich Nietzsche não estar vivo, pois as alegações do pensador acima daria azo para que Nietzsche dissesse mais blasfêmias ( Rm 2:24 ).

Se pelo fato de o homem não levar a termo as suas vontades, elas são tachadas de miseravelmente frustradas, que dizer da vontade de Deus, que é salvar todos os homens? Deus é miseravelmente frustrado?

Não é porque o homem não pode selecionar ou determinar a sua posição social, cor, inteligência, família, etc., que seu livre arbítrio está comprometido. Em qualquer condição que um ser humano nasce é possuidor de livre arbítrio, pode desejar o possível e o impossível.

Deus é Todo Poderoso, livre, a sua vontade é livre, mas a ninguém oprime.

Não se pode confundir a ‘vontade’ de Deus com o ‘propósito’ de Deus. Com relação ao propósito de Deus em salvar a humanidade, Ele AGIU soberanamente, pois nem mesmo poupou o seu próprio Filho. Mas com relação a sua vontade: ‘que todos se salvem e venham ao conhecimento da verdade’, não impõe, antes espera que os homens a experimentem “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus” ( Rm 12:2 ).

É através da vontade livre que os homens sonham, fazem projetos, se lançam às realizações, mesmo quando sentem que as suas forças não pode alcançar.

Muitos escravos, quando amarrados, em postes de tortura, embora não tivessem o poder de realizar os seus intentos, contudo persistia dentro deles o anseio pela liberdade, a vontade deles era livre, e homem algum poderiam sobrepujar os seus anseios e sonhos.

O fato dos sonhos serem frustrados em nada depõe contra a livre vontade do homem. Mesmo que a vontade seja frustrada, não impede que o homem permaneça desejando.

Por fim, o Pr. Walter utiliza duas citações bíblicas como prova das suas alegações:

“Uma sóbria reflexão sobre sua própria experiência levará à conclusão que: “O coração do homem propõe o seu caminho, mas o Senhor lhe DIRIGE os passos” (Pv 16.9). Em vez de exaltarmos a vontade humana, deveríamos humildemente louvar ao Senhor, cujos propósitos formam as nossas vidas. Assim como confessou Jeremias: “Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho, nem do homem que caminha o dirigir os seus passos” (Jr 10.23). Sim, você pode escolher e planejar o que tiver vontade, mas sua vontade não é livre para realizar nada contrário à vontade de Deus. Nem tem você a capacidade de alcançar qualquer meta que não seja aquela que Deus permitiu” Idem.

O que Jeremias confessa diante de Deus? Que você pode escolher e planejar o que tiver vontade, mas que sua vontade não é livre para realizar nada contrário à vontade de Deus? Que você não tem a capacidade de alcançar qualquer meta que não seja aquela que Deus permitiu ou estabeleceu? Não!

A asserção ‘… mas sua vontade não é livre para realizar nada contrário à vontade de Deus” contraria o que Deus diz: “Porque edificaram os altos de Baal, para queimarem seus filhos no fogo em holocaustos a Baal; o que nunca lhes ordenei, nem falei, nem me veio ao pensamento ( Jr 19:5 ).

É de se considerar que o profeta que Deus usou para falar que não é do homem seu caminho, e nem do que caminha o dirigir os seus passos, foi o mesmo que usou para dizer que certos homens (judeus) faziam coisas que Ele não ordenou, coisas que nem passou em seu pensamento.

Haveria confusão em Deus? Deus desconhecia o assunto que falava? De modo nenhum!

Deus falou muitas vezes, e de muitas maneiras; e uma destas maneiras foi usando figuras. Ao abordar as impossibilidades do homem no que tange ao caminho, Deus estava falando de salvação. O homem não escolhe a porta para entrar neste mundo. Foi o que Jesus explicou: o homem entra no mundo pela porta larga e é conduzido por um caminho largo à perdição porque Adão pecou. É impossível o homem ser conduzido pelo caminho estreito a Deus sem a providência divina da Porta Estreita.

 

Figuras e princípios

A Bíblia apresenta as figuras das duas portas (Adão e Cristo) que representam dois nascimentos (natural e espiritual), sendo que ambos os nascimentos é o meio pelo qual os homens acessam os caminhos (largo e apertado) que conduzem a dois destinos (morte e vida).

Os homens, quando vem ao mundo, só entram nele por intermédio do nascimento natural, ou seja, nasce segundo a carne, o sangue e a vontade do varão. Nenhum homem exerce escolha que venha determinar qual a sua condição diante de Deus, visto que, quando nasce, já está em um caminho que o conduz à perdição ( Jo 1:12 ).

O único homem que não entrou no mundo através da porta larga, foi Cristo Jesus, pois diferente de toda a humanidade, Ele foi lançado na madre por Deus ( Sl 22:10 ). Todos os outros homens, apesar de não terem feito escolha alguma, inexoravelmente são descritos como desviados de Deus desde que foram lançados na madre em função da semente corruptível de Adão, de modo que desde a madre a humanidade é descrita como mentira ( Sl 58:3 ).

Por causa da ofensa de Adão, resultante da sua escolha de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, todos os homens – juntamente – se desviaram de Deus – e em função daquela única escolha, todos se fizeram imundos ( Sl 53:3 ). O desvio e a imundície da humanidade não são apresentados na Bíblia como uma questão de ordem ética, moral, psíquica, religiosa, social, filosófica, etc., como várias correntes teológicas vêm apresentado ao longo da história da cristandade.

O pecado, a imundície, a alienação, a separação de Deus é condição intrínseca à natureza do homem em função da queda.

Como a humanidade estava na ‘coxa’ de Adão, todos os homens juntamente se desviaram e tornaram-se imundos, herdaram a escravidão ao pecado, condição que não depende das escolhas diárias. Por causa desta condição, o melhor dos homens é comparável a um espinho, e o mais justo a uma sebe de espinhos ( Mq 7:4 ).

Como a porta estreita é oposta a porta larga, Cristo é apresentado pelo apóstolo Paulo como o último Adão.  Da mesma forma que Adão foi criado como cabeça de homens carnais, Cristo foi introduzido no mundo como a cabeça de uma nova raça de homens espirituais ( 1Co 15:45 -49).

Ou seja, para sair do caminho de perdição, o homem natural precisa morrer com Cristo, ser sepultado e, então, deve ser criado de novo em verdadeira justiça e santidade, nascer de novo, e estará no caminho estreito que conduz o homem a Deus.

É necessário a todos os homens nascerem de novo, nascerem segundo a semente incorruptível do último Adão para alcançar a salvação.

De longa data muitos teólogos negam que o homem sem Cristo possui “livre-arbítrio” alegando que, por serem escravos do pecado deixaram de possuir o ‘livre arbítrio’.

Do ponto de vista existencial, não ter ‘livre arbítrio’ é o mesmo que reduzir a condição do homem a um patamar inferior ao dos animais, ou seja, o homem não passaria de uma máquina.

A condição do homem seria inferior a de um cachorro, visto que, por mais que se prenda um cachorro em canis, correntes, etc., instintivamente o animal é livre. Qualquer prisão arquitetada pelo homem somente mantém cativo o corpo do animal, porém, o animal é livre em seus instintos. Jamais o homem conseguirá exercer domínio sobre os instintos de um animal.

Qual o objetivo de muitos teólogos afirmarem que, com a queda de Adão, o homem perdeu o livre arbítrio? A pena prescrita e imposta por Deus à ofensa de Adão no Éden contemplava a perda do livre-arbítrio além da separação de Deus (morte)?

Na pena estabelecida no Éden não estava incluso a perda do ‘livre-arbítrio’. A pena foi: a morte (separação de Deus) “De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás ( Gn 2:17 -18).

Houve também a dosimetria, que inclui – para a mulher: maior dor emocional, dor na gestação, dor no dar à luz filhos e sujeição ao marido – para o homem: dor e sofrimento para conquistar o alimento e maldição da terra – para ambos: morte física.

Além da pena, acessoriamente o homem tornou-se como Deus, pois adquiriu o conhecimento do bem e do mal ( Gn 3:22 ), mas nada com relação à perda do juízo livre foi mencionado.

A negação do livre arbítrio, chamado de ‘determinismo teológico’, teve origem na doutrina calvinista da eleição e predestinação. Como pode ser isto? A doutrina calvinista afirma que, antes da criação Deus já havia escolhido e predestinado alguns homens à salvação e outros para a danação eterna. Por apresentar a predestinação como base da doutrina da salvação, a alternativa que restou para explicar tal fatalismo foi negar o livre-arbítrio.

A raiz do determinismo teológico é eco do fatalismo, filosofia Greco-romana que considera os acontecimentos no mundo produzidos de modo irrevogável por uma ordem cósmica. Na mitologia grega temos a ‘moira’, e entre os romanos o ‘fatum’, deuses que controlavam o destino de homens e divindades, destino este que submetiam e estava acima de todas as divindades.

A Bíblia não aborda o destino dentro de uma perspectiva fatalista, antes o termo ‘destino’ é empregado tão somente para descrever o lugar final de um caminho. Na Bíblia há dois caminhos que possuem seus respectivos destinos, e os destinos, por sua vez, não estão vinculados aos homens, e sim, aos caminhos.

Se o leitor se inteirar das discussões acadêmicas que abordam o livre arbítrio poderá observar que a ofensa de Adão e a obediência de Cristo não são consideradas. As considerações filosóficas do juízo livre só analisa a vontade humana como capacidade de escolha entre bem e mal, certo e errado e se conhecidos conscientemente – o que compromete o tema, se analisado sob a ótica bíblica. Ora, o mal que distancia o homem de Deus não é de ordem moral, visto que o mal ao qual a Bíblia faz menção e que separa o homem de Deus decorre da desobediência de Adão, e em seguida, que teve como consequência o conhecimento do bem e do mal.

As decisões cotidianas entre o certo e o errado, ou entre o bem e o mal não é o que trás alienação de Deus, antes tais julgamentos tem por base o conhecimento proveniente da árvore do conhecimento do bem e do mal que analisa e julga o comportamento humano.

Já o julgamento de Deus foi realizado com base na ofensa de Adão, pois foi a ofensa de Adão que trouxe o juízo de Deus e a condenação que trouxe perdição sobre a humanidade.

O livre arbítrio deve ser analisado levando-se em conta Cristo e Adão, pois ambos são representados figurativamente como portas que dão acesso a dois caminhos e que sujeitam os homens à justiça ou ao pecado.

É um equivoco das religiões julgarem que através da responsabilidade moral o homem garantirá a sua salvação ou perdição. A Bíblia demonstra que a perdição é uma herança, assim como a salvação. Os descendentes de Adão herdaram a perdição, de modo que todos os nascidos da carne e do sangue já estão condenados ( Jo 3:16 ), mas os que creem, são de novo gerados em Cristo e são herdeiros da salvação ( Hb 1:14 ).

Fazer uma leitura com base na responsabilidade moral da seguinte declaração do apóstolo Paulo: “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” ( Rm 9:21 ), é um equivoco, pois os vasos de desonra são os descendentes de Adão, e os vasos para honra são os descendentes de Cristo, sendo que Deus usa a mesma massa que os filhos de Adão foram feitos para, através de Cristo, fazer vasos de honra para Si, o qual somos nos, por termos crido em Cristo “Os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” ( Rm 9:24 ).

O artigo ‘O mito do livre-arbítrio’ repetidas vezes confunde ‘vontade’ com ‘poder de realização’. Novamente ele aborda a ideia de que a vontade do homem não é livre para realizar quando cita Jeremias. E não podemos ignorar também que este artigo, além de confundir a vontade do homem com o poder de realizar, também confunde a vontade de Deus com providência, ou seja, a vontade de Deus com o agir de Deus. Não é de admirar que o pastor Walter prevarique na explicação do livre arbítrio.

Veja este proverbio: “A alma do preguiçoso deseja, e coisa nenhuma alcança, mas a alma dos diligentes se farta” ( Pr 13:4 ). Por que o preguiçoso deseja e não alcança? Por que Deus se lhe opõe? Não! O preguiçoso não alcança porque não é diligente, porque se fosse diligente teria a alma farta segundo o seu desejo. Deus determinou que o homem comeria do suor de seu rosto (do seu trabalho). A fartura vem do trabalho. Ter fartura é fruto de trabalho e não apenas de vontade.

Quando Jeremias fala: – ‘O coração do homem propõe o seu caminho…’ , está testificando da parte de Deus que o homem tem a vontade livre, mas que não tem poder em si mesmo de mudar de caminho, visto que Deus estabeleceu que o homem trilharia o caminho da morte caso comesse do fruto do conhecimento do bem e do mal, e estabeleceu também que o homem passaria do caminho da morte para o caminho da vida se cresse em Cristo conforme seu Testemunho.

Quando o profeta diz: “Eu sei, ó Senhor, que não é do homem o seu caminho, nem do homem que caminha o dirigir os seus passos” ( Jr 10:23 ), faz uma referencia aos dois caminhos anunciados por Jesus. O Mestre anunciou haver dois caminhos, porém, em ambos não é o homem que dirige os seus passos, antes o caminho que trilha, porque o caminho largo dirige à perdição e o caminho estreito conduz seus passos à salvação ( Mt 7:13 -14).

Com esta confissão, Jeremias demonstra uma realidade espiritual, porém, o Pr. Walter não se apercebeu desta verdade, e fez uma colocação tímida das questões próprias ao supralapsarianismo e infralapsarianismo ao dizer que a vontade não é livre para realizar nada contrário à vontade de Deus e nem de alcançar qualquer meta que não seja aquela que Deus permitiu.

Jeremias era profeta de Deus e embora tenha usado linguagem e símbolos conhecidos pelos homens, estava discursando sobre coisas celestiais, pois é Deus que determina os caminhos, pois o caminho de perdição e o de salvação não pertence aos homens.

Existem dois caminhos determinados por Deus e cada caminho conduz o homem a um destino. São os caminhos que conduzem os homens à perdição ou à salvação. Porém, todos os homens que abrem a porta da madre entram no caminho de perdição, porque todos entraram pela porta larga que é Adão. Mas, há um convite para todos os homens que entrem pela porta estreita, que se aceitar (crer em Cristo), serão conduzidos a Deus.

Como todos os homens, que entram por Adão, são conduzidos pelo caminho largo à perdição, implica que, o coração do homem é segundo o seu caminho, ou seja, propõe o seu caminho: um coração de pedra é segundo o caminho de perdição. Para estar no caminho estreito é necessário um coração de carne, portanto o coração de carne é segundo a porta estreita “O coração do homem propõe o seu caminho, mas o Senhor lhe DIRIGE os passos” ( Pv 16:9 ).

O homem tem liberdade para querer tudo o que a sua alma desejar, porém, só pode alcançar os desejos que estão dentro das possibilidades que lhe são apresentadas.

Com relação às questões naturais, o homem pode desejar voar como um pássaro? Sim! Pode desejar, visto que a sua vontade é livre. No entanto, tal possibilidade não é factível, terá que se contentar voar de avião. Desta forma, temos a vontade livre e, quando não é possível realizar alguns sonhos, o homem pode implementá-los dentro do que é factível.

Um escravo podia desejar ser livre? Podia desejar, e ninguém jamais sobrepujou este poder em um escravo, porém, a possibilidade de escolher ser livre não existia. O que mantinha o escravo na condição de sujeição ao seu senhor? A lei. A lei determinava que o escravo era propriedade do seu senhor. Ele podia desejar ser livre? Podia e era livre para desejar, mas a possibilidade de se fazer livre não existia.

Ora, muitos escravos lutavam na arena para tentar conquistar o direito de poder ser livre. Ele tinha a vontade livre, mas não tinha o poder para exercer livre escolha, porém buscava tal poder na arena.

Podemos dizer que a livre agencia do homem é o seu poder de escolher entre alternativas. A vontade do homem é livre, porém, só pode decidir dentro das opções que lhe são apresentadas. Suas escolhas são influenciadas por forças exteriores e disposições internas.

Embora o homem possa ser compelido a agir em contrário a sua vontade, ou forçado a dizer o que ele não quer dizer, contudo é a sua vontade que guia suas ações segundo o que lhe for conveniente no momento. Até mesmo quando são apresentadas alternativas, a liberdade da vontade do homem se manifesta, pois deseja o vermelho ainda que só possa escolher entre amarelo e azul.

Mesmo diante de uma grave ameaça para não agir segundo a sua vontade, o homem continua de posse da sua livre vontade. Um escravo permanecia debaixo da sujeição em vista de um preceito legal e das punições. Se não fossem as punições que o coagisse, jamais seria escravo. Alguns, por ser livre quanto à vontade e por não temer a pena, fugiam ou dava cabo da própria vida. Outros, apesar da condição ignóbil, por se afeiçoarem de seus senhores, submetiam-se docilmente.

O homem faz escolhas baseado em seu entendimento, seus sentimentos, nas coisas de que gosta ou não gosta, ou seja, através das suas disposições internas. Em outras palavras, a vontade não é à parte do homem. O homem não é livre de si mesmo! As escolhas são determinadas pela vontade e sentimentos do homem. A vontade jamais é independente da natureza do individuo.

Não podemos dizer que a vontade é escrava da natureza do homem, antes que a vontade é um atributo desta mesma natureza, assim como os instintos de um animal.

A vontade é bastante parcial ao que se sabe, sente, ama e deseja. O homem sempre escolhe com base em sua disposição interna, de acordo com a condição de seu coração, portanto, é livre. Quando a vontade do homem é parcial com seu ser, indica que é livre.

A prisão da vontade seria decretada se fosse possível obrigar a vontade a ser imparcial com as disposições internas do próprio indivíduo.

Concluir que a vontade do pecador não é livre para fazer o bem, tendo em vista que o coração do homem sob o pecado é mau, deriva de uma confusão do que é bem e mau.

Para compreendermos o que é bem e mal conforme as coisas espirituais, devemos considerar o ensino de Jesus comparando-o com a abordagem do salmista Davi: “Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” ( Lc 11:13 ); “Desviaram-se todos, e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não, nem sequer um” ( Sl 53:3 ).

Embora Deus tenha visto que as maquinações do coração do homem são más continuamente, não significa que os homens não façam boas ações. Significa que dar boas dádivas aos seus semelhantes não é o mesmo que fazer o bem “E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” ( Gn 6:5 ).

Fazer o bem só é possível quando se está em Cristo, mas fazer boas ações é possível a todos os homens: quer sejam maus ou bons, quer sejam nobres ou vis “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más ( Jo 3:19 ). A impossibilidade de fazer o bem está no fato de o homem sem Cristo pertencer ao Pecado, e tudo que pertence a este “senhor” é mau.

Um escravo não podia ser livre por sua própria vontade porque esta possibilidade de escolha não existia. Mas, caso o seu senhor lhe apresentasse a oportunidade, por certo que, ao exercer a sua livre escolha, escolheria ser livre. É neste quesito que o apóstolo Paulo orientou alguns cristãos escravos: “Foste chamado sendo servo? não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião ( 1Co 7:21 ).

Embora a vontade é livre, a escolha é delimitada pelas possibilidades. Um escravo podia exercer inúmeras escolhas durante o seu dia. Qual o caminho para o trabalho, a ferramenta a ser utilizada, a quantidade de esforço, etc., porém, não existia a possibilidade de ser livre, o que revela a escolha delimitada dentro de possibilidades. O maior problema da escravidão era a falta de ocasião, visto que, a ocasião ficava a cargo do seu senhor.

Antes de pecar o homem possuía livre vontade. Ora, ele possuía a livre vontade: de todas as arvores comerás livremente! Ao exercer a livre vontade comendo da árvore do conhecimento do bem e do mal ofendeu Deus. Se ele não possuísse a vontade livre, jamais teria ofendido a Deus.

Porém, para exercer a livre vontade, foi concedido por Deus a Adão o poder de escolha: podia comer de todas as árvores que estavam no jardim, livremente, inclusive a do conhecimento do bem e do mal, apesar da ressalva: ( Gn 2:16 ).

Ao exercer a livre vontade, decidindo comer o fruto do conhecimento do bem e do mal, Adão perdeu a opção de união com Deus, pois se sujeitou a escolha de sua decisão anterior. É neste quesito que Adão tornou-se escravo de sua escolha, pois não havia opção que pudesse reverter a sua condição.

A vontade não molda questões da vida como posição social, cor, ou inteligência, mesmo porque quando Adão recebeu o livre arbítrio, assim como qualquer ser humano, a parte física já estava formada. Ora, apesar de ser livre, Adão não podia voar como os pássaros e nem nadar como os peixes. Ele não pode escolher ter sido criado ou não, e nem mesmo foi lhe perguntado se queria ter uma sogra. Não foi dado a Adão nenhum título, riqueza, honrarias, e ele nem mesmo escolheu a sua mulher, contudo sua vontade era livre.

A argumentação a seguir é inócua, pois não depõe contra o livre-arbítrio, antes caracteriza a vontade do homem como isenta de poder de realizar, mas não a isenta de liberdade.

“Os principais fatores que moldam a sua vida não se devem à sua vontade. Você não seleciona sua posição social, sua cor, sua inteligência, etc.”  Idem.

Ora, a liberdade da vontade não está em poder realizar, antes está em desejar, querer. Há uma imprecisão na argumentação de que a vontade do homem não é livre para realizar qualquer coisa contrária aos propósitos de Deus, pois a vontade diz do ‘querer’, do ‘desejo’.

A vontade de Adão era forte ou fraca quando se rebelou? De onde veio o poder que concedeu autonomia a Adão para ofender a vontade de Deus?

“Mas, você já refletiu sobre a profunda fraqueza de sua vontade? Embora você tenha a habilidade de fazer uma decisão, você não tem o poder de realizar seu propósito. A vontade pode planejar um curso de ação, mas não tem nenhum poder de executar sua intenção” Idem.

Planejar e realizar são coisas distintas. Jesus declara que, caso alguém queira edificar uma torre, primeiro é necessário planejar, verificar o quanto possui e o quanto gastará. O poder para construir uma torre é proveniente do seu trabalho e não da sua vontade “Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar?” ( Lc 14:28 ); “O desejo do preguiçoso o mata, porque as suas mãos recusam trabalhar” ( Pv 21:25 ).

A vontade de Deus nem sempre se realiza, mas o seu propósito sempre é realizado. O pastor Walter não soube distinguir o propósito de Deus da vontade de Deus. Com relação a sua vontade, Deus espera ( 1Tm 2:4 ), já o propósito de Deus é levado a efeito segundo o seu eficaz poder ( Fl 3:21 ). O propósito de Deus não contempla ações cotidianas dos homens, antes o seu eficaz poder de sujeitar a Si todas as coisas.

Se Deus tem propósito em cada ação do homem, como afirma alguns, como é possível os filhos de Israel terem sacrificado os seus filhos no fogo? Se nunca subiu ao coração de Deus que os homens queimassem seus filhos no fogo, de quem era o proposito que os filhos de Israel executaram? “E edificaram os altos de Tofete, que está no Vale do Filho de Hinom, para queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca ordenei, nem me subiu ao coração” ( Jr 7:31 ). Tal afirmativa somente seria possível se Deus pudesse mentir!

Contestar o livre-arbítrio através do argumento de que os principais fatores da vida do homem não são moldados por sua vontade já causa estranheza, mas o argumento de que foi Lázaro que resolveu responder o chamado de Jesus quando foi ressuscitado dentre os mortos, só pode ser adjetivado negativamente. Observe:

“Quem jamais escolheu ter sido criado? Quando Lázaro ressuscitou da morte ele decidiu responder à chamada de Cristo, mas não pôde decidir ter vida” (Idem).

Um morto, que desceu ao pó, depois de quatro dias na sepultura resolveu, decidiu, responder um chamado? A vontade de ninguém é responsável para que se venha ao mundo, tão pouco a vontade de um defunto. Com o termino das funções vitais não resta qualquer expectativa neste mundo. A ressurreição de Lázaro não se deu em função de uma resposta de Lázaro.

Ao dizer: – ‘Lázaro, vem para fora’, Jesus somente determinou quem seria ressuscitado. A determinação não dependeu da resposta de Lázaro, antes do poder de Deus.

Não é o homem quem realiza o seu novo nascimento, pois a vontade do homem não possui poder criativo, mas como a vontade de Deus é dar vida aos que creem em função do poder de Deus e da sabedoria de Deus, todos os homens de boa vontade que ouvem e crê na pregação do evangelho, recebe de Deus poder para ser criado de novo, em verdadeira justiça e santidade “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação (…) Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus” ( 1Co 1:21 -24).

As boas novas do evangelho são para os homens de boa vontade: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade” ( Lc 2:14 ), mas a concepção da depravação total transtornou até mesmo a tradução do verso em comento, pois a argumentação deles é contraria a ideia de que o homem possa ter boa vontade.

É dado aos que invocarem o nome do Senhor serem salvos ( Rm 10:13 ), mas para serem salvos é necessário primeiro alguém pregar. Para alguém pregar, antes é necessário a mensagem, pois a mensagem é o poder de Deus para salvação dos que creem.

Quando o homem crê na mensagem do evangelho, exalta a graça de Deus revelada em Cristo. A luz de Cristo brilhou aos que habitavam na região das sombras da morte, de modo que, ainda que o homem esteja morto, se crê, verá a Deus “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” ( Jo 11:25 ).

 

A Prisão Espiritual

No que consiste ser escravo do pecado? O servo do pecado não deseja ser livre? O pecador não deseja fazer o bem?

Ora, o apóstolo Paulo ao descrever as suas disposições internas sob o domínio do pecado, disse: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem” ( Rm 7:18 ).

Ele destaca que:

  • Na sua carne não reside bem algum;
  • Que a sua vontade era fazer o bem, e;
  • Havia uma impossibilidade decorrente da sua natureza: não conseguia realizar o bem.

Em se tratando de vontade, o homem não deve ser comparado aos animais. A comparação de que o leão faminto sempre escolhe carne fresca à salada, e que tais instintos animais são comparáveis às inclinações do homem no pecado é uma má leitura da Bíblia.

Os animais possuem instintos, o homem possui vontade, consciência e inteligência. Instintivamente um leão sempre comerá carne, já com relação ao homem, ele leva em conta suas preferências antes de escolher.

Se os leões possuem instintos e os homens consciência, a natureza de ambos são distintas e, portanto, não se aplica uma mesma regra a homens e animais. O que dita a escolha do homem é a sua vontade.

“Se carne fresca e salada fossem colocadas diante de um leão faminto, ele escolheria a carne. Isso aconteceria porque a natureza do leão dita a escolha. O mesmo se aplica ao homem. A vontade do homem é livre de força exterior, mas não é livre das inclinações da natureza humana. E essas inclinações são contra Deus. O poder de decisão do homem é livre para escolher o que o coração humano dita; portanto, não há possibilidade de um homem escolher agradar a Deus sem a obra anterior da graça divina”  Idem.

O que se observa nas escrituras? Que muitos homens procuravam servir a Deus, porém, sem entendimento. Não serviam a Deus segundo a novidade das boas novas do evangelho, da palavra, do espírito, antes buscavam servir a Deus através da velhice da letra ( Rm 7:6 ; Rm 10:2 ).

Estes versos demonstram que muitos buscavam a Deus, porém, não conseguiam alcança-lo por falta de entendimento, ou seja, do conhecimento que há no evangelho “Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniquidades deles levará sobre si” ( Is 53:11 ).

Para servir a Deus é necessário um conhecimento especifico que está no evangelho, porém, as obras dos judeus eram más continuamente porque não eram feitas em Deus ( Jo 3:21 ), ou seja, eles eram ensinados a praticar o mal, não possuíam o conhecimento do santo os ‘obreiros da iniquidade’, pois seguia o engano dos seus corações ( Sl 53:4 ).

E que engano era esse? Que eram filhos de Abraão e, por conseguinte, filhos de Deus. Não era engano de ações cotidianas, mas de conceito. Até porque a nação de Israel recebeu instruções do próprio Deus: “E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós?” ( Dt 4:8 ).

A verdade é que não lhes resplandeceu a luz do evangelho para verem que eram descendência de Adão, e que estavam em igual condição aos outros povos. Apesar de Deus ter anunciado que eles não eram de fato justo, se achavam justos aos seus próprios olhos e melhores que os outros povos ( Dt 9:4 ).

No antigo testamento o povo de Israel é descrito como cegos, ou seja, um povo que rejeitava ver a verdade expressa nas Escrituras. Com relação à humanidade não é utilizado a figura do cego para descrevê-los, são descritos como povo que habita a região das trevas e que haveriam de ver uma grande luz.

Se os judeus admitissem que eram cegos, não teriam pecado, pois se assim confessassem, demonstraria que eram iguais aos demais pecadores, habitantes da regiões das trevas “Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece” ( Jo 9:41 ).

Um dos erros da concepção de que o livre arbítrio é um mito é aplicar uma figura utilizada para descrever a condição dos filhos de Israel e de seus lideres (condutores cegos que guiam cegos) e aplica-la a humanidade para estabelecer a inabilidade do homem em crer em Cristo “Deixai-os; são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova” ( Mt 15:14 ).

O que dizer de versículos como esta citação dos salmos: “… não há ninguém que busque a Deus” ( Rm 3:11 ). O que dizer da citação de Jeremias: “Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal” ( Jr 13:23 ).

Uma leitura equivoca dos versos acima dirá que o ser humano possui uma inabilidade para ouvir e crer, ou que é cego para as coisas de Deus, ou que está morto, e se está morto não pode ouvir e nem crer. Porém, os versos acima depõem contra os judeus, demonstrando que eles se encaixam na mesma condição da humanidade, pois o que a lei diz, diz aos que se guia por ela.

Os versículos não dizem que ninguém desejava aproximar-se de Deus, antes os versos demonstram que, apesar de desejarem buscar a Deus os judeus não buscavam a Deus, de modo que não havia diferença entre judeus e gregos ( Rm 3:9 ). Como o apóstolo Paulo chegou à conclusão que não havia diferença entre judeus e gregos? Através da Escritura que diz: ‘não há ninguém que busque a Deus’. Porque lhes faltava o entendimento, o conhecimento! “Deus olha dos céus para os filhos dos homens, para ver se há algum que tem entendimento e busca a Deus” ( Sl 53:2 ).

A leitura correta do salmo 53 deve ter por base o ‘entendimento’. Deus olha dos céus para os filhos dos homens para ver se eles possuem entendimento. Ora, entre os gentios não havia o entendimento necessário para buscar a Deus, e entre os filhos de Israel, apesar de possuírem a Escritura, não compreendiam, pois os obreiros não tinham o conhecimento.

Por que não há ninguém que faça o bem? Porque os obreiros (servos) do pecado não tem o conhecimento “Acaso não têm conhecimento estes obreiros…” ( Sl 53:4 ). E quem são esses obreiros? São os lideres de Israel, que se alimentavam do povo, porém, prevaricaram quanto às suas atribuições. Eles, no afã de se achegarem a Deus ensinavam um conhecimento que não salvava, pois ensinavam mandamentos de homens.

Por que o salmista é enfático em dizer que não há quem faça o bem? A resposta advém do contexto em que o apóstolo Paulo cita o salmo: para demonstrar que os judeus, que diziam buscar a Deus, não eram melhores que os gentios, sendo que judeus e gregos, todos estavam debaixo do pecado.

Quando as escrituras dizem que: “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus” ( Rm 3:10 -11), evidencia que, embora os judeus tivessem zelo de Deus, liam as escrituras, faziam sacrifícios continuamente, mas na verdade, não buscavam a Deus.

Os salmos depunham contra os judeus: “ACASO falais vós, deveras, ó congregação, a justiça? Julgais retamente, ó filhos dos homens?” ( Sl 58:1 ), e Jesus enfatizou esta verdade: “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” ( Jo 7:24 ).

Para quem foi escrito a lei? O apóstolo Paulo responde: “Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus” ( Rm 3:19 ).

Para quem foi escrito que o etíope não pode mudar a cor da sua pele e, tão pouco o leopardo? Romanos 3, verso 19 responde. Mas, por que não podiam? Por que não buscavam? Por que não tinham livre escolha? Não! A resposta é clara: porque lhes faltava o entendimento, uma vez eram ensinados a fazer o mal “Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal” ( Jr 13:23 ; Mt 3:7 ).

A figura do leopardo e a do etíope demonstra que tanto judeus quanto gentios não podiam mudar a condição deles diante de Deus. Porque os judeus não podiam mudar a condição deles? Porque o que lhes era ensinado era o mal, e não o bem.

Isto não significa que possuíam uma inabilidade para aprender, antes que a inabilidade estava na matéria que aprendiam continuadamente: eram ensinados a fazer o mal. Ora, se fossem ensinados a fazer o bem, aprenderiam o bem, claro está que receberiam poder para mudar a condição deles, pois Deus dá tal poder aos que vierem e aprenderem daquele que humilde e manso de coração ( Jr 13:11 ; Jo 1:12 ; Mt 11:29 ).

Em outras palavras, Israel precisava deixar instruir-se pelo próprio Deus e abandonar os preceitos de homens.

Como é possível alguém ensinar o seu próximo a fazer o mal como os obreiros da iniquidade faziam? Como os filhos de Israel foram lançados na madre ímpios, pois foram concebidos em pecado, ou seja, através da semente de Adão, falavam mentiras desde que nasciam ( Sl 58:3 ). Dai o imperativo: “Estas são as coisas que deveis fazer: Falai a verdade cada um com o seu próximo; executai juízo de verdade e de paz nas vossas portas” ( Zc 8:16 ), mas não tinham o conhecimento do santo e nem julgavam segundo a reta justiça.

As escrituras sempre demonstraram aos judeus que ninguém buscava a Deus, antes se desviaram juntamente, e todos os homens se fizeram imundos ( Sl 53:1 -3). Mas, os mestres de Israel entendiam que eles não estavam em igual condição aos demais homens, acreditavam que eram filhos de Deus por serem descentes de Abraão. Eles entendiam que o Salmo 53 apontava somente para os gentios.

O erro deles consistia no fato de confiarem da carne. Esqueciam que todos os homens juntamente se desviaram, e que eles estavam inclusos neste evento. Que não eram filhos de Abraão, antes filhos de Adão, o primeiro pai de todos os homens, por quem entrou o pecado no mundo “Teu primeiro pai pecou, e os teus intérpretes prevaricaram contra mim” ( Is 43:27 ). Embora avisado de que eram filhos da desobediência de Adão, continuavam ensinado que eram filhos de Abraão. Em Adão transgrediram “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim” ( Os 6:7 ), ou “Em Adam eles quebraram a minha aliança, aí eles me traíram” ( Os 6:7 ) CNBB.

A Bíblia afirma categoricamente que a condição do homem é de sujeição ao pecado, e utiliza a figura da escravidão para levar o leitor a compreender tal condição. Uma figura serve de ilustração e dever ser analisada em todas as suas nuances.

Nos regimes escravagistas a sujeição dos escravos aos seus senhores se dava por meio do corpo. Os senhores compravam o corpo do escravo para subjugá-los, porém, nada contava das escrituras a vontade, a mente e as disposições internas dos indivíduos a serem escravizados.

O que os senhores olhavam num escravo? O porte físico, os dentes, a coloração dos olhos e mucosas, etc. Ou seja, eles não tinham como aferir as disposições internas dos escravos. Eles compravam, pagavam e levavam para suas terras. Nas suas terras vinha a surpresa: os escravos acabavam por revelar as suas disposições internas! Podia ser um bom escravo ou um mal escravo. Trabalhador ou preguiçoso. Serviçal ou arredio, etc.

E o que submetia os escravos aos seus senhores? A lei e as penas previstas. Como a lei submetia os escravos aos seus senhores? Prevendo castigos severos àqueles que não servissem os seus senhores a contento, ou que tentasse fugir.

A fuga era uma saída? Paliativa, porque para a lei e seu senhor, jamais o escravo deixaria de ser escravo. Todos estes aspectos pertinentes à escravidão aplicam-se ao pecado, visto que ele é descrito nas Escrituras como um senhor de escravos que escraviza o corpo, e não as disposições internas como a vontade.

É por isso que a cruz de Cristo foi estabelecida: para desfazer o corpo do pecado “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” ( Rm 6:6 ). O pecado exerce domínio por causa da condição que a humanidade herdou de Adão e que sujeita o corpo de todos os homens.

Assim como os escravos só eram livres do seu senhor quando morriam, o único modo de os homens sob o pecado serem libertos é morrendo. Quando se crê em Cristo, o homem morre e é sepultado. Quando sepultado, o homem é criado de novo em verdadeira justiça e santidade, possuidor de um novo corpo unido ao corpo de Cristo. O novo corpo ressurreto com Cristo é livre do domínio do pecado, sendo possível servir à justiça ( Cl 3:1 ).

A vontade de um servo do pecado é livre, porém, o que o submete ao senhorio do pecado é a lei e a pena. Qual lei e qual pena? A lei instituída no Éden, que diz: “E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” ( Gn 2:16 -17).

Através da lei santa, justa e boa instituída no Éden o pecado achou ocasião e matou o homem ( Rm 8:11 ), e a força do pecado decorre da própria lei santa, justa e boa ( 1Co 15:16 ). A lei que matou o homem não foi a de Moisés, antes a lei perfeita concedida no Éden ( 1Co 15:22 ).

E porque os homens ainda permanecessem sob o domínio do pecado? Por causa da pena imposta! Como? A vontade do homem é livre, porém, permanece sujeito à servidão “E livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” ( Hb 2:15 ).

A Bíblia afirma com todas as letras que a vontade humana faz a decisão crucial de vida espiritual. A vontade do pecador é totalmente livre para decidir-se ou não pela vida eterna oferecida em Jesus. O homem não está numa posição cômoda que possa se dar ao luxo de escolher entre salvação ou perdição. Ele está perdido e precisa decidir entrar pela porta estreita que livra a todos quantos entrarem por ela.

Deus dará um novo coração e um novo espírito a todos que, pelo poder de Deus contido no evangelho, decidirem (livre vontade) receber a Jesus Cristo, que é a opção concedida por Deus ao homem que o livra da condenação. Não há dúvida de que receber a Jesus Cristo é um exercício da liberdade humana, o que denominamos ‘crer’, ‘ter fé’, ‘descansar na esperança proposta’, ‘estar quieto’, etc.

Como o homem chega e recebe espontaneamente o Senhor? A resposta é: Pelo poder contido no evangelho que lhe é oferecido. Como pode ser isso? Jesus, além de profeta, é o Verbo de Deus. Receber a Jesus significa crer em tudo que ele diz, e ele disse em João “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” ( Jo 11:25 ). O que ocorre se o homem crer? Jesus mesmo disse: “Disse-lhe Jesus: Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” ( Jo 11:40 ).

Em João 8, verso 41 à 45, Jesus deixou claro que os judeus que se diziam crer n’Ele não eram filhos de Abraão, antes filhos de Satanás. Novamente o texto e o contexto remetem aos judeus que achavam que estavam em posição privilegiada diante de Deus por serem descendentes da carne de Abraão, e Jesus tenta convencê-los do contrário.

Dizer que a vontade humana não escolherá crer em Deus é tornar o evangelho inócuo. João 8, verso 41 à 45 não afirma a ideia da inabilidade do homem crer, visto que os judeus tinham zelo de Deus, porém sem entendimento, ou seja, sem Cristo.

Quando o conhecimento verdadeiro que dá entendimento aos homens se posicionou diante deles dizendo: “Se permanecerdes no meu ensino, verdadeiramente sereis meus discípulos, então conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” ( Jo 8:31 -32 ), não creram. Por que não creram? Porque não eram livres, incapacitados para serem ensinados? Não! Antes, mesmo sendo livres para crer preferiram continuar de posse do mal que foram ensinados “Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca” ( Mt 12:34 ); “Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal” ( Jr 13:23 ).

Jesus estava ensinando a fazer o bem, ou seja, a vontade de Deus, que é crer naquele que Ele enviou. Mas, como os judeus estavam acostumados com o ensino do mal, não fizeram o bem que é obedecer a Deus que estabeleceu Cristo como a pedra eleita e preciosa “E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu batismo, dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura?” ( Mt 3:7 ).

A pergunta: ‘Quem vos ensinou?’ é pertinente, pois o povo de Israel foi ensinado errado, e através de Cristo, o reino dos céus, alcançariam poder para serem feitos filhos de Deus.

Apesar de a vontade ser livre, não é ela que dá o escape ao homem sob o pecado, antes o escape é providência divina que advém do conhecimento apregoado por Cristo. É no conhecimento contido no evangelho que está o poder de Deus para salvação, e não na vontade do homem. A única realização da vontade humana é descansar, ou seja, nada realizar, ficar quieto, crendo em Cristo “Porque assim diz o Senhor DEUS, o Santo de Israel: Voltando e descansando sereis salvos; no sossego e na confiança estaria a vossa força, mas não quisestes” ( Is 30:15 ). O homem crê, Deus realiza. O homem decide, Deus opera. O homem descansa, Deus trabalha em favor daqueles que nele espera. Aleluia!

Ter fé, crer, acreditar, descansar, sossegar, ficar quieto é a ação da vontade livre diante da oferta de salvação. Ou seja, não é por obra, é pela fé somente. O exercício da fé não pode ser confundido com obras, visto que a fé é descansar, estar quieto e tranquilo, e a obra demanda trabalho, empenho. Deus se empenhou na salvação da humanidade se fazendo homem, sofrendo as mesmas paixões, suportando a cruz.

Como afirmar que crê é salvar-se pelas obras, se crer é descansar? Como haverá dívida se o homem somente descansa na esperança proposta? “Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida” ( Rm 4:4 ).

Quando o homem crê, na verdade é uma obra que Deus realizou “Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou” ( Jo 6:29 ). E como Deus realiza a sua obra? Por intermédio da sua palavra.

Devemos ter cuidado com doutrinas que se utilizam de superadjetivação para alguns posicionamentos: inimizade violenta contra Deus, todas as outras partes do homem clamam por rebelião, todo o seu ser odeia a verdade; a vontade humana está desesperadamente escravizada; graça preveniente, graça irresistível, graça geral, etc.

Adjetivar o que não foi adjetivado é uma clara violação do mandamento: “Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro” ( Ap 22:18 ).

Observe:

“Leia João 1.12-13. Essa passagem diz que aqueles que creem em Jesus foram nascidos não “da vontade do homem, mas de Deus”. Assim como a sua vontade não é responsável por sua vinda a este mundo, assim também ela não é responsável pelo novo nascimento” Idem.

O escritor faz uma má aplicação dos versos citados, visto que assim como os filhos segundo a carne são gerados segundo a vontade dos pais ( Jo 1:12 e Jo 3:6 ), assim são os de novo nascidos, são gerados da vontade de Deus.

Mas, a vontade de Deus não é fazer os descrentes seus filhos, antes é fazer os que creem em Cristo seus filhos. É Deus o responsável pela vinda de seus filhos ao mundo, mas só são feitos filhos os que creem. É neste ponto que temos a advertência de Deus: “Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações” ( Jr 26:3 )

Quando o homem é gerado segundo Adão herda um coração de pedra, um coração que é segundo o caminho de perdição. Quando ouve a verdade e crê, Deus cria um novo coração e dá um novo espírito, um coração que é segundo o caminho de salvação “O coração do homem propõe o seu caminho, mas o Senhor lhe DIRIGE os passos” ( Pv 16:9 ); “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne” ( Ez 36:26 ).

O que os versos demonstram é que há duas vontades que determinam os nascimentos. Os homens são gerados primeiramente através da vontade do varão (Adão) e gerados de novo através da vontade do último Adão, que é Cristo “Mas não é primeiro o espiritual, senão o natural; depois o espiritual” ( 1Co 15:46 ). Não é porque o homem não vem ao mundo por sua própria vontade que a sua vontade não é livre.

Adão não escolheu vir ao mundo, mas depois que veio ao mundo, Deus lhe deu livre arbítrio e não tirou “Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” ( Rm 11:29 ).

O evangelho é a fé que havia de manifestar-se, e por si só é um ato de Deus em prol da salvação dos pecadores ( Gl 3:23 ). Quando falamos da fé que foi manifesta e entregue aos santos, ela é poder e sabedoria de Deus “Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus” ( 1Co 1:24 ; Jd 1:3 ).

O que o cristão apregoa é poder e sabedoria para salvação “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” ( 1Co 1:18 ). Esta fé dada aos santos é ato proveniente da vontade e misericórdia de Deus.

Ao ouvir o evangelho, que é poder para os que creem a reação do homem não é um ato que envolva mérito, mas uma aquiescência. Da sua reação frente à mensagem não resulta ato ou obra alguma. Aquiescer à esperança proposta é assentar, descansar, estar quieto. Para os que creem Jesus concede salvação.

Não é a vontade do homem que lhe concede esperança, visto que a vontade do homem não é dotada com o poder de realizar, antes a esperança é Cristo que apresenta a proposta de salvação. Os salvos não confiam na vontade livre, antes confiam naquele que é poderoso para salvar e que trabalha para aqueles que nele confiam “E andarei em liberdade; pois busco os teus preceitos” ( Sl 119:45 ).

Onde o Espírito de Deus está, ai há liberdade: “E até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas, quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará. Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” ( 2Co 3:15 -17 ); “Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações” ( Jr 26:3 ).

A sequência dos eventos para a salvação é: Cristo – vida manifesta; os mortos ouvem e creem; então são regenerados (morte espiritual é separação de Deus – morte física é descer ao pó). O novo coração e um novo espirito só é concedido aos que creem, ou seja, que invocam a Deus: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto” ( Sl 51:10 ).

O clamor ‘cria em mim’ deriva de um coração contrito, ou seja, que crê “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos” ( Is 57:15 ). Quem pede é porque confia, e pede porque ainda não tem. É um contra sendo pedir um coração novo quando se tem, e confiar pedido quando não se crê. Em primeiro lugar é necessário contrição, pois Deus só vivifica os contritos e abatidos de espírito

Por que é lido Moisés? Por que é anunciado o evangelho? Porque Deus espera que os homens ouçam e se convertam ao Senhor, pois aprove Deus salvar os crentes através da loucura da pregação e não através da doutrina que tem por base o pensamento pagão grego de destino.

Embora Deus quer (vontade) que todos se salvem e venham ao conhecimento da verdade, resigna-se a apresentar a sua palavra como se rogasse, de modo que, se ouvirem, Ele espera que os homens O obedeçam e convertam-se do mau caminho “Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações” ( Jr 26:3 ); “De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus” ( 2Co 5:20 ).

 

Contradições

No final do artigo ‘O mito do livre arbítrio’ o autor faz um apelo à vontade humana quando diz:

Lance-se à misericórdia de Deus para a salvação. Rogue ao Espírito de Graça para que Ele crie um novo espírito dentro de você”  Idem.

Ora, se a vontade humana não é livre para decidir se achegar a Deus, antes o homem é escolhido e predestinado por Ele para a salvação, o encerramento do artigo não deveria conter um apelo à vontade do homem, antes deveria ser finalizado como conscientização, demonstrando aos leitores que é para se resignarem, devido à inabilidade humana para salvação, pois se fossem eleitos para serem regenerados, naturalmente se lançariam à misericórdia, mas se não, de nada adiantaria crer em Cristo.

É contraditório um artigo que no inicio defende que a vontade está presa às cadeias da malignidade da natureza humana e terminar apelando à mesma vontade que se lance à misericórdia e que rogue a Deus para criar um espirito novo. Não foi defendido durante o artigo que se Deus primeiro não conceder vida é impossível o homem ouvir a palavra de Deus e crer?

Para defender a ideia da inabilidade humana, de que o pecador não pode responder ao convite do evangelho crendo, o Pr. Walter citou João 1, versos 12 e 13, onde o apóstolo João defende que, todos quantos recebem a Cristo, a saber, que creem em seu nome, Deus concede poder para ser feito filho de Deus “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” ( Jo 1:12 -13).

Vemos a asserção do apóstolo João invertida no artigo do Pr. Walter, pois ele ardilosamente procura demonstrar que primeiro é necessário Deus conceder vida ao homem para tornar possível o homem crer.

Para o homem crer, primeiro foi necessário Deus dar a vida, mas a vida que Deus dá é Cristo, de modo que, estando todos habitando nas regiões das trevas, mortos em delitos e pecado, raiou a luz, e a luz que raiou nas trevas é a vida dos homens ( Jo 1:5 -4). Neste sentido a vida precede o crer, pois antes de o homem crer foi necessária a Fé se manifestar, ou seja, Cristo vir ao mundo ( Gl 3:23 ).

A luz se manifestou e o seu povo (Israel) rejeitou, mas todos quantos o receberam, foram agraciados por Deus com a filiação divina, se crer. Jesus foi rejeitado pelo seu povo porque acharam que já eram filhos de Deus por terem sido gerados segundo a carne e o sangue de Abraão, mas o apóstolo João demonstra que os nascidos da carne e do sangue não são filhos de Deus, somente os nascidos segundo a vontade de Deus.

A Bíblia demonstra que Deus trabalha em prol dos que n’Ele esperam “Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele espera” ( Is 64:4 ).

Como esperar em quem não se crê? E como crer se não ouvir?  Como ouvir se não há quem pregue? “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” ( Rm 10:14 ).

Deus roga através dos embaixadores de Cristo que os homens se reconciliem Ele, o que demonstra que a vontade de Deus não é imposta. Quando o evangelho da parte de Cristo é anunciado, Deus espera que cada homem se converta do seu mal caminho: “Bem pode ser que ouçam, e se convertam cada um do seu mau caminho, e eu me arrependa do mal que intento fazer-lhes por causa da maldade das suas ações” ( Jr 26:3 ); “De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse. Rogamos-vos, pois, da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus” ( 2Co 5:20 ).

Claudio Crispim

É articulista do Portal Estudo Bíblico (https://estudobiblico.org), com mais de 360 artigos publicados e distribuídos gratuitamente na web. Nasceu em Mato Grosso do Sul, Nova Andradina, Brasil, em 1973. Aos 2 anos de idade sua família mudou-se para São Paulo, onde vive até hoje. O pai, ‘in memória’, exerceu o oficio de motorista coletivo e, a mãe, é comerciante, sendo ambos evangélicos. Cursou o Bacharelado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública na Academia de Policia Militar do Barro Branco, se formando em 2003, e, atualmente, exerce é Capitão da Policia Militar do Estado de São Paulo. Casado com a Sra. Jussara, e pai de dois filhos: Larissa e Vinícius.

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